quarta-feira, 23 de março de 2022

D. António Couto - As Mulheres nas Cartas de São Paulo

D. ANTÓNIO COUTO (2022). As Mulheres nas Cartas de São Paulo. Gaeiras: Alêtheia Editores. 130 Páginas.


Há tempos, através da transmissão da Missa dominical, cuja segunda leitura trazia uma das cartas de São Paulo, em que falava da submissão de todos a Cristo, mas, na continuação da leitura, falava na submissão da mulher ao marido, como da Igreja a Cristo. Para quem ler o texto com honestidade, vê que a submissão, em lógica de amor e serviço, é recíproca. Ao marido é dito claramente que há de amar a mulher como ao seu próprio corpo, portanto, não se trata de o homem submeter a mulher, mas de amá-la como Cristo amou a Igreja e deu a vida por ela.
Mas logo surgiram algumas pessoas escandalizadas, multiplicando as partilhas e a polémica e, diria eu, evidenciando uma grande ignorância religiosa (bíblica). Para ajudar a clarificar os escritos de São Paulo, os genuínos e os que foram retocados. D. António resolveu colocar em pratos limpos a visão de São Paulo, bem como os acrescentos que foram feitos posteriormente.

“Dados os ‘apupos’ que se fizeram ouvir um pouco por toda a comunicação social e redes sociais por causa de um texto notável de São Paulo que, aparentemente, à primeira vista e audição, impunha à mulher submissão ao marido, resolvi também eu, ilustre Teófilo, examinar atentamente tudo e oferecer de forma ordenada e a quem o desejar, também ao mundo moderno, um percurso em que se mostra com suficiente clareza a maneira excecional como Paulo se relacionou com as mulheres concretas, com nome, que encontrou no seu caminho, e como refletiu sobre a sua condição e missão nas comunidades cristãs primitivas.
O leitor atento terá oportunidade de encontrar nas páginas que se seguem alguns dos textos mais emblemáticos e problemáticos que tanto espanto têm provocado. Terá oportunidade de os encontrar e de os compreender, e até de se surpreender e encantar com o excesso de sentido que deles emana.
É tempo de alguns preconceitos caírem, como caiu o muro de Berlim. O que não se espera, também pode acontecer.”

D. António Couto - Olhar a Família com os olhos de Deus

D. ANTÓNIO COUTO (2022).Olhar a Família com os olhos de Deus. Apelação: Paulus Editora. 156 páginas.


Enquanto decorre o Ano da Amoris Laetitia, o Bispo da Diocese de Lamego, D. António José da Rocha Couto, serve-nos, com mestria, esta obra dedicada à família, partindo de diferentes textos bíblicos. 

Nada melhor do que ser o próprio a apresentar este livro:

“Em ano dedicado à família, e estando ela, em qualquer das suas dimensões (família de sangue, família eclesial, família religiosa…), tão corroída e anémica, mas sendo também célula perseguida por diferentes viroses ideológicas que percorrem o nosso tempo, decidi compor este pequeno livro, de sabor bíblico e cultural sério, que intitulo Olhar a família com os olhos de Deus, e que consta de três ensaios, que intitulei: «Deus e Israel. As metáforas da família nos Profetas» (1), «Aliança conjugal. Fundamentos bíblicos da família» (2) e «Identidade e missão da família a partir da Bíblia» (3).
São abordados os temas e problemas principais que assolam o nosso tempo sem compromissos e sem nascimentos, e com os mais debilitados e idosos, a quem roubámos já a sua liberdade de escolha, nas ágoras e átrios públicos tão apregoada e defendida, atirados para um limbo eterno, mais ou menos amorfo e anódino, onde os seus afetos não são correspondidos, as suas emoções vão para o baú dos trapos e para o canto das bonecas, e assuas razões não valem nada, e vão para o caixote! Que mundo é este, atravessado por tantas contradições, e conduzido ao que parece por tantos «Eu» sem «me» (Maurice Blanchot).
É como tentar destilar a Bíblia, que é uma explosão de vida, de dramas, de tensões e de emoções, para a tentar reduzir a uma série de princípios, mais ou menos como tentar reduzir uma pessoa viva a uma diagrama! (Abraham Joshua Heschel). Não há compromissos duradouros. Metem medo a quem ainda tem liberdade de escolha! O que há, no campo sentimental, são «relações de bolso» (Catherine Jarvie) ou «compromissos enlatados» (Anthony Giddens), tudo rápido, estéril e descartável, assente apenas na satisfação corrente, sem obrigações, tudo pronto a «consumir de preferência antes de…» (Anthony Giddens).
Percebe-se agora talvez melhor por que razão a questão do «outro», que é o «não identificável», o «sem eu», o «me sem eu», o «sem nome», seja hoje a questão do Ocidente, e que conceitos como responsabilidade, liberdade, alteridade, socialidade, hospitalidade, mandamento, obediência tenham de ganhar hoje novas tonalidades e articulações.
E fica igualmente a descoberto que quem quiser levantar esta sociedade desencantada, anestesiada, desinfetada, medicada, esvaziada, dependurada, tem primeiro de lhe restituir tudo o que lhe roubou: Deus, a Providência, a alma, os pais, os filhos, os netos, o chão, o céu, a casa, o sonho, as canções, o amor, a emoção, a comoção, a história, as histórias, a tradição, o rosto, o rosto do outro, a heteronomia, a exterioridade, a socialidade, a responsabilidade pelo outro. Ninguém levanta um saco vazio. Só se pode dependurá-lo. Assim também não é possível levantar uma sociedade esvaziada e dependurada, a não ser restituindo-lhe tudo o que lhe foi roubado.
Deixo nas tuas mãos este pequeno livro. Podes saboreá-lo devagar. Tem múltiplos aromas e sabores”.

quarta-feira, 2 de março de 2022

Marta Arrais - GUIA PARA UMA VIDA SIMPLES

MARTA ARRAIS (2022). Guia para uma vida simples. Lisboa: Planeta. 256 páginas.


A sugestão deste livro é mais que natural, como os vários textos-crónicas-reflexões de Marta Arrais que lemos com interesse e recomendamos vivamente. A autora tem o dom de escrever bem, escorreitamente, de forma simples e acessível, percetível. A erudição, as frases poéticas, facilitam a leitura e a sua compreensão. Por outro lado, vê-se bem que escreve com alma e com o coração, lançando pistas, desafios interpelando, fazendo-nos parar, sonhar, voar, mostrando como o ser humano é um mistério, em construção e a caminho e que existem aspetos na nossa vida que podem ser mudados, se não ao nível dos acontecimentos, pelo menos, ao nível da atitude que se assume perante os mesmos, perante a vida e diante dos outros. O convite é o de sempre: caminharmos juntos, não deixarmos ninguém para trás, sabermos dizer sim, mas também dizer não, largarmos as pessoas que trazem toxidade à nossa vida, não termos pressa de viver o dia seguinte, vivamos hoje com toda a intensidade que nos é possível!

Muitos dos textos aqui servidos foram escritos durante este longo tempo de invernia, deste tempo de pandemia, e, por conseguinte, fazem eco das preocupações, acolhem as frases feitas, transparecem as lágrimas, os sorrisos e as perdas, deixando claro que nada será como dantes, ainda que muitos o predissessem, que tudo ficaria bem, ou que o pós-pandemia seria uma oportunidade para um mundo mais justo e solidário, mais fraterno. Porém, ainda dentro deste embotamento, muitos sinais contraditórios de egoísmo, de aproveitamento, de esquecimento dos mais vulneráveis. Os chavões, muitos deles, não passaram de intenções que ficaram pelo caminho ou de expectativas, entretanto, goradas quando se voltou a algum tipo de normalidade.

Pelos títulos que encimam cada capítulo, ficamos com uma noção de algumas provocações e convites: 1) Optar pelo essencial; 2) Desligar; 3) Perdoar; 4) Estar disposto e disponível; 5) Aceitar sem compreender; 6) Ter só o que fizer falta; 7) Viver um momento de cada vez; 8) Ouvir (mais) o que é bom; 9) Deixar ir; 10) Desisti quando for preciso; 11) Ter calma e paciência.

A abrir, diz-nos Marta Arrais: “Este livro é um mapa. Um conjunto de páginas que querem sugerir sentidos, trilhos, caminhos, rotas e possibilidades. Antes de começares esta sugestão de viagem, convém que apagues as luzes de tudo o que te distrai e não te deixa pensar com clareza, com chama e fluidez. Não precisas de deixar o que é teu e o que te é querido. Também não é necessário que apagues nenhuma linha da tua história. A ideia é que encontres, nestas páginas, uma ponte que te ajude a encontrar um equilíbrio diferente, uma paz mais quieta, uma vida tranquila e menos atribulada… Está tudo a acontecer ao mesmo tempo? Deixa estar. Não sabes se vais conseguir lidar com a tempestade que já ouves ao longe? Deixa estar. Querem que faças demasiadas tarefas de uma vez só? Deixa estar. Não reconheces as pessoas que foram sempre tuas? Deixa estar. Não estás a conseguir vislumbrar os sonhos e os planos de sempre? Deixa estar. Sossega. Antes de começares, deixa tudo onde tiver que ficar. Não te preocupes. Ninguém consegue tomar decisões quando há demasiado ruído ou quando há demasiada turbulência. Suspende o mundo lá fora. Prende ao peito um ‘Volto já’ e volta quando puderes. Quando quiseres. Quando estiveres pronto. Vamos a isso?”


Mais alguns pedaços de texto da autora:
Hoje eu não consigo perdoar-te. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo encontrar bondade nas pessoas que estão comigo. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo procurar a paz. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo ser feliz. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo não consigo avançar nem um passo. Amanhã tento avançar dois.
Hoje eu não consigo levantar a cabeça do chão. Amanhã tento outra vez.
Hoje eu não consigo encontrar sentido na minha vida. Amanhã tento outra vez”.
Quando não puderes fazer mais nada, ri-te. De ti. Dos tombos que a vida te fez dar. Das lições que tiveste de viver para aprender”.
Se eu não perdoar aquela pessoa que me retirou tempo, disponibilidade e estabilidade emocional, continuarei, na mesma, a deixá-la ficar na minha vida e a perpetuar a sua influência no meu dia a dia. Não vale a pena não perdoar a pessoas tóxicas”.
Viver cada coisa como quem sabe que não pode compreender tudo, entender tudo, fazer parte de tudo… Escolher mais vezes o silêncio. Argumentar menos e interiorizar mais. Não comprar guerras com quem não tem culpa das nossas. Vale mais a pena dividir a nossa guerra com alguém. Ter paciência quando nos faltar a paz”.
Nem sempre somos paz. Nem sempre somos capazes de não incendiar um rastilho que leve a uma ou outra guerra. Nem sempre conseguimos ser bons. Dizer bem dos outros. Não julgar. Nem sempre somos os que terminam as discussões. Muitas vezes, somos os seus protagonistas e os seus iniciadores. Nem sempre somos os primeiros a dar a mão a quem precisa. Muitas vezes somos os primeiros a deixar o barco à deriva”.
Não oiças vozes venenosas, manipuladoras ou demasiado queixosas. São veneno para a saúde da alma”.
A fé é saber que não estamos sozinhos. Que há alguém que nos acompanha, nos guarda e zela por nós. É saber que não estamos cá por uma razão aleatória ou por descuido do universo. Estamos cá porque precisamos. Porque temos de fazer do mundo um lugar único”.
“Não esperes que se resolva. Resolve.
Não esperes que mude. Muda.
Não guardes para depois. Hoje é o dia.
Não te afaste sem ninguém ver. Diz que vais. Por que vais.
Não te escondas nas entrelinhas. Fala.
Não fales quando estiveres furioso. Acalma-te primeiro.
Não sonhes com o céu. Voa e chega lá.
Não te agarres às coisas do mundo. Não queiras ser daqui.
Não saltes sem ver o chão. Vai devagar.
Não tenhas pressa de viver o que ainda não chegou. Cada passo a seu tempo.
Não culpes. Desliga-te da mágoa e passa à frente.
Não te culpes. Fizeste o que podias. Como sabias.
Não te rias do que não conheces. Observa primeiro, julga depois.
Não faças festas. Sê festa.”

Não te rendas quando o combate ainda vai a meio.
Não te rendas quando a luta for pelo bem.
Não te rendas ao que te contam. Pode não ser verdade.
Não te rendas ao que te assusta. O medo faz os melhores heróis.
Não te rendas, a vida ainda agora começou”.

Não te esqueças de agradecer o passado. Foi ele que te trouxe, pela mão, até aqui. Já cá estás. Agora, podes deixá-lo ir. De vez em quando, podes fazer-lhe uma visita, mas é melhor que resistas à tentação de viver com ele”.
“Não te esqueças: quando viveres algo terrível – espera. Com paciência. Com cuidado. Lá mais para a frente vais ser capaz de entender tudo”.

Não estamos cá para ser pouco. Estamos cá para ser tudo”.