quinta-feira, 29 de março de 2018

Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura

       O espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor e o dia da acção justiceira do nosso Deus; a consolar todos os aflitos, a levar aos aflitos de Sião uma coroa em vez de cinza, o óleo da alegria em vez do trajo de luto, cânticos de louvor em vez de um espírito abatido. Vós sereis chamados «Sacerdotes do Senhor» e tereis o nome de «Ministros do nosso Deus» (Is 61, 1-3a.6a.8b-9).

       Entregaram-Lhe o livro do profeta Isaías e, ao abrir o livro, encontrou a passagem em que estava escrito: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor». Depois enrolou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-Se. Estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga. Começou então a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir» ( Lc 4, 16-21).
       O profeta Isaías anuncia a unção para a missão. Com o Ungido, o anúncio da salvação, o ano da graça, a liberdade aos prisioneiros, a cura dos corações atribulados, a redenção dos cativos, a consolação dos filhos de Israel.
       Jesus vai a Nazaré, entra na Sinagoga, como habitualmente fazia ao Sábado, entregam-Lhe o livro de Isaías e proclama a passagem que hoje nos é também apresentada na primeira leitura. Terminada a leitura, chega o momento da reflexão, de meditar sobre a palavra proferida e Jesus sem mais delongas declara que o tempo anunciado pelo profeta chegou: Cumpriu-se hoje mesmo este passo da Escritura.
       Em Quinta-feira Santa, a Liturgia inicia-se com a Missa Crismal, com o presbitério reunido à volta do Seu Bispo, sucessor dos Apóstolos, em que são benzidos os Óleos santos, a usar nos diversos Sacramentos, do Baptismo, da Unção dos Enfermos, do Crisma, da Ordenação: Óleo dos Catecúmenos, Óleo dos Enfermos, Óleo do Crisma....

quarta-feira, 28 de março de 2018

Que estais dispostos a dar-me para vos entregar Jesus?

       A liturgia da Palavra para esta quarta-feira da SEMANA MAIOR apresenta-nos mais um texto do profeta Isaías, na primeira leitura, e do Evangelho de São Mateus. Um e outro nos falam da entrega do justo. Os cristãos, como o próprio Jesus, veem nesta passagem profética um relato antecipado do que irá acontecer com o Messias, que para nós é Jesus Cristo. No evangelho de São Mateus, a figura em discussão é Judas, que procura forma de entregar Jesus.
Vejamos o texto de Isaías:
O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio, e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido. O meu advogado está perto de mim. Pretende alguém instaurar-me um processo? Compareçamos juntos. Quem é o meu adversário? Que se apresente! O Senhor Deus vem em meu auxílio. Quem ousará condenar-me? (Is 50, 4-9a).
       Isaías não esconde as dificuldades que tem de atravessar para se manter fiel à verdade, mas na certeza e confiança que Deus permanece com ele. E se Deus está por ele, quem poderá estar contra?
       A confiança que anima Isaías, será a mesma que guia Jesus até às últimas horas de vida.
Um dos Doze, chamado Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes e disse-lhes: «Que estais dispostos a dar-me para vos entregar Jesus?» Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata. A partir de então, Judas procurava uma oportunidade para O entregar. No primeiro dia dos Ázimos, os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe: «Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?» Ele respondeu: «Ide à cidade, a casa de tal pessoa, e dizei-lhe: ‘O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo. É em tua casa que Eu quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos’». Os discípulos fizeram como Jesus lhes tinha mandado e prepararam a Páscoa. Ao cair da tarde, sentou-Se à mesa com os Doze. Enquanto comiam, declarou: «Em verdade, em verdade vos digo: Um de vós Me entregará». Profundamente entristecidos, começou cada um a perguntar Lhe: «Serei eu, Senhor?» Jesus respondeu: «Aquele que meteu comigo a mão no prato é que vai entregar-Me. O Filho do homem vai partir, como está escrito acerca d’Ele. Mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser entregue! Melhor seria para esse homem não ter nascido». Judas, que O ia entregar, tomou a palavra e perguntou: «Serei eu, Mestre?» Respondeu Jesus: «Tu o disseste» (Mt 26, 14-25).
       Mateus mostra, como nos demais evangelhos, a tristeza profunda de Jesus, pela aproximação das horas finais, mas também por saber que não pode contar com os seus. A primeira igreja, dos apóstolos e algumas mulheres, ficarão a dormir enquanto o Mestre reza.

terça-feira, 27 de março de 2018

Em verdade vos digo: um de vós Me entregará

       O Evangelho desta terça-feira da SEMANA MAIOR da nossa fé, fixa-nos nas últimas horas de Jesus. À mesa com os seus discípulos, Jesus deixa transparecer o que Lhe vai na alma. Já não falta muito, a perturbação é evidente. A consciência de que os seus próprios discípulos, os seus amigos, não terão força para O acompanharem, mais o deixa intranquilo, nem Judas, nem Pedro, nem os seus mais íntimos...
Estando Jesus à mesa com os discípulos, sentiu-Se intimamente perturbado e declarou: «Em verdade, em verdade vos digo: Um de vós Me entregará». Os discípulos olhavam uns para os outros, sem saberem de quem falava. Um dos discípulos, o predilecto de Jesus, estava à mesa, mesmo a seu lado. Simão Pedro fez-lhe sinal e disse: «Pergunta-Lhe a quem Se refere». Ele inclinou-Se sobre o peito de Jesus e perguntou Lhe: «Quem é, Senhor?» Jesus respondeu: «É aquele a quem vou dar este bocado de pão molhado». E, molhando o pão, deu-o a Judas Iscariotes, filho de Simão. Naquele momento, depois de engolir o pão, Satanás entrou nele. Disse- lhe Jesus: «O que tens a fazer, fá-lo depressa». Mas nenhum dos que estavam à mesa compreendeu porque lhe disse tal coisa. Como Judas era quem tinha a bolsa comum, alguns pensavam que Jesus lhe tinha dito: «Vai comprar o que precisamos para a festa»; ou então, que desse alguma esmola aos pobres. Judas recebeu o bocado de pão e saiu imediatamente. Era noite. Depois de ele sair, Jesus disse: «Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus foi glorificado n’Ele. Se Deus foi glorificado n’Ele, também Deus O glorificará em Si mesmo e glorificá l’O-á sem demora. Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco. Haveis de procurar-Me e, assim como disse aos judeus, também agora vos digo: não podeis ir para onde Eu vou». Perguntou-Lhe Simão Pedro: «Para onde vais, Senhor?». Jesus respondeu: «Para onde Eu vou, não podes tu seguir-Me por agora; seguir-Me-ás depois». Disse-Lhe Pedro: «Senhor, por que motivo não posso seguir-Te agora? Eu darei a vida por Ti». Disse-Lhe Jesus: «Darás a vida por Mim? Em verdade, em verdade te digo: Não cantará o galo, sem que Me tenhas negado três vezes» (Jo 13, 21-33.36-38).
       Mesmo no evangelho de são João, que centra em Judas todas as reações negativas, vê-se que Judas é um homem respeitável. Diga-se que nos outros evangelhos há intervenções que são atribuídas a todos os discípulos, como por exemplo a contestação acerca do desperdício do perfume de alto preço com que Maria (uma mulher) da Betânia unge os pés de Jesus, atribuída aos discípulos e no quarto evangelho a Judas. Já que foi o traidor, não há como colocar nele todas as intervenções negativas, gestos, palavras e intenções. Mas vê-se que aquilo que parece claro, não o é tanto assim. Nenhum dos discípulos desconfia de Judas, é um homem de confiança. Todos confiam nele. Jesus confia nele. Os discípulos não estranham a proximidade a Jesus, pois ele deveria ser dos mais íntimos. Se os discípulos suspeitassem de algo, não o deixariam sair com aquela facilidade. Nem pensar. Pedro de imediato impediria que isso acontecesse, pese embora a sua titubeância, mas entre os companheiros o seu ânimo é maior.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Seis dias antes da Páscoa, Jesus em Betânia

       "Eis o meu servo, a quem Eu protejo, o meu eleito, enlevo da minha alma. Sobre ele fiz repousar o meu espírito, para que leve a justiça às nações. Não gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: mas proclamará fielmente a justiça. Não desfalecerá nem desistirá, enquanto não estabelecer a justiça na terra, a doutrina que as ilhas longínquas esperam" (Is 42, 1-7).
       Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde vivia Lázaro, que Ele tinha ressuscitado dos mortos. Ofereceram-Lhe lá um jantar: Marta andava a servir e Lázaro era um dos que estavam à mesa com Jesus. Então Maria tomou uma libra de perfume de nardo puro, de alto preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-Lhos com os cabelos; e a casa encheu-se com o perfume do bálsamo... (Jo 12, 1-11).

       Iniciámos a Semana Santa, com o Domingo de Ramos e com a Entrada Triunfal de Jesus em Jerusalém. Nesta segunda-feira as leituras ajudam-nos a reflectir o mistério pascal de Jesus, nosso Salvador. Isaías fala-nos do Servor sofredor, que identificamos com Jesus, o Messias esperado/prometido. É como o Cordeiro inocente, sem mancha, levado ao matadouro, não gritará, não levantará a voz. N'Ele está o espírito de Deus.
       No Evangelho, encontrámos Jesus em Betânia, em casa de Maria, Marta e Lázaro. Maria unge Jesus, como antecipação da unção pós-morte. Nas palavras do próprio Jesus, vemos que Maria tinha preparado aquele perfume para o dia da Sua sepultura... Encaminhamo-nos rapidamente para o desenlace final...

sábado, 24 de março de 2018

Domingo de Ramos na Paixão do Senhor - 2018

É melhor para nós morrer um só homem pelo povo

       Os sinais são por de mais evidentes. Jesus provoca uma onda crescente de adesão e uma onda crescente de contestação e oposição. Os milagres que realiza não abonam em Seu favor diante daqueles que se Lhe opõem, pelo contrário, os milagres e a adesão da multidão são vistos que ameaça à tradição, aos poderes instalados e à própria religião do Templo.
       A ressurreição de Lázaro, que não deixa dúvidas quanto ao poder de Jesus, parece ser a gota de água. É um sinal da ressurreição futura de Jesus, mas para os opositores é altura para o silenciar, não vá provocar mais estragos entre as fileiras do povo.
Muitos judeus que tinham vindo visitar Maria, para lhe apresentarem condolências pela morte de Lázaro, ao verem o que Jesus fizera, ressuscitando-o dos mortos, acreditaram n’Ele. Alguns deles, porém, foram ter com os fariseus e contaram-lhes o que Jesus tinha feito. Então os príncipes dos sacerdotes e os fariseus reuniram conselho e disseram: «Que havemos de fazer, uma vez que este homem realiza tantos milagres? Se O deixamos continuar assim, todos acreditarão n’Ele; e virão os romanos destruir-nos o nosso Lugar santo e toda a nação». Então Caifás, que era sumo sacerdote naquele ano, disse-lhes: «Vós não sabeis nada. Não compreendeis que é melhor para nós morrer um só homem pelo povo do que perecer a nação inteira?» Não disse isto por si próprio; mas, porque era sumo sacerdote nesse ano, profetizou que Jesus havia de morrer pela nação; e não só pela nação, mas também para congregar na unidade todos os filhos de Deus que andavam dispersos. A partir desse dia, decidiram matar Jesus. Por isso Jesus já não andava abertamente entre os judeus, mas retirou-Se para uma região próxima do deserto, para uma cidade chamada Efraim, e aí permaneceu com os discípulos. Entretanto, estava próxima a Páscoa dos judeus e muitos subiram da província a Jerusalém, para se purificarem, antes da Páscoa. Procuravam então Jesus e perguntavam uns aos outros no templo: «Que vos parece? Ele não virá à festa?» (Jo 11, 45-56).
        Caifás tem uma leitura soberba sobre o destino de Jesus: é melhor que morra por todo o povo! E de facto, para nós cristãos, Jesus morre não apenas pelo povo mas por toda a humanidade.  "Não disse isto por si próprio; mas, porque era sumo sacerdote nesse ano, profetizou que Jesus havia de morrer pela nação; e não só pela nação, mas também para congregar na unidade todos os filhos de Deus que andavam dispersos".
       A partir de então congeminaram matar Jesus, procurando uma ocasião propícia. Como se verá Jesus enfrentará com coragem as consequências das suas palavras e dos seus gestos, mas por ora retira-Se com os Seus discípulos para uma cidade próxima. A Sua hora está a chegar, mas ainda não chegou.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Se alguém guardar a minha palavra, não verá a morte

       A liturgia da palavra aproxima-nos do acontecimento fundante da comunidade cristã: a morte e ressurreição de Jesus. Primeiro, a Paixão redentora. O confronto dialogante de Jesus com os fariseus, em particular, e com os judeus, em geral, deixa antever um final pouco feliz. Agudizam-se os incidentes, extremam-se posições. Jesus diz abertamente o que pensa, ao que veio, de onde veio, qual o destino da Sua mensagem e daqueles que aderirem ao reino de Deus, mas também o destino daqueles que continuarem a colocar-se contra a luz da verdade e do bem.
 Disse Jesus aos judeus: «Em verdade, em verdade vos digo: Se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte». Responderam-Lhe os judeus: «Agora sabemos que tens o demónio. Abraão morreu, os profetas também, mas Tu dizes: ‘Se alguém guardar a minha palavra, nunca sofrerá a morte’. Serás Tu maior do que o nosso pai Abraão, que morreu? E os profetas também morreram. Quem pretendes ser?» Disse-lhes Jesus: «Se Eu Me glorificar a Mim próprio, a minha glória não vale nada. Quem Me glorifica é meu Pai, Aquele de quem dizeis: ‘É o nosso Deus’. Vós não O conheceis, mas Eu conheço-O; e se dissesse que não O conhecia, seria mentiroso como vós. Mas Eu conheço-O e guardo a sua palavra. Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia; ele viu-o e exultou de alegria». Disseram-Lhe então os judeus: «Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?!» Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Antes de Abraão existir, ‘Eu sou’». Então agarraram em pedras para apedrejarem Jesus, mas Ele ocultou-Se e saiu do templo (Jo 8, 51-59).
       A garantia: aquele que guardar a palavra de Jesus permanecerá, sempre, ligado a Deus, não morrerá. Aqueles que procuram, antes de tudo, a verdade hão de encontrar Jesus, e em Jesus descobrir a verdade que vem de Deus, pois Ele é enviado de Deus e as obras que realiza são as de Deus.
       A conflitualidade é evidente. Jesus fala abertamente. Há judeus que se sentem desafiados, colocados em causa nas suas seguranças. E quando nos colocam em causa a nossa atitude é de defesa e/ou de contra ataque.

        Na primeira leitura:
       Deus disse ainda a Abraão: «Guardarás a minha aliança, tu e a tua descendência futura de geração em geração» (Gen 17, 3-9).

(Tetragrama divino: Eu Sou Aquele que Sou. YHWH - YAWEH - Javé)

       "Eu sou" - esta expressão, no contexto semita é muito mais abrangente e ao mesmo tempo mais específico. Vejamos. Quando um de nós diz "eu sou...", acrescenta uma característica, sou simpático, sou tímido, sou justo. No mundo da Bíblia, a afirmação, sem mais, refere-se especificamente a Deus, é a Sua identidade. Ele tem o SER em Si mesmo, tem a VIDA em Si mesmo.
       Quando Deus Se apresenta a Moisés, diante da sarça ardente, e este Lhe pergunta pela Sua identidade, Deus diz-lhe: Eu sou aquele que sou (YHWH - YAWEH - Javé). É uma expressão que identifica a divindade.
       Em muitas ocasiões ouviremos Jesus a dizer: "Eu Sou". Quando isso acontece, os judeus sabem que Ele se está a identificar com Deus e isso é motivo de admiração e de revolta por parte dos seus ouvintes, considerando que é blasfémia alguém colocar-se no lugar de Deus. É compreensível, até certo ponto, a atitude dos judeus que O ouvem dizer: "Eu Sou". Se em alguns momentos o "Eu sou" aparecia quase despercebido, aqui aparece claramente. Ao mesmo tempo, esta certeza deve levar a uma tomada de decisão clara: os judeus pegaram em pedras...

quarta-feira, 21 de março de 2018

Tu tens palavras de vida eterna...

       Muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram: «Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?». Jesus, conhecendo interiormente que os discípulos murmuravam por causa disso, perguntou-lhes: «Isto escandaliza-vos? E se virdes o Filho do homem subir para onde estava anteriormente? O espírito é que dá vida, a carne não serve de nada. As palavras que Eu vos disse são espírito e vida. Mas, entre vós, há alguns que não acreditam». Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início, quais eram os que não acreditavam e quem era aquele que O havia de entregar. E acrescentou: «Por isso é que vos disse: Ninguém pode vir a Mim, se não lhe for concedido por meu Pai». A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se e já não andavam com Ele. Jesus disse aos Doze: «Também vós quereis ir embora?» Respondeu-Lhe Simão Pedro: «Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus» (Jo 6, 60-69).
       Temos vindo a escutar, durante esta semana, o Evangelho de de São João, no qual Jesus Se apresenta como o verdadeiro Pão da Vida, o Pão de Deus. A afirmação de Jesus – o meu corpo é verdadeira comida, o meu sangue é verdadeira bebida... quem não comer a minha carne e não beber o meu sangue não terá a vida... – gera polémica na população, nos judeus e nos discípulos. Nesta parte final do capítulo 6, são os discípulos que se interrogam, duvidam e dispersam.
       Perante a dispersão dos judeus e dos discípulos, Jesus questiona os Doze sobre as disposições: «Também vós quereis ir embora?». Pedro, em nome dos outros Apóstolos, responde inequivocamente: «Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus».
       A dissidência dá lugar à firmeza, à convicção, ao seguimento consciente e livre. O projeto de Jesus Cristo é um projeto de salvação, de vida nova, desafiando os limites do tempo e do espaço, dando o melhor que cada um possui em favor de todos, para que o que se dá se multiplique e atravesse o próprio Céu. É um projeto arrojado e libertador. Jesus não quer que os seus discípulos, e ninguém, viva no medo do passado ou sob o peso de leis castradoras e injustas, mas que todos possam apreciar a VIDA como dom, transformando a dádiva recebida em dádiva oferecida a favor dos outros.

Veja também: Reflexão Dominical

Eu não vim de Mim próprio; foi Ele que Me enviou

       Dizia Jesus aos judeus que tinham acreditado n’Ele: «Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará». Eles responderam-Lhe: «Nós somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém. Como é que Tu dizes: ‘Ficareis livres’?» Respondeu Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: Todo aquele que comete o pecado é escravo. Ora o escravo não fica para sempre em casa ; o filho é que fica para sempre. Mas se o Filho vos libertar, sereis realmente homens livres. Bem sei que sois descendentes de Abraão; mas procurais matar-Me, porque a minha palavra não entra em vós. Eu digo o que vi junto de meu Pai e vós fazeis o que ouvistes ao vosso pai». Eles disseram: «O nosso pai é Abraão». Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. Mas procurais matar-Me, a Mim que vos disse a verdade que ouvi de Deus. Abraão não procedeu assim. Vós fazeis as obras do vosso pai». Disseram-Lhe eles: «Nós não somos filhos ilegítimos; só temos um pai, que é Deus». Respondeu-lhes Jesus: «Se Deus fosse o vosso Pai, amar-Me-íeis, porque saí de Deus e d’Ele venho. Eu não vim de Mim próprio; foi Ele que Me enviou» (Jo 8, 31-42).
       Jesus diz claramente que a exigência para sermos Seus discípulos, naquele e neste tempo: cumprir a Sua palavra, procurando viver de acordo com o essencial, do perdão à caridade. A palavra de Jesus libertar-nos-á porque nos conduzirá à Verdade que vem de Deus, que está presente em Jesus Cristo.
       Quando os judeus contestam dizendo que só têm um Pai, isto é, Abraão, Jesus diz-lhes de novo que Abraão, os Patriarcas, os Profetas prepararam o tempo messiânico e alegram-se agora pela pela do Messias na terra. Quem é descendente de Abraão, pela fé, então escuta a Palavra de Jesus Cristo.
       A missão de Jesus sustenta-se na intimidade com Deus Pai. Ele vem não em Seu próprio nome, mas em NOME de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Jesus não age isoladamente. Também os Seus seguidores deverão agir não em próprio nome e solitariamente, mas em intimidade com Deus, permanecendo na Palavra de Deus. Essa será a garantia da vida nova em Cristo Jesus.

terça-feira, 20 de março de 2018

VL – Desafio da normalidade

Vivemos a síndrome de fim-de-semana potenciado pelas facilidades de viagens, cruzeiros, festas, saídas… O trabalho, que nos realiza como pessoas, pelo qual transformamos o mundo, tornando-nos com-criadores, aparece mais como meio para obter o capital necessário para as ofertas lúdicas e não tanto como realização pessoal e comunitária. Daí o elevado número de pessoas ansiosas, desequilibradas emocionalmente. Entram à segunda-feira em modo de martírio porque o tempo não passa. Quinta-feira e o contentamento começa a voltar; e finalmente a sexta-feira: a meio da manhã arruma-se tudo, procurando não abrir dossiers, evitando atender pessoas, procurando que nada possa adiar o fim do dia. Esfregam-se as mãos: vêm aí as festas, o divertimento, os shot's com os amigos… Quando o Domingo vai a meio, quando já não é possível estender o fim-de-semana para segunda-feira, novamente a inquietação, a ansiedade, o mau humor… 

A felicidade não está no fim, mas ao longo da viagem. Se a nossa preocupação é chegar rapidamente ao destino, viajaremos sobre pressão, cansamo-nos, pois nunca mais chegamos, alguém nos atrasa ou nos incomoda ao querer conversar connosco. Mas a viagem pode ser agradável se tivermos os sentidos despertos, com a calma para olhar, para ver quem nos rodeia e para apreciar a paisagem à nossa volta, para ouvir, para cheirar… 

O Desafio da Normalidade é também o título de um livro que me veio parar às mãos acerca de 20 anos, da autoria de José Maria Cabral, um médico a trabalhar no Instituto de Oncologia do Porto e que tem, ele próprio, de enfrentar o cancro, numa época em a medicina tinha menos respostas para esta doença. A sua luta é pela cura, pela qualidade de vida, dentro dos condicionalismos da doença e dos tratamentos a que está sujeito, buscando uma certa normalidade para a sua vida, procurando retomar rotinas, preencher espaços e tempos, abraçar a esposa e os netos, beijá-los, ir sozinho à casa de banho, vestir-se sem ajuda! As visitas ao hospital ou os internamentos reviram qualquer rotina; a experiência de estar em quarentena, com o organismo sem quaisquer defesas e o contacto a fazer-se através de fatos protetores! A convalescença e as recaídas, uma viagem ao Vaticano e o desejo de voltar a casa, ao Porto e à família, a um ambiente acolhedor, numa normalidade que identifica a vida, onde se sabe e se quer pertencer! 

A festa vale como corolário do quotidiano e como dinamizadora da normalidade! Ainda que a vida não seja preto e branco! Jesus salva-nos na normalidade da nossa vida, ainda que com um acontecimento que ultrapassa qualquer normalidade!

VL – Desafio da normalidade - 2

A normalidade vale pela segurança que dá, como chão que nos impulsiona e nos faz caminhar. Quanto maior a raiz da árvore mais ela cresce para as alturas. As crianças e sobretudo os adolescentes e os jovens passam a vida a correr atrás das novidades. Os adultos seguem pelo mesmo caminho! Sempre insatisfeitos com o que têm, sempre a reclamar contra rotinas e normalidades, mas rapidamente se desencantam com as novidades que logo deixam de o ser! 

É compreensível e melhor se for sinal da ambição do ser humano em desejar ser mais, não cabendo em si mesmo. Neste sentido, a abertura para o futuro e para a eternidade. Na verdade o homem ultrapassa infinitamente o homem (Blaise Pascal). Não cabemos no tempo. Somos mais que a história que nos baliza entre o nascimento e a morte! Porém, os ramos que lançamos para o Céu, não nos dispensa de cuidar das raízes, para que nasçam e cresçam as flores e daí os frutos! A viagem não vale pela chegada mas sobretudo pelo percurso realizado! 

Se entrarmos na vida de Jesus, vamos ver como Ele Se entranha na vida quotidiana das pessoas e na normalidade da vida comunitária. Nasce e cresce numa família que passa despercebida, cumprindo com os deveres sociais e com as leis religiosas. Nalguns pedaços do Evangelho vem ao de cima a vida tranquila de Nazaré, tranquila mas não fácil. Jesus faz-Se compreender com facilidade, pois fala a mesma linguagem que nós, do campo e do trabalho, do suor e das lágrimas, da solidariedade e entreajuda, das dificuldades em pagar os impostos e sobreviver, e de não desistir perante as adversidades do tempo, da natureza ou dos preconceitos sociais! 

Os evangelistas referem que Jesus chega a determinada povoação e logo avança para o sábado seguinte. A semana não traz nada de extraordinário, percebendo-se que Jesus vive inserido nas famílias e nas comunidades! É um judeu integrado! É na normalidade que Jesus continua a entrar na nossa vida, na minha e na tua vida! É na normalidade do tempo e da história que Jesus nos salva, nos interpela, nos desafia e nos envia. Por vezes quase não se dá pela Sua presença. Mas, pouco a pouco, percebe-se a Sua delicadeza, a Sua bondade. N'Ele vê-se o poder e sobretudo o amor de Deus. 

Na normalidade da vida, a extraordinária entrega a favor da humanidade! Assim Cristo! Assim os seus seguidores! E da normalidade do tempo litúrgico, entramos no tempo especial que nos conduz ao mistério que ultrapassa todas as normalidades, a Páscoa de Jesus!

VL – Unção dos pés de Jesus

Na Caminhada da Quaresma, o desafio é descalçar-nos dos sapatos velhos e apertados pelo pecado e pela morte e calçarmos as sandálias do Pescador, o calçado leve do perdão, da atenção e do serviço ao próximo.

Como são belos os pés do mensageiro da paz! Corre veloz pelas montanhas para levar longe a Mensagem de Deus. Na Sagrada Escritura podemos encontrar diferentes momentos em que se acentua o caminhar, os pés que nos impulsionam para os outros. 

No Evangelho de João, num contexto mais próximo da Sua morte, Maria de Betânia unge-lhes os pés. Com efeito, Betânia é um lugar familiar. Perto de Jerusalém, Jesus têm ali amigos com quem pode contar, tais como Maria, Marta e Lázaro. Em outra ocasião, Jesus chama a atenção para Marta pois não apenas anda atarefada como resmungona em relação a Maria que escuta, que está aos Seus pés, a escutá-l’O e a fazer com que Ele se sinta em casa, se sinta acolhido e tranquilamente resguardado (cf. Lc 10, 38-42). É nesta família que se visualiza, por antecipação, o que está para acontecer. Por um lado, a ressurreição de Lázaro (Jo 11, 1-43), sinal da ressurreição futura de Jesus, ainda que a de Lázaro não seja definitiva. Por outro, os adversários de Jesus veem aqui a perigosidade da fama de Jesus, colocando-os a eles em maus lençóis! Se O seguem e O escutam, deixam de nos seguir, de ir ao Templo, vão questionar cada vez mais as nossas opções e exigências, temos que dar-Lhe a morte! 

Entretanto, seis dias antes da Páscoa, Jesus repousa em casa de Maria, Marta e de Lázaro (Jo 12, 1-11). Maria unge-Lhe os pés com um perfume de alto preço! Ninguém está excluído da vida de Jesus e da Sua amizade! Dá preferência aos pobres e excluídos, mas frequenta famílias com posses! A abundância do perfume revela que não há preço quando se trata de cuidar de alguém. Amar não tem preço e nada é desperdício quando se trata de cuidar. 

Por outro lado, a interpretação de Jesus: Maria prepara-me para a sepultura, unge-me antecipadamente. Então o gesto, que revela cuidado e delicadeza de Maria em relação a Jesus, é também simbolicamente significativo, pois é anúncio da morte, da paixão de Jesus. 

Havemos de ver que o processo que conduz à morte de Jesus é precipitado e tão em ciam do sábado, o dia sagrado para os judeus, que não dá para fazer as unções pós-morte e, por conseguinte, no dia seguinte, pela manhazinha irão ao túmulo com perfumes e unguentos...

VL – Descalça-te, o chão que pisas é sagrado

«Não te aproximes daqui; tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa» (Ex 3, 5).

Na Caminhada para a Quaresma 2018, proposta em Arciprestado (Moimenta, Sernancelhe, Tabuaço) e extensível a toda a Diocese de Lamego, ao lado Cruz, somos convidados a colocar caixas de sapatos. Com que propósito? Para descalçarmos os sapatos do pecado, sapatos velhos e apertados que nos impedem de andar ao ritmo de Cristo, para calçarmos as sandálias do Pescador. Cristo calça os sapatos de cada um de nós para caminhar connosco. Cabe-nos agora calçarmo-nos de Cristo na leveza do Seu caminhar, na agilidade do Seu amor, na paixão da Sua entrega, audácia do Seu gastar-Se por cada um de nós.

No monte santo, o Horeb, Moisés aproxima-se da sarça-ardente. Então Deus faz ouvir a Sua voz convidando-o a descalçar-se, pois o chão que pisa é sagrado. Faz-me lembrar a oração sacerdotal quando Jesus reza ao Pai pelos discípulos para que Ele os guarde em Seu Nome, pois estão no mundo. O mundo é sagrado, pois criado por Deus, lugar da vida, da história, do tempo, do encontro entre pessoas e destas com Deus. É aqui que Deus nos salva! É nesta terra que somos chamados a ser humanos, a ser irmãos, a transformar o mundo, tornando-o casa de todos e para todos. Antes, teremos de nos transformar! É um caminho nunca terminado! Temos de nos deixar plasmar pelo Espírito Santo!

Este chão é sagrado! Não podemos pisá-lo ao desbarato. Na mensagem para a Quaresma, o Papa Francisco relembra-nos como fizemos deste mundo um lugar de tragédia, resfriamos o nosso coração, correndo o risco de apagarmos o amor que nos habita. Os outros, continua o Papa, são uma ameaça às nossas certezas: «o bebé recém-nascido, o idoso doente, o hóspede de passagem, o estrangeiro, mas também o próximo que não corresponde às nossas expetativas. A própria criação é testemunha silenciosa deste resfriamento do amor: a terra está envenenada por resíduos lançados por negligência e interesses; os mares, também eles poluídos, devem infelizmente guardar os despojos de tantos náufragos das migrações forçadas; os céus – que, nos desígnios de Deus, cantam a sua glória – são rasgados por máquinas que fazem chover instrumentos de morte». E também as comunidades quando a mentalidade mundana «induz a ocupar-se apenas do que dá nas vistas».

Jesus calçou-se na leveza do perdão e do amor, da ternura e da compaixão. Hoje somos nós os Seus pés com a missão de irmos e fazermos nós também do mesmo modo!

VL – Descalça-te, vou lavar-te os pés

O Lava-pés (Jo 13, 1-17), por ocasião da Última Ceia, em quinta-feira santa, é um dos episódios mais expressivos na vida de Jesus. O evangelista São João situa-nos no decorrer da Ceia: Jesus levanta-Se, coloca o manto à cintura e lava os pés aos discípulos.

É um gesto de grande humildade e de grande intimidade. Dois aspetos interligados. Quem nos lava os pés? As nossas mães! Enfermeiras, cuidadores de doentes e de idosos. Os pés e o corpo inteiro! A nudez diante de alguém pressupõe intimidade, delicadeza, para que se preserve a dignidade da pessoa. Em bebés, a intimidade expressa a espontaneidade do amor! Na idade adulta, pode ser por “obrigação”, por amor, por gratidão ou por compromisso profissional!

Nas peregrinações a Fátima, um dos serviços mais úteis é precisamente o cuidado dos pés que caminham, suam, se esfolam, ficando mesmo em carne viva, com unhas a saltar dos dedos. Os voluntários têm consciência do bálsamo que são para os peregrinos!

Se olharmos mais longe, vemos que quem lava os pés e prepara o banho dos seus senhores, são precisamente os escravos. Estão para servir! Não têm outra opção. Lavar os pés, tratar das feridas, cuidar da casa, pôr a mesa, arrumar as trapalhadas é uma obrigação imposta. Jesus lava os pés por opção. Como escolha. Como exemplo! Podia ter dito muitas coisas. Poderia fazer um tratado de teologia para explicar como era importante e fundamental que nos puséssemos ao serviço uns dos outros, pois era essa a vontade de Deus. Uma parábola também assentava bem, como por exemplo a exemplar parábola do Bom Samaritano. Com efeito, agora vê-se como o Bom Samaritano nos lava os pés, cuida de nós, trata-nos das feridas corporais mas sobretudo espirituais.

Tu vais lavar-me os pés? Longe te ti! Era o que mais faltava que o Senhor lavasse os pés aos servos! Não, a mim não me vais lavar os pés! Pedro está resoluto, acha-se mais que os outros, também pela afirmação da sua hipotética humildade. A resposta de Jesus é contundente: se Eu não te lavar os pés, não terás parte comigo! A comunhão só é possível a partir do serviço recíproco! Fazei isto em memória de Mim. A Eucaristia faz-se vida no dia-a-dia, no cuidado aos outros! Como Eu fiz, fazei-o vós também uns aos outros! Vai e faz tu do mesmo modo! Dai-lhes vós de comer! Está tudo aqui. Sem serviço não há comunhão, não há Igreja, não há Eucaristia, não há comunidade, não há discípulos de Cristo! O serviço humaniza-nos, irmana-nos e cristianiza-nos.

VL – Lavou-me os pés e não cessou de os beijar

Jesus foi convidado para comer em casa de um fariseu. Uma mulher conhecida na cidade como pecadora aproxima-se de Jesus e começa a lavar-Lhe os pés com as suas lágrimas, a enxugá-los com os cabelos e a ungi-los com perfume. É uma descrição completa (Lc 7, 36-50). O fariseu, Simão de seu nome, interroga-se sobre Jesus: se fosse profeta saberia que esta mulher é pecadora e portanto não a deixaria tocar-lhe!

Humildade e intimidade! Jesus está novamente descalço, com os pés no chão, nesta terra que há de absorver o sangue da Sua entrega a favor da humanidade inteira, a escorrer da Sua carne chicoteada, ferida, crucificada! Porquanto há alguém que se aproxima, a meio de uma refeição e, sem cerimónias, banha-Lhe os pés com as lágrimas. A humilhação! Esta mulher não tem nada a perder. É uma desgraçada, é inferior a um escravo ou a um animal de estimação. Serve para o que serve, vende o corpo mas há muito que perdeu a alma. Ninguém a reconhece como ser humano, apenas como um objeto! Sente-se atraída por Aquele Jesus de Nazaré! Por certo ouviu falar d’Ele, das Suas palavras, do Seu jeito de acolher, de amar, de perdoar! Vai expor-se? Mas exposta já há muito que anda. Em todo o caso sujeita-se a ser escorraçada, uma vez mais, escarnecida, mas atreve-se, o seu coração sussurra-lhe de que poderá estar diante de Alguém que a reconhecerá como pessoa. 

O gesto desta mulher é visto como atrevimento, e parece pôr Jesus em maus lençóis. Ele come com publicanos e pecadores, rodeia-se de maltrapilhos, de mulheres, de crianças, de doentes! Como é que pode ser Profeta? Uma pessoa de bem não se mistura com escumalha! É uma prostituta que Lhe lava os pés! Os gestos traduzem intimidade. É possível que alguns dos convidados de Simão tivessem recorrido aos serviços desta mulher! É possível que tenha sido algum destes a dar-lhe o perfume com que unge os pés de Jesus. Para eles, não passa de uma mulher de má vida, pecadora. Para Jesus, é uma Pessoa a necessitar de atenção e de salvação, pois também ela é filha amada de Deus. 

Também aqui os pés de Jesus servem para aproximar e curar! 

O cuidado ao próximo gera intimidade, comunhão, gera perdão, salva. Claro que Jesus veio para servir e não para ser servido, mas deixa que esta Mulher Lhe lave os pés, não precisando de nenhum discurso para mostrar que o arrependimento, a oração, a súplica não caem em saco roto!

VL – Jesus quer-nos mas não pela rama

Jesus chama-nos mas não nos quer de qualquer maneira, quer-nos de corpo e alma. Aceita o nosso pecado e as nossas limitações, aceita-nos como somos, com as nossas dúvidas e hesitações, com os nossos falhanços e com os nossos esforços, compreende os nossos avanços e recuos, o nosso entusiasmo e o nosso medo, as nossas certezas e o nosso peregrinar por vezes titubeante, mas não nos quer pela rama, quer-nos envolvidos, mergulhados na Sua palavra, procurando, apesar de tudo, fazer o bem. Por conseguinte diz-nos ao que vem. Não faz campanha (eleitoral), não usa muito palavreado nem argumentos para nos levar a aderir à Sua mensagem e a sincronizar com a Sua postura de vida. 

É conhecido o episódio em que João Batista coloca os seus discípulos no encalço de Jesus, apontando para Ele: Eis o Cordeiro de Deus (Jo 1, 35-42). A sequência levará ao seguimento. Estes primeiros discípulos são interpelados por Jesus: que buscais? É uma questão que devemos ter sempre presente: quê, ou melhor, Quem buscamos? 

Vinde ver! É a Sua resposta! Podia passar umas horas a explicar aos seus futuros discípulos a razão e a importância de O seguirem. Como somos seres miméticos, mais facilmente imitamos comportamentos do que seguimos conselhos, então nada melhor do que ver como Ele vive, como gasta o Seu tempo, como reage às diferentes situações da vida. Daqui pode concluir-se que o apóstolo só o é verdadeiramente se for discípulo, se se mantiver perto do Mestre, pela oração, pela escuta da Palavra, pela imitação da Sua postura, para irmos e fazermos nós também do mesmo modo. 

Para seguir Jesus não bastam algumas informações sobre Ele, mas mergulhar a nossa vida na Sua vida. Não podemos ficar apenas pela rama, pela maquilhagem, pelo exterior, é incontornável que nos entranhemos na Sua vida, nos identifiquemos com o Seu amor, nos sintonizemos com a Sua misericórdia. Alma, corpo e espírito. Seja Ele a viver em nós, a amar através de nós, a servir com as nossas mãos, a cuidar dos outros com o nosso corpo por inteiro. 

Aqueles primeiros discípulos compreenderam o desafio de Jesus e ficaram com Ele nesse dia e noutros dias que se seguiram e foram chamar outros, os irmãos, os amigos, os vizinhos. Conhecer Jesus implica habitar com Ele e deixar-se habitar por Ele, deixar que os Seus pensamentos, as Suas palavras e os Seus gestos se agarrem aos seus corpos, às suas mentes, aos seus corações, à sua vida. Caminhar com Jesus, viver com Jesus, permanecer junto d'Ele. Discípulos e simultaneamente missionários!

VL – São José e o sonho que mudou o mundo

O sonho comanda a vida, é uma constante da vida. Sempre que o homem sonha, o mundo pula e avança (António Gedeão). Deus quer, o homem sonha e a obra nasce (Fernando Pessoa). A vida acaba quando o sonho acaba, quando já não há esperança, nem aquém nem além. A esperança é a última a morrer, faz-nos passar ao outro mar. 

Há pessoas que talvez tenham deixado de sonhar… Seria ótimo que a presença do passado as levasse a apreciar e viver novas situações. 

Outros há, que sonham o tempo todo, sempre com ganas de viver, de sugerir, de projetar. Por vezes, colam-se apenas aos sonhos e esquecem-se que os sonhos precisam de ser concretizados no tempo e na história e não apenas projetados na mente. Há sonhos que nunca realizaremos mas que, ainda assim, nos puxam para a frente, para o futuro. Há o sonho de deixar marcas positivas no mundo. Mesmo aqueles que deixam marcas negativas é com o sonho de não serem esquecidos. Sonhamos a dormir e sonhamos acordados. Quando jovens sonhamos mudar o mundo. Quando entrados na idade, sonhamos que outros sonhem em mudar o mundo. 

José teve um sonho. Não foi um sonho qualquer. Foi um sonho para mudar o mundo, a história, a sua e a nossa, a história da humanidade. O sonho de José faz dele uma personagem importante para a história da salvação, Deus entre nós, Deus connosco. Não há que ter medo de sonhar. Os sonhos equilibram a mente, por um lado, e, por outro, ajudam-nos a levantar-nos cada dia com um sorriso. 

São Mateus apresenta-nos o nascimento de Jesus (Mt 1, 18-24), sublinhando o mistério de Deus que age em nós e através de nós. A Virgem Imaculada concebeu por virtude do Espírito Santo. José, tomando consciência da gravidez de Maria, sem que tivesse convivido com Ela, decide repudiá-la em segredo, evitando difamá-la e açambarcando com a responsabilidade. 

Mas os nossos pensamentos nem sempre são os de Deus. Deus, também aqui, impele a escrever a história de uma maneira nova. Em sonho, Deus envia o Seu Anjo que revela a missão que José há de assumir: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho e tu pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». 

Que o sonho de nos tornarmos cuidadores de Jesus nas pessoas que Deus nos ocnfiou se renovem em mais este Natal!

VL - O coração não se pode ‘photoshopear’

O Papa Francisco esteve em trânsito pela “sua” América Latina, entre 15 e 22 de janeiro, Chile e Perú. Mantendo a tradição, no último domingo, rezou o Angelus, deixando uma mensagem para todos, mas especialmente aos jovens: o nosso coração não se pode photoshopear. O Papa recomenda que as homilias tenham uma ideia clara, uma mensagem, uma imagem. Lá diz o ditado que uma imagem vale por mil palavras. Imagens e gestos. É o jeito de Jesus que nos interpela com parábolas, comparações, analogias, pequenas estórias, imagens do quotidiano!

O mundo da moda, da música, do espetáculo, da televisão, das revistas conhecem bem o Photoshop, um programa de tratamento de fotografia. Dá para cortar “gorduras”, mazelas no corpo, no rosto, colocando as fotos ao gosto do freguês, de quem é retratado ou para quem vê. A propósito há um pequeno livro de Augusto Cury – A ditadura da beleza – acerca da beleza (sobretudo feminina) publicitada nos meios de comunicação social. Segundo o Psiquiatra brasileiro os “modelos” formatados são uma diminuta percentagem, pois as mulheres concretas não correspondem a medidas decididas por catálogo. É uma ditadura que se impõe pelo marketing, como se as pessoas pudessem se enfaixadas num modelo único!

De forma muito assertiva, como já nos habituou, o Papa Francisco diz como é agradável ver bonitas fotografias, cuidadas digitalmente, mas logo lembrando que o coração, fonte de onde brota o amor, onde se joga a felicidade verdadeira, não pode ser photoshopeado. Nem os outros, nem a realidade. Os filtros coloridos utilizados nas fotos ou nos vídeos não funcionam com os amigos.

Jesus não nos quer maquilhados, quere-nos como somos. Quando Jesus olha para nós não nos vê como seres perfeitos, mas repara no amor que temos no coração para dar aos outros, servindo-os. Na verdade, diz o Papa, Jesus “não Se fixa na tua altura, se tens dificuldade em falar ou não, se adormeces ao rezar, se és muito jovem ou uma pessoa idosa. A única pergunta é: queres seguir-Me e ser Meu discípulo? Não percas tempo em mascarar o teu coração; enche a tua vida do Espírito!”

O Papa dá como exemplo a aposta de Deus em Moisés, tartamudo; em Abraão, um idoso; em Jeremias, muito jovem; em Zaqueu, de baixa estatura; em Pedro, titubeante, e muitos outros.

Há momentos que apetece desistir. Nesses momentos, “não vos deis por vencidos, não percais a esperança! Não vos esqueçais dos Santos, que nos acompanham do céu; recorrei a eles, rezai e não vos canseis de pedir a sua intercessão”.

VL – Acolher Maria, escutá-la e viver ao jeito de Jesus

Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, embeleza e humaniza toda a vida da Igreja, desde sempre e por todas as gerações. É Bem-aventurada, escolhida e preparada por Deus para ser a Mãe de Jesus, Deus humano que vem para habitar connosco, como um de nós, assumindo-nos na nossa humanidade, na nossa fragilidade e na nossa finitude.

Entramos em modo de Advento, para prepararmos interior e exteriormente a vinda de Jesus, o nascimento do nosso Salvador. Maria conduz-nos ao Presépio, Maria dá-nos Jesus, Ela mostra-nos Jesus e ensina-nos a gerá-l’O em nós, nas diferentes circunstâncias da vida. 

A solenidade da Imaculada Conceição, Padroeira de Portugal, Rainha e Senhora Nossa, litúrgica e cronologicamente divide o Advento. Corrijamos, Maria recentra-nos na pureza original, no silêncio que perscruta a voz de Deus, na disponibilidade total para perceber a vontade de Deus. Faz com que o Advento não seja formal, não fique num conjunto de gestos, de adereços, de adornos, ainda que importantes, introduz-nos no mistério misericordioso do Pai, na ternura materna de Deus. Ela é concebida sem qualquer marca de pecado, toda santa, por vontade de Deus que partilha a Sua santidade para n’Ela fazer a Sua morada humana, terrena, histórica. É um mistério que nos vai sendo revelado e que nos desafia, nos envolve e nos provoca, nos compromete e nos dá esperança. 

Ela é uma de nós! E ainda assim é escolhida por Deus! Sabemos então que n’Ela Deus nos ama e nos ama tanto que está disposto a fazer-Se pequeno, a fazer-Se um de nós, carne da nossa carne, sangue do nosso sangue, osso dos nossos ossos. "No momento da queda começa também a promessa… Na saudação do anjo torna-se claro que a bênção é mais forte que a maldição. O sinal da mulher tornou-se sinal de esperança, a mulher torna-se a guia da esperança… Tal como a fé de Abraão esteve no início da Antiga Aliança, assim a fé de Maria inicia a Nova Aliança na cena da Anunciação... Maria põe o seu corpo, todo o seu ser à disposição de Deus para abrigar a Sua presença..." (Joseph Ratzinger – Bento XVI). 

Louvar e bendizer Maria é predispormo-nos a imitá-la, a seguir as suas instruções que, em última análise, nos colocam a agir ao modo de Jesus, pois o seu mandato é esse: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. O olhar de Maria que nos acolhe faz-nos olhar na direção de Jesus. É um olhar cheio de graça que transluz o seu filho Jesus.

VL – Vai, e faz tu também do mesmo modo.

Lema proposto por D. António Couto para o novo ano pastoral, cuja abertura ocorreu no passado sábado, a 30 de setembro, no Seminário Maior de Lamego. A Carta Pastoral de D. António Couto para 2017-2018 fundamenta e dá forma ao Plano Pastoral da Diocese: Vai, e faz do mesmo modo. O proceder de Jesus há de ser o proceder de cada cristão. Seguir Jesus é proceder do mesmo modo, na proximidade e no cuidado aos irmãos em situação mais frágil. É uma acentuação, que deve traduzir uma vivência permanente, na imitação do divino Mestre. 

D. António Couto parte, antes de mais, do Amor precedente de Deus que nos ama e por amor nos chama à vida e nos mantém vivos. Amar-nos uns aos outros deriva do amor que Deus é e nos tem. E será amando-nos como Ele nos ama que seremos reconhecidos como discípulos de Jesus. 

O quadro referencial é a parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37), com que Jesus responde a um Doutor da Lei que queria armar-lhe uma cilada. É também uma resposta para nós e um desafio. Identifica o Seu agir, o Seu modo de acolher, de Se aproximar, de tratar as feridas, de curar e chamar outros para cuidarem, para tratarem as feridas de todo o homem caído à beira do caminho ou à porta de nossa casa. Em alguns momentos podemos assumir o modo de agir do Sacerdote e do Levita que passaram, viram e se afastaram, para não se incomodarem e não terem chatices. Eles são tocados pelo preconceito. Cabe-nos olhar e imitar o Bom Samaritano, aproximar-nos, usar de misericórdia, cuidar, e agregando outros para ajudar. A indiferença em relação a quem sofre pode ser uma tentação que nos bate à porta, nos entra pelo coração a dentro e nos desirmana dos outros. 

Vai, e faz também tu do mesmo modo. É o desafio lançado por Jesus àquele doutor da Lei e a nós quando o saber não nos conduz ao fazer. É a interpelação de D. António Couto a toda a Diocese de Lamego e destina-se a todos, pessoas, paróquias e movimentos, serviços e departamentos, mais velhos e mais novos, homens e mulheres. A pertença a Cristo compromete-nos com o Seu MODO de pensar, falar e de atuar. O Bom Samaritano espelha bem o AGIR de Jesus que Se aproxima dos mais frágeis e tudo faz para os curar, reabilitar, devolver à vida. 

Respirar Jesus, viver Jesus, testemunhar Jesus e fazer, cada um de nós, do mesmo modo.

VL – A generosidade com o futuro faz-se no presente

Nunca é tarde. Dizemos para nós e para os outros. É uma afirmação fácil. Fácil de dizer! É um incentivo honesto e talvez uma justificação esperançosa em relação a momentos menos bons que já passámos.

Na verdade, um dia destes acordamos e já é tarde, até porque o tempo (dado) não é recuperável. Bem dizemos que é necessário recuperar o tempo perdido. Por vezes, a acentuação é colocada no viver mais freneticamente para compensar o que se desperdiçou. Mas simplesmente não é possível. Possível é valorizar o tempo atual e o que virá pela frente, mas sobretudo este tempo, pois é o que temos! De nada serve adiarmos a vida à espera de recuperarmos o tempo lá mais para a frente. Isso não vai acontecer. Simplesmente não é possível. Pelo menos humanamente falando!

São João Paulo II afirmava que Deus lhe dera uma segunda oportunidade, expandindo-lhe os dias. Há momentos em que experimentamos ou damos segundas oportunidades. É sempre em sentido relativo. Uma doença superada (pelo menos nos seus efeitos mais nefastos), uma amizade reatada, um novo emprego, um reencontro feliz! Quando a vida parecia seguir para o abismo e fruto de um conjunto de circunstâncias, da luta que demos e resiliência com que respondemos às dificuldades, com a ajuda dos outros, e tudo se alterou positivamente falando.

Se vivermos as primeiras oportunidades, já não precisamos das segundas ou terceiras, até porque não sabemos se as viremos a ter. Por outro lado, para sermos mais exatos, não há "segundas" oportunidades, porque estas não são uma duplicação ou repetição das primeiras. E nunca saberemos se tivéssemos aproveitado as “primeiras” oportunidades onde estaríamos agora, aqui, mais atrás, mais à frente? A vida não se repete ainda que possa haver circunstâncias semelhantes ou situações parecidas. Cada oportunidade é única! Não volta! Como o tempo! Não é recuperável. Claro que as lições que aprendemos com os erros e falhanços, com as provações e com as vitórias podem ajudar-nos a enfrentar outras dificuldades e a mais facilmente nos predispormos a ultrapassar os obstáculos com que nos deparamos, mas a vida não se repete e o tempo que está para trás só em Deus descansa!

Como dizia Albert Camus, “a verdadeira generosidade para com o futuro consiste em entregar tudo ao presente”, não numa atitude displicente de quem se destrói, mas na entrega de quem se gasta com os outros e a favor deles. Ao jeito de Jesus. A cada dia a sua preocupação. Viver hoje com intensidade! Com paixão! Com a ternura que nos vem da eternidade!

VL – Na planta dos pés, o mapa do caminho percorrido!


Aproximamo-nos da festa das festas cristãs, a Páscoa de Jesus Cristo, celebração do mistério que nos dá Deus na plenitude da oferenda do Seu amado Filho, nos faz participantes da vida divina, enraizando-nos na redenção do mundo, incorporando-nos à Igreja, Seu Corpo mísitico, Sacramento de salvação para a humanidade, fazendo-nos portadores da alegria e da esperança, alicerçadas na certeza que Jesus está vivo no meio de nós. 

Um dos momentos plasticamente significativos é a Ceia do Senhor, instituição da Eucaristia e da Igreja, envio dos Apóstolos. Jesus, sabendo que vai ser entregue, anuncia e torna visíveis as regras do jogo: entregando-Se permanecerá presente através do Seu corpo, a Igreja, através da Sua vida, visível à história nas espécies do pão e do vinho, e, por conseguinte, mandata os Apóstolos para que façam o que Ele faz e o façam em Sua memória. A Sua Ressurreição dará vida à missão evangelizadora dos Seus discípulos, transformará o pão e o vinho em Seu Corpo e Sangue, reunirá a Igreja, sob a ação do Espírito Santo, fazendo-nos viver hoje o Seu mistério pascal. 

Na Última Ceia, Jesus exemplifica o caminho que os discípulos devem seguir para O tornarem presente através da história. E o caminho, está bem de ver, é do serviço. Jesus prostra-Se diante dos Seus discípulos e lava-lhes os pés. 

E porquê a escolha dos pés? 

Pedimos emprestadas as palavras de Luigi Epicopo (Só os doentes se curam): 

«Talvez o faça porque debaixo da planta dos pés da pessoa está o mapa do caminho que percorreu. Onde foi, em que poça caiu, que veredas fatigantes percorreu ou quanta erva fresca calcou. Os pés são o símbolo de tudo aquilo que percorremos com a nossa vida. Lavá-los significa libertar-se de toda aquela terra, muito frequentemente feita de dor, que ficou agarrada a eles. Só quando alguém se afastou significativamente da sua própria história é que pode sentar-se à mesa com Jesus e ouvi-l'O; diferentemente, continuará manter o pensamento naquela terra, naquela dor, naqueles pedras cravadas na carne, e já não haverá tempo para aperceber-se de mais nada além dos seus próprios pés. Não haverá pores-do-sol ou paisagens, rostos ou amor, esperanças ou silêncios, cores ou músicas. Toda a atenção se fixará sempre no seu mapa secreto relegado para o fundo do nosso corpo, naquela parte que toca a terra com todo o resto do corpo, da cabeça ao coração... Jesus liberta os discípulos de uma atenção errada e habilita-os a sentir, a ver, a aperceber-se, a comer, a saborear, a chorar...»

Excluídos: escolha ou inevitabilidade


       Numa passagem do evangelho (Mc 10, 46-52), aparece um cego à beira do CAMINHO onde Jesus vai passar. No caminho de Jesus está uma multidão, no meio da multidão os discípulos, uns e outros seguem Jesus, ainda que alguns não estejam seguros do caminho em que vão.
       À beira do caminho, ou sem caminho algum, está um cego, sentado, a pedir esmola. É um dos muitos excluídos da vida, naquele e neste tempo. Qualquer enfermidade física pode ser um fator de exclusão. Também neste tempo. Qualquer enfermidade ou deficiência pode gerar excluídos que o não querem ser.
       Aquele cego não vê o CAMINHO, mas ouve os passos de Jesus e da multidão que vem lá. E então vê mais longe, vê com o coração que escuta antes de ver. Escuta um clamor que lhe anuncia Jesus. Grita. Grita. Sem parar. Há nele um desejo imenso de entrar no CAMINHO, de fazer parte dos "incluídos". Grita sem parar. Incomoda, como muitas vezes incomodam os que são diferentes, os que pensam diferente, os que vivem outras vidas. Incomoda os que vão mais ou menos seguros no caminho, como canta a Mafalda Veiga, diríamos que se incomodam com medo de verem a cegueira que ainda tolda os seus corações ou de também eles ficarem à beira do CAMINHO.
       Como então refletíamos, a postura de Jesus é bem diferente da multidão. Jesus escuta. Jesus pára. Jesus manda chamar. Jesus perscruta os desejos que vão no coração. Jesus atende a toda a prece feita com sinceridade. Não avança. Não Se incomoda. Não acelera o passo. Não tapa os ouvidos. Nem os olhos. No CAMINHO de Jesus há lugar para toda a gente, para a multidão, para os discípulos e para Bartimeu e para cada um de nós. Para Jesus não há excluídos. Ou melhor, não precisa de haver excluídos.
        Há excluídos por que não têm outro remédio.
        Porque nasceram em condições sociais já demasiado precárias para delas saírem. Porque não têm quem os ajude (como Bartimeu ajudado por alguns - Coragem...), porque alguma enfermidade os afasta do convívio social, e até eclesial, porque não têm forma nem meios para saírem da exclusão em que se encontram.

        Há excluídos por que o querem ser.
        Nunca estão disponíveis para nada. Alheiam-se de todos os compromissos. Querem ficar a ver, à beira do caminho, fora do caminho. Se as coisas correm bem, lamentam-se por que ninguém lhes disse nada, ninguém lhes explicou o que era, ninguém os incentivou (pois até participariam, isto é, depois de saberem como correram as coisas); se as coisas correm mal, alegram-se porque não estiveram envolvidos, porque já adivinhavam (depois do acontecido), porque não alinham em projetos que não resultam.

        Há excluídos, que se excluem por medo de serem feridos.
        Quantas pessoas se excluem por medo de serem defraudadas nas suas expetativas, ou por receio de voltarem a dececionar-se? Com medo de se magoarem? Obviamente, não será fácil a alguém que se sente traído (nas seus relacionamentos pessoais, familiares, profissionais) voltar a acreditar e a apostar nos outros. Em todo o caso, o excluir-se também não ajuda. O lamentar-se também não ajuda...

        Há quem nunca se envolva em nada. Ainda que sempre prontos a verificar/julgar qualquer iniciativa, qualquer deslize, qualquer coisa de boa que os outros façam, na sociedade, na política, em Igreja, em atividades culturais e recreativas...
       Aquele cego à beira do CAMINHO desperta-nos. Ele não quer continuar a ser excluído, por isso grita até que a sua voz chegam aos ouvidos de quem deve chegar...

VL – Oito lições dos Magos ao encontro de Jesus

A adoração dos Magos (Mt 2, 1-12), faz-nos reconhecer que Jesus é Rei (ouro), Deus (incenso), e Homem (mirra). Os Magos ajudam-nos a encontrar Jesus. Refere o Papa Francisco que Magos nos levam a abandonar a indiferença dos sacerdotes e escribas e o medo de Herodes e a pôr-nos a caminho.

1.ª Lição: Não viver mergulhado sobre si mesmo, fixar o olhar, o coração e a vida no Céu, onde Se encontra Deus. É como andar de bicicleta, quem olha demasiado para as rodas acabará por cair ou embater em algum obstáculo.
2.ª Lição: Não basta saber coisas acerca de Jesus, é necessário pôr-se a caminho. «Para encontrar Jesus, é preciso entrar em ação, pôr-se a caminho, sempre e sem cessar. Para encontrar o Menino, é preciso arriscar: descobrindo a sua ternura e o seu amor nós nos encontramos» (Papa Francisco).
3.ª Lição: Não desistir diante dos obstáculos. Nunca desistir, pois Deus não desiste de nós. Ama-nos como Pai e ainda mais Mãe (João Paulo I). Chegados à cidade de Jerusalém há outras luzes que ofuscam a Luz que vem do Céu. Porém, os Magos não desistem, perguntam, informam-se, partem para encontrar e adorar Jesus. Resistir, insistir e persistir diante das trevas, das dificuldades, das dúvidas.
4.ª Lição: A alegria do encontro com Jesus. Com efeito, quando a estrela «parou sobre o lugar onde estava o Menino, sentiram grande alegria». A alegria é um termómetro para o encontro com Jesus. Como não lembrar a alegria no encontro de Maria e Isabel e o júbilo de João Batista no seio materno?!
5.ª Lição: Adoração e reconhecimento que só Deus é Deus. Reconhecer que Aquele Menino é Deus e n’Ele Se revela em plenitude o amor de Deus para connosco, ao fazer-Se igual a nós, comprometer-nos-á como iguais, como irmãos que caminham na mesma direção, sob o mesmo olhar e a mesma bênção.
6.ª Lição: Os Magos ofereceram o melhor que possuem: ouro, incenso e mirra. Ofereçamo-nos a nós mesmos a favor dos irmãos.
7.ª Lição: A conversão e mudança de vida são uma constante na vida do cristão. A alegria do encontro dos Magos com Jesus prostra-os em adoração, mas regressam às suas terras por outro caminho. Há que rasgar novos horizontes, novas vias, estradas e avenidas!
8.ª Lição: A vinda de Jesus ao mundo é para todos. Para os que estão perto e para os que estão longe! O desafio papal em colocar a Igreja em saída, indo às periferias (não apenas geográficas, mas sobretudo) existenciais recorda-nos que Jesus veio para todos e a todos deve ser anunciado.

VL – Perguntemos o caminho aos santos…

       Porque é que o povo de Israel demorou 40 anos a atravessar o deserto?
       Porque Moisés, como todos os homens, se recusou a perguntar o caminho. Esta é a conclusão de uma avó, em dia do Seder (páscoa judaica), no momento de recordar a libertação do Povo Eleito e a travessia pelo deserto (Gayle Forman, em Apenas um dia).
       A Sagrada Escritura relata a itinerância/errância do povo de Israel, através do deserto, durante 40 anos, o tempo de uma geração dar lugar uma nova geração: os que saem do Egipto não são os mesmos que entram na terra prometida. 40 anos é muito tempo para percorrer 200 quilómetros. Uma questão à qual a Bíblia responde com a incredulidade do Povo. Alguns dias que demorariam convertem-se em longos anos. O número é simbólico, 40 é o tempo necessário a preparar um grande acontecimento, uma grande mudança de vida.
       Esta avó arranjou uma resposta, no mínimo, curiosa. Sabemos que, sobretudo, os homens têm dificuldade em perguntar direções. Podem ir em sentido contrário ou fazer um desvio pelo dobro da distância, mas recusam, numa viagem automóvel, parar para perguntar, para dissipar dúvidas. É o orgulho masculino, ainda que hoje em dia haja GPS’s que facilitem este brio masculino. É comum dizer-se que os homens têm um grande sentido de orientação e as mulheres uma grande dificuldade em ler mapas. Como em tudo, não se pode generalizar e é possível que hoje os conhecimentos e os meios técnicos atenuem estas diferenças.
       Talvez seja preferível perguntar o caminho ou utilizar o GPS, para que o caminho não nos faça andar às voltas quando podemos desfrutar da Terra Prometida. Para nós cristãos a Terra Prometida é Jesus Cristo, é n’Ele que nos encontramos como filhos amados de Deus. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por Ele. Nesta busca, não estamos sós, contamos com todos, com os que nos rodeiam e com os Santos, lampejos de luz que nos conduzem à Luz verdadeira, a Jesus. Muitas vezes escutámos o apóstolo São Paulo a dizer-nos: sede meus imitadores como eu sou de Cristo.
       Se estivermos perdidos, com dúvidas, na incerteza do caminho a trilhar, prestemos atenção aos pontos de luz que nos orientam para o Farol, aos santos que nos guiam até Jesus. Eles transportaram o sonho de viver ao jeito de Jesus, procurando que Deus marcasse o ritmo das suas vidas, apesar das dificuldades e dos sacrifícios, das dúvidas e dos desencontros. Perguntemos-lhes o caminho! Sigamos em frente, confiantes!

VL – A bênção de Deus para este novo ano…

Iniciar um novo ano, cada nova etapa da vida, envolve uma mistura de sentimentos. Dúvida e esperança. Possibilidades de fazer novos amigos, concretizar projetos, encerrar assuntos do passado, abrir-se à novidade do futuro. De um ano ao outro são milésimas de segundo, ainda agora estávamos em 31 de dezembro de 2017 e um breve pestanejar e já passou o dia 1 de janeiro de 2018. Um movimento de inspirar-expirar o ar que nos permite viver. Um instante que se multiplicará, se Deus quiser, por milhares. Por dia, 23 mil movimentos de inspirar/expirar. 8 395 000 de um movimento impercetível que nos fará viver mais um ano. Isso lembra-nos que a vida acontece prevalentemente no que é insignificante, pequeno! Um pormenor fará diferença, eu e tu podemos fazer a diferença neste mundo, acolhendo as bênçãos e os dons de Deus e deixando que Ele nos transfigure constantemente e assim possamos, com a Sua graça, transformar o mundo.
O calendário litúrgico coloca no início do ano civil a solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, o amor de uma Mãe, escolhida desde sempre para acolher a semente de um mundo novo, rejuvenescido pelo amor, pela bondade e pelo serviço solidário. Deus nunca Se afastou de nós e quando O rejeitámos Ele continuou a amar-nos. É-nos pedido que procedamos do mesmo modo uns para com os outros, nunca desistindo de amar, de viver e de cuidar.
A vinda de Jesus é o Presente de Deus para nós! Dá-Se a Ele mesmo, no Filho, Jesus Cristo, por meio do Espírito Santo. Criou-nos por amor e por amor nos recria, chamando-nos a uma vida nova pautada pela bondade, pela ternura e pelo amor, pela compaixão, pela partilha solidária e pelo perdão. Criou-nos por amor e criou-nos livres! Confiou-nos o mundo e confiou-nos os outros. Mas quantas vezes nos devoramos mutuamente? Quantas vidas já silenciámos, subjugámos, destruímos? Quantas vezes obscurecemos a imagem que somos de Deus, tornando-nos opacos ao Seu amor?
Jesus é Luz que nos inunda até as trevas mais densas, irradia vida, amor e bênção! É a promessa de Deus que se enraíza no mundo, na história, no tempo. Deus, em Jesus, faz-Se igual a nós. Abaixa-Se para viver como Um de nós, não para nos nivelar por baixo mas para nos elevar.
Tudo começa e recomeça no amor de Deus que nos renova transformando-nos. Novo ano, a vida nova que recebemos no batismo concretizada em cada instante, acolhendo e testemunhando o desafio de Jesus: Vai e faz tu também do mesmo modo.

VL – A humildade faz-nos humanos…

       É uma marca distinta de Jesus Cristo. Quem se humilha será exaltado e quem se exalta será humilhado. Quem quiser ser o primeiro seja o último e o servo de todos. Nestes dias temos assistido à impotência das populações face aos incêndios. Perante a grandeza dos mesmos, há muitas situações que podem ser precavidas e melhoradas. Também aqui a humildade é crucial: reconhecimento do que não se fez, por incapacidade ou pela não previsibilidade; pelo que se pode vir a fazer, pela escuta e pelo acolhimento do contributo de outros.
       Com efeito, só a humildade nos permite aprender, dialogar, partilhar, comungar a vida com os outros. Só a humildade nos permite apreciar a vida, agradecer os dons recebidos, cultivar os talentos a favor dos outros e em prol de uma sociedade renovada. Só a humildade nos permite ser pessoas, diante dos outros e, para quem tem fé, diante de Deus. Só a humildade nos enriquece, nos humaniza e nos aproxima dos outros. Só a humildade nos leva a reconhecer as falhas, a pedir perdão e a tentar corrigir os erros. Só a humildade nos capacita para compreendermos os outros, sermos tolerantes com as suas falhas e apreciadores das suas qualidades. Só a humildade nos leva a construir pontes e derrubar muros, a juntar as nossas energias às energias dos outros, procurando a paz e a justiça. Só a humildade nos coloca à escuta e nos predispõe a aprender sempre mais. Olhos e ouvidos abertos ao que nos rodeia, coração atento a outros corações.
       Humildade não é o mesmo que ingenuidade, ignorância, descuido ou o não querer-saber. Humildade não é renunciar a valores e convicções, não é aderir, sem mais, aos valores, ideias e projetos dos outros. Humildade não é abdicar da própria vida para viver a vida dos outros. Humildade não é achar que os outros são bons e eu sou mau, que os outros são capazes de tudo e eu não sou capaz de nada. Humildade não é autocomiseração, fazer-se de coitadinho/a para que todos reparem em mim e me apapariquem. Humildade não é cruzar os braços, não é encolher-se ou remeter-se ao seu canto para não incomodar ninguém.
       A humildade compromete-nos, abre o meu e o teu coração à vida e aos outros, leva-nos a sair do nosso egoísmo para, com os outros, formarmos família. A humildade faz-nos reconhecer que estamos a caminho e podemos crescer e aprender sempre mais. Os outros são uma oportunidade e não um estorvo.

VL – A exclusividade que nos conduz à fraternidade

       Jesus pede-nos exclusividade. Como a própria palavra sugere, exclusividade exige exclusão. «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não é digno de Mim».
       Rapidamente percebemos que a exclusividade de Jesus é inclusiva, ainda que inclua a renúncia. Fazer uma opção é renunciar a outras. Sempre que escolhemos um caminho recusamos todos os outros possíveis. Quando escolhemos alguma pessoa abdicamos das outras. É assim no matrimónio e nos grandes amores: ama-se alguém com um amor maior, acima e além de todos os outros amores que façam parte da nossa vida. Amor maior que se torna único. O célebre Principezinho demorou a perceber que a sua rosa era única no mundo, apesar de ter encontrado um jardim repleto de muitas rosas parecidas com a sua mas que lhe diziam pouco!
       É fácil amar muita gente sem amar ninguém em concreto. Mais difícil é amar uma pessoa como única, como amor único, de tal que se está disposto a tudo, disposto até a dar a própria vida. Foi assim que Jesus procedeu connosco. Amou o Pai mais do que a própria vida e amando o Pai, voltado para o Pai, voltou-se com o Seu amor para onde estava orientado o amor do Pai: nós. O Pai entrega-nos o Filho. O Filho entrega-nos ao Pai e entrega-Se por nós ao Pai, por ação do Espírito Santo, amor que nos une. No casal, ama-se com tanto amor que a abertura a uma nova vida se torna (quase) uma exigência, uma consequência natural. O amor é tão vivo que gera vida! Amor que não gera vida tenderá a eclipsar-se, a voltar-se sobre si mesmo. Se não explode multiplicando-se, implode destruindo-se. 
       É assim no sacerdócio ordenado, um único amor, a Cristo, para entregar a vida a favor de todos, com-fraternizando.
       Ao escutarmos Jesus ficamos arrepiados. Quem amar mais a mãe e o pai, o filho ou a filha, ou a própria vida não pode segui-l'O! Como? Deixar para trás a família, os amigos, renunciar à própria vida?
       O único AMOR de Jesus é o Pai. O nosso único amor há de ser Jesus, o Deus que Se revela em Jesus, como Pai e Filho e Espírito Santo. Fácil este silogismo: se Deus é Pai e todos O reconhecemos como tal, então, em consequência, reconheçamo-nos e tornemo-nos irmãos uns dos outros.

VL – O Pobre de Nazaré é o Rei do Universo

Vivemos, no penúltimo domingo, o primeiro Dia Mundial dos Pobres, iniciativa proposta pelo Papa Francisco por ocasião do encerramento do Jubileu da Misericórdia. A designação suscitou algumas críticas em surdina, pois poderia dar a sensação que se estava a cristalizar a pobreza. Em vez de “pobres” talvez pudesse combinar melhor erradicação da pobreza ou da exclusão social. Porém, “pobres” é uma palavra e uma realidade que se cola. Podemos ter opiniões diferentes sobre o que significa pobreza, mas falar de pobres não ilude, sabemos que nos remete imediatamente para vidas marcadas pela doença, pela miséria, pelo abandono, pela solidão, pela perda de identidade e de pertença a uma comunidade.
Com a criação deste dia, o Papa interpela, antes de mais, os crentes contra a cultura do descarte e do desperdício, desafiando-nos à partilha solidária, ao cuidado do outro, ao acolhimento de Cristo nos mais frágeis, pois para tocar Cristo é necessário tocar as chagas do Seu corpo no corpo dos pobres. O convite alarga-se a todos “independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade. Deus criou o céu e a terra para todos; foram os homens que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão”.
O Papa Francisco deixou bem claro que os pobres não são um problema, mas “um recurso de que lançar mão para acolher e viver a essência do Evangelho… são eles que nos abrem o caminho para o Céu, são o nosso «passaporte para o paraíso». Para nós, é um dever evangélico cuidar deles, que são a nossa verdadeira riqueza; e fazê-lo não só dando pão, mas também repartindo com eles o pão da Palavra, do qual são os destinatários mais naturais. Amar o pobre significa lutar contra todas as pobrezas, espirituais e materiais”.
Na Sua mensagem para este dia, o Papa lança a ponte para a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo. Com efeito, “a realeza de Cristo aparece em todo o seu significado precisamente no Gólgota, quando o Inocente, pregado na cruz, pobre, nu e privado de tudo, encarna e revela a plenitude do amor de Deus. O seu completo abandono ao Pai, ao mesmo tempo que exprime a sua pobreza total, torna evidente a força deste Amor, que O ressuscita para uma vida nova no dia de Páscoa”. O reconhecimento da soberania de Cristo coloca-nos todos ao mesmo nível, como súbditos mas sobretudo como irmãos.

VL – A realeza de Jesus ao serviço dos pequeninos

O ano litúrgico é coroado pela solenidade de Jesus Cristo como Rei do Universo, cuja realeza tem um toque muito peculiar. Jesus é, claramente, um Rei que vem para servir, que Se assume como Pastor, Irmão, como Filho. Um reino cuja marca registada é o amor, o serviço, a caridade, a atenção e o cuidado aos mais frágeis, aos mais pequeninos. É um Reino frágil pois assenta os seus pilares na bondade, na misericórdia e na ternura. Não tem armas nem exércitos treinados. Não tem mestres nem comandantes. Mas é simultaneamente um reino forte porque não está dependente das circunstâncias sociais, políticas e económicas ou de equilíbrios de poder, vive a constância do serviço. Nada tem a perder, só tem a ganhar e ganha ao gastar-se a favor dos mais pequeninos.
A coroa deste Rei é tecida de espinhos. Melhor, a Sua coroa é tecida de amor, de compaixão, de delicadeza. O Seu trono é uma "abençoada" Cruz. Melhor, a Seu trono é a vontade do Pai. É o Seu alimento, a Sua ligação mais profunda. Por nada Se afasta dos desígnios paternos. É um Rei obediente, até à morte e morte de Cruz. Governa transparecendo as palavras do Pai, as obras do Pai. Nada faz por Si mesmo, diz o que ouviu dizer ao Pai, realiza as obras que o Pai Lhe mandou fazer.
A fragilidade do Rei é o Seu amor sem limites. É também a Sua grandeza: amor que ama e se consome a favor de todos a começar pelos últimos, pelos mais pequeninos.
O nosso Rei é Jesus, Filho Bem-amado do Pai que nos resgata do egoísmo, das trevas e da morte e nos assume como irmãos. Agora temos Pai, não somos órfãos. Nunca mais seremos órfãos. Temos Pai, sabendo que no final de tudo seremos julgamos pelo Pai, e não por um Juiz desconhecido, estranho, distante, imparcial, frio, vindicativo, seremos julgados pela misericórdia do Pai, através do Filho, no Espírito Santo.
Os Seus ajudantes, os Seus ministros, os Seus seguidores só têm que O imitar. Fazer do mesmo modo. Novamente o lema da nossa diocese retirado da parábola do Bom Samaritano: Vai e faz o mesmo, faz tu também do mesmo jeito. O Samaritano vê, para, aproxima-se para ver melhor, desce, debruça-se, ajuda, trata das feridas, levanta aquele que está caído como morto, leva-o até um lugar seguro, agrafa outros para dele cuidarem, assegurando-se que será bem tratado. É esta a verdadeira soberania de Jesus e dos Seus discípulos: servir os mais pequeninos.