sábado, 20 de agosto de 2016

XXI Domingo do Tempo Comum - C - 21.agosto.2016

       1 – Jesus coloca-nos em movimento, por aldeias e cidades, para chegar o mais longe possível e ao maior número de pessoas. Os encontros e as palavras, os gestos e os prodígios, a postura, transparecem a Misericórdia do Pai, a sintonia de Jesus com a vontade paterna, o propósito de escancarar as portas do Reino de Deus, convidando todos para o banquete divino. Jesus revela-nos, concretizando, a filiação divina e assume-nos como irmãos. Se irmãos também filhos do mesmo Pai.
       Alguém O questiona: «Senhor, são poucos os que se salvam?».
       Há duas semanas, depois de Jesus ter contado a parábola sobre a vigilância dos servos na ausência do seu senhor, Pedro pergunta-Lhe se as recomendações também lhes diziam respeito. A resposta de Jesus é concludente: «A quem muito foi dado, muito será exigido; a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá» (Lc 12, 32-48).
       Quando Jesus fala é para nós que fala. Para mim e para ti. Nunca para os outros. Ele chama-nos, desafia-nos, envolve-nos. Cabe-nos, a mim e a ti, responder. Seguimo-l'O? Aceitamos as Suas propostas? Procuraremos realizar o Seu mandato de amor, de perdão e de vida nova?
       Também hoje a resposta é clarificadora: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir. Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta, vós ficareis fora e batereis à porta, dizendo: ‘Abre-nos, senhor’; mas ele responder-vos-á: ‘Não sei donde sois’. Então começareis a dizer: ‘Comemos e bebemos contigo e tu ensinaste nas nossas praças’. Mas ele responderá: ‘Repito que não sei donde sois. Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade’. Aí haverá choro e ranger de dentes, quando virdes no reino de Deus Abraão, Isaac e Jacob e todos os Profetas, e vós a serdes postos fora. Hão-de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e sentar-se-ão à mesa no reino de Deus. Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos».
       2 – «Nem todo o que me diz: ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino do Céu, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está no Céu» (Mt 7, 21). Os propósitos são importantes. As promessas, a palavra dada, as intenções. Se ficarmos apenas nas intenções… De intenções está cheio o inferno! 
       São Tiago, numa belíssima página do Novo Testamento, é contundente: «Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé... Porque quem não pratica a misericórdia será julgado sem misericórdia... Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta» (Tg 2, 13.17.18).
       Numa outra página, esta do Evangelho, Jesus, em mais uma luminosa parábola, mostra que as palavras só por si não nos justificam. Um homem tinha dois filhos. A ambos chama para o ajudarem na vinha. O primeiro, de pronto, diz que não. Mas o rebate na consciência levam-no a apresentar-se junto do pai para ajudar. O outro filho disse sim, prontamente, amável, simpático, mas não mexeu os pés para ir para a vinha. Qual cumpriu a vontade do pai? – Pergunta Jesus. Cumpriu aquele que foi para a vinha, mesmo que inicialmente se mostrasse indisponível (cf. Mt 21, 28-32).
       Podemos conhecer Jesus. O demónio também O conhece e nem por isso é Seu discípulo. Não basta termos o nome de cristãos. É necessário que a nossa vida se faça segundo os critérios do Evangelho. Docilidade, delicadeza, caridade, serviço, pobreza, perdão, partilha, comunhão.
       O convite é para todos. Mas podemos ser excluídos. Por que Deus nos exclui? Nem pensar! Deus inclui-nos a todos. Porém, podemos recusar a Sua vida e a Sua vontade para nós.
        3 – Neste Jubileu da Misericórdia somos convidados a entrar pela Porta da Misericórdia, que é Jesus. Ele é a Porta que nos conduz ao Pai. É o Rosto e a Presença e o Agir de Deus. Próximo. Atento a todos, especialmente aos mais frágeis, aos pobres, pecadores, mulheres, aos doentes, às crianças, aos publicanos, aos estrangeiros, atento a todos os que precisam de ser amados, reconhecidos, acolhidos, incluídos na sociedade e sobretudo na vida.
       Jesus age com ternura, compadecendo-Se e levantando, como Bom Samaritano, todo o homem que se encontra caído, abatido, ferido. Abaixa-Se para nos poder ver de perto, nos poder amar e abraçar, para nos poder erguer e elevar, para poder cuidar de nós e sarar o que nos afasta dos outros.
       Cabe-nos abrir os braços, o coração e a vida para O acolhermos. Acolhemo-l'O sempre e quando acolhemos, amamos e servimos os outros. Ele deixa-Se ver, amar, deixa-Se seguir, prender, agredir, deixa-Se matar. Mas não deixa que o Seu amor por nós se esbata, se perca ou desapareça. Hoje, como ontem, Ele deixa-Se encontrar porque primeiro veio ao nosso encontro. Confunde-Se connosco. Mistura-se no meio de nós. É um de nós. É Um connosco.
       A tia Maria rezava muito a Jesus. Conhecemos a estória. Certa vez, através de um Anjo, Jesus disse-lhe que viria visitá-la no dia seguinte. Atarefou-se, limpou toda a casa. Deixou cada divisão um brinquinho. Pôs os melhores tapetes, colocou as novas cortinas. Preparou uma refeição requintada: aperitivos, o melhor prato que sabia fazer, variadas sobremesas, e o melhor conjunto de pratos, talheres e copos. Vestiu a melhor roupa. Uma flor no cabelo. O perfume para os dias de festa. Bateram à porta. Com o coração a saltar do corpo, foi abrir. Era um pobre pedinte, que passava de vez em quando. Entre. Como tem passado? Já não o via há algum tempo… Sente-se, tenho a mesa posta, estou à espera de Jesus. Coma do que quiser, chega para todos… Veio, depois, a vizinha. Que quererá desta vez? Pobre mulher, tão nova e com tantas dificuldades. Vem desabafar as mágoas. Sente-se aqui, a mesa está posta, comemos qualquer coisa em quanto falamos. Hoje fiz um banquete, Jesus vem visitar-me! O dia vai avançando e mais alguém bate à porta, não bate, entra esbaforido. É o Chico. Quer brincar, mas os meus filhos ainda não chegaram da escola. Entra, antes de brincarmos, vamos lanchar. Tenho várias sobremesas que vais gostar! Provou de tudo. E finalmente, as brincadeiras, até que os pais o vieram buscar. A Tia Maria tinha agora algum tempo para descansar. Adormeceu no sofá. Quando acordou viu um bilhete perfumado, escrito em letras douradas: “Obrigado, Maria, por Me acolheres, Me dares de comida, por Me escutares e por brincares comigo. Gostei muito deste dia contigo. Obrigado. Bons sonhos. O teu amigo, Jesus”.
        4 – Esforcemo-nos por entrar na porta estreita. Nas palavras de Santo Agostinho, a porta é estreita não porque Deus é estreito mas porque são muitas as pessoas que passam por ela. Cabe-nos percorrer a Porta estreita e torná-la ainda mais estreita porque atraímos outros para entrarem.
       Não nos cabe ajuizar os caminhos percorridos ou os atalhos a percorrer. Cabe-nos fazer o que está ao nosso alcance, procurando viver as Palavra de Cristo, adequando a nossa vida aos ideais do Evangelho, deixando um rasto de bem. O mais será com Deus, que também se serve de nós.
       O profeta Isaías estava ciente da benevolência e da grandeza do coração de Deus: «Eu virei reunir todas as nações e todas as línguas, para que venham contemplar a minha glória... De todas as nações, como oferenda ao Senhor, eles hão de reconduzir todos os vossos irmãos, em cavalos, em carros, em liteiras, em mulas e em dromedários, até ao meu santo monte, em Jerusalém».
       O propósito dos cristãos é o louvor e a glória de Deus, na certeza, como sublinhou Santo Ireneu, que a glória de Deus é o homem vivo. Glorificamos Deus com a nossa vida, procurando viver com alegria e responsabilidade, estreitando os laços que nos unem mutuamente. De todos os povos e nações, vamos ao monte do Senhor, vamos ao Seu encontro para formarmos um só Povo.
       "Senhor Deus, que unis os corações dos fiéis num único desejo, fazei que o vosso povo ame o que mandais e espere o que prometeis, para que, no meio da instabilidade deste mundo, fixemos os nossos corações onde se encontram as verdadeiras alegrias".

       5 – Na segunda leitura, da Epístola aos Hebreus, a certeza que Deus nos ama como Pai e nos quer como filhos bem-amados. O autor invetiva-nos: «Deus trata-vos como filhos. Qual é o filho a quem o pai não corrige? Nenhuma correção, quando se recebe, é considerada como motivo de alegria, mas de tristeza. Mais tarde, porém, dá àqueles que assim foram exercitados um fruto de paz e de justiça. Por isso, levantai as vossas mãos fatigadas e os vossos joelhos vacilantes e dirigi os vossos passos por caminhos direitos, para que o coxo não se extravie, mas antes seja curado».
       Por certo também já fizemos esta experiência. Quem te avisa teu amigo é. Por vezes dececionamo-nos perante os avisos e os fracassos. Há aqueles que nos repreendem pelo gozo que lhes dá verificarem a nossa fragilidade, contentam-se com as desgraças alheias porque ainda não conseguem encontrar nas suas vidas razões para serem felizes. Mas há outros que nos querem bem e se nos alertam é para nos protegerem e nos ajudarem a seguir por um caminho mais favorável. Neste número estão os nossos pais e os nossos amigos verdadeiros.
       A Palavra de Deus guia-nos para o bem, comprometendo-nos na construção de um mundo fraterno, em que todos nos reconheçamos como irmãos e cuidemos uns dos outros.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Is 66, 18-21; Sl 116 (117); Hebr 12, 5-7. 11-13; Lc 13, 22-30.

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