sábado, 22 de julho de 2017

Domingo XVI do tempo Comum - ano A - 23.julho.2017

       1 – Jesus, rodeado da multidão, continua a falar em parábolas. As que hoje nos apresenta são mais algumas pérolas preciosas que devemos refletir, partilhar, traduzir para a nossa vida, adaptá-las ao nosso relacionamento com os outros, para que não desperdicemos o bem só porque em determinada altura se afigurou o mal ou prevendo sacrifício e sofrimento; ao invés, sejamos resilientes diante das intempéries e adversidades, sabendo que é Ele que vai na condução da barca.
       Voltamos ao contexto do campo, do labor e da agricultura. O reino de Deus, o amor, a paz, a justiça, constrói-se artesanalmente, manualmente, recordando ainda a expressão do Papa Francisco. É como o desfiar de um novelo de lã ou o fiar da lã. Na parábola do domingo passado – o Semeador que saiu a semear e cuja semente caiu em terra pedregosa, em terra coberta de espinhos, à beira do caminho e em terra fértil – Jesus mostra a abundância da Palavra e das bênçãos de Deus. A semente é abundante, mas nem toda a terra está preparada para a receber e para a fazer nascer, reproduzir-se e multiplicar-se. Cada um de nós é essa terra, umas vezes cheia de espinhos, dificuldades, ocupações e distrações, outras vezes, muito entusiasmo mas pouca convicção, raízes pouco fundas. Outras vezes fazemos com que o entusiasmo produza frutos de justiça e da caridade.
       Por outro lado, também somos e devemos ser semeadores, não por nós mesmos, mas como enviados. Somos verdadeiramente discípulos missionários, quanto mais terra fértil tanto mais semeadores da Palavra de Deus.
       2 – «O reino dos Céus pode comparar-se a um homem que semeou boa semente no seu campo»
       A parábola do trigo e do joio, ainda que a dinâmica seja diferente, tem alguns pontos de contacto com a de domingo passado: a semente é lançada, novamente, com a confiança que a terra produzirá. Tal como a chuva e a neve que caem do céu à terra e não regressam sem terem surtido efeito, também a palavra de Deus, a semente em nós semeada, há de produzir em abundância. Essa é a vontade de Deus, que toma a iniciativa, que confia em nós, que nos conhece e nos sabe frágeis mas capazes de sermos terra trabalhada. Deus é um Deus clemente e compassivo, paciente e cheio de misericórdia. Ele espera e confia. Uma e outra vez. Deixa que o tempo nos amadureça. Age assim connosco, para que, com Ele, aprendamos a agir uns com os outros: cuidando, esperando pacientemente, confiando.
       O desenrolar da parábola mostra que a semente lançada à terra é boa semente. Vem de Deus. Logo tem tudo para frutificar. Mas não basta a semente ser boa, as condições podem ditar a dimensão e a qualidade dos frutos. "Às vezes os que vão à Missa ainda são piores..." Nesta desculpa ou justificação podemos ver a parábola, concluindo que a prática religiosa à partida há de gerar bons cristãos e, consequentemente, bons cidadãos. Porém, nem sempre o trigo se desembaraça do joio!
       Os servos querem cortar o mal pela raiz. Por vezes também somos assim. Queremos rapidamente eliminar todo o mal. Como diz o velho aforismo, corremos o risco de deitar fora juntamente a água suja e o bebé que está lá dentro. Ou, numa outra imagem também feliz, a árvore que está à nossa frente pode impedir-nos de ver toda a floresta! Algum distanciamento, algum cuidado e perseverança pode ajudar-nos a acolher o bem que existe nos outros. Quantas vezes não nos aconteceu queremos tirar logo tudo a limpo e depois verificarmos que nos precipitámos, nos enganamos na pessoa, ou não percebemos o que nos disse ou o gesto que teve? E, por vezes, quisemos ser tão sérios e frontais que perdemos os amigos, gastámos tempo e energias, e nem sequer tínhamos motivo para isso. Daí o velho conselho: o travesseiro é o melhor conselheiro! Dormir sobre o assunto. Pensar e repensar! Contar até 20! A pressa é inimiga da perfeição e da comunhão!
       3 – «O reino dos Céus pode comparar-se ao grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. Sendo a menor de todas as sementes, depois de crescer, é a maior de todas as plantas da horta e torna-se árvore, de modo que as aves do céu vêm abrigar-se nos seus ramos».
       Há dias, por ocasião do funeral de um Cardeal alemão, o Papa Francisco enviou uma mensagem que foi lida por um emissário. O Papa Emérito, Bento XVI, enviou também uma mensagem, que foi lida pelo seu secretário. Alguns optaram por destacar a mensagem de Bento XVI secundarizando a do Papa Francisco, com objetivos preservos, contrapondo um ao outro. O Papa é só um, Francisco. Não é necessário denegrir um para elogiar o outro. Bento XVI cumpriu com excelência, dentro das suas limitações humanas e das circunstâncias do tempo. Francisco cumpre com excelência, como pessoa, situada no tempo e na história e com a sua sensibilidade humana. Pondo de parte a má vontade de alguns, na mensagem, Bento XVI utiliza, pela quarta ou quinta vez, a imagem da barca, da Igreja como barca, que parece deixar entrar água, andar à deriva, contrabalançar perante a borrasca e a tempestade, mas, contudo, não se afunda e, pelo contrário, continua a navegar, pois quem vai ao leme é Jesus Cristo. A Igreja não é minha, não é nossa, é de Cristo e se não fora Ele quem a conduz já há muito teria naufragado.
       Na parábola como nesta imagem, sobrevém a confiança em Deus. A certeza que, dia e noite, Deus vela pela humanidade, pelo mundo, pela pequenina semente. O joio pode assustar ao crescimento do trigo. A pequena semente parece não ter a dureza, a grandeza e o aspeto para sobreviver. Quantas as situações da vida em que a esperança se tornou um minúsculo grão de nada ou de pouca coisa?! Mas desistir não é o caminho. O caminho é persistir. Enquanto há vida há esperança. Por vezes não é fácil. Nada fácil. Parece que o mundo inteiro está contra nós! Mas fazemos das tripas coração e das fraquezas forças para prosseguir. Deus segue connosco, solidário com as mazelas que vamos experimentando.

       4 – «O reino dos Céus pode comparar-se ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado».
       Em outro momento Jesus utilizou a analogia do sal e da luz: vós sois a luz do mundo, vós sois o sal da terra. Somos também o fermento que leveda a massa. Vivemos um tempo de aparente obscurantismo. A idade das trevas parece ter sido ultrapassada, mas por vezes são tão densas as trevas como a tempestade que periga a barca que é a Igreja. Já não vai lá com chás ou com cantigas. Meio mundo a enganar outro meio mundo. Talvez, creem alguns, sejam três quartos de mundo a enganar o outro quarto de mundo! Já não vai lá com oração, é preciso tomar uma posição de força! De que adianta ser honesto, se todos tentam meter ao bolso? De que adianta trabalhar muito e pagar impostos, se outros enriquecem à nossa custa?!
        Ser fermento que leveda a massa, testemunhar a fé, transparecer Jesus Cristo, viver como quem se gasta a favor do outro, a favor de todos, como Jesus Cristo, a favor da humanidade inteira. Pequenino rebanho, mas protegido e amado por Deus. Oração que compromete com a vida. Sujar as mãos, usar as mãos e o corpo e a vida para amar, cuidar, servir, transformar positivamente as realidades em que vivemos. A fé é coisa discreta, pequenina, mas que aquece, ilumina, fortalece. Não se vê, não é exterior, não é um manto que nos cobre, é coração, é vida, circula em nós. Imaginemos a luz duma vela ou dum isqueiro num estádio de futebol às escuras! Mas se à minha luz tu juntares a tua e depois mais uma e mais outra, dezenas, centenas e milhares de pequenas luzes iluminarão todo o estádio.
       Perguntavam à Madre Teresa de Calcutá como seria possível "converter" e transformar o mundo! Como pretendia fazê-lo sozinha? Sozinha não, com Cristo, por Cristo. Eu e tu, somos dois! Soma quem tens em casa e eu somo quem tenho em casa, seremos quatro, seis, dez, vinte, cem, mil! Grão a grão enche a galinha o papo. Faz pelo menos a tua parte! O reino de Deus e a sua justiça virá por acréscimo, até porque no acolhimento, na pertença e no anúncio do Reino de Deus cabe a vida toda, a justiça e a verdade, a paz e a bondade, a alegria e comunhão, a partilha solidária e a fraternidade cristã.

       5 – No livro da Sabedoria, na primeira leitura, o autor sagrado sublinha precisamente o cuidado com que Deus ajuíza sobre nós, salvando-nos: «Não há Deus, além de Vós, que tenha cuidado de todas as coisas... julgais com bondade e governais-nos com muita indulgência, porque sempre podeis usar da força quando quiserdes. Agindo deste modo, ensinastes ao vosso povo que o justo deve ser humano e aos vossos filhos destes a esperança feliz de que, após o pecado, dais lugar ao arrependimento».
       Sublime. Claro. A confiança em Deus. A misericórdia como Seu atributo maior em nada diminui a justiça e o comprometimento com a verdade e com a justiça. Se amamos queremos bem.

       6 – «Sede propício, Senhor, aos vossos servos e multiplicai neles os dons da vossa graça, para que, fervorosos na fé, esperança e caridade, perseverem na fiel observância dos vossos mandamentos» (oração de coleta). Lembra-nos São Paulo que nem sempre sabemos o que pedir, mas o Espírito Santo vem em nosso auxílio, sincronizando o nosso coração e a nossa vida com Jesus Cristo e com o Seu Evangelho de amor e de serviço.


Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Sab 12, 13. 16-19; Sl 85 (86); Rom 8, 26-27; Mt 13, 24-43.

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