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sábado, 23 de julho de 2022

Domingo XVII do Tempo Comum - ano C - 24.07.2022


1 – «Senhor, ensina-nos a orar». Pedido feito pelos discípulos a Jesus, lembrando que também João Batista ensinou os seus discípulos a rezar. Jesus terá oportunidade de vincar que a oração há de expressar uma atitude permanente de escuta da voz de Deus, de diálogo com essa Voz, sem muitas palavras, ou pelo menos, cientes que não é a quantidade de palavras que conta, como que por magia e convencimento de Deus, mas o que conta é o coração, a confiança, a relação. A sinceridade confiante de quem se coloca nas mãos, no colo, no coração de um Pai.
E "Pai" é precisamente a primeira palavra da oração que Jesus lhes/nos ensina. Diríamos que não é necessário muito mais. Quem se coloca em postura de oração, dirigindo o olhar, os ouvidos, o coração e a vida para Deus, reconhecendo-O e acolhendo-O como Pai, assume-se, desde logo, como filho e, simultaneamente como irmãos dos outros filhos do Pai. Quando se pede algo ao Pai/Mãe já se sabe que pedimos também para os nossos irmãos, pois não vamos receber e os outros ficarem a olhar. A oração é súplica, mas imediatamente, compromisso com o que pedimos.
«Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação».
A versão lucana do Pai-Nosso, mais simples, mas contém o conteúdo essencial. Mateus acentuará mais a dinâmica do perdão, São Lucas mais a dimensão da confiança e da resposta certa de Deus.
Como se pode verificar, o reconhecimento que tudo deve partir e assentar em Deus, que é Pai, que seja o Seu reino e a Sua soberania a implementar-se na terra, garante de que Deus é Deus e que mais ninguém é colocado nessa categoria, para que não haja nem instrumentalização nem idolatria. É sempre um risco alguém endeusar-se ou deixar-se endeusar, colocando-se num patamar superior; igualmente, deixar-se instrumentalizar como joguete ou instrumentalizar os outros, usando-os como meios para atingir algum fim.

2 – Na continuação, Jesus insiste na persistência da oração e na confiança em Deus que é Pai.
Jesus utiliza uma imagem muito sugestiva: «Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar’. Ele poderá responder lá de dentro: ‘Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães’. Eu vos digo: Se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa».
O próprio Jesus sublinha a resiliência na oração: «Também vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á».

E a resposta positiva de Deus: «Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».

A questão colocar-se-á sempre na pressa e no automatismo das repostas que queremos obter. Eu rezo, e lá estaria a multiplicação das palavras, e a minha oração há de convencer Deus de que o meu pedido é justo e merece ser despachado quanto antes. A promessa de Jesus: Deus responderá como Pai e dar-nos-á coisas boas, antes de mais, o Espírito Santo. E aqui tudo se joga, o Espírito Santo ilumina a nossa vida e enche-nos de sabedoria para deixarmos Deus agir em nós, para prosseguirmos no caminho que nos cabe fazer, e na aceitação das nossas limitações e fragilidades.

3 – Abraão é considerado o Pai na Fé, por ter sido o primeiro a acreditar num Deus pessoal: Alguém com Quem poderia dialogar e de Quem poderia obter respostas. As três grandes religiões monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, consideram-no como tal, daí que também não se entenda muito bem que haja guerras religiosas. Sabemos que o motivo religioso pode ser aglutinador, mas na maioria das vezes estão por detrás outras razões, políticas, económicas, de disputa de poder.
O Papa Francisco apresenta Abraão como modelo da oração persistente. Abraão não desiste de rezar, de implicar e comprometer Deus. Intercede pelo povo. É quase uma negociação. Bem dizemos nós que não devemos "negociar" com Deus, nem de utilizar muitas palavras, mas Abraão mostra-nos, sobretudo, que confia em Deus e que Deus não deixará de compreender e responder favoravelmente. Com Abraão compreendemos também que não é Deus que nos destrói, somos nós, com o nosso pecado e com o nosso egoísmo que destruímos, que separamos, que criamos ruturas.
«O clamor contra Sodoma e Gomorra é tão forte, o seu pecado é tão grave que Eu vou descer para verificar se o clamor que chegou até Mim corresponde inteiramente às suas obras. Se sim ou não, hei de sabê-lo». Os homens que tinham sido acolhidos por Abraão, dirigem-se a Sodoma, mas o Senhor continua perto de Abraão que começa a sua oração: «Irás destruir o justo com o pecador? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Matá-los-ás a todos? Não perdoarás a essa cidade, por causa dos cinquenta justos que nela residem? Longe de Ti fazer tal coisa: dar a morte ao justo e ao pecador, de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte! Longe de Ti! O juiz de toda a terra não fará justiça?»
O Senhor Deus responde com misericórdia e perdão. Abraão, para que não fique esgotada nenhuma possibilidade, insiste, colocando na balança os justos que podem contrabalançar com os pecadores: 45, 40, 30, 20, 10. A resposta de Deus é igual: em atenção a esses justos não destruirei a cidade. Os justos, os homens bons, sensatos, generosos e altruístas, tementes a Deus, edificam, constroem as cidades sobre os alicerces da justiça e da verdade, da harmonia e da sã convivência. Sem homens de bem não é possível que a cidade dos homens sobreviva. Mas aqui o que está em causa é mesmo a oração confiante, persistente, negociadora de Abraão em relação a Deus, em Quem confia.

4 – Logo no início da Eucaristia, a oração de coleta, isto é, a oração que recolhe as intenções, as orações e os propósitos da assembleia celebrante, coloca-nos, todos, em sintonia com Deus. É tempo para superar distanciamentos e dispersões.
A oração sincroniza-nos também com a temática da liturgia da Palavra: «Deus, protetor dos que em Vós esperam, sem Vós nada tem valor, nada é santo. Multiplicai sobre nós a vossa misericórdia, para que, conduzidos por Vós, usemos de tal modo os bens temporais que possamos aderir desde já aos bens eternos».
O caminho que percorremos, uns com os outros, encaminha-nos para o Senhor, até à eternidade.

5 – Na segunda leitura, São Paulo lembra-nos precisamente esta sintonia com a vida nova que recebemos pelo Batismo e nos faz estar ligados ao Céu. Mortos com Jesus para o pecado, para o mal e para a morte, tornamo-nos novas criaturas, ressuscitando com Ele. «Quando estáveis mortos nos vossos pecados e na incircuncisão da vossa carne, Deus fez que voltásseis à vida com Cristo e perdoou-nos todas as nossas faltas. Anulou o documento da nossa dívida, com as suas disposições contra nós; suprimiu-o, cravando-o na cruz».
Cabe-nos tornar visível esta pertença à ressurreição que nos habita, envolvendo-nos e envolvendo os outros nesta peregrinação da pátria provisória até à pátria definitiva, cuja vida vamos experimentando.



Pe. Manuel Gonçalves

terça-feira, 16 de julho de 2019

PAPA FRANCISCO - Catequeses sobre o PAI-NOSSO

A oração do Pai-Nosso é a oração dos cristãos. A única oração que Jesus ensinou aos seus discípulos. Ensina-nos a rezar. É o pedido que Lhe fazem os Seus discípulos. Há de ser também o nosso pedido, quando nos falham as palavras ou quando temos palavras a mais. O importante não é a quantidade de palavras, mas falar com o coração e com a vida. O Vosso Pai celeste bem sabe do que precisais.
Na oração do Pai-Nosso, Jesus ensina-nos o essencial. Faz-nos olhar para Deus como "Paizinho", "Papai", um tratamento carinhoso, delicado, reconhecendo que Deus é Pai que nos ama como Pai e como Mãe, sempre, em todas as circunstâncias.
Já muito se escreveu sobre o Pai-Nosso e talvez muito se venha a escrever, tal a densidade desta oração, tal a sua simplicidade. Não é uma oração longa, não procura ser uma obra de arte, dirigida a uns quantos iluminados. É uma oração que nos faz perceber o Deus de Jesus Cristo, a quem podemos e devemos tratar por Paizinho, cuja soberania se manifesta no amor, na bondade e na misericórdia, que nos envolve com o "nós", pois não o tratamos por Pai, se não nos tratarmos por irmãos. O que pedimos é para nós. o "eu" não tem lugar. O relacionamento com os outros pressupõe darmos largas ao perdão, o que recebemos de Deus, somos-lhe sempre devedores, a começar pela própria vida. E se recebemos também o partilhamos. Perdoamos porque Ele nos perdoa! Como Pai.
O Papa Francisco, nas Audiências Gerais das quartas-feiras, de 12 de dezembro de 2018 ao dia 22 de maio último, debruçou-se sobre a oração do Senhor. 16 catequeses, sublinhando alguns aspetos que são percetíveis ao longo da vida de Jesus. Estas catequese podem ser lidas ou relidas na página do Vaticano (http://w2.vatican.va), mas estão também disponíveis num livrinho, publicado pelo Secretariado Nacional da Liturgia: Papa Francisco. Catequeses sobre o Pai-Nosso. Esta é uma opção para quem gosta de manusear o papel e de sublinhar o texto. Por outro lado, é garantia do que se lê foi mesmo escrito e/ou pronunciado pelo Papa. Sabe-se que há muitas frases e textos atribuídos ao Papa, sem que correspondam minimamente a alguma intervenção sua.
Vamos à leitura e a algumas expressões papais nas diferentes catequeses: "A oração transforma sempre a realidade, sempre. se não mudam as coisas à nossa volta, pelo menos mudamos nós, muda o nosso coração", "Deus procura-te, mesmo que tu não o procures. Deus ama-te, ainda que tu o tenhas esquecido. Deus vislumbra em ti uma beleza, não obstante tu penses que desperdiçaste inutilmente todos os teus talentos. Deus é não só um pai, mas é como uma mãe que nunca deixa de amar a sua criatura. Por outro lado, há uma “gestação” que dura para sempre, muito além dos nove meses da gestação física; trata-se de uma gestação que gera um circuito infinito de amor.
Para o cristão, rezar significa dizer simplesmente “Aba”, dizer “Papá”, “Paizinho”, “Pai” mas com a confiança de uma criança", "Eis o que muitas vezes é o nosso amor: uma promessa com dificuldade para se manter, uma tentativa que depressa evapora e seca, quase como quando de manhã nasce o sol e enxuga o orvalho da noite... Desejosos de amar, depois entramos em conflito com os nossos limites, com a pobreza das nossas forças: incapazes de manter uma promessa que nos dias de graça nos parecia fácil de realizar. No fundo também o apóstolo Pedro teve medo e fugiu. O apóstolo Pedro não foi fiel ao amor de Jesus. Há sempre esta fragilidade que nos faz cair. Somos mendigos que no caminho corremos o risco de nunca encontrar completamente aquele tesouro que procuramos desde o primeiro dia da nossa vida: o amor", "hoje a tatuagem está na moda: “Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos”. Fiz uma tatuagem de ti nas minhas mãos. Estou nas mãos de Deus e não a possa cancelar. O amor de Deus é como o amor de uma mãe, que nunca se esquece. E se uma mãe se esquecer? “Eu não me esquecerei”, diz o Senhor. Este é o amor perfeito de Deus, assim somos amados por Ele. Se também todos os nossos amores terrenos se despedaçassem e nas nossas mãos ficasse apenas pó, haverá sempre para todos nós, ardente, o amor único e fiel de Deus."Nos Evangelhos encontramos uma multidão de mendigos que suplicam libertação e salvação. Há quem pede o pão, quem a cura; alguns a purificação, outros a vista; ou que uma pessoa querida possa reviver... Jesus nunca fica indiferente face a estes pedidos e padecimentos... A oração cristã começa por este nível. Não é um exercício para ascetas; parte da realidade, do coração e da carne de pessoas que vivem em necessidade, ou que partilham a condição de quem não dispõe do necessário para viver... O pão que o cristão pede na oração não é o “meu” pão mas o “nosso”... O pão que pedimos ao Senhor na oração é o mesmo que um dia nos acusará. Repreender-nos-á o pouco hábito de o repartir com quem está próximo, o pouco hábito de o repartir. Era um pão oferecido à humanidade, e ao contrário foi comido só por alguns: o amor não pode suportar isto. O nosso amor não o pode suportar; nem sequer o amor de Deus pode suportar este egoísmo de não repartir o pão".

sábado, 4 de maio de 2019

A Palavra Mãe... oração e gratidão

Mãe, hoje queremos balbuciar o teu nome nesta palavra: Mãe.
Mãe, palavra que nos sai do coração e nos faz agradecer a vida.
A minha e a tua vida. A nossa vida! Sem Mãe, nem palavra nem vida nem amor!
Mãe, palavra gravada no nosso coração e no nosso corpo, na nossa vida!
Se olharmos para o nosso umbigo, logo nos lembraremos da nossa origem. Não nos criámos sozinhos. O umbigo liga-nos à fragilidade, à humanidade, aos afetos!
Tivemos origem noutro corpo que não o nosso.
Fomos gerados no corpo da nossa Mãe, no seu ventre e no seu amor!
Para quem tem fé, a origem última é em Deus. E Deus, como não podia estar fisicamente em todo o lado, deu-nos uma Mãe. A minha e a tua Mãe.
E deu-nos também a Mãe de Jesus, nossa Mãe santíssima!
Para quem não tem fé, a presença do que resta do cordão umbilical, relembra que antes da nossa vida, outra vida, que nos gerou, nos alimentou e nos trouxe à vida.
Alguém se imagina sem o umbigo? Não! O umbigo é uma marca humana que nos liga aos outros, através da nossa Mãe, através dos nossos pais.
Que admirável: se a nossa memória nos trair, há um umbigo que nos fala da nossa Mãe! Afinal somos seres carentes, finitos, limitados, ligados, com origem em outro alguém! Não fomos nós que nos demos a vida!
A vida é um dom! Foi-nos dada! É-nos dada!
Podemos agradecer! Podemos viver! É a viver que agradecemos! É vivendo que experimentamos a alegria de sermos alguém, a gratidão de pertencermos a alguém. E começamos por pertencer à nossa Mãe! Nove meses! Dentro de ti, ó Mãe! Nove meses ligados! Alimentados! Dependentes da vida e do amor!
E aí começou uma nova história! Uma cumplicidade para a vida toda!
Duas vidas; dois corações a bater juntinhos; dois mundos, um por dentro do outro!
E uma vida imensa, uma vida intensa! Começa a fazer sentido a palavra Mãe.
E então, o medo e a esperança; a pressa e a paciência; os sonhos e as angústias!
Sentes-te Mãe antes de alguém saber, antes de alguém sonhar! Mas logo se começa a notar! E mais uma vez o revelas no corpo, na alegria e no sorriso!
E, depois, é a vida toda: o nascimento, os primeiros gestos, sorrisos, palavras, o gatinhar e o andar, o crescimento, a adolescência, a juventude, até sairmos de casa...
As noites por dormir, a angústia de fazer alguma coisa errada, não saber cuidar, ou não estar à altura das nossas necessidades; as primeiras lágrimas, o primeiro choro, a primeira queda, a primeira ferida; as birras, e com o tempo, as diferenças que parecem roubarem-nos de ti, minha Mãe…
Mãe é uma palavra para a vida toda! É uma vida toda em que facilmente te esqueces de viver a tua vida para viveres em função nos nossos anseios e urgências.
Tornámo-nos crescidos! Mas nem por isso os teus cuidados de Mãe enfraquecem! As preocupações não cessam! E, tantas vezes, filhos criados trabalhos dobrados! Mas é a vocação e a felicidade de cada Mãe. Da minha e da tua Mãe!

Duas palavras ocupam este dia: Maria e Mãe!
Também Maria é Mãe! Mãe de Deus e nossa Mãe. Do anúncio à cruz! Da cruz até a nossa vida! Também Maria, como Mãe, vem morar em nossa casa, na minha e na tua vida! Só se quiseres! Só se quisermos! Mas como Mãe, como a minha e a tua Mãe, mesmo que fujamos, mesmo que nos descuidemos a retribuir ou a agradecer, ou a viver, Ela está lá para nós! Sempre! Só se não quiseres! Só se não quisermos.
Mãe, obrigado!
Que te mereça e te saiba chamar e tratar por Mãe pela vida toda! Obrigado, Mãe!
Rezemos uma Ave-Maria, pelas nossas Mães, presentes no meio de nós e por aquelas que já se encontram no coração de Deus que é Pai e é mais Mãe!

Pe. Manuel Gonçalves

quinta-feira, 14 de março de 2019

Pedi e dar-se-vos-á, procurai e encontrareis...

        Disse Jesus aos seus discípulos: «Pedi e dar-se-vos-á, procurai e encontrareis, batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque todo aquele que pede recebe, quem procura encontra e a quem bate à porta abrir-se-á. Qual de vós dará uma pedra a um filho que lhe pede pão, ou uma serpente se lhe pedir peixe? Ora, se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos Céus as dará àqueles que Lhas pedem! Portanto, o que quiserdes que os homens vos façam fazei-lho vós também: esta é a Lei e os Profetas» (Mt 7, 7-12)
       A desafio é de Jesus: pedir. Rezar incessantemente, confiar em Deus, confiar que Deus atenderá à nossa súplica. Tal como o pai não deixa de atender ao seu filho, assim também Deus não deixará sem resposta e sem auxílio aqueles que Lhe pedem com fé.
       Veja-se a belíssima oração de Ester, na primeira leitura proposta para hoje:

       «Meu Senhor, nosso único Rei, vinde socorrer-me, porque estou só e não tenho outro auxílio senão Vós e corre perigo a minha vida. Desde criança, ouvi dizer na minha tribo paterna que Vós, Senhor, escolhestes Israel entre todos os povos e os nossos pais entre os seus antepassados, para serem a vossa herança perpétua, e cumpristes tudo o que lhes tínheis prometido. Lembrai-Vos de nós, Senhor, e manifestai-Vos no dia da nossa tribulação. Fortalecei-me, Rei dos deuses e Senhor dos poderosos. Ponde em meus lábios palavras harmoniosas, quando estiver na presença do leão, e mudai o seu coração, para que deteste o nosso inimigo e o arruíne com todos os seus cúmplices. Livrai-nos com a vossa mão; vinde socorrer-me no meu abandono, porque não tenho ninguém senão Vós, Senhor» (Est 4, 17).

sábado, 23 de fevereiro de 2019

São Policarpo, Bispo e Mártir

Nota Histórica
       Policarpo foi discípulo dos Apóstolos e bispo de Esmirna, e deu hospedagem a Inácio de Antioquia; partiu para Roma a fim de tratar com o papa Aniceto a questão da festa da Páscoa. Sofreu o martírio cerca do ano 155, queimado vivo no estádio da cidade.
Oração de Colecta:
       Deus e Senhor de toda a criação, que quisestes contar entre o número dos mártires o bispo São Policarpo, concedei-nos, por sua intercessão, que, tomando parte com ele na paixão de Cristo, ressuscitemos para a vida eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

Segunda leitura da Carta da Igreja de Esmirna sobre o martírio de São Policarpo
(Cap. 12, 2-15, 2: Funk 1, 297-299) (Sec. II)

Como um sacrifício abundante e agradável

Quando ficou pronta a fogueira, Policarpo desfez-se de todas as vestes, desapertou o cinto e quis-se descalçar sozinho: antes nunca o fazia, porque todos os fiéis se precipitavam a ajudá-lo, a ver qual o tocava primeiro; na verdade, mesmo antes do martírio, ele era tratado com grande respeito por causa da santidade da sua vida.
Logo o rodearam com todos os materiais preparados para a fogueira. Quando o quiseram pregar ao poste, ele disse: «Deixem-me assim; Aquele que me concedeu a graça de morrer no fogo, também me concederá que permaneça imóvel no meio dele, mesmo sem a caução dos vossos cravos». Então não o pregaram, mas limitaram-se a amarrá-lo.
Com as mãos atrás das costas e amarrado, era como um carneiro escolhido de entre um grande rebanho para o sacrifício, um holocausto agradável preparado para Deus. Levantou os olhos ao céu e disse:
«Senhor Deus omnipotente, Pai do vosso amado e bendito Filho Jesus Cristo, por meio do qual Vos conhecemos, Deus dos Anjos, das Potestades, de toda a criação e de todos os justos que vivem na vossa presença, eu Vos bendigo porque Vos dignastes, neste dia e nesta hora, incluir-me no número dos vossos mártires, fazer-me tomar parte no cálice do vosso Ungido e, pelo Espírito Santo, alcançar a ressurreição na vida eterna, na incorruptibilidade da alma e do corpo; no meio dos vossos mártires Vos peço que eu seja hoje recebido na vossa presença como sacrifício abundante e agradável, tal como Vós o tínheis preparado e mo destes a conhecer, e agora o realizais, ó Deus verdadeiro e sem falsidade.
Por todas as coisas Vos louvo, Vos bendigo, Vos glorifico por meio do eterno e celeste Pontífice, Jesus Cristo, vosso amado Filho. Por Ele seja dada toda a glória a Vós, em união com Ele e com o Espírito Santo, agora e nos séculos que hão-de vir. Amen
».
Depois de ter dito «Amen» e terminado a prece, os verdugos acenderam o fogo.
Levantou-se uma grande labareda; e então nós vimos o milagre – aqueles a quem foi concedido contemplá-lo, porque fomos guardados para anunciar aos outros as coisas que aconteceram –: o fogo tomou a forma de uma abóbada, como a vela de um navio enfunada pelo vento, e rodeou o corpo do mártir; e este estava posto no meio, não como carne que é queimada, mas como um pão que coze, ou como ouro e prata incandescente na fornalha. E sentíamos um odor de tal suavidade que parecia que se estava queimando incenso ou outro perfume precioso.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Santos Francisco e Jacinta Marto


Nota Biográfica:
       Francisco Marto nasceu em Aljustrel, Fátima, no dia 11 de Junho de 1908, e sua irmã Jacinta Marto nasceu na mesma localidade, no dia 11 de Março de 1910. Na sua humilde família aprenderam a conhecer e louvar a Deus e a Virgem Maria. Em 1916 viram três vezes um Anjo e em 1917 seis vezes a Santíssima Virgem que os exortavam a rezar e a fazer penitência pela remissão dos pecados, para obter a conversão dos pecadores e a paz para o mundo. Ambos quiseram imediatamente responder com todas as suas forças a estas exortações. Inflamados cada vez mais no amor a Deus e às almas, tinham uma só aspiração: rezar e sofrer de acordo com os pedidos do Anjo e da Virgem Maria. Francisco faleceu no dia 4 de Abril de 1919 e Jacinta no dia 20 de Fevereiro de 1920. O papa João Paulo II deslocou-se a Fátima no dia 13 de Maio de 2000 para beatificar as duas primeiras crianças não mártires.
       A 13 de maio de 2017, centenário das Aparições, o Papa Francisco, em Fátima, canonizou os Pastorinhos.

Oração:
       Deus de infinita bondade, que amais a inocência e exaltais os humildes, concedei, pela intercessão da Imaculada Mãe do vosso Filho, que, à imitação dos bem-aventurados Francisco e Jacinta, Vos sirvamos na simplicidade de coração, para podermos entrar no reino dos Céus. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Da Homilia de João Paulo II, na Missa da Beatificação de Francisco e Jacinta Marto no dia 13 de Maio 2000, em Fátima

Os pequeninos privilegiados do Pai

Eu te bendigo, ó Pai, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelastes aos pequeninos. Com estas palavras, Jesus louva os desígnios do Pai celeste: Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do Teu agrado. Quiseste abrir o Reino aos pequeninos. Por desígnio divino, veio do céu a esta terra, à procura dos pequeninos privilegiados do Pai, uma mulher revestida com o Sol. Fala-lhes com voz e coração de Mãe: convida-os a oferecerem-se como vítimas de reparação, oferecendo-se ela para os conduzir, seguros, até Deus. Foi então que das suas mãos maternais saiu uma luz que os penetrou intimamente, sentindo-se imersos em Deus como quando uma pessoa – explicam eles – se contempla num espelho. Mais tarde, Francisco, um dos três privilegiados, exclamava: nós estávamos a arder naquela luz que é Deus e não nos queimávamos. Como é Deus? Não se pode dizer. Isto sim que a gente não pode dizer. Deus: uma luz que arde mas não queima. A mesma sensação teve Moisés quando viu Deus na sarça ardente.
Ao beato Francisco, o que mais o impressionava e absorvia era Deus naquela luz imensa que penetrara no íntimo dos três. Na sua vida, dá-se uma transformação que poderíamos chamar radical; uma transformação certamente não comum em crianças da sua idade. Entrega-se a uma vida espiritual intensa que se traduz em oração assídua e fervorosa, chegando a uma verdadeira forma de união mística com o Senhor. Isto mesmo leva-o a uma progressiva purificação do espírito através da renúncia aos seus gostos e até às brincadeiras inocentes de criança. Suportou os grandes sofrimentos da doença que o levou à morte, sem nunca se lamentar. Grande era no pequeno Francisco, o desejo de reparar as ofensas dos pecadores, esforçando-se por ser bom e oferecendo sacrifícios e oração. E Jacinta sua irmã, quase dois anos mais nova que ele, vivia animada pelos mesmos sentimentos.
Na sua solicitude materna, a Santíssima Virgem veio a Fátima, pedir aos homens para não ofenderem mais a Deus Nosso Senhor, que já está muito ofendido. Dizia aos pastorinhos: Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver que se sacrifique e peça por elas.
A pequena Jacinta sentiu e viveu como própria esta aflição de Nossa Senhora, oferecendo-se heroicamente como vítima pelos pecadores. Um dia – já ela e Francisco tinham contraído a doença que os obrigava a estarem de cama – a Virgem Maria veio visitá-los a casa, como conta a pequenita: Nossa Senhora veio-nos ver e diz que vem buscar o Francisco muito em breve para o céu. E a mim perguntou-me se queria ainda converter mais pecadores. Disse-lhe que sim. E, ao aproximar-se o momento da partida do Francisco, Jacinta recomenda-lhe: Dá muitas saudades minhas a Nosso Senhor e a Nossa Senhora e diz-lhes que sofro tudo quanto Eles quiserem para converter os pecadores. Jacinta ficara tão impressionada com a visão do inferno, durante a aparição de treze de Julho, que nenhumas mortificação e penitência era demais para salvar os pecadores.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Nossa Senhora de Lurdes

Nota Histórica:
       Em 1858 a Imaculada Virgem Maria apareceu a Bernarda Soubirous na gruta de Massabielle, perto de Lourdes (França). Por intermédio desta humilde menina, Maria chamou os pecadores à conversão e despertou na Igreja um intenso movimento de oração e caridade, sobretudo em benefício dos doentes e dos pobres.

Oração de Colecta:
       Vinde em auxílio da nossa fraqueza, Senhor de misericórdia, e concedei que, celebrando a memória da Imaculada Mãe de Deus, sejamos purificados dos nossos pecados. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
(De uma carta de Santa Maria Bernarda Soubirous ao P. Gondrand, ano 1861)

A Senhora me falou

Um dia em que fui à margem do Gave apanhar lenha com outras duas meninas, ouvi um rumor. Voltei-me para o lado do prado e reparei que não havia a menor agitação no arvoredo. Então levantei a cabeça e olhei para a gruta. Vi uma Senhora vestida de branco: tinha um vestido branco e uma faixa azul à cintura e uma rosa amarela em cada pé, da cor do rosário que trazia.
Ao ver isto, esfreguei os olhos, julgando que me enganava. Meti a mão na algibeira e encontrei o meu rosário. Quis também fazer o sinal da cruz, mas não consegui levar a mão à testa. Quando, porém, aquela Senhora fez o sinal da cruz, tentei fazê-lo também; a mão tremia-me, mas consegui. Comecei então a rezar o rosário: a Senhora ia passando as contas do seu rosário, mas não movia os lábios. Quando acabei o rosário, a visão desvaneceu-se.
Perguntei às outras duas pequenas se tinham visto alguma coisa e elas responderam que não. Queriam que lhes dissesse o que era, e eu então disse-lhes que tinha visto uma Senhora vestida de branco, mas não sabia quem era, e pedi-lhes que não falassem disso a ninguém. Então elas aconselharam-me a não voltar mais àquele lugar; mas eu disse-lhes que não. Ali voltei no Domingo pela segunda vez, porque me senti interiormente chamada...
Só à terceira vez a Senhora me falou. Perguntou-me se queria ir ali durante quinze dias e eu disse-lhe que sim.
Mandou-me dizer aos sacerdotes que fizessem ali uma capela, e depois mandou-me ir beber à fonte. Como não vi nenhuma fonte, fui beber ao Gave. Ela disse-me que não era ali e fez-me sinal com o dedo, indicando-me o lugar onde estava a fonte. Dirigi-me para lá, mas só vi um pouco de água suja; quis encher a mão para beber, mas não consegui nada. Comecei a escavar e daí a pouco já podia tirar um pouco de água. Deitei-a fora por três vezes, mas à quarta já a pude beber. Em seguida a visão desvaneceu-se e eu fui-me embora.
Durante quinze dias voltei lá, e a Senhora apareceu-me todos os dias, excepto uma segunda-feira e uma sexta-feira. Repetiu-me várias vezes que dissesse aos sacerdotes para fazerem ali uma capela. Mandava-me ir lavar à fonte e dizia-me que rezasse pela conversão dos pecadores. Várias vezes lhe perguntei quem era, mas respondia-me apenas com um leve sorriso. Finalmente, erguendo os braços e levantando os olhos ao céu, disse-me que era a Imaculada Conceição.
Durante esses quinze dias, revelou-me três segredos que me proibiu de dizer fosse a quem fosse. Fui fiel até ao presente.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

As Cinco Chagas do Senhor

Nota histórica:
       O culto das Cinco Chagas do Senhor, isto é, as feridas que Cristo recebeu na cruz e manifestou aos Apóstolos depois da ressurreição, foi sempre uma devoção muito viva entre os portugueses, desde os começos da nacionalidade. São disso testemunho a literatura religiosa e a onomástica referente a pessoas e instituições. Os Lusíadas sintetizam (I, 7) o simbolismo que tradicionalmente relaciona as armas da bandeira nacional com as Chagas de Cristo. Assim, os Romanos Pontífices, a partir de Bento XIV, concederam para Portugal uma festa particular, que ultimamente veio a ser fixada neste dia.
Oração de colecta:
       Deus de infinita misericórdia, que por meio do vosso Filho Unigénito, pregado na cruz, quisestes salvar todos os homens, concedei-nos que, venerando na terra as suas santas Chagas, mereçamos gozar no Céu o fruto redentor do seu Sangue. Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

Leitura de Isaías:
       "Desprezado e repelido pelos homens, homem de dores, acostumado ao sofrimento, era como aquele de quem se desvia o rosto, pessoa desprezível e sem valor para nós. Ele suportou as nossas enfermidades e tomou sobre si as nossas dores. Mas nós víamos nele um homem castigado, ferido por Deus e humilhado. Ele foi trespassado por causa das nossas culpas e esmagado por causa das nossas iniquidades. Caiu sobre ele o castigo que nos salva: pelas suas chagas fomos curados. Todos nós, como ovelhas, andávamos errantes, cada qual seguia o seu caminho. E o Senhor fez cair sobre ele as faltas de todos nós. Maltratado, humilhou-se voluntariamente e não abriu a boca. Como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda ante aqueles que a tosquiam, ele não abriu a boca" (Is 53, 1-10).
São João Crisóstomo, bispo, sobre o Evangelho de São João

Cristo manifesta-Se com as suas chagas após a ressurreição

Se é pueril acreditar ao acaso e sem motivo, também é muito insensato querer examinar e inquirir tudo demasiadamente. E esta foi a sem-razão de Tomé. Perante a afirmação dos Apóstolos: Vimos o Senhor, recusa-se a acreditar: não porque descresse deles, mas porque julgava impossível o que afirmavam, isto é, a ressurreição de entre os mortos. Não disse: «Duvido do vosso testemunho», mas: Se não meter a minha mão no seu lado, não acreditarei.
Jesus aparece segunda vez e não espera que Tomé O interrogue, ou Lhe fale como aos discípulos. O Mestre antecipa-se aos seus desejos, fazendo-lhe compreender que estava presente quando falou daquele modo aos companheiros. Na censura que lhe faz serve-Se das mesmas palavras e ensina como deverá proceder para o futuro. Depois de dizer: Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; mete a tua mão no meu lado, acrescenta: Não sejas incrédulo, mas crente. Tomé duvidou por falta de fé. Ainda não tinham recebido o Espírito Santo. Mas isso não voltaria a acontecer; a partir de então manter-se-iam firmes na fé. Cristo, porém, não Se ficou nesta admoestação e insistiu novamente. Tendo o discípulo caído em si e exclamado: Meu Senhor e meu Deus, disse-lhe Jesus: Porque Me viste, acreditaste. Felizes os que, sem terem visto, acreditaram.
É próprio da fé crer no que não se vê. A fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das que não se vêem. Com efeito, o divino Mestre chama felizes, não só os discípulos, mas também todos aqueles que no decurso dos tempos acreditarão n’Ele. Dirás talvez: Mas na verdade, os discípulos viram e creram. É certo; no entanto, não precisaram de ver para acreditarem. Sem quaisquer exigências, bastou-lhes ver o sudário para logo aceitarem o acto da ressurreição e acreditarem plenamente, antes mesmo de verem o corpo glorioso de Jesus. Portanto, se alguém disser: «Quem dera ter vivido no tempo de Jesus e contemplado os seus milagres», recorde as palavras: Felizes os que, sem terem visto, acreditaram.
E aqui surge uma pergunta: Como pôde o corpo incorruptível conservar as cicatrizes dos cravos e ser tocado por mão mortal? Não é caso para espanto, pois se trata de pura condescendência da parte de Cristo. O seu corpo era tão puro, subtil e livre de qualquer matéria, que podia entrar numa casa com as portas fechadas. Quis, porém, manifestar-Se deste modo, para que acreditassem na ressurreição e soubessem que era Ele mesmo que fora crucificado, e não outro, quem tinha ressuscitado. Por este motivo conserva, na ressurreição, os estigmas da cruz, e come na presença dos Apóstolos, circunstância esta que eles especialmente recordariam: Nós que comemos e bebemos com Ele. Quer dizer: Antes da paixão, ao vermos Jesus caminhando sobre as ondas, não considerávamos o seu corpo de natureza diferente da nossa; também agora, ao vê-l’O com as cicatrizes, após a ressurreição, devemos crer na sua incorruptibilidade.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

São Francisco de Sales, bispo e doutor da Igreja

Nota biográfica:
       Nasceu na Sabóia no ano 1567. Ordenado sacerdote, trabalhou muito pela restauração da fé católica na sua pátria. Eleito bispo de Genebra, mostrou-se verdadeiro pastor do clero e dos fiéis, instruindo-os com os seus escritos e obras, feito modelo para todos. Morreu em Lião a 28 de Dezembro de 1622, mas foi sepultado definitivamente em Annecy a 24 de Janeiro do ano seguinte.
Oração de coleta:
       Senhor nosso Deus, que, para a salvação das almas, quisestes que São Francisco de Sales se fizesse tudo para todos, concedei-nos que, seguindo o seu exemplo, dêmos testemunho do vosso amor ao serviço dos nossos irmãos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.


Da «Introdução à Vida Devota», de São Francisco de Sales, bispo (Parte 1, cap. 3) (Sec. XVII)

A devoção deve ser praticada de diversos modos

Na criação Deus ordenou às plantas que produzissem os seus frutos, cada qual segundo a sua espécie; do mesmo modo ordena Ele aos cristãos, que são as plantas vivas da sua Igreja, que produzam frutos de devoção, cada qual segundo a sua qualidade, o seu estado e a sua vocação.
A devoção deve ser exercida de maneira diferente pelo fidalgo e pelo operário, pelo criado e pelo príncipe, pela viúva, a solteira ou a mulher casada; e não somente isto: é necessário acomodar o exercício da devoção às forças, aos trabalhos e aos deveres de cada pessoa em particular.
Pergunto-vos, Filoteu, se estaria certo que um bispo quisesse viver na solidão como os Cartuxos; que os casados não quisessem amealhar mais que os Capuchinhos; que o operário passasse o dia na Igreja como o religioso; e que o religioso estivesse sempre sujeito a toda a espécie de encontros para serviço do próximo como o bispo. Não seria ridícula, desordenada e inadmissível tal devoção?
Contudo este erro acontece frequentemente. E no entanto, Filoteu, a devoção não prejudica ninguém quando é verdadeira, antes tudo aperfeiçoa e consuma; e quando se torna contrária à legítima ocupação de alguém, é sem dúvida falsa.
A abelha extrai o mel das flores sem lhes fazer mal, deixando-as intactas e frescas como as encontrou; todavia, a verdadeira devoção age melhor ainda, porque não somente não prejudica qualquer espécie de vocação ou de tarefa, como ainda as engrandece e embeleza.
Todas as variedades de jóias lançadas no mel se tornam mais brilhantes, cada qual segundo a sua cor; assim também cada um se torna mais agradável e perfeito na sua vocação se esta for conjugada com a devoção: a atenção à família torna-se mais paciente, o amor entre marido e mulher mais sincero, mais fiel o serviço que se presta ao príncipe, e mais suave e agradável o desempenho de todas as ocupações.
É um erro, se não mesmo uma heresia, querer banir a vida devota do regimento dos soldados, da oficina dos operários, da corte dos príncipes, do lar das pessoas casadas. É certo, Filoteu, que a devoção puramente contemplativa, monástica e religiosa não pode exercer-se em tais ocupações; mas para além destas três espécies de devoção, existem muitas outras próprias para o aperfeiçoamento daqueles que vivem nos estados seculares.
Onde quer que estejamos, podemos e devemos aspirar à vida perfeita.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Santa Luzia, Virgem e Mártir

Nota biográfica:
       Morreu provavelmente em Siracusa, durante a perseguição de Diocleciano. O seu culto estendeu-se, desde a antiguidade, quase a toda a Igreja, e o seu nome foi introduzido no Cânon Romano.
       (É venerada como a Santa dos olhos. A imagem que se segue tem, numa bandeja, um par de olhos. No concelho de Tabuaço é, especialmente, venerada na paróquia de Sendim, tendo uma capela que lhe é dedicada e uma romaria muito popular em sua honra)
Oração:
       Protegei, Senhor, o vosso povo com a intercessão gloriosa da virgem e mártir Santa Luzia, para que, celebrando hoje o seu martírio na terra, contemplemos um dia o seu triunfo no Céu. Por Nosso Senhor.

Santo Ambrósio, bispo, sobre a virgindade

O esplendor da alma ilumina a graça do corpo

Tu, que vieste de entre o povo, do meio da multidão, e és agora uma das virgens, que iluminas com o esplendor da alma a graça do teu corpo – e, por isso, és uma imagem fiel da Igreja – recolhe-te no teu aposento e durante a noite pensa sempre em Cristo e espera a todo o momento a sua chegada.
É isto que Ele deseja de ti, para isto te escolheu. Ele entrará certamente, se encontrar a porta aberta; Ele prometeu vir e não faltará à sua promessa. E quando vier, abraça Aquele a quem buscavas, aproxima-te d’Ele e serás iluminada; conserva-O junto de ti, roga-Lhe que não parta tão depressa, suplica-Lhe que não Se afaste de ti. Porque o Verbo de Deus corre velozmente: onde vê desinteresse, não Se demora; onde sente negligência, não Se detém. Concentra a tua alma para escutar a sua palavra e segue atentamente a ressonância da sua voz, porque Ele passa depressa.
Que diz a esposa do Cântico dos Cânticos? Procurei-o e não o encontrei; chamei por ele e não me respondeu. Se partiu tão depressa Aquele a quem tu chamaste, a quem suplicaste e a quem abriste a porta, não penses que Lhe desagradaste, pois muitas vezes Ele permite que sejamos postos à prova. E que respondeu no Evangelho às multidões que Lhe pediam para não partir dali? Tenho de pregar a palavra de Deus noutras cidades, porque para isso fui enviado. Mas se te parece que se foi embora, sai tu uma vez mais e busca-O de novo.
Quem, senão a Igreja, te ensinará o modo de conservares a Cristo contigo? Aliás, já to ensinou, se bem entendes o que lês: Mal passei pelos guardas, encontrei aquele que meu coração ama; segurei-o e não o deixarei partir.
Com que laços se pode segurar a Cristo? Não com laços de violência, nem com cordas bem apertadas, mas com os vínculos da caridade, com as cadeias do espírito e o afecto da alma.
Se queres conservar a Cristo contigo, busca-O incansavelmente e não temas o sacrifício. Muitas vezes Ele encontra-se mais facilmente no meio dos suplícios corporais e nas mãos dos perseguidores.
Mal passei pelos guardas, diz o Cântico. De facto, passado um breve espaço de tempo, quando te vires livre dos perseguidores e vitoriosa sobre os poderes do mundo, Cristo virá ao teu encontro e não permitirá que se prolongue mais a tua prova.
Aquela que assim busca a Cristo e O encontra, pode exclamar: Segurei-O e não O deixarei mais, até que O tenha introduzido na casa de minha mãe, no quarto daquela que me concebeu. Qual é a casa de tua mãe e o seu quarto senão o santuário mais íntimo do teu ser?
Guarda bem esta casa, limpa todos os seus recantos, para que assim, purificada de toda a mancha, se levante como um templo espiritual fundado sobre a pedra angular, até se formar um sacerdócio santo e habite nela o Espírito de Deus.
Aquela que assim busca a Cristo, aquela que assim Lhe suplica, jamais se verá abandonada por Ele; ao contrário, será visitada por Ele com frequência, porque Ele está connosco até ao fim do mundo.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Santo Ambrósio, Bispo e Doutor da Igreja

Nota Histórica:
       Nascido em Tréveris, cerca do ano 340, de uma família romana, fez os seus estudos em Roma e iniciou em Sírmio a carreira pública. Em 374, vivendo em Milão, foi inesperadamente eleito para bispo da cidade e recebeu a ordenação em 7 de Dezembro. Fiel cumpridor do seu dever, distinguiu-se sobretudo na caridade para com todos, como verdadeiro pastor e mestre dos fiéis.       Defendeu corajosamente os direitos da Igreja; com seus escritos e sua atividade ilustrou a verdadeira doutrina contra o arianismo. Morreu no Sábado Santo, em 4 de Abril de 397.

Oração:
       Senhor, que nos destes em Santo Ambrósio um mestre insigne da fé católica e um exemplo de apostólica fortaleza, fazei surgir na Igreja homens segundo o vosso coração, que a governem com firmeza e sabedoria. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

Fonte: Secretariado Nacional da Liturgia.

Papa Bento XVI sobre Santo Ambrósio:

Das cartas de Santo Ambrósio, bispo
(Epist. 2, 1-2.4-5.7: PL 16 [ed. 1845], 847-881) (Sec. IV)

O encanto da tua palavra inspire confiança ao povo

Recebeste o ofício sacerdotal e, sentado à popa da Igreja, governas a barca contra a fúria das ondas. Segura bem o timão da fé, para que não te inquietem as violentas tempestades deste mundo. O mar é, sem dúvida, grande e espaçoso, mas não temas: Ele a fundou sobre os mares e a consolidou sobre as águas.
Por isso, a Igreja do Senhor, edificada sobre a pedra apostólica, mantém-se segura entre os escolhos do mundo e, apoiada em tão sólido fundamento, permanece firme contra as investidas do mar em tempestade. Vê-se envolvida pelas ondas, mas não abalada; e embora muitas vezes os elementos deste mundo a sacudam com grande fragor, ela oferece aos navegantes cansados um porto seguro de salvação. Ela flutua no mar, mas navega também pelos rios, sobre aqueles rios de que se diz no salmo: Os rios levantam a sua voz. São os rios que brotam do coração daqueles que beberam da água de Cristo e receberam o Espírito de Deus. Quando transbordam de graça espiritual, estes rios levantam a sua voz.
Há também um rio que corre para os seus santos como uma torrente. Há um rio que alegra com as suas águas a alma tranquila e pacífica. Quem receber da plenitude deste rio, como João Evangelista, Pedro e Paulo, levanta a sua voz; e do mesmo modo que os Apóstolos difundiram até aos confins da terra a voz da pregação evangélica, também o que recebe deste rio começará a anunciar o Evangelho do Senhor Jesus. Recebe também tu da plenitude de Cristo, para que se faça ouvir também a tua voz. Recebe a água de Cristo, essa água que louva o Senhor. Recolhe a água dos numerosos lugares em que a deixam cair as nuvens dos Profetas.
Quem recolhe a água dos montes ou a tira e bebe das fontes, pode enviar o seu orvalho como as nuvens. Enche, portanto, o teu coração com esta água, para que a terra da tua alma seja regada e tenhas a fonte em tua própria casa.
Quem muito lê e entende, enche-se com aquilo que lê; e quem está cheio pode regar os demais; por isso, diz a Escritura: Se as nuvens estão cheias, derramarão chuva sobre a terra.
As tuas pregações sejam fluentes, puras e claras, de modo que a tua exortação moral se infunda suavemente no coração dos ouvintes e o encanto da tua palavra inspire a confiança do povo; deste modo ele te seguirá voluntariamente para onde o conduzires.
Os teus discursos estejam cheios de inteligência. Neste sentido diz Salomão: Os lábios do sábio são as armas da sabedoria; e noutro lugar: O pensamento dirija os teus lábios, isto é, os teus sermões brilhem pela sua clareza e inteligência, os teus discursos e as tuas explicações não precisem de sentenças alheias mas sejam capazes de se defender por si mesmas; enfim não saia da tua boca nenhuma palavra inútil e sem sentido.

sábado, 1 de dezembro de 2018

Portanto, vigiai e orai em todo o tempo

       Disse Jesus aos seus discípulos: «Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados com a intemperança, a embriaguês e as preocupações da vida e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha; porque ele atingirá todos os que habitam sobre a face da terra. Portanto, vigiai e orai em todo o tempo, para que possais livrar-vos de tudo isto que está para acontecer e comparecer sem temor diante do Filho do homem» (Lc 21, 34-36).
        No último dia do ano litúrgico, o Evangelho apresenta-nos a recomendação de Jesus - com que se iniciará o novo tempo litúrgico, o Advento -, vigiai e orai. Viver com alegria, com sentido, não esperar por tempos melhores ou mais favoráveis, viver em todo o tempo e em todas as circunstâncias dar o melhor de si. Orar para que o nosso coração não se torne pesado pelas situações do tempo actual mas nos abra à generosidade e à esperança.
       Ao olharmos à nossa volta, neste mundo em que vivemos, o nosso coração poderá tornar-se insensível, ou amargurado, pelo mal, pelo sofrimento, pelas diversas situações de injustiça e conflitualidade. A oração coloca-nos em Deus, na certeza que Ele, em Jesus Cristo já venceu, por nós e para nós, o mal. Cabe-nos agora prosseguir para construir à nossa volta, com palavras, gestos, obras, um ambiente mais saudável, sabendo que o mal não dura para sempre, mas sem cruzarmos resignadamente os braços à espera que as injustiças desapareçam por si mesmo...

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Apresentação de Nossa Senhora

Nota histórica:
       Neste dia da dedicação (ano 543) da igreja de Santa Maria a Nova, construída perto do templo de Jerusalém, celebramos, juntamente com os cristãos da Igreja Oriental, a «dedicação» que Maria fez de Si mesma a Deus, já desde a infância, movida pelo Espírito Santo que a encheu de graça desde a sua Imaculada Conceição.
Oração de coleta:
       Ao celebrarmos a memória gloriosa da Santíssima Virgem Maria, nós Vos pedimos, Senhor: concedei nos, por sua intercessão, que mereçamos participar da plenitude da vossa graça. Por Nosso Senhor.
Santo Agostinho, bispo

Acreditou pela fé e concebeu pela fé

Peço-vos que repareis no que diz o Senhor ao estender a mão para os seus discípulos: Estes são minha mãe e meus irmãos e Quem fizer a vontade de meu Pai, que Me enviou, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Porventura não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que acreditou pela fé e concebeu pela fé, que foi escolhida para que d’Ela nascesse a salvação entre os homens e que foi criada por Cristo antes de Cristo ter sido criado n’Ela? Maria cumpriu, e cumpriu perfeitamente, a vontade do Pai; e, por isso, Maria tem mais mérito por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido mãe de Cristo; mais ditosa é Maria por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido mãe de Cristo. Portanto, Maria era bem-aventurada, porque, antes de dar à luz o Mestre, trouxe-O no seio.
Vê se não é como digo. Passava o Senhor, acompanhado da multidão e fazendo milagres divinos. E uma mulher exclamou: Bem-aventurado o ventre que Te trouxe. Ditoso o ventre que Te trouxe. E o Senhor, para que se não buscasse a felicidade na natureza material da carne, que respondeu? Mais felizes os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática. Por isso também Maria era feliz porque ouviu a palavra de Deus e a pôs em prática; guardou mais a verdade de Cristo na sua mente do que o corpo de Cristo no seu seio. Cristo é verdade; Cristo é carne. Cristo é verdade no espírito de Maria, Cristo é carne no seio de Maria; é mais o que está no espírito do que o que se traz no seio.
Maria é santa, Maria é bem aventurada. Mas é mais importante a Igreja do que a Virgem Maria. Porquê? Porque Maria é uma parte da Igreja, membro santo, membro excelente, membro supereminente, mas apesar disso membro do corpo total. Se é membro do corpo, é certamente mais o corpo do que o membro. A cabeça é o Senhor, e Cristo total é a cabeça e o corpo. Que mais direi? Temos no corpo da Igreja uma cabeça divina, temos a Deus por cabeça.
Reparai portanto em vós mesmos, irmãos caríssimos. Também vós sois membros de Cristo, também vós sois corpo de Cristo. Vede como o sois, quando Ele diz: Eis minha mãe e meus irmãos. Como sereis mãe de Cristo? Todo aquele que ouve e pratica a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Quando diz «irmãos» e «irmãs», fala evidentemente da mesma e única herança.
É uma só, na verdade, a herança. Por isso, a misericórdia de Cristo, que sendo único não quis ficar só, fez de nós herdeiros do Pai e herdeiros consigo.

sábado, 17 de novembro de 2018

Santa Isabel da Hungria

Nota biográfica:
       Isabel era filha de André II, rei da Hungria, e nasceu no ano 1207. Ainda muito jovem foi dada em matrimónio a Luís IV, landgrave da Turíngia, e teve três filhos. Dedicou-se a uma vida de intensa meditação das realidades celestes e de caridade para com o próximo. Depois da morte de seu marido, renunciou aos seus títulos e bens e construiu um hospital onde ela mesma servia os enfermos. Morreu em Marburgo no ano 1231.
Oração de coleta:
       Senhor, que destes a Santa Isabel da Hungria o dom de conhecer e venerar a Cristo nos pobres, concedei nos, por sua intercessão, a graça de servirmos com caridade sem limites os pobres e os atribulados. Por Nosso Senhor, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

Conrado de Marburgo,
diretor espiritual de Santa Isabel da Hungria
ao Sumo Pontífice, no ano 1232

Isabel conheceu e amou a Cristo nos pobres

Isabel começou muito cedo a distinguir se na virtude. Em toda a sua vida foi consoladora dos pobres; a dada altura dedicou se inteiramente aos famintos e, junto de um castelo seu, mandou construir um hospital onde recolhia muitos enfermos e estropiados. Distribuía largamente os dons da sua beneficência, não só a quantos ali acorriam a pedir esmola, mas em todos os territórios da jurisdição de seu marido, chegando ao ponto de gastar nessas obras de assistência todas as rendas provenientes dos quatro principados e vendendo por fim, para utilidade dos pobres, todos os objectos de valor e vestes preciosas.
Costumava visitar duas vezes por dia, de manhã e à tarde, todos os seus doentes, ocupando se pessoalmente dos que apresentavam aspeto mais repugnante. Dava de comer a uns, deitava outros na cama, transportava outros aos ombros e dedicava se a todo o género de serviço humanitário. Em todas estas coisas nunca ela encontrou má vontade em seu marido de grata memória. Finalmente, depois da morte deste, no desejo da suma perfeição, pediu me com lágrimas que a autorizasse a pedir esmola de porta em porta.
Precisamente no dia de Sexta-Feira Santa, estando desnudados os altares, numa capela da sua cidade, onde acolhera os Frades Menores, na presença de testemunhas e postas as mãos sobre o altar, renunciou à sua própria vontade, a todas as pompas do mundo e ao que o Salvador no Evangelho aconselha a deixar. Feito isto e vendo que poderia ser absorvida pelo tumulto do século e pela glória mundana naquela terra, em que no tempo do marido vivera com tanta grandeza, veio para Marburgo contra minha vontade. Nesta cidade construiu um hospital para receber doentes e aleijados dos quais sentou à sua mesa os mais miseráveis e desprezados.
Além destas atividades caritativas, diante de Deus o afirmo, raras vezes encontrei mulher mais dada à contemplação. Algumas religiosas e religiosos viram muitas vezes que, quando voltava do recolhimento da oração, o seu rosto resplandecia maravilhosamente e os seus olhos brilhavam como raios de sol.
Antes de morrer ouvi a de confissão. Perguntando-lhe o que se devia fazer dos seus haveres e mobiliário, respondeu me que tudo quanto parecia possuir era já dos pobres desde há muito tempo e pediu-me que distribuísse tudo por eles, exceto a pobre túnica com que estava vestida e com a qual desejava ser sepultada. Depois recebeu o Corpo do Senhor e, seguidamente, até à hora de Vésperas, falou muitas vezes do que mais a tinha impressionado na pregação. Por fim, encomendou devotamente a Deus os que lhe assistiam e expirou como quem adormece suavemente.