sábado, 1 de outubro de 2016

XXVII Domingo do tempo Comum - ano C - 2 de outubro

       1 – A fé expressa-se e aprofunda-se no serviço. A vocação primeira do cristão é seguir Jesus e amar como Ele amou, servindo como Ele serviu a humanidade inteira, dando a vida como oblação para redenção de todos. Quem não vive para servir não serve para viver. Ninguém pode dar o que não tem, mas quem se dá acabará por se encontrar e se descobrir, e encontrar sentido na entrega e na dedicação aos outros.
       Se não gostares de ti quem gostará? É uma expressão que dá mote a uma campanha publicitária, mas também um convite à autoestima da pessoa, aceitando-se nas suas limitações e nas suas qualidades. Neste concreto estamos a falar numa dinâmica psicológica. Se a pessoa viver em conflitualidade com o seu corpo, com o seu feitio, com a sua vontade, num desencontro consigo mesma, correrá o risco de viver psicoticamente, fechando-se, isolando-se, destruindo-se. Se tu não te aceitares com os teus defeitos e com os teus talentos, dificilmente terás relacionamentos salutares. Primeiro trata de eliminar o lixo que habita a tua mente e aceita-te, procurando, claro, melhorar em todos os aspetos que é possível, também no asseio, no cuidado com o corpo e com a saúde dos pensamentos e desejos. Esta lógica faz-nos concluir que para te dares bem com os outros tens que te conhecer e te aceitar como és.
       Deus ama-nos, como filhos. Temos um chão seguro que nos garante a dignidade e nos compromete com os outros, em Jesus Cristo, nossos irmãos. Podemos inverter a lógica anterior. Em vez de esperarmos que os outros nos amem, ou esperar que os dias sejam mais solarengos, ponhamo-nos em postura de serviço. Ama os outros para te encontrares. Andas abatido, triste, desencantado, preocupado? Presta atenção, vê quem precisa de ti, do teu abraço, do teu olhar, da tua alegria! Não esperes que te solicitem ajuda, vai ao encontro de quem precisa. Ao ajudares os outros começas a ajudar-te a ti, a sentir que a vida avança, vais experimentando o sabor de seres útil. Claro, há situações em que é necessário recorrer ao psicólogo ou psiquiatra. E não há mal nisso.
       Seja como for, a resposta não está no ensimesmamento, mas no encontro, com o médico, pedindo ajuda, ou no serviço a quem está mais necessitado que tu. Ficar em casa, isolar-se, ter pena de si mesmo, não é solução. Sair, procurar ajuda, ajudar os outros, é meio caminho andado para curar a solidão, o vazio, as trevas que se querem ocupar de ti.
       2 – Jesus inspira os Apóstolos. Bento XVI colocou em evidência que a fé se comunica com a vida, por atração, não por imposição. Os discípulos sentem-se atraídos com a fé de Jesus e com o Seu proceder. Testemunham a cumplicidade de Jesus com o Pai, pela oração, pela postura com que Se prostra para falar com Deus, pelas palavras que usa ao falar da vontade paterna, como constante, compromisso, fidelidade, desejo, propósito. Por isso Lhe pedem para que os ensine a rezar. Por isso Lhe pedem doses mais concentradas de fé: «Aumenta a nossa fé». Pelo que ouvem e pelo que veem, Jesus tem uma fé transparente, intensa, poderosa, eficaz nos gestos e nos milagres.
       Jesus constata a pouca fé dos discípulos e desafia-os a aprofundá-la. «Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘Arranca-te daí e vai plantar-te no mar’, e ela obedecer-vos-ia».
       Como aumentar a nossa fé? Rezar mais! Ler e meditar a Palavra de Deus, especialmente dos Evangelhos! Participar nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia, onde Jesus Se dá no pão e no vinho que consagrados se tornam no Seu corpo e no Seu sangue, oferenda que nos salva e nos projeta para a eternidade, comprometendo-nos com o tempo presente, com a história e com o mundo.
       Porém, Jesus leva mais longe o enriquecimento da fé: o serviço. Prática do bem, vivência das obras de misericórdia. É curiosa a forma como Jesus nos interpela: "Quem de vós, tendo um servo a lavrar ou a guardar gado, lhe dirá quando ele voltar do campo: ‘Vem depressa sentar-te à mesa’? Não lhe dirá antes: ‘Prepara-me o jantar e cinge-te para me servires, até que eu tenha comido e bebido. Depois comerás e beberás tu’?. Terá de agradecer ao servo por lhe ter feito o que mandou?".
       Conclui Jesus, em relação aos servos e em relação a nós, depois de realizarmos tudo o que nos compete, "Somos inúteis servos: fizemos o que devíamos fazer". Não se trata de uma questão de identidade ou dignidade, trata-se do nosso agir e da nossa postura. O serviço aos demais não é uma opção, é uma obrigação, não imposta a partir do exterior, mas acolhida em simultâneo com a fé, com a adesão ao caminho de Jesus. O discípulo terá que partir no encalço do Mestre.
       3 – Para a maioria de nós a fé é mais fácil quando tudo nos corre bem. Como que descansamos na fé e na confiança em Deus. Temos motivos para agradecer, para sorrir, para desfrutar a vida. Não tendo razões para reclamar da vida, o tempo é-nos mais favorável.
       Há situações em que a vida se revela madrasta. Apesar de não termos feito nada de errado, parece que tudo nos corre mal. Não temos disposição para rezar. Já não conseguimos. Não temos palavras. Deus não nos ouve, esqueceu-se de nós. Rezamos e tudo permanece igual. Quanto maior a fé que "tínhamos", maior o desencanto, a desilusão com Deus. Ficamos chateados. Éramos assíduos à oração, participávamos nas propostas da Igreja, sempre contribuímos com a nossa esmola para ofertórios específicos e, agora, Deus deixou-nos ficar mal?!
       O profeta Habacuc interpreta estes nossos sentimentos: «Até quando, Senhor, chamarei por Vós e não me ouvis? Até quando clamarei contra a violência e não me enviais a salvação? Porque me deixais ver a iniquidade e contemplar a injustiça? Diante de mim está a opressão e a violência, levantam-se contendas e reina a discórdia?»
       Não são perguntas fáceis. Mas Deus responde-nos através do profeta: «Põe por escrito esta visão e grava-a em tábuas com toda a clareza, de modo que a possam ler facilmente. Embora esta visão só se realize na devida altura, ela há de cumprir-se com certeza e não falhará. Se parece demorar, deves esperá-la, porque ela há de vir e não tardará. Vede como sucumbe aquele que não tem alma reta; mas o justo viverá pela sua fidelidade».
       Também a travessia do deserto colocou à prova a fé do povo eleito. O salmo deste dia recorda-nos como os nossos pais tentaram a Deus, endurecendo o coração, apesar de todas as maravilhas que presenciaram: «Não endureçais os vossos corações, como em Meriba, como no dia de Massa no deserto, onde vossos pais Me tentaram e provocaram, apesar de terem visto as minhas obras» (Salmo).
       No dia 27 de setembro, memória litúrgica de São Vicente de Paulo, na homilia matutina, na Casa de Santa Marta, o papa Francisco lembrava que os comprimidos para dormir ou uns copitos para esquecer não resolvem a vida. Além do compromisso com os outros, a oração. “Rezemos ao Senhor para que nos conceda a graça de reconhecer a desolação espiritual, a graça de rezar quando estivermos submetidos a este estado de desolação espiritual e também a graça de saber acolher as pessoas que passam por momentos difíceis de tristeza e de desolação espiritual”.
       4 – Serve também para nós a exortação de Paulo ao discípulo Timóteo, a partir da prisão, com a missão de avivar a fé e a caridade: «Exorto-te a que reanimes o dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos. Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de caridade e moderação. Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem te envergonhes de mim, seu prisioneiro. Mas sofre comigo pelo Evangelho, confiando no poder de Deus... Guarda a boa doutrina que nos foi confiada, com o auxílio do Espírito Santo, que habita em nós».
       A fé não nos facilita a vida, não anula os escolhos, mas dá um sentido de plenitude à nossa vida, ao que fazemos mas sobretudo ao que somos, filhos amados de Deus, desde sempre escolhidos, para sermos felizes, levando à prática os dons que Deus nos dá, transformando o mundo, com a certeza que viveremos, em Deus, para sempre. Relativizamos os sucessos e as contrariedades, empenhados em construir a fraternidade visualizável em Cristo Jesus, para que também em nós atue a graça de Deus e por nós se complete a Sua Paixão redentora, posta em marcha pela Sua morte e ressurreição. O Espírito Santo que nos habita nos ajude a transparecer a fé pela prática da caridade.


Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia (C): Hab 1, 2-3; 2, 2-4; Sl 94 (95);2 Tim 1, 6-8. 13-14; Lc 17, 5-10.

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