sábado, 31 de dezembro de 2016

Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus - 2017

       1 – Cada novo ano civil se inicia sob o patrocínio de Maria, Mãe de Deus. Renovamos a esperança num mundo em que (re)nasça e cresça a paz e a alegria, a luz e a justiça e a ternura da Virgem Mãe.
       A vida de Jesus é envolvida pela docilidade e delicadeza, pela inclusão e pelo cuidado aos mais frágeis. Como lembra São Pedro, o Senhor Jesus passou fazendo o bem, sem fazer aceção de pessoas. Por certo não será difícil encontrar a doçura, a afetividade, a delicadeza em Maria e em toda a sagrada Família. A entreajuda nas tarefas de casa e nos compromissos sociais, a participação na vida da comunidade, os tempos de festa e de alegria, os momentos de dor, de perda e de luto, as grandes comemorações comunitárias e o ritmo semanal que culmina na reunião familiar, na refeição ritual, na ida à Sinagoga para agradecer a vida, para invocar as bênçãos de Deus para a família, para a aldeia e para o povo, para o trabalho e para os animais, que garantirão parte essencial da alimentação, para recordar a história e a aliança de Deus com o Seu povo e a promessa de novos tempos de prosperidade e de bênção.
       Pelo fruto se vê a árvore. E os frutos que Jesus vive e partilha clarificam e testemunham a vivência na Sua família humana. Em tempos difíceis, sob o domínio do império romano, as famílias e as comunidades apoiam-se mutuamente para sobreviverem. A elevada carga de impostos que têm de pagar às autoridades dificultam a vida mas fortalecem a união. Seguindo a Lei do Senhor, a atenção aos mais pobres, provendo agasalho, alimento e abrigo. Os dias de festa são para todos. Quem pode mais, ajuda quem se encontra em situação periclitante. Os estrangeiros e pedintes são acarinhados, lembrando-se que também foram estrangeiros. Esse auxílio agrada ao Senhor.
        2 – No Principezinho, o narrador inicia a sua história com um desenho: uma jiboia a digerir um elefante. Como os adultos não percebem o desenho, faz um segundo, colocando os contornos do elefante dentro da jiboia. Tinha então seis anos de idade e mostra o desenho 1 e depois o 2 para meter medo, mas para quem vê não passa de um chapéu. Dizem-lhe que deixe de brincar e se dedique à história, à geografia, à matemática e à gramática. Só mais tarde, muito mais tarde, já aviador, perdido no deserto do Saara, alguém, o pequeno Príncipe, percebe espontaneamente o seu desenho: uma jiboia a digerir um elefante! Afinal, as pessoas adultas são esquisitas, andam de um lado para o outro e nem sabem o que procuram!
       «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado…» (Lc 10, 21).
       Só os pequeninos, os pobres, os simples, os humildes de coração compreendem os mistérios de Deus e, quando não compreendem, confiam. Não admira, portanto, que sejam os pastores os primeiros a escutarem a luz e a voz que vem das alturas e a compreenderem que Aquele Menino é uma bênção de Deus dado à humanidade.
       Os pastores são gente simples, pobre, humilde! Aproximam-se rapidamente de Maria e de José, veem o Menino deitado na manjedoura e extravasam de alegria, relatando tudo o que ouviram acerca d'Aquele Menino. Todos ficam maravilhados. Têm o encanto do encontro e a alegria da partilha. Há de ser assim o nosso encontro com Jesus, contando-Lhe a nossa vida e confiando-Lhe os nossos anseios e preocupações, os nossos sonhos e projetos. Em simultâneo, atraiamos outros com o nosso entusiasmo em falar de Jesus, em viver perto de Jesus, em transparecer Jesus. Sempre que isso acontecer connosco, outros hão de escutar e hão de aproximar-se, farão a experiência do encontro e alegrar-se-ão a partilhar a boa Nova de Jesus.
       Sublinha-se, neste episódio, a importância da dimensão missionária. Os pastores escutam os Anjos. Diante de Jesus, Maria e José, dizem as razões da sua alegria. No regresso a suas casas continuam a anunciar Jesus e o que Deus fez a favor de todo o povo.
       3 – «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38) «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da sua serva...» (Lc 1, 46-55). As palavras de Maria sublinham a humildade com que acolhe e vive a Sua vocação de Se tornar a Mãe do Salvador. Como sublinhava o então Cardeal Ratzinger / Bento XVI, Maria engrandece o Senhor, não que Deus possa ser engrandecido, mas porque Maria, na Sua humildade e transparência, permite que a grandeza de Deus Se torne manifesta e visível para o mundo. É a Sua missão. Há de ser também a nossa: engrandecermos, com humildade, nas palavras e nos silêncios, nos gestos e nas obras, a presença de Deus, para que Ele, em nós e através de nós, continue a operar maravilhas.
       Maria é a Aurora da Salvação, a Estrela da Manhã, é Mãe de Deus e nossa Mãe, é Mãe da Igreja. É o primeiro sacrário da história, guarda em Si, no Seu ventre e no Seu coração, Aquele que há de ser para todos salvação e luz. É discípula e missionária da alegria, que comunica a Isabel, aquando da visitação, e que presencia no nascimento de Jesus e na visita dos Pastores e, mais tarde, dos Magos vindos do Oriente, vindos de toda a parte. Por vezes as palavras traduzem a alegria, o espanto, a admiração. Os pastores não disfarçam a a alegria deste encontro e têm urgência em comunicar tudo o que ouviram acerca deste Menino. E continuam pelo tempo fora a anunciar as palavras dos Anjos e a agradável surpresa do encontro com a Sagrada Família de Maria, José e Jesus.
       Maria deixa que as palavras saltem do coração, quando se encontra com Isabel. Hoje mantém-se atenta, a escutar com o coração, a meditar nas palavras proferidas pelos pastores. «Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração». Como reiteradamente tem salientado o nosso Bispo, D. António Couto, Maria não apenas escuta mas compõe as palavras e os acontecimentos que lhe chegam ao coração. É uma melodia nova que está a manifestar-Se ao mundo.
       4 – A chegada do Deus-Menino, Deus connosco, Jesus (= Aquele que salva), é a maior das bênçãos para a humanidade tantas vezes perdida em confusões e em conflitos, em que pessoas e povos se afirmam pela força. O primeiro dia do ano é também Dia Mundial da Paz. O Papa Francisco, reconhecendo que vivemos num mundo dilacerado pela violência, pela guerra «aos pedaços», terrorismo, criminalidade, ataques e abusos contra os migrantes e refugiados, tráfico humano, devastação ambiental, desafia: «Sejam a caridade e a não-violência a guiar o modo como nos tratamos uns aos outros nas relações interpessoais, sociais e internacionais… Desde o nível local e diário até ao nível da ordem mundial, possa a não-violência tornar-se o estilo caraterístico das nossas decisões, dos nossos relacionamentos, das nossas ações, da política em todas as suas formas».
       Na primeira leitura, Deus convoca Moisés para comunicar a bênção a todo o povo. Bênção é a mais bela oração que podemos proferir, pois as palavras comprometem a vida. Tornamo-nos fiadores do bem que professamos, pois o bem dito exige o bem a ser feito. "O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz".
       Se, com verdade, invocamos a bênção de Deus para nós, então ficamos comprometidos na partilha dessa bênção. Deus não abençoa sob reservas ou condições, com aceção de pessoas, mas abençoa a humanidade inteira. O Antigo Testamento deixa vir ao de cima este compromisso universal. Deus abençoa Abraão para que nele sejam abençoados os povos de toda a terra. Como recorda o velho Simeão, na apresentação de Jesus no Templo: os «meus olhos viram a Salvação que ofereceste a todos os povos, Luz para se revelar às nações» (Lc 2, 30-32).

       5 – Chegada a plenitude do tempo, Deus dá-nos o Seu Filho muito amado, para nos resgatar do pecado e da morte, das trevas e da escravidão da Lei. Faz-Se lei para nos tornar filhos adotivos, como sublinha São Paulo, e assim também nós, libertos das cadeias da injustiça e do mal, possamos trabalhar por um mundo mais humano e fraterno, mais pacífico e solidário, procurando que todos se sintam em casa, em segurança e alegria, confiantes no futuro e sobretudo confiando nos outros, que acolhemos como presença de Deus.
       Será um bom propósito para iniciar e viver este novo ano. Maria acompanha-nos, estimulando-nos a seguir Jesus, a acolher e amar Jesus, a multiplicarmos a graça que Deus nos dá em abundância, ou, como Ela, tornar-nos de tal modo transparentes que as maravilhas de Deus sejam visíveis em nós e em tudo o que façamos. A oração será o ponto de partida e o ambiente para vivermos, como Maria, ao jeito de Jesus. "Senhor nosso Deus, que, pela virgindade fecunda de Maria Santíssima, destes aos homens a salvação eterna, fazei-nos sentir a intercessão daquela que nos trouxe o Autor da vida, Jesus Cristo, vosso filho".
       Se nos predispomos a rezar, predispomo-nos a satisfazer em palavras e obras a vontade de Deus. Só assim a nossa oração é autêntica. Não pedimos a Deus para cumprir a nossa vontade, pedimos que nos ajude a compreender e a realizar a Sua vontade.
       "Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção, resplandeça sobre nós a luz do seu rosto… Alegrem-se e exultem as nações, porque julgais os povos com justiça... Deus nos dê a sua bênção e chegue o seu temor aos confins da terra" (salmo).

Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia (A): Num 6, 22-27; Sl 66 (67); Gal 4, 4-7; Lc 2, 16-21.

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