sábado, 24 de junho de 2017

Domingo XII do tempo Comum - ano A - 25.junho.2017

       1 – Confiar em quem? Sem confiança não há vida. Ou pelo menos, vida com qualidade! Desde que nascemos que começamos a confiar. Pomo-nos de pé e confiamos que não nos deixam cair. Se caímos, protestamos, choramos, fazemos birra. E lá vem a Mãe ou o Pai engalhar-nos, prometer que não volta a acontecer, que estará por perto e mais atento/a. É na base da confiança que crescemos e nos envolvemos com a família, com os amigos, com os professores, com o mundo dos adultos. E mesmo a desconfiança tem a ver com confiança, ainda que seja resultado de algum momento em que fomos defraudados nas nossas expectativas. Aqueles que deveriam estar do nosso lado deixaram-nos pendurados, desiludiram-nos e agora demoramos a voltar a confiar.
       As últimas palavras de Jesus são de confiança total e definitiva: «Pai nas Tuas mãos entrego o Meu espírito». Depois de longas horas de provação, Jesus permanece confiante na bondade de Deus. A provação foi violenta. Traído pelos amigos, abandonado por (quase) todos. Injuriado. Sujeito ao escárnio e aos escarros, à violência gratuita, esbofeteado e chicoteado, esgotado pelas agressões e pelo peso da cruz... onde é suspenso, tornando-se muito difícil respirar... Não resta mais nada! Pai, se é possível... mas não Se faça a minha, mas a Tua vontade... Cumpra-se a vida e a história e o amor, até ao fim, sem alívio nem desculpas nem justificações.
       Não temais! Vinde a Mim todos os que andais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei! Não temais, Eu venci o mundo! Não temais, pequenino rebanho! Eu estarei convosco até ao fim dos tempos. Ide, Eu vos envio como cordeiros para o meio dos lobos!
       2 – Há tantas situações para as quais não há uma explicação lógica. Há momentos em que apetece desaparecer. Há circunstâncias que nos tiram do sério. Gostávamos que tudo fosse clarividente, mas a vida, na sua simplicidade, é complexa e nós, a acrescentar, complicamos o simples e simplificamos o que é delicado! Temos de compreender que não somos Deus, mas Manuel, Artur, Maria, Antónia. Não está ao nosso alcance explicar todos os mistérios da existência. Saber que Deus é Deus e confiarmos-Lhe a nossa vida para que à noite possamos deitar e repousar com a certeza que Ele é Deus e que há muita vida e muita história em que não somos nem heróis nem deuses nem demónios, mas simplesmente pessoas, de carne e osso, com sonhos e com limitações, com sentimentos e emoções, com mistério!
       Jesus chama e envia os Seus discípulos com o alerta dos perigos a enfrentar e a promessa da Sua presença. «Não tenhais medo dos homens... Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temei antes Aquele que pode lançar na geena a alma e o corpo. Não se vendem dois passarinhos por uma moeda? E nem um deles cairá por terra sem consentimento do vosso Pai. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Portanto, não temais: valeis muito mais do que todos os passarinhos».
       Na maioria das vezes não precisamos que resolvam as dificuldades do nosso caminho! Que seria a vida sem sal, sem esforço, sem dedicação, sem renúncia, sem compromisso, sem obstáculos? Precisamos sempre de colo! Da Mãe, dos amigos, da família, de quem nos prometa que vai correr bem, ainda que tenhamos de enfrentar os nossos demónios! Não estaremos sós. Temos Mãe (Papa Francisco em Fátima), temos quem nos acompanhe e nos ajude a erguer, temos um olhar e um sorriso que nos desafia, nos envolve e nos dá força, nos transmite confiança para continuar, apesar de tudo. Jesus lembra-nos que temos Pai e que temos Mãe (D. António Couto em Fátima). A olhar por nós! Podemos prosseguir. Ele não nos deixa sós, não nos abandona à nossa sorte.
       3 – «O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; e o que escutais ao ouvido proclamai-o sobre os telhados... A todo aquele que se tiver declarado por Mim diante dos homens, também Eu Me declararei por ele diante do meu Pai que está nos Céus. Mas àquele que Me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos Céus».
       Jesus vai passar do mundo para o Pai. Falta pouco para Ele dar a Sua vida por nós, pela humanidade inteira. A Sua partida não é o fim de tudo, é o início do Seu reino de amor e de paz. Ele é o próprio Reino de Deus que chega até nós. Envia-nos o Espírito Santo, em abundância. Confia em nós, confia que prossigamos com o anúncio e a instauração do Seu reino, levando a paz e a ternura a toda a terra!
       O facto de sermos discípulos de Jesus, isso não nos livra de armadilhas, de dificuldades de contratempos. Se pensarmos que tudo será inodoro, indolor, sonolento, insosso, estaremos enganados. Não foi assim com Ele. Se a Mim me perseguem, também a vós vos hão de perseguir. O discípulo não é maior que o mestre! Como Eu vos fiz, fazei vós também. Prosseguimos confiantes que Ele estará sempre connosco, porque no-lo prometeu e porque n'Ele confiamos, com a missão de O testemunhar e transparecer em toda a parte, em todas as circunstâncias, na bonança e sobretudo na adversidade. «Senhor, fazei-nos viver a cada instante no temor e no amor do vosso Santo nome, porque nunca a vossa providência abandona aqueles que formais solidamente no vosso amor».
       Não podemos envergonhar-nos de O dar a conhecer, promovendo a Sua mensagem de perdão, de amor, de conciliação. Já estivemos em situações em que deixamos passar?! Falaram de alguém que nos é próximo, mas não quisemos intervir, para não nos acusarem de algo semelhante?! Por vezes não vale mesmo a pena, pela ligeireza, pelo cinismo e pela maldade. Mas creio que, segundo a lógica de Jesus, não devíamos deixar passar levianamente, juntando a nossa água ao rio que corre para a fossa, quando sabemos que é mentira, ou meia verdade, ou desnecessário e injusto, pois não há como comprovar e os visados não se podem defender... Bebamos da Água viva, Jesus Cristo, e façamos com que a nossa água seja saudável engrossando o rio que gera vida!

       4 – A primeira leitura mostra a firmeza do profeta Jeremias diante das injúrias e da perseguição, apoiando-se na confiança em Deus e na certeza da Sua fidelidade: «Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos».
       As palavras do Salmo, por sua vez, podem facilmente ser colocadas nos lábios do profeta: «Por Vós tenho suportado afrontas, cobrindo-se meu rosto de confusão. Tornei-me um estranho para os meus irmãos, um desconhecido para a minha família. Devorou-me o zelo pela vossa casa e recaíram sobre mim os insultos contra Vós. A Vós, Senhor, elevo a minha súplica, no momento propício, meu Deus. Pela vossa grande bondade, respondei-me, em prova da vossa salvação. Tirai-me do lamaçal, para que não me afunde, livrai-me dos que me odeiam e do abismo das águas».
       No meio das afrontas, das armadilhas, sobrevém a oração e a confiança em Deus.

       5 – Pior que a morte é o desencanto, a desilusão, a falta de fé, de esperança, de horizonte. «Nada é mais triste que a morte de uma ilusão» (Arthur Koestler). «Uma alma triste mata mais depressa que um germe» (Steinbeck). Parafraseando estas duas expressões, que encontramos por acaso, o pior que nos pode acontecer é não ter ninguém em quem confiar. Vale como um absoluto: quando não temos ninguém para desabar, para festejar, para trocar impressões, que nos faça sentir em casa e ninguém para entregar a nossa vida, a nossa alma, sabendo que nos guardará para sempre, a vida deixa de ter sentido e sabor. Em definitivo, só Deus é garante da nossa existência para sempre. Mas na história precisamos de confiar e precisamos que confiem em nós, mesmo e apesar dos desencontros e decepções.
       Com a Sua vida e sobretudo com a Sua morte e ressurreição, Jesus torna-Se para nós a garantia de que Deus nos ama e nos assegura a vida eternamente, apesar do nosso pecado e dos nossos distanciamentos.
       Por um homem entrou o pecado, recorda-nos São Paulo, por outro homem, Cristo Jesus, entrou a salvação para todos os homens, de todos os tempos e lugares.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (ano A): Jer 20, 10-13; Sal 68 (69); Rom 5, 12-15; Mt 10, 26-33.

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