terça-feira, 17 de outubro de 2017

IGNACIO LARRAÑAGA - O POBRE DE NAZARÉ

IGNACIO LARRAÑAGA (2013). O Pobre de Nazaré. O que precisamos de saber sobre Jesus. 4.ª edição. Prior Velho: Paulinas Editora. 400 páginas.
       Durante 3 anos, Jesus espalhou magia por aldeias e cidades da Galileia, fez-Se docilidade, agiu compassivamente, desafiou os grandes deste mundo, mas também os excluídos, aqueles para descobrirem a grandeza e a alegria do serviço, este para se sentirem filhos queridos de Deus, com dons que os tornariam importantes. As lideranças judaicas viram-se acossadas não apenas pelas palavras de Jesus mas sobretudo pela Sua postura. Por inveja e ciúme, porque Ele atraía multidões; por medo e cobardia, porque se sentiram ameaçados no seus postos de conforto e privilégio. Foi entregue por um dos discípulos mais próximos, Judas, preso, violentamente agredido, escarnecido, obrigado a carregar a trave da cruz, para nela ser crucificado, andou de Anás para Caifás, ridicularizado, injuriado, acusado de blasfémia e por instigar a revolução, é morto como uma assassino.
       Entretanto algo de extraordinário deverá ter acontecido, três dias depois de morto apresenta-Se vivo aos Seus discípulos, às mulheres que andavam com o grupo. Os discípulos deixam de se guiar pelo medo, para se guiarem por uma vontade indómita de anunciar Jesus, de mostrar que Ele está vivo, que morreu e ressuscitou, que o Pai não O deixou para sempre no túmulo do esquecimento, para o resgatou para uma vida nova, gloriosa, definitiva, para a qual também somos atraídos.
       A pregação "convincente" e coerente dos Apóstolos geram novos discípulos, à dezenas, às centenas, nem sempre fáceis de gerir, pois trazem interesses e motivações diversas, como ao tempo de Jesus os discípulos e as multidões que O seguiam. Formam-se grupos, comunidades, onde se escutam os Apóstolos, recordando palavras de Jesus, feitos, milagres, gestos, encontros, onde se procura manter viva a recordação de tudo quanto diz respeito a Jesus. Os Evangelhos são uma resposta a esta inquietação de preservar tudo quanto diz respeito a Jesus. Os evangelistas recolhem testemunhos, algumas orações, ou pequenos textos e colocam por escrito. Os Evangelhos, podemos dizer com segurança, são escritos pela comunidade, mais do que por um escritor individual, pois resultam da vivência da mensagem de Jesus numa determinada comunidade, num determinado contexto. Os evangelhos escritos contém as preocupações da comunidade, as suas dificuldades, os seus pontos fortes. Também aqui se pode dizer que não há comunidade sem Evangelho, a Boa Nova de Jesus, mas o Evangelho chega até nós pelo filtro e pela vivência de comunidades concretas.
       A formação dos Evangelhos tem então esta sequência, Jesus é morto e é ressuscitado pelo Pai. Os discípulos anunciam'O vivo, atraem outras a seguir Jesus, formam-se comunidades, onde se recorda tudo o que aconteceu sobretudo naqueles três anos de vida pública de Jesus. Surge a necessidade de colocar por escrito, para que não se percam as Suas palavras e não se corram o risco do esquecimento, pois também um dia os Apóstolos hão de morrer e então já não há como confrontar o que corresponde à mensagem de Jesus e o que não corresponde.
       São quatro as versões do Evangelho, mas ainda assim há muitas "lacunas" na biografia de Jesus, até porque os evangelhos não têm a preocupação de fazer biografias, mas de mostrar o essencial da mensagem de Jesus, concentrados sobretudo no mistério da morte e da ressurreição de Jesus.
       Ao longo do tempo, mas sobretudo a partir do século XVIII houve a preocupação de escrever e publicar a Vida de Jesus, onde se limassem todas as lacunas temporais, reconstituindo a vida de Jesus, tentando fazer concordar os 4 evangelhos, entrelaçando-os. Algumas vidas de Jesus desviam-se dos Evangelho e criam biografias alternativas, baseadas nos evangelhos apócrifos ou em algumas insinuações ou lendas criadas com o decorrer do tempo.
       Hoje o que há mais, e vende muito bem, são biografias alternativas à vida de Jesus.
       Ignacio Larrañaga apresenta de forma brilhante, escorreita, uma narrativa possível da vida de Jesus, tendo como base próxima os 4 evangelhos e os outros escritos neotestamentários, procurando lançar pontes com a história, com descobertas arqueológicas, com outras ciências que nos aproximam dos nossos antepassados.
       É uma escrita fácil de ler, quase se escuta a sua leitura, envolve-nos nos evangelhos, no olhar, nas palavras, nos gestos de Jesus, inclui-nos nas Palavra que também nos dirige a nós, podemos rever-nos nas perguntas que Lhe fazem ou nas respostas que lhes (nos) dá e nos desafios que lhes (nos) lança.
São 400 páginas que parecem 10, tão motivadora e empolgante é a leitura. É uma linguagem acessível para todos.
       Uma nota mais pessoal, mas que tem ganhado terreno: Judas não trai Jesus por dinheiro ou por ânsia de poder (num sentido mais pessoal), mas por zelo, querendo que Jesus Se resolva e apresse o Reino de Deus, eliminando rapidamente todos os corruptores, derrubando as autoridades estrangeiras e restabelecendo a realeza judaica. Judas acredita em Jesus e sabem que Ele vem de Deus e pode fazer mais do que aquilo que estará disposto a mostrar. Quando Jesus anuncia aos Seus discípulos que vai ser morto - contrário do que seria expectável por todos - Judas coloca-se em ação para O obrigar a agir. Judas é um dos discípulos mais próximos de Jesus. A cumplicidade de Judas com Jesus não espanta nenhum dos outros apóstolos, é natural, são bons amigos. O facto de Judas se enforcar denota o seu arrependimento, isto é, se ele fosse traidor (por dinheiro ou para usurpar o poder da liderança), então dar-se-ia por satisfeito. Segundo o autor, Judas é maníaco depressivo. Mais que traição uma tática para obrigar Jesus a ser Deus. Porém, Jesus assume o caminho da pobreza, é o Pobre de Nazaré, aprende a obediência, até à morte e morte de Cruz. Serviço, delicadeza, oferecimento da própria vida, despojamento, amor...

Sem comentários:

Enviar um comentário