sábado, 29 de setembro de 2012

XXVI Domingo do Tempo Comum - ano B - 30 de setembro

       1 – Todos, por certo, em alguma ocasião, ouvimos alguém a falar com satisfação do mal alheio, do que aconteceu a este ou aquele. Por um lado, é verdade, com o mal dos outros podemos nós bem. Por outro, mais cedo ou mais tarde, o que de mal acontece aos outros também nos pode bater à porta, ou de algum modo nos afetar, como na atual e persistente crise económico-financeira. Todo o cuidado é pouco. Arremessamos pedras e não nos damos conta que o nosso telhado também é frágil e talvez de vidro simples.
       Dizer mal só por dizer, ou para distrair, pode ser muito mais do que isso, pode ser revelador de inveja, de ciúme, ou ser uma forma de esconder os nossos medos e também as nossas insuficiências. Com efeito, se desviarmos a atenção dos que nos rodeiam para terceiros, ficamos nós com as costas em repouso. Há quem refira mesmo que o que criticamos nos outros é aquilo que não gostamos em nós. Também aqui vale a máxima, nos outros nos revemos a nós (e não apenas nas costas dos outros).
       A sabedoria e a humildade ensinar-nos-ão que os outros têm muitas qualidades que não nos fazem afronta, e que a “sorte” que os invade em nada nos prejudica ou diminui. Com mais ou menos esforço, o bem que vemos espelhado nos outros, pode ser um sinal de esperança para nós, ou o desafio para ultrapassarmos o que agora nos paralisa, ou, ao menos, a certeza que nem tudo vai mal neste reino.
       2 – No evangelho hoje proposto, deparamo-nos com a facilidade com que os apóstolos, com João à cabeça, ficam empertigados e enciumados porque viram alguém, que não andava com eles, a realizar coisas grandiosas: «Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco».
       Bem diferente é a visão de Jesus: «Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós. Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa».
       Jesus inverte o paradigma, pelo menos na versão genuína de Marcos, se não estão contra nós, já estão a nosso favor. A nossa divisão é mais limitativa: quem declaradamente não está por nós, está contra. Também aqui Jesus desafia a abrir a mente e o coração e a escolher a tolerância e o reconhecimento do bem que há nos outros.
     Na primeira leitura encontramo-nos com uma situação em tudo semelhante. Deus fala a Moisés e faz repousar sobre setenta anciãos parte do seu Espírito. Pelo meio, dois outros anciãos, também inscritos mas que não tinham comparecido na tenda, são beneficiados com o mesmo Espírito. Logo “um jovem correu a dizê-lo a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento». Então Josué, filho de Nun, que estava ao serviço de Moisés desde a juventude, tomou a palavra e disse: «Moisés, meu senhor, proíbe-os»”.
       O jovem e Josué, que virá a suceder a Moisés na liderança do povo eleito, entendem que aqueles dois anciãos podem ofuscar a importância do líder, usurpando o seu poder, e possivelmente poderão impedir que eles próprios possam vir a ter uma relevância maior nos afetos de Moisés e do povo.
       Bem diferente é a posição de Moisés: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!».
 
       3 – Essencial não é saber quem faz melhor, mas que todos façamos o bem, o melhor de nós, o que estiver ao nosso alcance. Não adiemos. Não fiquemos empertigados pelos dons que os outros possuem, ou pela beleza, pela alegria, pela riqueza de outros, pelo sucesso ou admiração que suscitam. Nem tudo é responsabilidade nossa. Não somos deuses. Somos seres humanos. Com limitações, e muitas qualidades. Façamos mais do que nos é pedido. O dia de amanhã constrói-se hoje, aqui e agora. E até a eternidade poderá ser antecipada e experimentada no tempo e na história atuais. Não passemos todo a responsabilidade para os outros, para amanhã, para os políticos ou para os líderes económicos. Há mais vida para lá da crise e da política e das notícias horripilantes que nos entram casa dentro.
        As palavras do apóstolo São Tiago, uma vez mais, são clarividentes e levadas a sério por muito boa gente poderão ajudar a ultrapassar a(s) crise(s). Sem paninhos quentes:
“As vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a sua ferrugem vai dar testemunho contra vós e devorar a vossa carne como fogo. Acumulastes tesouros no fim dos tempos. Privastes do salário os trabalhadores que ceifaram as vossas terras. O seu salário clama; e os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo. Levastes na terra uma vida regalada e libertina, cevastes os vossos corações para o dia da matança. Condenastes e matastes o justo e ele não vos resiste”.
       O clamor que se levantava ontem é o mesmo de hoje, contra as injustiças, contra a arrogância e a prepotência, contra a corrupção e a ganância. A partilha, a solidariedade, o compromisso social, a caridade, não são meramente “verbos de encher”, são forma e o jeito de ser cristão e de imitar o Mestre dos Mestres, Cristo Jesus. 

Textos para a Eucaristia (ano B): Num 11, 25-29; Tg 5, 1-6; Mc 9, 38-43.45.47-48.

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