sábado, 12 de abril de 2014

Domingo de Ramos na Paixão do Senhor - A - 13 de abril

       1 – «Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice. Todavia, não se faça como Eu quero, mas como Tu queres». Oportuna e luminosa síntese da vida e da missão de Jesus: fazer a vontade do Pai, alimentar-se da Sua Presença, procurar em tudo responder aos Seus desígnios. Eis que venho para fazer a Tua vontade. Tenho um alimento maior. Felizes os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática.
       Como qualquer ser humano, Jesus sente a dureza e fragilidade do caminho. Percebe que está próximo um desenlace fatal. Já não há como fugir. Há situações na vida em que enfrentamos ou nos perdemos, acobardando-nos. É preciso ter fibra, ainda que não seja agradável.
       Nas horas de maior aperto, Jesus reza e ensina-nos a rezar. Com toda a devoção. Confiante e confidente. E se a oração é essencial, também a companhia. Cada um sofre à sua maneira, mas partilhar o que nos dói, o que nos faz sofrer, os medos que estamos a enfrentar e os perigos que antevemos, ajudar-nos-á a dar sentido à nossa persistência. Jesus roga aos Seus discípulos: «A minha alma está numa tristeza de morte. Ficai aqui e vigiai comigo». Também assim o desabafo, que não condena, mas alerta: «Nem sequer pudestes vigiar uma hora comigo! Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca».
       A consciência do que lá vem, os pés firmes na terra, não retiram o peso daquelas horas. Um pouco antes Jesus diz o que lhe vai na alma, prepara os discípulos, prepara-nos para atravessarmos as trevas, para que não fiquemos sem luz. «Bebei dele todos, porque este é o meu Sangue, o Sangue da aliança, derramado pela multidão, para remissão dos pecados. Eu vos digo que não beberei mais deste fruto da videira, até ao dia em que beberei convosco o vinho novo no reino de meu Pai».
       O medo pode agigantar-se. Havendo alguma centelha de luz – a fé, a confiança em Deus, a presença dos amigos –, isso fará que não nos percamos no meio e apesar das trevas.
       2 – "Não se faça como Eu quero, mas como Tu queres". Vem ao de cima o instinto de sobrevivência, mas há de ser mais forte a obediência. "Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes…"
        O hino recolhido por São Paulo mostra-nos a identidade de Cristo, a Sua Encarnação, a assunção da nossa humanidade, o projeto de nos trazer Deus e nos introduzir num projeto de vida nova que nos projete para a eternidade, mas como Ele, vivendo em lógica de paixão pelos outros. A realeza e a grandeza de Jesus revela-se no despojamento, esvaziando-se de Si – não se faça o que EU quero –, enchendo-se do Amor do Pai – faça-se o que TU queres. Jesus recusa-se a salvar-Se a Si mesmo, livrando a própria pele da Cruz, pelo contrário, estende os braços para o Pai e para a humanidade. Até à morte e para lá da morte vencerá o amor, a obediência, a Presença de Deus.
       3 – Uns dias antes, a entrada triunfal de Jesus na cidade de Jerusalém clarifica o mesmo despojamento. O Rei que aí vem não passa de (mais) um Profeta, e passaria despercebido não fora uma multidão de pobres que O acompanham desde a Galileia. É uma multidão simples. Pessoas de todas as idades, e com intenções diferentes, com propósitos diversos. Pobres, humildes, rudes, deslocam-se em caravana para se protegerem mutuamente. Cada ano, por ocasião da Páscoa, deixam as suas casas, juntam alguns poucos haveres, e deslocam-se para celebrar a sua fé em Deus. É mais forte a fé que os move, com os sacrifícios que terão de fazer e dos perigos que terão que enfrentar.
       "Eis o teu Rei, que vem ao teu encontro, humildemente montado num jumentinho, filho de uma jumenta... Numerosa multidão estendia as capas no caminho; outros cortavam ramos de árvores e espalhavam-nos pelo chão. E, tanto as multidões que vinham à frente de Jesus como as que O seguiam, diziam em altos brados: «Hossana ao Filho de David! Bendito O que vem em nome do Senhor! Hossana nas alturas!».
       Alguns estão à beira do caminho. Perguntam-se e perguntam quem é Ele. "Quando Jesus entrou em Jerusalém, toda a cidade ficou em alvoroço. «Quem é Ele?» – perguntavam. E a multidão respondia: «É Jesus, o profeta de Nazaré da Galileia».
       Faz-nos lembrar o alvoroço com que Herodes recebeu a notícia do nascimento do Messias. Um alvoroço que não foi suficiente para ele sair do seu conforto e ir à procura e ao encontro do Rei-Menino.
       Registe-se a reflexão de Bento XVI acerca desta multidão que acompanha Jesus e que não é coincidente com a multidão que O arrasta até ao Calvário. Pedro é precisamente acusado de ser "um deles" porque fala com os mesmos "tiques" ou nuances dos Galileus. Estes seriam estranhos naquela outra multidão que acusa Jesus, que O persegue, que tenta desacreditá-l’O, por inveja, por medo, por ignorância, por instigação de alguns bem instalados na vida, que empurram outros para o campo de batalha. Não se juntam à multidão que aclama Jesus, juntam-se agora em multidão que condena!
        4 – "Ainda Jesus estava a falar, quando chegou Judas, um dos Doze, e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo". 
       Tudo parece acontecer demasiadamente rápido. Pela calada da noite. Um silêncio incómodo. Quando o sono ainda é rei. Os próprios discípulos, desgastados, com medo, sem forças, ansiosos, se deixam vencer pelos acontecimentos, não acompanham Jesus na Sua oração e vigília. São horas de luta e de desistência. Lutam para sobreviver àquele momento. Mas desistem de Jesus, desistem de "dar a vida por ele". "Então todos os discípulos O abandonaram e fugiram". Mantêm-se à distância. Vão observando o desenrolar dos acontecimentos. Lamentando-se. Chorando. Bloqueando, sem saber o que fazer. Se dão mais um passo, tudo pode desabar por cima deles. Por outro lado, sentem o olhar envolvente e misericordioso de Jesus que os serena e os desafia.
       Podemos incluir-nos dentro daquela multidão, entre os apóstolos, com a autoridade judaica e com a autoridade romana, com a multidão da Galileia que antes O aclamava, ou com a multidão da Judeia que se deixa levar pela inventiva de alguns poucos. Judas. Pedro. Discípulos. Caifás. Pilatos. Sacerdotes e fariseus. Acusando ou lavando as mãos. Traindo ou negando. Gritando em fúria no meio da multidão anónima ou pegar nos instrumentos de flagelação. Ajudar a levar a cruz ou ser forçado a isso. Quais as mulheres e mães que não arredam, a espreitaram para o caso de as deixarem ajudar Jesus. "Estavam ali, a observar de longe, muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galileia, para O servirem. Entre elas encontrava-se Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu. Ao cair da tarde, veio um homem rico de Arimateia, chamado José, que também se tinha tornado discípulo de Jesus. Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus".
        Em todo o caso, no final sobrevêm novas escolhas. Enquanto vivemos, estamos a tempo de nos convertermos e aderirmos a Jesus Cristo e ao Seu Evangelho. Pedro refaz o seu testemunho e o seguimento de Cristo. José de Arimateia não se envergonha e recolhe o corpo de um condenado. O Centurião, e os que por ali estavam, que têm um lampejo da realeza divina de Jesus, e expressa-o de forma audível: «Este era verdadeiramente Filho de Deus».
       5 – Isaías, na primeira leitura, caracteriza o Messias que há de vir, identificando-o com o Servo Sofredor, qual Cordeiro inocente levado ao matadouro, manso e humilde de coração, cuja vida e missão têm o fito único de dar esperança a todos que andam cansados e abatidos. "O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio, e, por isso, não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido".
       Abramos bem os ouvidos para ouvir a Palavra de Deus e o grito dos irmãos que buscam razões para viver. Abramos bem os olhos para nos outros descobrirmos a presença de Deus e os acolhermos como se a Ele o acolhêssemos.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Mt. 21, 1-11; Is 50, 4-7; Sl 21; Fl 2, 6-11; Mt 26, 14 – 27, 66.

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