sábado, 15 de agosto de 2015

XX Domingo do Tempo Comum - ano B - 16.08.2015

       1 – Acreditar em Jesus implica-nos por inteiro, alma, corpo e espírito, sem reservas nem subterfúgios, mesmo que o nosso pecado nos afaste deste compromisso. A nossa primordial vocação é à santidade, comum a todos os batizados. À medida que o tempo avança a nossa identificação a Cristo há de revelar-se cada vez mais efetiva. Cada um de nós – no seu corpo, isto é, na sua vida por inteiro – deve como que fundir-se no único Corpo de Cristo. "Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gál 2, 20). Jesus Cristo há de ser tudo em todos, como caminho na história e como plenitude na eternidade, mas que inicia connosco, aqui e agora, no tempo presente. Comer a Sua carne, beber o Seu sangue, comungar Cristo é entrar em comunhão com a Sua vida, para sermos assimilados por Ele. Palavras duras pois bem sabemos das nossas insuficiências. Mas Ele não nos faltará. E ainda bem que sabemos dos nossos limites, o que nos permite reconhecer a necessidade dos outros e do Outro.
       Se cada um de nós "comunga", come, saboreia o Corpo de Cristo (poderíamos com propriedade falar da comunhão sacramental e da comunhão de desejo, propósito e de vida. A comunhão sacramental deve corresponder à comunhão de vida com Jesus, mas ainda que aquela não se efetue, o cristão pode e deve alimentar-se da Palavra de Deus, procurando viver o mais possível de acordo com o Evangelho), então caminhamos ao encontro uns dos outros, pois todos nos encontramos em Cristo e assim formamos – todos – o Seu Corpo.
       Por vezes separamos a pessoa das suas palavras e dos seus atos. Sim. A pessoa traz em si impressa a imagem de Deus, com o consequente mandamento "não matarás", em absoluto, nada farás de mal ao outro, pois ofenderás a Deus. Com efeito, podemos confiar numa pessoa e ter dúvidas na sua palavra. A pessoa é mais do que os seus pecados! Em Cristo, porém, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, tudo está implicado. Confiar n'Ele compromete-nos com a Sua Palavra, com os seus ensinamentos visíveis no seu modo de proceder. A dureza das Suas palavras passa por aqui: imitá-l'O em todas as situações da vida, sem descanso nem desistências nem atalhos.
       2 – «Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é minha carne, que Eu darei pela vida do mundo... Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós... A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele... aquele que Me come viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram: quem comer deste pão viverá eternamente».
       As palavras de Jesus são delicadas e provocam, naqueles dias como ao longo da história da Igreja, ruturas. Os judeus interpretam o que nos vai na alma: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?». Não pensemos que é uma questão superficial e resultante de má vontade. Não. Algum de nós entenderia as palavras de Jesus? Como é possível comer a carne de Jesus? Alguns dos discípulos vão seguir outro caminho, como veremos no próximo domingo. Mais tarde, justificando a perseguição à Igreja, dir-se-á que os cristãos são canibalistas, sacrificam, matam, comem pessoas nas suas orações.
       Questionado, Jesus não retira o que disse nem emenda o conteúdo das suas palavras. Como temos visto, Jesus esclarece, insiste, mas sem se desviar: quem come o Meu Corpo e bebe o Meu sangue terá a vida eterna, terá parte Comigo, viverá por Mim. Eu sou o Pão da vida e o pão que Eu hei de dar é a minha carne.
       Como cristãos católicos professamos a fé na presença real de Cristo nas espécies do pão e do vinho, que pela consagração, por ação do Espírito Santo, se transubstanciam no Corpo e no Sangue de Cristo e que nos alimentam na vida presente, antecipando o banquete na eternidade de Deus. O próprio Jesus o afirma durante a última Ceia, tomando o pão e o cálice com vinho: "tomai e comei, isto é o Meu corpo; tomai e bebei, isto é o Meu sangue derramado por todos". Jesus prepara os seus discípulos para a Sua morte e ressurreição, dizendo-lhes que pela Ressurreição estará presente de maneira nova, gloriosa e real, através do mistério da Eucaristia.
       Alguns dos nossos irmãos protestantes continuam a ter dificuldade em aceitar que o pão e o vinho se transformem em Cristo, quando muito são uma presença simbólica de Jesus. Discussões à parte, a Eucaristia traz-nos a certeza da presença real de Jesus, Ele está verdadeiramente vivo e no meio de nós. Deu-nos o Espírito Santo. O Espírito Santo dá-nos Jesus Cristo, vivo e real.
       3 – A sabedoria convida-nos para o festim de Deus: «Vinde comer do meu pão e beber do vinho que vos preparei. Deixai a insensatez e vivereis; segui o caminho da prudência».
       Os Padres da Igreja hão de identificar a Sabedoria com a segunda pessoa da Santíssima Trindade, isto é, com Jesus Cristo, Filho de Deus. Ele é a Sabedoria, a Palavra do Pai, o Pão que desce do Céu, o Corpo entregue por amor para gerar vida e vida em abundância.

       4 – Comungar Cristo, ou seja, estar e colocar-se em comunhão com Cristo, implica seguir os Seus ensinamentos, mesmo que em alguns momentos os não compreendamos tão bem, expressos na sua postura de vida e disseminados na Sagrada Escritura, numa lógica constante de edificar o mundo pelo bem, pela paixão, pelo amor: "Guarda do mal a tua língua e da mentira os teus lábios. Evita o mal e faz o bem, procura a paz e segue os seus passos" (Salmo).
       São Paulo, na Carta aos Efésios, que continuamos a escutar, é bem claro sobre as implicações de acreditar/seguir Cristo, como discípulos: "Não vivais como insensatos, mas como pessoas inteligentes. Aproveitai bem o tempo... procurai compreender qual é a vontade do Senhor. Não vos embriagueis com o vinho, que é causa de luxúria, mas enchei-vos do Espírito Santo, recitando entre vós salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e salmodiando em vossos corações, dando graças, por tudo e em todo o tempo, a Deus Pai, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo".
       A ação brota da oração, da contemplação. Para irradiarmos a alegria, a beleza e a misericórdia de Deus no mundo temos que primeiramente O acolher no nosso coração e na nossa vida. Como disse Madre Teresa de Calcutá, a "oração é uma linha direta de comunicação com Deus" que nos conduz aos outros a começar pelos de minha casa.

       5 – Celebramos hoje a Jornada do Migrante e do Refugiado, num convite cada vez mais premente por acolhermos os que chegam com a sua miséria e com o seu apelo.
       Na mensagem para este dia, o Papa Francisco, propondo o tema "Igreja sem fronteiras, mãe de todos", começa por referir que "a Igreja, peregrina sobre a terra e mãe de todos, tem por missão amar Jesus Cristo, adorá-Lo e amá-Lo, particularmente nos mais pobres e abandonados; e entre eles contam-se, sem dúvida, os migrantes e os refugiados, que procuram deixar para trás duras condições de vida e perigos de toda a espécie". Prossegue, recordando o juízo final: «Tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber, era peregrino e recolhestes-Me, estava nu e destes-Me que vestir, adoeci e visitastes-Me, estive na prisão e fostes ter comigo» (Mt 25, 35-36).
       A Igreja em Portugal transformou o tema proposto pelo Papa, sintonizando-se com o Evangelho deste dia: "Igreja Sem Fronteiras. Somos um só Corpo".
       Na Peregrinação Nacional dos Migrantes a Fátima (12 e 13 de agosto), ficou clara esta urgência, mormente nas palavras de D. António Marto, na disponibilidade da Igreja acolher mais refugiados e imigrantes que vêm desembarcar na Europa, em condições desumanas. É uma proposta concreta para um problema real e concreto.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Prov 9, 1-6; Sl 33 (34); Ef 5, 15-20; Jo 6, 51-58.

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