segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Morrer: baixar o cortinado no último acto

(Este texto não é da nossa autoria, mas é belíssimo. Guardámo-lo para estes dias em que celebramos Todos os Santos e os Fiéis Defuntos, e em que falamos em fé, em morte, em vida, em ressurreição, em vida eterna):

       A vida é preciosa e quando a vivemos com Fé, com alegria e conscientes de que ela tem continuidade, e tem sentido, aceitamo-la em todas as suas fases com tranquilidade e com naturalidade.
       Ela é para assim dizer uma peça de teatro em que cada pessoa é a figura principal: dividida em vários actos, uns alegres, outros mais violentos e mais dramáticos, mais tristes; mas todos fazem parte dessa mesma vida: em suma uma história... e finalmente, seja qual for o conteúdo, o fim é sempre o mesmo...Acabou, morreu, faleceu, ou para não ser tão doloroso diz-se partiu.
       Eu gosto mais deste termo “partiu”, dá-me como que uma sensação de viagem.
       Lembro-me, de que quando trabalhava em cuidados paliativos com os doentes da Sida., um dia, um deles andava numa azafama terrível à procura dos papéis de identidade porque, dizia ele, que ia partir no dia seguinte e queria ter tudo em ordem, claro que não era o caso da alta, fez as malas e despediu-se de nós e de noite ele partiu, (morreu).
       Quando cheguei de manhã vi a cama vazia...

       Cada um tenta gerir o sofrimento e a dor conforme pode... claro que não é fácil aceitar a morte de alguém que fez parte da nossa vida, da nossa infância, sim isso dói, porque a presença física vai faltar, e também porque a morte dos outros, nossos próximos é o espelho da nossa própria morte, mas dentro de nós fica toda a história toda a recordação, toda a saudade e mais que isso, a Promessa da Eternidade.
Impressiona-me muito ouvir frases como estas ao leito do moribundo:
“Somos pouca coisa”.
“Ao que nós chegámos”
“A vida é isto”
“Não podemos escapar”
Mas há também outras frases que nos ficam no ouvido:
"Que sossego”
“Parece que está a dormir”
“Que repouso”
“Parece que está a sorrir”
“Deus está com ele, ela”
E ainda outras frases:
“Para quê estar aqui?”
“De que vale toda a sua fortuna?”
“Morreu como todos”
       Todas estas frases têm sentido e são o sentir da nossa percepção da morte
       Muitas vezes quereríamos estar mais presentes, falar com eles mas isso não é possível, porque a distância é grande, ou porque fomos alertados na última hora,
       Outras vezes os nossos medos, recusando o processo de morrer incomoda-nos de tal modo que preferimos ficar á distância.
       Na quarta-feira telefonaram-me a dizer que a minha tia estava em cuidados paliativos Que estava em coma, eu e o meu marido deslocámo-nos 300 km e fomos despedir-nos.
       Estivemos umas duas horas com ela, ela já não falava mas de vez em quando abria os olhitos, sinal de que ia estando connosco, falámos dos belos tempos e ainda sorrimos.
       Todos íamos tocando nas suas mãos e nos seus braços com paz e tranquilidade, ela estava calma, estava com tranquilizantes, mas a nossa paz interior também ajudava muito.
       Ela não falava, mas enquanto estive ali sentada ao lado dela vivi tanta coisa linda... “os últimos instantes”.
       Os familiares mais chegados estavam lá, falamos de coisas banais, da aldeia, dos netos dela e de outros familiares. Fiquei muito feliz de ter estado com ela ainda em vida.
       Quando me despedi, disse-lhe Adeus disse-lhe que não tivesse medo, ela faleceu pela manhã.
       Foi um novo amanhecer... A vida continua.
       A morte é apenas o cortinado que foi fechado neste último acto.

1 comentário:

  1. Boa noite
    Diria antes bom por do sol...
    "Foi um novo amanhecer... A vida contínua"
    Gosto imenso da ilustração deste texto.
    Obrigada
    Abraço fraterno em Cristo
    Utilia

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