sábado, 9 de março de 2013

IV Domingo da Quaresma - ano C - 10 de fevereiro

       1 – O evangelho deste dia apresenta-nos uma das mais extraordinárias parábolas de Jesus, um exclusivo de São Lucas, conhecida como a Parábola do Filho Pródigo, mais adequado seria Parábola do Pai Misericordioso. Veremos por quê. É uma verdadeira pérola que nos fala de um Deus que ama sempre, sem reservas, absolutamente.
       Jesus prossegue o seu ministério, nem sempre bem compreendido, com o Seu jeito de se relacionar com as pessoas, sem privilegiar classes, ou melhor, privilegiando precisamente os que estão abaixo das classes. Para Jesus o menos é MAIS. Os desprotegidos pelo poder, pela riqueza, ou até pela religião, os que têm menos, merecem de Jesus maior atenção, maior cuidado, mais tempo e delicadeza, para que se sintam chamados, amados, se sintam filhos queridos de Deus.
       Jesus come com pecadores, maltrapilhos, doentes, pedintes, publicanos. Esta constatação envolve uma acusação grave feita pelos fariseus a Jesus. Ele dá-Se com todos aqueles que a sociedade se encarregou de excluir, a escumalha que não deveria ter lugar à mesa. Ele acolhe-os e come com eles. E comer com alguém implica e significa comunhão, proximidade. Senta-se à mesa comigo quem considero amigo, ou da família.
       2 – Jesus conta-lhes então uma parábola.
       Um homem tinha dois filhos. Para os quais vivia. Sem que nada o fizesse prever, o mais novo decide pôr cobro aos laços familiares, abandonando a casa. Pede a parte da herança que lhe caberá em sorte. Sai de casa. Tem tudo, mas não se sente completamente feliz. Vai em busca de algo mais. Uma razão maior. O homem ultrapassa infinitamente o homem. A ambição (com conta, peso e medida) leva a procurar o melhor dos outros e a dar o melhor de nós mesmos. A ganância destrói-nos, mais cedo ou mais tarde, e destrói os que estão à nossa beira.
       À medida que se afasta da casa paterna, sem saber ainda, afasta-se da felicidade e de quem suporta a sua vida. Investe em novas amizades. Experimenta tudo. Esbanja o que tem. Diverte-se. Gasta e desgraça a vida, sempre em busca de mais. Uma sede sem fim. Ávido de prazeres, ocupa todo o tempo cronológico para não pensar em mais nada. Ocupa o lugar dos afetos com muitas coisas. Abafa a voz que o liga ao pai. Procura ir além de tudo o que já antes viveu em sua casa.
       Logo se apercebe que a felicidade não está longe, ou no exterior, ou nas coisas, ou nas facilidades, ou nos outros. Sente-se abandonado. Cada vez mais só. Cai em si. O dinheiro não compra a felicidade, nem os amigos, nem a alegria de se sentir amado. A vida parece ter-se esquecido dele. Melhor, ele abandonou o sonho, entregou-se à perdição.
       Há, porém, dentro dele, algo mais forte, tão forte que é impossível não encontrar, a ligação ao PAI. Recorda-se como era feliz, tendo tudo, mas sobretudo tendo um Pai que o amava, o respeitava, o compreendia, o apoiava nas suas decisões.
       Vence o orgulho e o sentimento de culpa por ter abandonado a casa paterna. Regressa. À sua casa. Aos braços do pai. Nem se importa de ser tratado como um dos criados, pois mesmo o mais insignificante tem mais do que ele tem agora, tem a atenção do pai, uma casa, um refúgio, um ombro amigo, um olhar compassivo. Não se importa de não recuperar os direitos de filho.
       Se nos centrássemos na figura do filho mais novo – há momentos em que também nós nos afastamos do Pai, dos outros, de nós mesmos, da nossa consciência – veríamos, ainda assim, um homem em busca da felicidade. Procura ser feliz por todos os meios. Precisou de se afastar para descobrir que a verdadeira felicidade estava dentro (dele), em casa, ao pé do pai. Por vezes só reconhecemos o valor do que temos quando o perdemos. E às vezes é tarde para recuperar e para regressar. Este filho ainda foi a tempo de descobrir a razão maior da sua felicidade, o amor do Pai.
       3 – Aquele pai tinha outro filho. Mais velho. Mais responsável. Com menos tempo para a diversão. Tinha que tomar conta do irmão mais novo. E aborrecer-se com ele. Começou a trabalhar com o pai, muito antes do irmão. Quando o irmão nasceu, os mimos dos pais passaram para ele. É fácil perceber como se sentiria ao ver todas as atenções colocadas no mais pequeno, mesmo que soubesse que o carinho tinha sido exclusivo para ele durante alguns meses ou anos. E nunca recuperável pelo mais novo.
       Fica triste com a partida do irmão. Habituara-se a ele. Algumas tarefas eram divididas. Já não tinha que fazer tudo. Fica triste com a tristeza do pai, com o seu desgosto e a sua melancolia. Mas doravante terá a atenção do pai só para si, sem comparações. Os bens materiais divididos nem lhe fazem moça. Dividir as atenções e cuidados do pai era muito mais violento.
       Casa, trabalho, (pouco) descanso. Muito tempo passa sem se lembrar do irmão que está perdido pelo mundo. Sabe que o pai não esquece, mas que pouco a pouco a dor será menor e ele terá o pai só para si. Passam-se dias em que quase nem falam. Nem se veem. O pai está garantido. Não precisa de conquistar a sua atenção. O chão é seguro. Não pergunta pelo irmão. Não pergunta pelos sentimentos do pai. Tudo está na ordem natural das coisas. Tem para si que o pai tudo fará para o compensar por ter ficado em casa. Não precisa de investir nos afetos. Não precisa de agradar ao pai. Este não se habilitará a perder outro filho. O pai é que tem a obrigação de se curvar diante dele e é se o quer junto de si.
       Como está enganado! O pai não pode esquecer nenhum dos filhos. Conhece-os e ama-os nas suas limitações. Saíram do seu coração. Há espaço para os dois. O lugar do filho foragido não é preenchido. É deste filho. Não pode ser compensado. Mesmo que morra, o lugar no coração do pai não será ocupado.
       O irmão mais novo regressa. Já pouco se lembrava dele. E para mais, o pai faz-lhe uma festa, perdoa-o, passa uma borracha no sucedido, não quer saber da ofensa, ou dos pecados passados. Está tão feliz que só quer festejar. O mais velho não entende tanta algazarra. Tinha como adquirido que o irmão estava morto, para si e para o pai também. Como é possível que o pai o acolha de volta? E o perdoe? E lhe faça uma festa? E lhe devolva a dignidade de filho? Veste-lhe roupas novas, sandálias, coloca-lhe o anel no dedo. Gastou tudo e ainda é compensado! Não compreende a atitude do pai. O amor do Pai. Não aceita. Fica profundamente magoado tanto com o regresso do irmão como com a benevolência do Pai.
       4 – Fixemos agora o olhar no PAI. Como faz Jesus. Nesta parábola a figura principal é Ele. Depois de algumas murmurações, Jesus deixa claro que Deus é Pai, e ama como Pai e como Mãe, no mais profundo de Si mesmo, é um AMOR entranhado na vida, na história do ser humano. Por mais que nos afastemos, Deus não nos desampara, não nos abandona à nossa sorte. Está sempre pronto a dar-nos a mão. Assim nos é mostrada a história de Israel. Deus alia-Se com a humanidade, pelos patriarcas, pelos profetas.
       Ao longo de toda a parábola Jesus está centrado no pai e em Deus como Pai que não Se incomoda em partir a cara, acolhendo, perdoando, sem respeitos humanos. Não teme o comentário, ou a desonra. Os filhos valem tudo, toda a riqueza, toda a vida, todo o amor.
       Aquele pai cria as condições para os filhos (e para os servos). Trabalha em função dos filhos. Quer que eles sejam alguém, mas acima de tudo que não lhes falte um abraço, a presença dos amigos, a alegria de desfrutar da vida, diariamente, no meio das fragilidades, em dias mais alegres e em dias mais sombrios. Quer que os filhos aprendam a trabalhar, a ser responsáveis, a cuidar da casa, para que outros possam usufruir, viver. Os filhos acompanham-no nos negócios. Partilha com eles a responsabilidade. Não se esconde nas preocupações do trabalho ou na acumulação de fortunas. Os filhos vão para ao campo. Misturam-se com a criadagem, pois para o Pai também contam, também precisam de casa, de amigos, de apreciar a vida.
       Tudo corre bem. Mais ou menos. Os filhos já estão crescidos. Os cuidados são os mesmos, mas agora são os filhos que orientam a sua vida, assumem as suas responsabilidades e as consequências dos seus atos. Conhece os filhos como a palma das suas mãos. Ainda antes do próprio, deteta sinais de alarme no filho mais novo. Dá-lhe espaço, mas está mais vigilante. Vê-o inquieto, ansioso. Não vê motivos para isso. Mas sabe que os filhos têm de viver a sua vida e passar por momentos menos bons. Também assim se cresce. Que andará a turbar-lhe a mente? Com a naturalidade de sempre pergunta-lhe sobre o que lhe vai na alma. Não obtém resposta satisfatória. Vê que o filho se mantém distante e a fazer perguntas e mais perguntas aos servos e aos viajantes. O pai vê o filho mais sisudo, já não se diverte como antes. Já tem preguiça de o acompanhar para o campo ou para os negócios.
       Está a desligar-se. Está a crescer. Está a pensar pela sua cabeça. Há que esperar e dar tempo ao tempo. Eis que o filho mais novo se abeira cheio de si mesmo: "Pai, dá-me a parte da herança que me toca". E parte. O pai sente que lhe falta o ar. Uma parte de si é-lhe arrancada. Não quer acreditar. Morre um pouco. O pedido do filho é um desejo de morte. A herança herda-se pela morte dos pais, e não em vida. O filho deseja que o pai morra. O que mais importa é sair de casa.
        5 – Debrucemo-nos um pouco mais sobre a postura do pai. Respeita a opção dos filhos. Dá parte dos seus bens – para ele não existem bens que paguem o amor aos filhos, tudo é para os filhos –, não reclama com o filho mais novo. Não o repreende. Não o castiga. Poderia, ao menos, deixá-lo partir mas de mãos vazias. Os bens são seus, enquanto viver, não dos filhos…
       Durante a ausência do filho, cuida da casa, para que o outro filho se sinta protegido, amado, e aos servos não falte o zelo do Pater familias. O tempo cura as maleitas dos afetos e dos sentimentos. Pelo menos dilui. Não desiste. Fora está alguém que torna a sua casa incompleta. Por ora não pode fazer muito. Não desiste. Cada dia, o seu olhar se fixa no horizonte, aguardando que o AMOR profundo que nutre pelo filho o faça regressar. A sua aposta não é defraudada. Demorou demasiado tempo. Vê uma sombra ainda distante. Não tem dúvidas. Só pode ser o seu filho que “estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado”. Lança-se ao seu encontro. Abraça-o. Devolve-lhe a dignidade de filho. Para ele, continuou a ser filho. Não o avalia pelos desaires, mas pelo coração. O amor não tem preço. Não há nada que pague o regresso do filho. É a vez de esbanjar a sua riqueza com o regresso do filho. A sua maior riqueza é o amor. Pelos filhos. Não importa o que tem de fazer. “Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos”.
       A mesma atitude diante da intransigência do filho mais velho. Procura entender as razões que lhe assistem. Sempre esteve em casa. Certinho. Cumpridor. Fiel. De tão zeloso que não quer desculpar a safadeza e a rebeldia do irmão. Como é possível o regresso à normalidade? Como é possível que o Pai o trate como se nunca tivesse ido para longe, como se nunca lhe tivesse desejado a morte? Será que o pai perdeu o juízo e a vergonha? Só o amor do Pai/Mãe entende como o coração tem razões que toda a razão desconhece.
       O amor não permite cálculos. Quando é verdadeiro, genuíno. Também o filho mais velho não entende a predileção pelos filhos. Dá-lhes toda a atenção do mundo. O cuidado com o filho mais novo, não o desvia da delicadeza para com o filho mais velho. Tudo é para os filhos. Não importa os sacrifícios que tenha que fazer ou os gastos que tenha que efetuar. Tudo será para eles.
       Jesus mostra-nos como é imenso o amor de Deus por nós. Muito maior que a nossa fragilidade, gigantesco em relação ao nosso pecado. Se nós quisermos, não há nada que nos possa separar do amor de Deus.
       6 – Como outrora, também hoje Deus nos tira do opróbrio, da miséria. Deus vem para nos resgatar de toda a escravidão (primeira leitura). Dá-nos como herança, não uma parte, mas dá-Se todo, em Jesus Cristo, o Seu bem mais precioso, para que no Seu filho muito amado descubramos o caminho de regresso à Casa do Pai, onde jorra a vida.
       Deixemo-nos inebriar com as palavras do apóstolo:
“Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As coisas antigas passaram; tudo foi renovado. Tudo isto vem de Deus, que por Cristo nos reconciliou consigo e nos confiou o ministério da reconciliação. Na verdade, é Deus que em Cristo reconcilia o mundo consigo, não levando em conta as faltas dos homens e confiando-nos a palavra da reconciliação. Nós somos, portanto, embaixadores de Cristo… A Cristo, que não conhecera o pecado, Deus identificou-O com o pecado por causa de nós, para que em Cristo nos tornemos justiça de Deus”.


Textos para a Eucaristia (ano C): Jos 5, 9a.10-12; 2 Cor 5, 17-21 ; Lc 15, 1-3.11-32.

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