sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Foi uma grande alegria caminhar convosco nestes anos

Venerados e queridos irmãos!
       Com grande alegria vos acolho e dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação. Agradeço ao cardeal Angelo Sodano que, como sempre, soube fazer-se intérprete dos sentimentos de todo o colégio: 'Cor ad cor loquitur'. Obrigado, eminência, de coração. E gostaria de dizer - retomando a experiência dos discípulos de Emaús - que também para mim foi uma grande alegria caminhar convosco nestes anos, na luz da presença do Senhor ressuscitado.
       Como disse ontem diante de milhares de fiéis que lotaram a praça São Pedro, a vossa proximidade e o vosso conselho foram de grande ajuda no meu ministério. Nestes oito anos, vivemos com fé momentos belíssimos de luz radiante no caminho da Igreja, junto a momentos nos quais algumas nuvens pairavam no céu. Procuramos servir Cristo e a sua Igreja com amor profundo e total, que é a alma do nosso ministério. Demos esperança, aquela que vem de Cristo, que somente pode iluminar o caminho. Juntos podemos agradecer ao Senhor que nos fez crescer na comunhão, e juntos rezar para que vos ajude a crescer ainda nesta profundidade, de forma que o colégio de cardeais seja como uma orquestra, onde a diversidade - expressão da Igreja universal - contribua sempre para uma maior concórdia e harmonia.
       Gostaria de deixar-vos um pensamento simples, que tenho muito no coração: um pensamento sobre a Igreja, sobre o seu ministério, que constitui para todos nós, podemos dizer, a razão e a paixão da vida. Deixo-me ajudar por uma expressão de Romano Guardini, escrita propriamente no ano em que os padres do Concílio Vaticano II aprovavam a Constituição 'Lumen Gentium', no seu último livro, com uma dedicação pessoal também para mim; por isso as palavras deste livro são para mim particularmente queridas. Diz Guardini: a Igreja "não é uma instituição concebida e construída em cima de uma mesa..., mas uma realidade viva... Ela vive ao longo do curso do tempo, em andamento, como cada ser vivo, transformando-se... Contudo na sua natureza permanece sempre a mesma, e o seu coração é Cristo". Foi a nossa experiência, ontem, parece-me, na praça São Pedro: ver a Igreja que é um corpo vivo, animado pelo Espírito Santo e vive realmente da força de Deus. Ela está no mundo, mas não é do mundo: é de Deus, de Cristo, do Espírito. Vimos isso ontem. Por isto é verdadeira e eloquente outra famosa expressão de Guardini: "A Igreja se desperta nas almas". A Igreja vive, cresce e se desperta nas almas, que - como a Virgem Maria - acolhem a Palavra de Deus e a concebem por obra do Espírito Santo; oferecem a Deus a própria carne e, propriamente na sua pobreza e humildade, tornam-se capazes de dar à luz a Cristo hoje no mundo. Através da Igreja, o Mistério da Encarnação permanece presente para sempre. Cristo continua a caminhar nos tempos e em todos os lugares.
       Permaneçamos unidos, queridos Irmãos, neste Mistério: na oração, especialmente na Eucaristia quotidiana, e assim sirvamos à Igreja e toda a humanidade. Esta é a nossa alegria, que ninguém pode nos tirar.
       Antes de saudar-vos pessoalmente, desejo dizer-vos que continuarei a ser próximo na oração, especialmente nos próximos dias, a fim de que estejam plenamente dóceis à ação do Espírito Santo na eleição do novo Papa. Que o Senhor vos mostre aquilo que é desejado por Ele. E entre vós, entre o colégio cardinalício, há também o futuro Papa ao qual já hoje prometo a minha incondicional reverência e obediência. Por isto, com afeto e reconhecimento, concedo-vos de coração a benção apostólica.
BENEDICTUS PP XVI
Sala Clementina do Palácio Apostólico - Vaticano
Quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
 "Não sou mais pontífice, mas um simples peregrino que cumpre a última etapa nessa terra junto com a Igreja"

Há um ano - Bento XVI passa a ser mais um PEREGRINO


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Bento XVI - a partir da janela do Vaticano - Há um ano

Queridos irmãos e irmãs,
       Obrigado pelo vosso afeto!
       Hoje, segundo domingo da quaresma, temos um Evangelho particularmente belo, aquele da Transfiguração do Senhor. O evangelista Lucas coloca especial atenção para o fato de que Jesus se transfigurou enquanto rezava: a sua é uma experiência profunda de relacionamento com o Pai durante uma espécie de retiro espiritual que Jesus vive em um alto monte na companhia de Pedro, Tiago e João, os três discípulos sempre presentes nos momentos da manifestação divina do Mestre (Lc 5,10; 8,51; 9,28). O Senhor, que pouco antes tinha predito a sua morte e ressurreição (9, 22) oferece aos discípulos uma antecipação da sua glória. E também na Transfiguração, como no batismo, ressoa a voz do Pai celeste: "Este é o meu filho, o eleito; escutai-o!" (9, 35). A presença então de Moisés e Elias, que representam a Lei e os Profetas da antiga Aliança, é ainda mais significativa: toda a história da Aliança é orientada para Ele, o Cristo, que cumpre um novo "êxodo" (9, 31), não para a terra prometida como no tempo de Moisés, mas para o Céu. A intervenção de Pedro: "Mestre, é bom estarmos aqui" (9, 33) representa a tentativa impossível de parar esta experiência mística. Comenta Santo Agostinho: “[Pedro] ... sobre o monte ... tinha Cristo como alimento da alma. Por que ele iria descer para voltar aos trabalhos e dores, enquanto lá estava cheio de sentimentos de amor santo para Deus e que o inspiravam, portanto, a uma conduta santa? (Discurso 78,3: PL 38,491).
       Meditando sobre esta passagem do Evangelho, podemos aprender um ensinamento muito importante. Antes de tudo, o primado da oração, sem a qual todo o empenho do apostolado e da caridade se reduz ao ativismo. Na quaresma aprendemos a dar o tempo certo à oração, pessoal e comunitária, que dá fôlego à nossa vida espiritual. Além disso, a oração não é um isolar-se do mundo e das suas contradições, como no Tabor queria fazer Pedro, mas a oração reconduz ao caminho, à ação. "A existência cristã - escrevi na mensagem para esta quaresma - consiste em um contínuo subir ao monte do encontro com Deus, e depois voltar a descer trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus" (n. 3).

       Queridos irmãos e irmãs, esta Palavra de Deus a sinto de modo particular dirigida a mim, neste momento da minha vida. Obrigado! O Senhor me chama a 'subir o monte', a dedicar-me ainda mais à oração e à meditação. Mas isto não significa abandonar a Igreja, ao contrário, se Deus me pede isto é para que eu possa continuar a servi-la com a mesma dedicação e o mesmo amor com o qual tenho buscado fazê-lo até agora, mas de modo mais adequado à minha idade e às minhas forças. Invoquemos a intercessão da Virgem Maria: ela nos ajude a todos a seguir sempre o Senhor Jesus, na oração e nas obras de caridade.

Vaticano, 24 de fevereiro de 2013
BENEDICTUS PP XVI

Bento XVI agradece a ajuda e a solicitude...


CONSELHOS PASTORAIS - Como uma bússola

       Não perder o Norte!”. Esta expressão familiar pode ajudar-nos a compreender a responsabilidade do Conselho Pastoral Paroquial (CPP). Não perder o Norte, para uma comunidade cristã, é não perder de vista a sua razão de ser: a missão que deve realizar no espaço humano que é a paróquia. Esta missão que nos é confiada pelo Cristo e pelo Espírito Santo é única na diversidade de exigências: anunciar a pessoa de Jesus Cristo, experimentar a fraternidade, celebrar a fé e comprometer-se no serviço aos mais pequenos. O CPP, como uma bússola, ajuda a comunidade a manter o rumo da missão.
       Para ser fiel à sua responsabilidade, o CPP dá orientações pastorais, de forma que a equipa pastoral mandatada, formada por responsáveis nomeados pelo bispo (padres, diáconos, responsáveis por diferentes serviços e missões…), conselho económico e outros grupos assumam a responsabilidade das áreas que lhes são confiadas e tenham uma actuação de conjunto.
       Eis um dos maiores desafios do CPP: ser o conselho mais próximo da missão e deixar que os outros intervenientes actuem no seu próprio domínio. Lugar de discernimento, de decisão, de concretização, de coordenação e de avaliação, o CPP é um teste de verdade para os nossos discursos quanto à responsabilidade confiada aos baptizados na construção da Igreja.
       O CPP torna-se um lugar de aprendizagem onde os seus membros praticam o diálogo, o respeito mútuo e, assim, vivem uma experiência eclesial. Permite aos ministros ordenados, às pessoas mandatadas e às forças vivas da comunidade trabalhar sinodalmente no serviço da missão, fazendo em conjunto um pedaço do caminho. Uma oportunidade que pode exigir uma conversão mútua nas nossas maneiras de conceber e de articular as nossas responsabilidades respectivas!
       O CPP está ao serviço da comunidade. Os seus membros (que será vantajoso renovar regularmente) devem ser capazes de trabalhar harmoniosamente, discernir os sinais e apontar pontos da pastoral actual, ser solidários com as outras realidades eclesiais (zona pastoral, arciprestado, diocese…). Assim, é o mesmo espírito missionário que anima o CPP e a comunidade no serviço à paróquia.
       O número dos membros não é uma garantia de sucesso. Antes, o CPP deve ser constituído à imagem da comunidade que quer animar. Será isto utópico ou realizável? Nada melhor do que sermos nós a demonstrá-lo.
 
FONTE: Jornal diocesano VOZ DE LAMEGO, n.º 4252, de 18 de fevereiro de 2014.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Papa Francisco, Bento XVI e os novos Cardeais

       No dia da Festa da Cadeira de São Pedro, com o Consitório para a criação de 19 Cardeais, o Papa Francisco acolheu alegremente a presença do Seu Predecessor, o Papa Emérito, Bento XVI. Eis algumas imagens:

Creio em Deus Pai, Filho e Espírito Santo

        "O Pai é o amor originário, a fonte de todo o amor. Ele começa o amor. «Só Ele começa a amar sem motivos; mais é Ele quem, desde sempre, começou a amar (Eberhard Jüngel). O Pai ama desde sempre e para sempre, sem ser obrigado nem motivado a partir de fora. É o «Eterno amante». Ama e continuará a amar sempre. Nunca nos reinará o Seu amor e fidelidade. D'Ele só brota amor. Consequência: criados à Sua imagem, estamos feitos para amar. Só amando acertamos na existência.
       O ser Filho consiste em receber o amor do Pai. Ele é o «Amado eternamente», antes da criação do mundo. O Filho é o amor que acolhe, a resposta eterna do amor do Pai. O mistério de Deus consiste, pois, em dar e também em receber amor. Em Deus, deixar-se amar não é menos que amar. Receber é também divino! Consequência: criados à imagem de Deus estamos feitos não só para amar, mas também para ser amados.
       O Espírito Santo é a comunhão do Pai e do Filho. Ele é o AMOR eterno entre o Pai amante e o Filho amado, é Ele que revela que o amor divino não é possessão ciumenta do Pai nem apropriação egoística do Filho. O amor verdadeiro é sempre abertura, dom, comunicação transbordante. Por isso, o amor de Deus não se fica em si mesmo, mas comunica-se e estende-se às Suas criaturas. «O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rom 5,5). Consequência: criados à imagem de Deus, estamos feitos para amar, sem nos apropriarmos, nem nos encerrarmos em amores fictícios e egoístas".

José ANTONIO PAGOLA, O Caminho aberto por Jesus: Mateus.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Domingo VII do Tempo Comum - ano A - 23 de fevereiro

       1 – Quem julgas que és? Estás a ameaçar-me? Livra-te, vou chamar o meu irmão mais velho! / E eu vou chamar os meus amigos. / Eu trago os meus amigos e os meus irmãos, e todos sabem que os meus irmãos são os mais fortes da escola! / Não tenho medo, trazes os teus amigos e irmãos e eu trago o meu professor de Karaté…
       Esta é uma pequena estória semelhante a tantas outras. Em primeiro lugar, é uma contenda entre crianças e também elas pouco a pouco deverão aprender que os problemas se resolvem melhor, mais duradoiramente, a conversar. Por outro lado, meterem-se adultos ao barulho, como pais, compreende-se e em algumas situações torna-se imperioso, mas muitas vezes tem efeitos perversos, pois os filhos voltam a ser amigos e os pais tornam-se inimigos para sempre. Porém, esta pequena estória tem hoje um contexto diferente. Ao olharmos o nosso tempo, e apesar da evolução cultural e social, continuam a repetir-se situações idênticas. E assim, por vezes, a educação dos filhos: Chamou-te nomes? Chama também. Bateu-te? Bate-lhe também. Tens medo? Leva uma colega mais velho contigo.
       O meu vizinho deitou um ramo do castanheiro para o meu quintal... E tu não fizeste nada? Claro que fiz: voltei a deitar-lhe o ramo e o lixo que tinha do meu lado. E aprendeu a lição? Achas? Aparou o castanheiro e deitou os ramos para o que é meu. E tu que fizeste? Se fosse eu ou chamava a polícia ou ia lá a casa e só se não pudesse senão partia-lhe as fuças. Não te preocupes, eu fiz melhor, cortei a lenha aos bocados e tenho-a aproveitado para a lareira, bem jeito me faz. Além do mais, já vai para duas semanas e se me vê recolhe-se em casa. Estou em crer que um dia destes ainda me vai pedir para se aquecer em minha casa…
       Há histórias semelhantes que acabam no hospital, na cadeia e na morgue... Infelizmente multiplicam-se situações destrutivas entre vizinhos e por vezes dentro das famílias.
        2 – Ao ver a multidão, Jesus subiu para o monte. Os discípulos aproximam-se d'Ele. Jesus sentou-se e começou a ensiná-los (Mt 5, 1-2). É desta forma que São Mateus nos introduz no Sermão da Montanha. Bem-aventuranças. Ser sal da terra e luz do mundo. Plenitude da Lei de Moisés em dinâmica de perdão e de amor. Amor ao inimigo em contraponto à lei de talião. Jesus refere-a aos antigos, mas na atualidade continua a ter muitos seguidores: "Olho por olho e dente por dente".
       A violência, como facilmente se pode verificar, gera violência, multiplicando-a. Os bons propósitos das Nações Unidas (ONU) de impor a paz pelo exercício da força, quando não é possível o diálogo, a diplomacia, os acordos de paz, tem abafado a agressão fácil a países com menos recursos, mas gera novos ódios e desejos de vingança. Países que evoluíram para democracias, cujo chão ainda respira sangue e morte, continuam demasiado vulneráveis e ao mínimo podem vir ao de cima os ódios e as vinganças.
       Como víamos na semana passada, Jesus não vem para anular a Lei mas para a levar à plenitude e, por conseguinte, contrapõe: «Eu, porém, digo-vos: Não resistais ao homem mau. Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, acompanha-o durante duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas a quem te pede emprestado. Ouvistes que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos. Se amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem a mesma coisa os publicanos? E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos?»
       A referência é Deus: «Sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito». Amar os outros como a nós mesmos indica claramente o caminho. Mas nem sempre o amor-próprio ou a autoestima serão critérios saudáveis para cuidar dos outros. Jesus dá o mote: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Sede misericordiosos como o Vosso Pai é misericordioso.
       3 – A primeira leitura traz-nos o desafio de Deus, através de Moisés, a uma convivência sadia entre pessoas e grupos: «Não odiarás do íntimo do coração os teus irmãos, mas corrigirás o teu próximo, para não incorreres em falta por causa dele. Não te vingarás, nem guardarás rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor». E de novo a referência a ter em conta é o próprio Deus: «Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo».
       Na mesma corrente, o salmista mostra o quanto Deus nos ama e como age com benevolência para connosco, para que também nós sejamos generosos no perdão e na caridade: «Ele perdoa todos os teus pecados e cura as tuas enfermidades; salva da morte a tua vida e coroa-te de graça e misericórdia. O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade; não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos castigou segundo as nossas culpas».
       Se Deus age tão misericordiosamente connosco, como não nos sentirmos impelidos a agir como Ele? Se O amamos vamos querer agir em conformidade com a Sua vontade!

      4 - Mas há mais. São Paulo mostra-nos, novamente, o nosso bilhete de identidade: pertencemos a Deus, somos criados à Sua imagem e semelhança, Ele assume-nos como filhos, como Sua morada. A resposta ao amor de Deus, como Pai/Mãe, levar-nos-á a amar a Deus, no compromisso com os outros, pois a todos Deus ama em perfeição. "Amor com a amor se paga" (São João da Cruz). Se Deus nos habita, a nossa casa tem de transpirar amor para O sentirmos em nós, para O revelarmos com a nossa vida.
       Diz o apóstolo: «Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo, e vós sois esse templo. Ninguém deve gloriar-se nos homens. Tudo é vosso: Paulo, Apolo e Pedro, o mundo, a vida e a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus».
       Se somos de Cristo, há de ser Ele agir em nós e através de nós continuar a viver e a atuar no mundo, nos outros.

Textos para a Eucaristia (ano A): Lev 19, 1-2.17-18; Sl 102 (103); 1Cor 3, 16-23; Mt 5, 38-48.

Há um ano: Bento XVI sobre a festa Cátedra de São Pedro

 
       "A «cátedra» é a cadeira reservada ao Bispo, da qual deriva o nome «catedral», atribuído à igreja em que, precisamente, o Bispo preside à liturgia e ensina ao povo. A Cátedra de São Pedro, representada na abside da Basílica do Vaticano por uma escultura monumental de Bernini, é símbolo da missão especial de Pedro e dos seus sucessores de apascentar o rebanho de Cristo mantendo-o unido na fé e na caridade. Já no início do século II santo Inácio de Antioquia atribuía à Igreja que está em Roma um primado singular, saudando-a na sua carta aos Romanos, como aquela que «preside na caridade». Esta tarefa especial de serviço deriva para a Comunidade romana e para o seu Bispo do facto de que nesta Cidade derramaram o seu sangue os Apóstolos Pedro e Paulo, além de numerosos outros Mártires. Assim, voltamos ao testemunho do sangue e da caridade. Portanto, a Cátedra de Pedro é sim sinal de autoridade, mas de Cristo, fundamentada na fé e no amor".

(Papa Bento XVI, Solenidade da Cátedra de São Pedro, Domingo, 19 de fevereiro de 2012)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Paróquia de Tabuaço - À volta do Presépio

       Três momentos festivos realcionados entre si, com a envolvância da comunidade, do grupo de jovens (GJT), da catequese: Festa de Natal da Catequese, a 21 de dezembro de 2013; Missa do Galo, na passagem do dia 24 para 25 de dezembro de 2013, e Apresentação de Jesus, no dia 2 de fevereiro de 2014, com a bênção das Velas, bênção do pão, bênção das Crianças. A música de fundo é a belíssima melodia do Pe. Zézinho, qua apresentamos abaixo.
       Vídeo-diaporama com algumas fotos dos três momentos à volta do Presépio:
1. Se ouvires a voz do vento, chamando sem cessar,
se ouvires a voz do tempo, mandando esperar:

A decisão é tua, a decisão é tua.
São muitos os convidados, são muitos os convidados.
Quase ninguém tem tempo. Quase ninguém tem tempo.


2. Se ouvires a voz de Deus chamando sem cessar,
se ouvires a voz do mundo querendo-te enganar:

3. O trigo já se perdeu, cresceu ninguém colheu.
O mundo passando fome, passando fome de Deus.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Domingo VI do Tempo Comum - ano A - 16 de fevereiro

        1 – Quando gostamos genuinamente de alguém, procuramos que as nossas palavras e os nossos gestos digam o que sentimos e expressem alegria, gratidão, felicidade. A pessoa é mais, muito mais, do que aquilo que diz, mas também isto faz parte da pessoa. Vamos querer escutar com atenção, com disponibilidade, bebendo das suas palavras. «O que tu és fala tão alto que mal consigo ouvir o que tu dizes» (Ralph Waldo Emerson). A pessoa não é o que veste, o que come, o que fala, o que faz. É tudo isso. É um ser mais complexo. Daí que nos seja sempre difícil e falível julgar as pessoas apenas por uma aspeto, uma impressão imediata.
        O cristianismo não é uma cartilha de preceitos e regras, de condenações e proibições. É, antes e sobretudo, a história de um encontro, de uma descoberta, o nosso encontro com Jesus, Crucificado e Ressuscitado. Um encontro pessoal que desemboca na comunidade. Se vários nos encontramos com Jesus, mais cedo ou mais tarde vamos querer falar d'Ele, partilhar com outros a nossa experiência, vamos querer enriquecer-nos com a experiência de outros. Por outro lado, Jesus desafia-nos à comunhão, a congregarmo-nos como irmãos. Não chama um discípulo, mas vários, para formarem grupo e, quando os envia, envia-os dois a dois ou em grupo.
        É inseridos em comunidade, como povo da Aliança, que acolhemos os Mandamentos e acolhemo-los não como uma exigência escravizante, mas como critério e orientação que nos liberta para fazermos o bem e nos relacionarmos cada vez melhor com os demais.
        Regras e sinais de trânsito. Alguém vai pensar que estes são para nos proibir e limitar os nossos movimentos? É possível, se acharmos que estamos sozinhos no mundo. O código da estrada tem o ensejo de proteger as pessoas (e também os bens). Protegem-nos e protegem os outros. Resultam do bom senso, da experiência, da reflexão, do estudo, da preocupação de criar as condições mais favoráveis e seguras para todos, na estrada, nos passeios, no meio de povoações, junto a escolas ou a ruas movimentadas.
        2 – Jesus começa por alertar os seus discípulos que a novidade do Evangelho não enquadra a destruição do património religioso anterior, as leis e os preceitos (positivos) propostos na Lei de Moisés e nas mensagens dos Profetas. Pelo contrário, Jesus não só não destrói como quer completar, levar à plenitude. Esta tem como conteúdo o amor: o amor que se predispõe a dar a vida. «Aquele que praticar e ensinar [os Mandamentos] será grande no reino dos Céus!». A mensagem de Jesus é inclusiva: assume o passado e as lições que podem ajudar no presente e no futuro.
       Mas não apenas isso. Jesus vai mais longe: «Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus». Revisitando a vida de Jesus verificaremos como este ir mais longe é humanizador, no convite à conversão, à partilha, à reconciliação entre pessoas, ao perdão em todas as circunstâncias, a uma tolerância reconhecedora dos laços de parentesco espiritual.
       O Mestre dos Mestres não entra em lógica de facilitismos, mas dá vida, carne, músculo, sentido, humanidade a toda a Lei. Esta há de estar ao serviço da dignidade do ser humano e do bem comum.
       Daí a contraposição: «ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não matarás; quem matar será submetido a julgamento’. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que se irar contra o seu irmão será submetido a julgamento. Quem chamar imbecil a seu irmão será submetido ao Sinédrio, e quem lhe chamar louco será submetido à geena de fogo. Reconcilia-te com o teu adversário, enquanto vais com ele a caminho... Digo-vos que não jureis em caso algum: nem pelo Céu, que é o trono de Deus; nem pela terra, que é o escabelo dos seus pés; nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. Também não jures pela tua cabeça, porque não podes fazer branco ou preto um só cabelo».
       O ensinamento de Jesus conduz à coerência de vida: devemos pôr em prática na nossa vida o que professamos e o que exigimos aos outros. É também nesta lógica que Jesus exige aos seus discípulos uma linguagem simples, direta, transparente, respeitadora do outro: «A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’. O que passa disto vem do Maligno».
       3 – Ben Sirá, que integra o conjunto de livros sapienciais, como um pai a um filho, como mestre aos discípulos, deixa-nos recomendações, conselhos, orientações. Como se pode ver, na primeira leitura, é uma proposta de vida, sem ameaças nem chantagens: Se quiseres, guardarás os mandamentos: ser fiel depende da tua vontade. Deus pôs diante de ti o fogo e a água: estenderás a mão para o que desejares. Diante do homem estão a vida e a morte: o que ele escolher, isso lhe será dado. Porque é grande a sabedoria do Senhor, Ele é forte e poderoso e vê todas as coisas. Seus olhos estão sobre aqueles que O temem, Ele conhece todas as coisas do homem. Não mandou a ninguém fazer o mal, nem deu licença a ninguém de cometer o pecado”.
       O cumprimento dos mandamentos baliza um caminho que nos garante bondade e sabedoria, felicidade e vida. As leis não são grilhões que nos aprisionem, mas indicações que nos permitem seguir mais seguros. Estão inscritas no coração. Era como se considerássemos que tudo o que vem dos nossos pais é para nos proibirem de sermos felizes. Evidentemente que a Lei terá que ser assumida, com as marcas, a carne, o sangue e a vivência de cada um. Antes, a graça santificante que atua em nós e nos transforma, tornando-nos novas criaturas para Deus. É necessário que a nossa alma se deixe plasmar pela ação do Espírito Santo.
       Podemos rezar com o salmista: “Felizes os que seguem o caminho perfeito e andam na lei do Senhor. Felizes os que observam as suas ordens e O procuram de todo o coração”, na certeza que as Suas leis, a Sua vontade, nos orientam para o bem, para a felicidade. Qual o desejo dos pais para os filhos senão que eles se deem bem e se sintam amados, respeitados, desenvolvendo as respetivas capacidades, ajudando-se mutuamente?
       4 – Na mesma linha dos sábios de Israel e dos profetas, o apóstolo Paulo anuncia a Boa Notícia da salvação que nos chega de Deus, através de Jesus Cristo:
«Falamos da sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que já antes dos séculos Deus tinha destinado para a nossa glória. Nenhum dos príncipes deste mundo a conheceu; porque se a tivessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor da glória. Mas, como está escrito, «nem os olhos viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam». Mas a nós Deus o revelou por meio do Espírito Santo, porque o Espírito Santo penetra todas as coisas, até o que há de mais profundo em Deus».
       Com a morte e ressurreição do Jesus, e com a força do Espírito Santo que Ele nos envia de junto do Pai, chegamos à plenitude da revelação. O que a Lei intuía, preparando-nos para vivermos fraternalmente de mãos dadas, é assumido com o mistério de Cristo, Deus connosco, a partir de dentro, do nosso coração. Jesus traz-nos Deus. Vive entre nós. Eleva-nos para a eternidade. A LEI tem a carne do AMOR, tem o ROSTO de Jesus, conta com o nosso empenho a favor dos outros.

Textos para a Eucaristia (ano A): Sir 15, 16-21; Sl 118 (119); 1 Cor 2, 6-10; Mt 5, 17-37.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Audiência Geral de Bento XVI...


Palavras de Bento XVI na Audiência Geral

Na habitual Audiência Geral das quartas-feiras, hoje, Quarta-feira de Cinzas, 13 de fevereiro, Bento XVI voltou a explicar as razões da resignação:
"Caros irmãos e irmãs,
Como sabeis, decidi renunciar ao ministério que o Senhor me confiou a 19 de abril de 2005. Fi-lo em plena liberdade, para o bem da Igreja, depois de ter rezado longamente e de ter examinado diante de Deus a minha consciência, bem consciente da gravidade desse ato, mas também consciente de já não estou em condições de prosseguir o ministério petrino com aquela força que ele exige. Sustenta-me e ilumina-me a certeza de que a Igreja é de Cristo, O qual nunca fará faltar a sua guia e o seu cuidado. Agradeço a todos pelo amor e pela oração com que me tendes acompanhado. Obrigado, senti quase fisicamente nestes dias nada fáceis para mim, a força da oração que o amor da Igreja, a vossa oração, me traz. Continuai a rezar por mim, pela Igreja, pelo futuro Papa. O Senhor o guiará".
 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Limites que aproximam 2

       Diante do sofrimento e do mal haverá lugar para a esperança? Ouvirá Deus a minha prece? Onde Se esconde Deus quando preciso d’Ele?
       Job e Qohélet chegam à conclusão que o sofrimento não é resultado do bem ou do mal, pois há pessoas boas a sofrer muito e pessoas más a terem uma vida regalada. Os dois textos chegam quase a um beco sem saída. Se não houver uma justiça maior do que aquela que vivemos no tempo presente a nossa busca não teria sentido, tudo seria em vão. Se bem que essa constatação nos pudesse levar a desfrutar melhor da vida, positiva ou negativamente, o vazio seria sempre o destino dos nossos atos, e os nossos fracassos seriam sempre avassaladores.
       Tudo é vaidade (tudo é em vão), a não ser que nos salve o olhar de Deus. "O resumo do discurso, de tudo o que se ouviu, é este: teme a Deus e guarda os seus preceitos, porque este é o dever de todo o homem. Deus pedirá contas, no dia do juí­zo, de tudo o que está oculto, quer seja bom, quer seja mau".
       Job da mesma forma disponibiliza-se com humildade para reconhecer e aceitar a justiça de Deus que ultrapassa toda a justiça humana, ainda que nosso espírito ainda não esteja capacitado para ver.
       Voltando ao ponto de partida, importa fazer de todas as nossas experiências uma oportunidade para nos tornarmos mais fortes, para aprendermos a viver melhor, mais confiantes, disponíveis para acolher o que o tempo nos pode trazer e sobretudo as pessoas e o mistério de Deus nos podem dar.
       Parafraseando São Paulo, quando sou fraco é que sou forte. As minhas fraquezas e insuficiências podem efetivar a decisão firme de me abrir ao semelhante e me disponibilizar para aprender, para crescer. Os fracassos de hoje podem ser janelas abertas que me trazem o vento fresco, o sol que inunda de luz a minha casa, possibilitando que veja para lá das dificuldades do tempo presente.
       O tempo presente não se compara ao que há de vir, onde veremos Deus face a face – São João sublinha que o que somos é uma pequena amostra do que seremos (1Jo 3,2) –, porquanto o nosso compromisso é com o tempo, com o mundo, com a história. É a nossa missão maior, que nos coloca a caminho – São Paulo (Fil 1, 19-26): vivo para ser útil para os meus irmãos.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4249, de 28 de janeiro de 2014

Limites que aproximam

       Faça das suas insuficiências oportunidade de partilha, de comunhão, de enriquecimento espiritual, de fortalecimento psicológico, numa palavra, faça com que os seus limites sejam uma porta aberta para a saúde (física e espiritual) e para a felicidade.
       Numa série de desenhos animados, Naruto, uma das personagens, dá-nos uma lição extraordinária, e onde se intuem palavras da Bíblia. Jiraiya Sam, um dos três ninjas lendários, da aldeia oculta na folhagem, depara-se com o momento da morte e como numa crónica da sua vida deixa este testamento:
       "Os fracassos são distrações, são testes que aperfeiçoam as nossas qualidades. Vivi a acreditar nisso e em troca jurei cumprir uma missão tão importante que me fizesse esquecer os meus fracassos, assim morreria como um grande ninja... no final também falhei nessa escolha... que história mais inútil... o mais importante é a capacidade de nunca desistir, nunca faltar à palavra, e principalmente nunca desistir, aconteça o que acontecer... Nunca desistir, era essa a verdadeira escolha que tinha de fazer...".
       Encontramos esta riqueza de linguagem no livro de Eclesiastes e no livro de Job, que integram a literatura sapiencial, fazem parte do conjunto de livros do Antigo Testamento, que nos falam da sabedoria, ensinamentos, máximas do povo de Israel, lições de vida deixadas de pais para filhos, de mestres para discípulos.
       Diz Qohélet (Eclesiastes) – vaidade das vaidades, tudo é vaidade… não há nada de novo debaixo do sol, tudo o que o homem faz é vaidade, não passa de um sopro que logo desaparece.
       “Aquilo que foi é aquilo que será; aquilo que foi feito, há de voltar a fazer-se: e nada há de novo debaixo do Sol!... apliquei o meu espírito a estudar e a ex­plorar… Apli­quei, igualmente, o meu co­ra­ção a conhecer a sabedoria, a lou­cura e a insensatez; e reconheci que também isto é correr atrás do vento. Por­que na muita sabe­do­ria há mui­­ta arrelia, e o que au­men­ta o co­nhe­ci­mento, aumenta o sofri­mento” (Ecl 1, 17-18).
       Em Job encontramos o mesmo lamento. O mal seria consequência/castigo do pecado. Job descobre que a sua vida corre mal, o que é uma tremenda injustiça. Sempre se dedicou a fazer o bem, a viver segundo a justiça, a praticar boas obras, a usar de misericórdia. No final, de nada lhe adiantou ser bom e justo, o mundo desabou sobre ele.
       Haverá lugar para a esperança? Ouvirá Deus a minha prece? Onde Se esconde Deus quando preciso d’Ele?

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4248, de 21 de janeiro de 2014

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Resignação de Bento XVI como Papa

Caríssimos Irmãos,
        convoquei-vos para este Consistório não só por causa das três canonizações, mas também para vos comunicar uma decisão de grande importância para a vida da Igreja. Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste acto, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro, que me foi confiado pela mão dos Cardeais em 19 de Abril de 2005, pelo que, a partir de 28 de Fevereiro de 2013, às 20,00 horas, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice.

Caríssimos Irmãos, verdadeiramente de coração vos agradeço por todo o amor e a fadiga com que carregastes comigo o peso do meu ministério, e peço perdão por todos os meus defeitos. Agora confiemos a Santa Igreja à solicitude do seu Pastor Supremo, Nosso Senhor Jesus Cristo, e peçamos a Maria, sua Mãe Santíssima, que assista, com a sua bondade materna, os Padres Cardeais na eleição do novo Sumo Pontífice. Pelo que me diz respeito, nomeadamente no futuro, quero servir de todo o coração, com uma vida consagrada à oração, a Santa Igreja de Deus.

Vaticano, 10 de Fevereiro de 2013.

Bento XVI - Um humilde trabalhador da vinha






HUMILDADE: a última encíclica de BENTO XVI

       Bento XVI não publicará a encíclica sobre a fé – embora em fase avançada – que devia apresentar na primavera. Já não tem tempo. E nenhum sucessor é obrigado a retomar uma encíclica incompleta do próprio predecessor. Mas existe outra encíclica de Bento XVI, escondida no seu coração, uma encíclica não escrita. Ou melhor, escrita não pela sua pena mas pelo gesto do seu pontificado. Esta encíclica não é um texto, mas uma realidade: a humildade.
       A 19 de abril de 2005 um homem que pertence à raça das águias intelectuais, temido pelos seus adversários, admirado pelos seus estudantes, respeitado por todos devido à acutilância das suas análises sobre a Igreja e o mundo, apresenta-se, recém-eleito Papa, como um cordeiro levado para o sacrifício. Utilizará até a terrível palavra «guilhotina» para descrever o sentimento que o invadiu no momento em que os seus irmãos cardeais, na Capela Sistina, ainda fechada para o mundo, se viraram para ele, eleito entre todos, para o aplaudir. Nas imagens da época, a sua figura curvada e o seu rosto surpreendido testemunham-no.
       Depois teve que aprender o mister de Papa. Extirpou, como raízes arraigadas sob o húmus da terra, o eterno tímido, lúcido na mente mas desajeitado no corpo, para o projetar perante o mundo. Foi um choque para ambas as partes. Não conseguia assumir a desenvoltura do saudoso João Paulo II. O mundo compreendia mal aquele Papa sem efeito. Bento XVI nem teve os cem dias de "estado de graça" que se atribuem aos presidentes profanos. Teve, sem dúvida, a graça divina, fina mas pouco mundana. Contudo teve, ainda e sempre, a humildade de aprender sob os olhares de todos.
       Foram sete anos terríveis de pontificado. Nunca um Papa teve, num certo sentido, tão pouco "sucesso". Passou de polémica em polémica: crise com o Islão depois do seu discurso de Ratisbona, onde evocou a violência religiosa; deformação das suas palavras sobre a Sida durante a primeira viagem à África, que suscitou um protesto mundial; vergonha sofrida pelo explodir da questão dos sacerdotes pedófilos, por ele enfrentada; o caso Williamson, onde o seu gesto de generosidade em relação aos quatro bispos ordenados por D. Lefebvre (o Papa revogou as excomunhões) se transformou numa reprovação mundial contra Bento XVI, porque não tinha sido informado sobre os discursos negacionistas da Shoah feitos por um deles; incompreensões e dificuldades de pôr em ação o seu desejo de transparência quanto às finanças do Vaticano; traição de uma parte do seu grupo mais próximo no caso Vatileaks, com o seu mordomo que subtraiu cartas confidenciais para as publicar...
       Não teve nem sequer um ano de trégua. Nada lhe foi poupado. Às violentas provações físicas do pontificado de João Paulo II, ao atentado e ao mal de Parkinson, parecem corresponder as provações morais de rara violência desta litania de contradições sofrida por Bento XVI.
       Ao renunciar, o Papa eclipsa-se. À própria imagem do seu pontificado. Mas só Deus conhece o poder e a fecundidade da humildade.

Jean-Marie Guénois, in Le Figaro Magazine, 15-16.2.2013. Transcrição: L'Osservatore Romano © SNPC | 25.02.13.