Assumem-se como «passageiros do mesmo comboio», numa linha que esperemos não corra o risco de fechar
Em 2002, quando o João Paulo II convidou pela terceira vez líderes
religiosos de todo o mundo para um encontro de oração pela paz em Assis,
o então cardeal Ratzinger referiu-se a esse acontecimento a partir da
simbologia de um caminho, de uma viagem. E encontrou no facto do papa
Wojtyla ter percorrido a distância entre Roma e Assis na companhia de
representantes de outras religiões em carruagens do mesmo comboio
analogias suficientes para afirmar a pertinência e importância destes
encontros.
No mesmo artigo (30 Giorni, nº 1 de 2002) afirmava, enquanto prefeito
da Congregação para a Doutrina da Fé, o caminho da construção da paz,
com outras religiões e a exemplo de S. Francisco, como meio para
encontrar a identidade cristã católica. Escreve: “Se nós, como cristãos,
empreendermos o caminho pela paz a partir do exemplo de S. Francisco,
não devemos ter medo de perder a nossa identidade: é precisamente então
que a encontramos. E se outros se unem a nós na procura da paz e da
justiça, nem eles nem nós temos de temer que a verdade possa ser pisada
por bonitas frases feitas”.
Na semana em que a mesma pessoa, agora Bento XVI, toma a iniciativa
de convocar também representantes de religiões de todo o mundo para uma
jornada de reflexão, diálogo e oração para a paz e a justiça no mundo,
vale a pena criar sintonias com o significado que o então cardeal
Ratzinger atribuiu ao que chamou “Evento Assis”. Afirma, no mesmo
artigo, que esse encontro “foi sobretudo a expressão de um caminho, de
uma busca, da peregrinação pela paz que só acontece se unida à justiça.
De facto, onde falta a justiça, onde aos indivíduos são negados os
direitos, a ausência de guerra pode ser apenas um véu detrás do qual se
escondem a injustiça e a opressão”.
Como João Paulo II nesse encontro de 2002, também Bento XVI fará a
viagem de comboio entre Roma e Assis com as delegações de várias
religiões. “Este comboio pareceu-me como que um símbolo da nossa
peregrinação na história”, considerava na altura a respeito da viagem do
seu antecessor. E, como a prever uma nova viagem com o mesmo destino,
referia: “o facto que o comboio tenha escolhido como seu destino a paz e
a justiça, a reconciliação dos povos e das religiões, não é com certeza
uma grande ambição e, ao mesmo tempo, um sinal de esperança?”
25 anos depois do primeiro encontro mundial de oração pela paz em
Assis, o atual Papa volta aos lugares de S. Francisco com líderes de
outras religiões. Todos querem ser “Peregrinos da verdade, peregrinos da
paz”, como indica o tema deste encontro. E assumem-se como “passageiros
do mesmo comboio”, numa linha que esperemos não corra o risco de
fechar. Basta para isso que não diminuam os interessados num bilhete
para Assis...
Paulo Rocha, in Agência Ecclesia
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