sábado, 14 de setembro de 2019

Exaltação da Santa Cruz - 14 de setembro

       1 – "A linguagem da cruz é certamente loucura para os que se perdem mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus... Nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus" (1 Cor 1, 17-31).
       Só os criminosos eram condenados à crucifixão. A cruz é ignominiosa remetendo imediatamente para algum crime hediondo. Ao ser apresentado como Crucificado, Jesus é tido como um malfeitor, um criminoso.
       Por outro lado, como é que Jesus sendo Filho de Deus, todo-poderoso, pode deixar-Se matar? Como é que pode ser o Messias esperado e libertador, se Ele mesmo é preso, esbofeteado e morto? E sendo Deus, como pode morrer?
       Alguns tentam mitigar a gravidade e o escândalo, dizendo que a morte de Jesus foi aparente; ou só morreu Jesus (humano) separado do Cristo (divino); ou foi substituído no momento da crucifixão por um dos discípulos, por exemplo, por Judas Iscariotes (cujo corpo seria desviado do túmulo e estrategicamente “enforcado” para ser encontrado), e depois Jesus teria aparecido “ressuscitado” (não se encontrando o seu corpo em parte nenhuma, uma vez que não tinha morrido). Ainda há correntes religiosas que não aceitam que Jesus Cristo tivesse sido morto e muito menos numa cruz. As representações da figura de Jesus é romantizada com belíssimas passagens, mas numa em situação de sofrimento, de fragilidade ou de morte na cruz. Ora, se Jesus não tivesse sido morto, tudo seria uma encenação, um faz-de-conta, e que colocaria em causa toda a pregação de Jesus.
       Quando Jesus anuncia que vai morrer, logo os apóstolos O contestam, a começar por Pedro: Deus te livre de tal, nós não deixaremos. Já na Cruz, alguns zombam d’Aquele Messias: se és o Messias, desce da Cruz… Nas Aparições do Ressuscitado há um elemento bem visível, as marcas do Crucificado, as chagas do seu corpo, é o mesmo Jesus Cristo.
       No início da missiva aos Coríntios, o Apóstolo mostra-nos o centro da pregação e a identificação do Evangelho. A Cruz ocupa um lugar incontornável na fé cristã e na vida da Igreja. Com efeito, não se poderia falar em ressurreição se antes se não falasse da morte de Jesus. E, concretamente, na morte de Cruz, lugar de oblação, de entrega, lugar do amor levado às últimas consequência, até à última gota de sangue. Oferecendo-Se, Jesus oferece-nos a Deus. Desce ao mais profundo, para nos elevar ao mais elevado.
       Por mais voltas que se deem de forma a minorar os estragos da fé num Deus todo-poderoso, revelado em Jesus Cristo, a fé estaria condenada ao fracasso se não contemplasse a cruz. Os braços estendidos enlaçam-nos como irmãos. A cruz, cravada na terra, ligada a todos os que a habitam, levanta-se e levanta-nos para o alto. Dali, Jesus repara em nós, fixa o Seu olhar no nosso olhar e obriga-nos a levantar a cabeça para lá da Cruz.
       2 – «Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele». A Encarnação marca um tempo novo: Deus entra na história como verdadeiro Homem, como um de nós, carne da nossa carne, sangue do nosso sangue. Tal mistério traz-nos a eternidade de Deus, para no final, nos abrir, para escancarar, as portas do Céu. Mas o Céu já está entre nós, é Jesus Cristo, que ao morrer e ressuscitar nos levará para junto do Pai. Quis-Se connosco. Veio. Quer-Se connosco, leva-nos com Ele. Sem a abertura do Céu, ficaríamos apenas pó.
       Quando encontra Nicodemos, Jesus revela-lhe a importância da vinda do Filho de Deus:
«Ninguém subiu ao Céu senão Aquele que desceu do Céu: o Filho do homem. Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita tenha n’Ele a vida eterna. Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna».
       Jesus recorda a Nicodemos como aquela serpente, levantada por Moisés no meio do nada, do deserto, antecipa a Cruz plantada entre salteadores, no meio dos homens: a salvação.
"O Senhor disse a Moisés: «Faz uma serpente de bronze e coloca-a sobre um poste. Todo aquele que for mordido e olhar para ela ficará curado». Moisés fez uma serpente de bronze e fixou-a num poste. Quando alguém, era mordido por uma serpente, olhava para a serpente de bronze e ficava curado".
       Mordidos pelo pecado, pelo egoísmo, pela maledicência, pela violência, só voltando-nos para o alto encontraremos a redenção que nos obriga a sair de nós, a olhar além do nosso umbigo.

       3 – Belíssimo o poema recolhido por São Paulo na Epístola aos Filipenses, e que resume todo o mistério de Jesus Cristo, a Encarnação, o abaixamento, a divindade que Se encolhe na humanidade, a eternidade que Se faz tempo e história, o Infinito que Se faz finito e frágil. Deus esconde-Se no Homem.
"Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai".
       Fácil imaginar uma Mãe (um Pai) a agachar-se para estar ao nível da criança, ora para brincar com ela, ora para a levantar em seus braços e a segurar no seu colo. Assim Deus. Debruça-Se para nos olhar olhos nos olhos, viver connosco no meio de nós, assumindo-nos no nosso pecado, na nossa fragilidade e finitude, identificando-Se com a nossa humanidade. Debruça-Se para depois nos erguer com Ele.
       Como não recordar Jesus no momento da última Ceia - a primeira deste tempo novo - quando Se ajoelha, colocando-Se ainda mais baixo que os discípulos, e lhes (e nos) lava os pés, em atitude de serviço. Está connosco à mesa, partilha connosco o pão e a vida. Já as suas palavras saem embargadas. Daqui a pouco terá uma prova de fogo e de resistência. Irá até ao fim. Por todos. Por cada um de nós. São suores de sangue, quando a vida biológica está sob ameaça. São palavras de entrega confiante ao Pai: faça-Se como Tu queres. Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito.
       Jesus fecha um círculo, enlaçando-o na nova vida que nos dá em abundância. Tudo n'Ele está consumado. A Cruz põe termo a toda a treva, a todas as distâncias. Jesus eleva-nos para Deus. O Seu abaixamento, torna-se exaltação. Deus dá-lhe um nome, diante do qual todos nos devemos ajoelhar para melhor O acolhermos, O louvarmos, para melhor nos deixarmos trabalhar por Ele.
       A nossa salvação, a Cruz de Jesus Cristo, está cravada na terra, entre nós, no mundo, entre a terra e o Céus. Enxertada na terra, mas erguendo-se para o alto, e com os braços bem abertos, para a todos nos envolver, para a todos nos acolher no Abraço do Pai.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Num 21, 4b-9; Filip 2, 6-11; Jo 3, 13-17.

(Reposição da reflexão completa, 14 de setembro de 2014)

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