sexta-feira, 30 de março de 2012

... perder o prazer de viver...

       A espécie humana é a única que mata pelo prazer de matar sem qualquer necessidade; que se aprisiona, embora ame desesperadamente a liberdade; que se droga, embora deteste a prisão da emoção. É a única espécie cujos membros podem perder o prazer de viver e desistir da sua própria vida.

Quem olha só para si nunca ilumina, nunca ressurge

       A maternidade é hospitalidade que parte em peregrinação dos irmãos. esta é a atitude suprema, esta é a brecha aberta no cerco da dor, esta é a peregrinação a caminho do outro que todos deveríamos tentar prolongar. Cura outros e a tua vida sarará. Ilumina outros e iluminar-te-ás (cf. Is 58). Mata a sede a outros e a tua sede aplacar-se-á. Quem olha só para si nunca ilumina, nunca ressurge.

Oração corajosa a de Madre Teresa:
       «Senhor, quando estiver triste, manda-me alguém para consolar; quando tiver fome, manda-me alguém a quem eu possa matar a fome; quando não tiver tempo, manda-me alguém a quem eu possa ajudar, ao menos por um momento».

ERMES RONCHI, As casas de Maria

A Nova Evangelização - um desafio para sair da indiferença

       Apresentação do livro "NOVA EVANGELIZAÇÃO", no Seminário Maior de Lamego, no dia 19 de março, solenidade de São José, Padroeiro do Seminário Maior. A apresentação esteve a cargo de D. António Couto, bispo de Lamego, Presidente da Comissão Episcopal para a Nova Evangelização.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Vale mais um touro que um bébé!

Chegámos a isto. Ou se percebe ou não se percebe.
Lamentavelmente, parece que os Portugueses ainda não percebem.
1. O animal é um animal.
2. Uma pessoa é diferente.
Não há qualquer comparação.
É inadequada.
Deficiente.
Injusta.
Imprópria.
Imoral.
E, todavia, corre na net subscrita por milhares uma (falaciosíssima) petição para o Presidente da República, para o Primeiro – Ministro e para a Assembleia da República, afirmando, designadamente, que:
(...) as touradas ofendem a fé e o sentimento maioritariamente cristãos e católicos do povo português, pois a Bíblia apresenta os animais como criaturas de Deus (Génesis, 1, 24) e o Catecismo Católico declara ser “contrário à dignidade humana fazer com que os animais sofram ou morram desnecessariamente”, doutrina recentemente recordada pelos Papas João Paulo II e Bento XVI;

(...) o artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa consagra como tarefa fundamental do Estado “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo”;

(...) as touradas são uma das expressões de uma cultura da insensibilidade e da violência que degrada quem a pratica e promove, o que ofende o Artigo 1.º dos “Princípios fundamentais” da Constituição da República Portuguesa, que proclama Portugal como “uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana”;
(...) o progressivo abandono de tradições retrógradas, contrárias a um sentido humanista de cultura como aquilo que contribui para nos tornar melhores seres humanos, é o que caracteriza a evolução mental e civilizacional das sociedades e melhor corresponde à sensibilidade contemporânea;

(...) a abolição das touradas vem na linha humanista da abolição da pena de morte, em que Portugal foi pioneiro, e promoverá a imagem de Portugal em todo o mundo, sendo um contributo decisivo para o país mais ético que todos desejamos, esse “país mais livre, mais justo e mais fraterno” consagrado no “Preâmbulo” da Constituição da República Portuguesa;
Espantosamente (ou talvez não), esta petição pública corre contra outra denominada “DEFENDER O FUTURO”, que apela a verdades simples e essenciais como estas:
1. Portugal afunda-se hoje numa profunda crise económica e social, a que não é alheia a teia legislativa dos últimos seis anos de governação, destruidora dos pilares estruturantes da Sociedade.
2. (...) A reforma da Sociedade não deve ser realizada apenas na área económica e fiscal. Carece de uma intervenção mais profunda, designadamente no que diz respeito à Dignidade da Pessoa, em todas as etapas da sua vida, desde a concepção até à morte natural, à cultura da Responsabilidade, do compromisso no Casamento e na Família; por outras palavras, é necessária uma verdadeira cultura da Liberdade.
Efectivamente, desde o ano de 2007, já foram mortas por aborto em Portugal com o apoio activo e o financiamento do Estado, 85.000 crianças.
E é caso para perguntar:
Onde param a tal fé e o sentimento maioritariamente cristãos e católicos do povo português?
E a Bíblia?
E o Catecismo Católico?
E o sentido humanista de cultura?
Como se vê, em Portugal, continuamos a enganar-nos a nós próprios, a brincar com coisas sérias e a trocar tudo.

A tratar os animais como pessoas.
E as pessoas como verdadeiros animais.

Esta história, se não se inverte rapidamente, acaba mal.
Miguel Alvim
Advogado, in POVO.

terça-feira, 27 de março de 2012

Não posso mudar a vida, mas sim a atitude perante a vida

       ... os conflitos que a vida nos traz, sem que tenhamos feito para os provocar - intencionalmente, quero dizer -, esses só nos dão saúde, se os pudermos superar.
       Então, este seria o princípio: os conflitos que nós próprios provocamos fazem-nos mal, os conflitos que a vida nos traz, quando os conseguimos superar, só nos dão saúde. Não podemos ignorar, nem os podemos hiperbolizar, fazendo as chamadas «tempestades num copo de água»
       ...
       Se parto do que tenho na minha cabeça, forçando a vida a obedecer aos meus sonhos, sem dar margem para que a vida aconteça, se não deixo a vida falar, por não querer que ela me incomode, tudo acaba por se revoltar contra mim.
       Nunca podereis mudar a vida. A minha atitude perante a vida, essa sim, posso mudar.
       ...
       A minha atitute perante a vida, essa, sim, posso mudar! E é a única coisa que está ao meu alcance para mudar. E não é pouco.
       ...
       Repito: aceitar a outra pessoa não quer dizer concordar com ela.
       Não tenho as mesmas opções políticas, nem o mesmo credo religioso, nem a mesma maneira de ver as coisas. Aceitar a outra pessoa é dizer: «Podes ser quem és, diante de mim. Não precisas de te defender de mim».

Laurinda Alves e Alberto Brito, sj. Ouvir, Falar, Amar.

Na casa, nos dias de lágrimas, e lugar da festa

       ... é na família que se vive a maior parte da existência humana, porque Deus  tem palavras importantes a dizer sobre o lugar primário da vida.
       Porque o cristianismo deve ser significativo lá na casa, nos dias de lágrimas, nos dias de drama, nos filhos pródigos, quando Caim volta a armar-se, quando o amor parece ter acabado e nos separa, quando o ancião perde o tino e a saúde. Lá onde a vida celebra a festa, na casa, desce como pão e como sal, lá está como rocha a Palavra de Deus, que sustenta a casa.

ERMES RONCHI, As casas de Maria

segunda-feira, 26 de março de 2012

CONVERSÃO - Editorial Voz Jovem - março 2012

       A conversão é a atitude permanente do cristão, é um modo de ser e de viver em Cristo. Não é conversão a uma ideologia, a um sistema de imposições, mas a Jesus, vida nova, vida de graça e de fé. Converter-se implica deixar-se transformar pelo Espírito de Deus, tornando-se, com os seus gestos e com as suas palavras, nova criatura, num processo sempre inacabado.
       A palavra que dá origem à nossa conversão é metanoia, e tem a ver com o ultrapassar-se a si mesmo, superar os seus limites, ir mais além. É a lógica da perfeição/santidade como caminho. A pessoa está chamada, desde logo pela sua humanidade, a aperfeiçoar-se cada vez mais. E até mesmo aqueles que reconhecemos como prepotentes têm necessidade dos outros e de aperfeiçoar alguns aspetos da sua vida, nem que seja para serem mais ardilosos no que fazem.
       Tem também a ver com a adaptabilidade.
       Hoje, mais do que ontem, mais do que nunca, temos que nos adaptar e rapidamente a situações e desafios novos. As transformações que se operavam há 50/100 anos eram muito lentas, o que permitia que as pessoas se adaptassem à evolução socioeconómica, social e religiosa. Mudar mentalidades leva muito tempo e precisa de muita paciência. Hoje falta-nos tempo! E talvez sabedoria!
       As mudanças efetuam-se à velocidade da luz. O nosso organismo – corpo e mente – tem muita dificuldade em se adaptar, em se converter a novas situações, tão velozmente. A pessoa acomoda-se: tem necessidade de casa, de descanso, de repouso, de pisar terra firme. Ao mesmo tempo, a adaptabilidade é uma das suas ferramentas essenciais de sobrevivência. Tantas foram as alterações ao longo dos séculos que o ser humano assimilou, adaptando-se e evoluindo.
       Destarte, falar de conversão não é assim tão estranho. Ao longo da nossa existência terrena podemos necessitar de nos convertermos várias vezes, mudar de profissão, mudar de local de emprego, mudar de habitação, deslocar-nos para outra terra, aprender outra língua, aprender outra técnica para sermos competitivos no trabalho...
       Falar de conversão, no contexto da fé cristã, significa estar disponível para acolher a graça de Deus e para mudar sempre que necessário o nosso coração e nossa mente para podermos aproximar-nos de Deus e ser fiéis, nas situações reais do nosso tempo e no lugar onde habitamos, ao Evangelho da verdade e da caridade, traduzindo em palavras e obras a fé que professamos e estar disponíveis para confrontar a nossa vida com a de Jesus Cristo.
       A nossa fragilidade muitas vezes trai-nos, na busca da verdade, na vivência da caridade, mas devemos prosseguir, na certeza que só tentando cumprimos a nossa missão como pessoas e como cristãos. A conversão é contínua, é um caminho que se constrói em movimento.
       Um belíssimo testemunho é a conversão do Apóstolo São Paulo. Mostra como há alturas da vida em que podemos "cair do cavalo", cair em nós, tomar consciência do caminho a percorrer e do que ainda nos distancia da vontade de Deus.
       De repente deixou de ver…
       No contacto com a intensidade de LUZ que vem de Jesus também nós podemos ficar cegos, e sobretudo se forçarmos os nossos olhos contra a luz de Cristo. É necessário que nos caiam as escamas, que os nossos olhos possam deixar passar a LUZ de Deus, possam ver com o olhar de Deus.

domingo, 25 de março de 2012

Se o grão de trigo não morrer na terra, é impossível...

Do Evangelho para este Domingo:
«Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. E se alguém Me servir, meu Pai o honrará. Agora a minha alma está perturbada. E que hei de dizer? Pai, salva-Me desta hora? Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora. Pai, glorifica o teu nome».
Neste sentido sugerimos esta belíssima canção:

quinta-feira, 22 de março de 2012

100 mil visitas - Muito obrigado

       Ultrapassamos as 100 mil visitas a este espaço de diálogo, de partilha, de confronto de ideias, de aposta positiva pela vida, pela dignidade da pessoa, pelos valores que aproximam, elevam, inspirados pela fé cristã-católica, no compromisso com as paróquias de Tabuaço, Pinheiros, Távora e Carrazedo, com a Diocese de Lamego e com toda a comunidade tabuacense onde nos inserimos, bem como com esta aldeia global que é a internet.
       Muito obrigado a todos os que nos visitam, cometam, incentivam, voltam, seguem-nos com assiduidade, os que já por cá passaram e não voltaram, aos que hão de voltar, aos que permanecem e aos que virão pela primeira vez. Quando se escreve, quando se partilha, quando se comenta, é com o ensejo da escuta e da leitura que está do outro lado.
       Muito obrigado.

As obras dão testemunho de que o Pai Me enviou.

       Jesus disse aos judeus: «Se Eu der testemunho de Mim mesmo, o meu testemunho não será considerado verdadeiro. É outro que dá testemunho de Mim e Eu sei que o testemunho que Ele dá de Mim é verdadeiro. Vós mandastes emissários a João Baptista e ele deu testemunho da verdade. Não é de um homem que Eu recebo testemunho, mas digo-vos isto para que sejais salvos. João era uma lâmpada que ardia e brilhava e vós, por um momento, quisestes alegrar-vos com a sua luz. Mas Eu tenho um testemunho maior que o de João, pois as obras que o Pai Me deu para consumar – as obras que realizo – dão testemunho de que o Pai Me enviou. E o Pai, que Me enviou, também Ele deu testemunho de Mim. Nunca ouvistes a sua voz, nem vistes a sua figura e a sua palavra não habita em vós, porque não acreditais n’Aquele que Ele enviou. Examinais as Escrituras, pensando encontrar nelas a vida eterna; são elas que dão testemunho de Mim e não quereis vir a Mim para encontrar essa vida. Não é dos homens que Eu recebo glória; mas Eu conheço-vos e sei que não tendes em vós o amor de Deus. Vim em nome de meu Pai e não Me recebeis; mas se vier outro em seu próprio nome, recebê-lo-eis. Como podeis acreditar, vós que recebeis glória uns dos outros e não procurais a glória que vem só de Deus? Não penseis que Eu vou acusar-vos ao Pai: o vosso acusador será Moisés, em quem pusestes a vossa esperança. Se acreditásseis em Moisés, acreditaríeis em Mim, pois ele escreveu a meu respeito. Mas se não acreditais nos seus escritos, como haveis de acreditar nas minhas palavras?» (Jo 5, 31-47).
        Continua a diálogo de Jesus com os judeus.
       Estes últimos remetem a sua discussão e a sua adesão para Moisés, o grande líder do povo judeu. Jesus contrapõe mostrando que se fossem fiéis a Moisés também saberiam discernir a coerência da Sua pregação e das Suas obras.
       São as obras que dão testemunho da Sua missão. Para um judeu eram precisas duas pessoas para darem testemunho favorável de alguém. Jesus apresenta-se com o testemunho de João Batista, mas sobretudo com o testemunho das boas obras. Muitas são as vezes que repetimos que de boas intenções está o inferno cheio, defendendo que são as obras que provam o que dizemos. Porém, há que dizer que também as "intenções", as boas, são defensáveis se corresponderem a um propósito firme e convicto, se brotarem do coração, se não forem apenas palavras para agradar. Afinal é na fé e pela fé que somos salvos. Mas as obras mostram até que ponto as nossas intenções e a nossa fé são autênticas. 

terça-feira, 20 de março de 2012

Solenidade de São José e Dia do Pai - Tabuaço

       Como é já habitual, a Eucaristia solene do dia 19 de março, em honra de São José e dedicada aos Pais, contou com a bela presença das famílias, pais e mães, crianças e adolescentes da catequese, e é por estas animado, no canto como nos gestos. Cada criança/adolescente entregou aos pais um postal realizado na catequese, e a todos os pais/homens foi entregue um cravo. No ofertório símbolos da fé e da vida, da Eucaristia e de São José, do trabalho e da beleza. E ainda tempo para um poema de Florbela Espanca dedicado aos pais.

       Pode visualizar mais algumas fotos aqui: Paróquia de Tabuaço no Facebook
       E as mesmas fotos em formato de vídeo, com uma belíssima música, "Enche-nos com o Teu Espírito".

segunda-feira, 19 de março de 2012

A casa de José é o lugar onde os afetos...

       ... antes que fossem viver juntos... 
       A casa que não é apenas habitação, mas também lugar onde acontecem os eventos decisivos da vida.
       Os factos mais importantes da vida não são alguns acontecimentos «extra-ordinários», mas quando nos sentimos tocados pelos outros. E é mais do que estar simplesmente próximo.
       Quem te toca entrou em ti; doravante, tu hospeda-lo em tua casa; mas ele traça sulcos, trabalha o teu terreno, extirpa raízes, dá sementes, solicita e desperta as nascentes da vida. Somente aqueles que te tocam estão em condições de mudar a tua vida. fazer casa é deixar-se tocar pelo outro e tocá-lo. Fazer casa significa construir comunicação e ternura, gerar futuro juntos.
       Porque este é o sonho de Deus: que ninguém esteja só na vida e que nenhuma casa esteja sem festa no coração. Esta é a bênção para toda a terra, que queiramos e nos queiram bem, pessoa a pessoa, coração a a coração, casa por casa, até envolver a cidade inteira do homem. É este o milagre que devemos implorar sempre: estender ao nível de massa as relações calorosas e perfumadas da família...
        Em casa, Deus perpassa por ti, toca-te. Fá-lo nu, dia em que estás ébrio de alegria e de amor que dizes às criaturas que amas palavras torais, absolutas e que se querem eternas; toca-te num dia de lágrimas, no abraço do amigo, ou quando no deserto do sempre-igual, esbarra contigo de modo inaudito.
       A casa de José é o lugar onde os afectos e a dimensão emocional toda inteira podem ser vividos e permutados de modo mais livre e adequado. A dimensão emocional é fundamental para o equilíbrio da pessoa, necessária para a alegria de viver, para experimentar o humilde prazer de existir. Porque o homem, sozinho, é levado a duvidar de si mesmo.

ERMES RONCHI, As casas de Maria

Maria e José que são mestres da vida

       «Depois, desceu com eles e voltou a Nazaré.» Jesus deixa o templo e os doutores da lei e vai com Maria e José que são mestres da vida; deixa aqueles que interpretam os livros e vai com aqueles que interpretam o segredo da vida.
       Regressa ao lugar, à casa, onde reside o magistério inicial, o magistério da família, mais importante que o do templo, mais importante que o da Igreja. Porque é da porta de casa que saem os santos ou os pecadores, os errantes ou aqueles que serão luz para muitos.
       Maria e José, o casal de Nazaré, são os primeiros profetas para Jesus, são a sua profecia primeira, a que começa a revelar, se assim podemos dizer, Deus a Deus. No seu ser casal, na sua aliança para a vida, no viver de amor e de dom, são imagem semelhante, relatam com a vida os traços mais importantes e mais bíblicos do rosto de Deus.
       Cada casal é profecia de um Deus que difunde vida.
       ...
       O meu pai, a minha mãe, o marido, o meu filhos não coincidem com os seus defeitos, mas neles habita o mistério, neles habitam as coisas de Deus; além do mais, eles próprios são coisa de Deus. É o mistério que abre caminho através das dúvidas, do cansaço, da reflexão e da escuta recíproca.

ERMES RONCHI, As casas de Maria

domingo, 18 de março de 2012

Evangelizar de Novo – Converter Sempre!

       Creio que as nossas conferências quaresmais deste ano não podiam alhear-se do facto de a Igreja estar já próxima do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, a realizar em Outubro, comemorando também os cinquenta anos da abertura do último Concílio Ecuménico: o Vaticano II, em cuja receção ainda estamos, a vários títulos. Nessa altura se abrirá também o Ano da Fé, que marcará certamente o nosso ritmo diocesano até Novembro de 2013.
       Tanta ocorrência próxima exige, antes de mais, conversão. É esta a proposta – para não dizer a exigência – de Cristo, logo no início do Evangelho segundo São Marcos (cf Mc 1, 15). Assim a ouvimos também ao impor das cinzas, a abrir esta Quaresma: “Arrependei-vos e acreditai no Evangelho!”.
       Podemos dizer que esta exigência não é apenas inicial, antes constante nas nossas vidas; e que, sendo a vida em Cristo essencialmente comunitária – sempre (con)vivida no “corpo eclesial de Cristo” -, assim é também para as comunidades, das igrejas domésticas, que são as famílias, às paróquias e a todas as outras formas comunitárias da nossa existência.
       Fixo-me desde já na seguinte afirmação, que será como que o fio condutor de tudo quanto vos direi nestas conferências (ou nas três partes sucessivas duma única conferência): Cristianismo é conversão constante, vivida comunitariamente a partir duma Palavra sempre proclamada e ouvida, que oferece a cada tempo e circunstância a possibilidade de se realizarem pascalmente.
       Dito assim rapidamente, o enunciado pode parecer algo abstrato e mesmo estranho. Mas, na vida que levarmos em Cristo, as coisas aclaram-se e precisam-se, como em cada Quaresma se pede e muito especialmente se requer.
       Digamos então que Cristo conclui em si mesmo a história geral, como sentido último e finalidade atingida. E que a nossa vida em Cristo, na sucessão das gerações que vão protagonizando a aventura humana, abre sucessivos horizontes, em extensão e profundidade, a serem preenchidos por essa mesma Páscoa a todos oferecida.
       Podemos perguntar-nos por que razão foi assim, cronologicamente falando. Os antigos autores cristãos – do prólogo do 3º Evangelho a Santo Ireneu e tantos outros - viam na sucessão dos antigos impérios o longo e árduo encaminhamento da humanidade para aquele exato ponto em que, unidas as antigas civilizações no único império que de algum modo as interligava quase todas, seria já possível passar da promessa bíblica, das cogitações dos filósofos e das aspirações dos poetas à resposta divina, que só humanamente – incarnadamente – podia ser dada, tanto para respeitar o homem como para que Deus fosse “Emanuel”, Deus connosco e humanamente entendido.
       A esta luz podemos dizer que tudo quanto se insira ainda hoje, ou amanhã que seja – em sabedoria, ciência, literatura ou arte – na mesma senda de autorrevelação da humanidade a si mesma, continua a ter disponível e insistente a resposta final que Cristo lhe ofereceu uma vez por todas: a sua Páscoa, como fim e finalidade de todas as coisas.
       Recordo-me duma viagem de há muitos anos, passando pelo museu romano de Mérida e por uma igreja em Olivença. No primeiro, vimos uma estátua de Cronos, o tempo endeusado, enrolado numa serpente que, abocanhando o fim, sempre volta ao princípio. Na segunda, vimos a representação barroca duma árvore de Jessé, em que a descendência dos antigos reis culmina no Filho de Maria, no qual o tempo finalmente floresce e desabrocha, para se alargar a tudo e a todos. 
       Nunca mais esqueci esta sucessão plástica, bem sugestiva do que é o encontro de Cristo com o tempo humano, pascalmente transformado em tempo de Deus, porque tudo é por ele humanamente assumido, para ser oferecido ao Pai no altar da Cruz. Sabemos como, por sua vez, o Pai no-lo devolveu ressuscitado, para ser a nossa vida e a vida do mundo. - Assim permitamos – realmente permitamos! – que o Espírito que n’Eles circula também circule em nós, em perfeito Pentecostes! 
       Estas coisas sabemos; e devemos saber e explicitar sempre melhor, pois para isso se somou tanta meditação e reflexão nos dois milénios que Cristo já leva no mundo. Sabiam-no com admirável clareza os primeiros autores cristãos, como deixaram nalguns poucos e imensos versículos do Novo Testamento. É reler, por exemplo o princípio da Carta aos Hebreus (Hb 1, 1-4). Ou o da admirável 1ª Carta de São João (1 Jo 1, 1-4), sem esquecer, evidentemente, o prólogo do Evangelho segundo São João ou os magníficos hinos cristológicos inseridos nas epístolas paulinas, e tantos outros lugares inultrapassáveis.
       Todos nos falam duma vida que agora é “ultimada” e “eterna”, pascalmente ganha e oferecida por Cristo a quantos e aonde lhe permitam agora viver e conviver. Por isso melhor falaremos de “Cristo em nós”, à boa maneira de São Paulo, do que duma vida simplesmente “cristã”, como é corrente dizer-se. Na verdade, onde o Espírito consegue como que reproduzir a Páscoa de Cristo, já se trata de algo substantivo e não de mero adjetivo: vida de Cristo em nós – pessoas e comunidades – e não só uma classificação sociológica ou cultural, em sentido fraco e questionável. 
       Se olharmos agora mais de perto para o que têm sido estes dois milénios, eclesialmente falando, concluiremos decerto que temos de dar muitas graças a Deus. Sem leituras encomiásticas, que só reparam nos altos cumes e não atendem às ravinas que entre eles infelizmente também se abriram; nem leituras destrutivas, que não consideram nem respeitam o que foi e continua a ser a notável colaboração de tantos discípulos de Cristo para a história da humanidade que com todos compartilham: havemos de maravilhar-nos com a infinda capacidade do Evangelho para recriar “todas as coisas em Cristo”, nas mais diversas culturas e civilizações, tanto nas circunstâncias mais extremas como na habitualidade mais comezinha.
       Bastaria, para tal, aproximarmo-nos da realidade, passada e presente, com mais humildade e menos preconceitos. Ouve-se por vezes dizer que nos seria mais fácil acreditar – cristãmente acreditar – se tivéssemos vivido há dois mil anos, vendo e ouvindo diretamente a Jesus de Nazaré. Mas isso é esquecer o que os relatos evangélicos patenteiam, ou seja, que grandíssima parte dos que lá estavam ou não acreditaram ou até deturparam o que ele dizia e fazia; e que mesmo os seus discípulos tiveram muita dificuldade em percebê-lo, antes da luz pascal lhes abrir finalmente os olhos…
       Aproximemo-nos então de Cristo, de coração disponível e espírito atento, correspondendo à sua exortação e companhia oferecida (cf. Ap 3, 19-22). E isto mesmo é dito “às Igrejas”, pois só comunitariamente se entende bem e realiza em pleno, como experiência inter-pessoal e profecia para o mundo. Assim nos ensinaria São Tomé, que não soube da ressurreição de Cristo nem acreditou nos discípulos que lha testemunharam enquanto não esteve “com eles” (cf Jo 20, 26).
       Pontualizemos pois. A Evangelização coloca-nos diante da proposta de Cristo, para realizarmos a nossa vida como ele pascalmente o fez e no-lo proporciona, coisa só possível na força do Espírito e na inclusão eclesial, como ramos na videira (cf. Jo 15, 1 ss). Esta é a verdade das coisas, tão coincidente aliás com a natureza social do homem, agora transformada em “meio divino”. Para tal, são indispensáveis dois itens. 1º) Que a Palavra seja insistentemente proclamada em cada comunidade e 2º) Que cada comunidade se deixe constantemente converter por ela. Foi este o apelo do Concílio na sua fundamental constituição dogmática Dei Verbum, repetido mais proximamente pelo último Sínodo dos Bispos e por Bento XVI na exortação apostólica pós-sinodal Verbum Dei. 
       Assim dispunha e esperava a constituição conciliar: “… que a Palavra do Senhor avance e seja glorificada (cf. 2 Ts 3, 1), e que o tesouro da Revelação, confiado à Igreja, encha cada vez mais os corações dos homens. Assim como a vida da Igreja se desenvolve com a participação assídua no mistério eucarístico, assim também é lícito esperar um novo impulso da vida espiritual com a redobrada veneração da Palavra de Deus, que permanece para sempre” (Dei Verbum, 26). E a recente exortação apostólica insiste: “… o Sínodo convidou a um esforço pastoral particular para que a Palavra de Deus apareça em lugar central na vida da Igreja, recomendando que se incremente a pastoral bíblica, não em justaposição com outras formas de pastoral, mas como animação bíblica da pastoral inteira” (Verbum Domini, 73).
       Mas atendamos ao facto de, nestes dois milénios, o processo de exortação e aplicação não ter sido propriamente linear, mas como que cíclico, entre épocas de evangelização renovada e adaptada a circunstâncias próprias e tempos de concretização dela, mais ou menos conseguida. Daqui que possamos até identificar cinco grandes “evangelizações” da nossa Europa, como a seguir tentarei ilustrar.

Sé do Porto, 14 de março de 2012
D. Manuel Clemente, in Agência Ecclesia.

sábado, 17 de março de 2012

Domingo IV da Quaresma (ano B) - 18 de março

       1 – O cristianismo, a fé cristã, não é, de todo, um conjunto de preceitos, um código ético e moralizante, que obriga, força, impõe o seu cumprimento, sob pena de castigo, ou com uma retribuição pelos méritos conquistados.
       A fé cristã é um acontecimento: Jesus Cristo, com o mistério da Sua vida, morte e ressurreição. É encontro pessoal com Ele. É vida nova, transformada e transformadora. Com a morte na Cruz, Jesus leva o amor até ao fim. Com a ressurreição, Deus Pai confirma a história de entrega e de salvação que se opera em Seu Filho Jesus, e nosso irmão.
       Ao tempo de Jesus tinha-se dado a multiplicação de leis e preceitos. Jesus clarifica e simplifica: amar. Amar a Deus e amar o próximo como a Si mesmo. O paradigma do amor é a Sua vida de oblação. Dispõe-se a amar em todas as circunstâncias, até no sofrimento, na perseguição e na morte. Ama até aqueles que O colocam na Cruz, perdoando-lhes tamanha barbaridade. Por amor.
       Mas vejamos os textos litúrgicos propostos para este 4.º Domingo da Quaresma. Vale a pena uma leitura demorada e sobretudo meditada (ou a meditar).
       Com a largueza de vistas com que Jesus nos presenteia habitualmente, não deixa margens para imaginações fantasiosas:
       «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado, porque não acreditou em nome do Filho Unigénito de Deus. E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras. Todo aquele que pratica más ações odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus».
       Sem mais. O Filho do Homem vai ser elevado da terra. A serpente é fator de saúde. Não morrerão os que olharem para ela. Jesus, levantado da terra, é a própria Salvação, Deus feito Homem que nos eleva com Ele, primeiro assumindo o nosso pecado, a nossa cruz, depois colocando-nos em Deus, na Luz eterna. Ele não veio para condenar o mundo, as pessoas, para mostrar as "garras" de um Deus irado, mas para ser Rosto de um Deus apaixonado, como na primeira hora, pela humanidade inteira, obra das Suas mãos.

       2 – Na mesma direção, a epístola de São Paulo à comunidade de Éfeso. O Apóstolo, uma vez mais, fala-nos ao coração. Fala-nos da vida, da salvação. Fala-nos do amor. Do amor oblativo, dádiva sem fim. É vida nova que se descobre em Jesus, na Sua morte e ressurreição. Todo o mistério pascal envolve Deus – Pai e Filho (Jesus Cristo: Deus no tempo, Deus connosco, Deus feito Homem) e Espírito Santo – que Se inclina, não sobre a Sua sombra, mas Se inclina sobre os filhos Seus, Se inclina como a Mãe se debruça para contemplar no regaço o filho nascido das suas entranhas, do seu amor.
       Belíssima esta carta que o Apóstolo nos escreve:
       "Deus, que é rico em misericórdia, pela grande caridade com que nos amou, a nós, que estávamos mortos por causa dos nossos pecados, restituiu-nos à vida em Cristo – é pela graça que fostes salvos – e com Ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos Céus com Cristo Jesus, para mostrar aos séculos futuros a abundante riqueza da sua graça e da sua bondade para connosco, em Cristo Jesus. De facto, é pela graça que fostes salvos, por meio da fé. A salvação não vem de vós: é dom de Deus. Não se deve às obras: ninguém se pode gloriar. Na verdade, nós somos obra sua, criados em Cristo Jesus, em vista das boas obras que Deus de antemão preparou, como caminho que devemos seguir".
       A fé é relação, encontro, revelação, comunicação, diálogo, é comunhão. Muito antes de ser um código ético-jurídico. A fé cristã é viva. É vida. É Jesus. É cada um de nós, perante os outros, diante de Deus. É descoberta. Ressurreição e vida. Pelo pecado, morremos cada vez mais. O pecado afasta-nos, divide-nos, diaboliza a minha, a tua, a nossa vida, que deveria ser salutar, encantadora e feliz. Com a Sua vida – morte e ressurreição – Jesus restitui-nos à vida, coloca-nos para sempre à direita do Pai.
       A fé e a salvação não são uma conquista, uma usurpação da nossa parte. A salvação é dom de Deus. Ninguém Lhe tira a vida, é Jesus que no-la entrega por amor. As obras que realizamos são fruto da nossa fé, e do bem que Deus desde sempre colocou no nosso coração. As nossas boas obras hão de ser expressão da luz e do amor de Deus em nós.

       3 – De novo e sempre nos confrontamos com a realidade: a vida nova dada em Jesus Cristo esbarra com a violência que continua a impor-se no nosso mundo, no tempo atual. Mesmo que queiramos desviar o olhar, não é possível não ver os conflitos que se estendem e publicitam cada vez com maior espetacularidade; a fome, a guerra, a violência, as agressões contra pessoa e contra a própria natureza; não é possível não ver a corrupção, a usura, a prepotência de uns poucos à custa de muitos; o serviço público ao serviço de alguns. É mais difícil saber do sol quando o céu está nublado, fechado, escuro como o breu.
       O povo de Israel passou por tempos de grande provação e desânimo. Muitos obstáculos e dificuldades que a um tempo o deixava sem norte e a outro tempo a aprofundar a oração e a adesão à Palavra do Senhor.
       O pecado de uns e de outros, sempre prejudica todos. O bem e a santidade de uns e de outros, sempre beneficia a todos. O povo, no seu todo, há de pagar pelos erros e pecados dos seus líderes. As famílias e as comunidades sempre hão de pagar pelos pecados do egoísmo e da prepotência de algum dos seus membros.
       Mas vejamos o texto, do livro das Crónicas:
       "Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pela boca de Jeremias: «Enquanto o país não descontou os seus sábados, esteve num sábado contínuo, durante todo o tempo da sua desolação, até que se completaram setenta anos»... «Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus do Céu, deu-me todos os reinos da terra e Ele próprio me confiou o encargo de Lhe construir um templo em Jerusalém, na terra de Judá. Quem de entre vós fizer parte do seu povo ponha-se a caminho e que Deus esteja com ele»". 
       As palavras de Jeremias, grande profeta de Israel, mostram, não o afastamento de Deus ou o castigo imposto por Ele ao povo, mas como o povo paga caro por ter desfeito os laços de amizade, de sadia convivência, de solidariedade, de coesão social e religiosa. Para lá das contingências próprias do tempo e da história. A união e a solidariedade ajudam a superar as provações.
       Estamos a caminho, já se vislumbra a LUZ que há de vir para a todos reconduzir a Jerusalém. Nós não nos esquecemos da promessa, e muito menos Deus se há de esquecer. "Apegue-se-me a língua ao paladar, se não me lembrar de ti, se não fizer de Jerusalém a maior das minhas alegrias". Voltemos a Jerusalém, a nossa alegria, o nosso encontro com Deus.
       O tempo nosso, ainda que implique feridas e sofrimentos, é impulsionado pela Luz que nos atrai de Jesus Cristo, que passa pelas frestas da Cruz, e nos impele às alturas, ao regaço de Deus, Pai e Mãe.

Textos para a Eucaristia (ano B): 2 Cr 36,14-16.19-23; Ef 2,4-10; Jo 3,14-21.

sexta-feira, 16 de março de 2012

O Evangelho cheira a pão, a mãos, a fuso e roca, a lenha

       A vida não avança com imposições, com uma série de proibições ou de obrigações, mas com uma paixão. E a paixão floresce a partir da beleza intuída, vislumbrada, saboreada; a partir de gestos e palavras, de sentimentos e atitudes capazes de ainda te roubarem o coração e vencê-lo ou, pelo menos, con-vencê-lo. O Evangelho cheira a pão, a mãos, a fuso e roca, a lenha. Cheira a Nazaré.
       Uma vida feliz que porá no coração do Evangelho novas estradas para a felicidade, novas bem-aventuranças; que porá no centro da religião o que está no centro da existência: o amor.
       Nos trinta anos de Nazaré, Jesus apreende o cuidado amoroso por cada uma das mais pequenas coisas daquele que ama, é lá que compreende infinito de Deus com o infinitamente pequeno («Não se perderá um só cabelo da vossa cabeça», Lc 21,18), a atenção amorosa ao outro, pelo que nada do que pertence à pessoa amada é insignificante. O Evangelho já acontece naquela casa.

ERMES RONCHI, As casas de Maria

A única heresia é a indiferença

       Na dor agarramo-nos a Deus. No calvário, é Deus quem se agarra a os, àquela parte boa e sã, àquela parte afetuosa e forte, àquela porção de confiança, melhor, à coisa mais forte - instinto, energia, potência - que existe sobre a terra: a relação mãe-filho. Para, a partir daí, reconstruir um caminho que não se extravie debaixo de todas as infinitas cruzes.
       Quando Jesus diz «Eis o teu filho», indica alguém que caminha ao nosso lado na existência.
       Quando acrescenta «Eis a tua mãe», indica alguém que, um dia, nos socorrera, nos ajudara a viver: inumeráveis pequenas mães da nossa existência, os muitos samaritanos, quem, quer que ainda agora nos apoie na vida.
       Filho e mãe para cada criatura: é este o homem de Deus.
       Filho e mãe para cada vida: é este todo aquele que pertence a Cristo.
       No fundo, a única heresia é a indiferença.

ERMES RONCHI, As casas de Maria

quinta-feira, 15 de março de 2012

4 pés do desenvolvimento humano

  1. O primeiro pé é a família, o lugar da estabilidade. Aqui, falamos da família como o ambiente onde se aprende a viver em confiança.
  2. O segundo pé é a escola, o lugar do trabalho, do estudo, o lugar de criar hábitos de leitura e de investigação, aprendendo a usar essa ferramenta de progresso que nos acompanha desde bem cedo: a pergunta. A escola é também o lugar de treinar a memória e a capacidade de ligar os acontecimentos, o espaço parta conhecer o ser humano, a sociedade, a história, a ciência, a natureza, a arte...
  3. O terceiro pé é o convívio, o lugar da espontaneidade, o espaço dos amigos, dos grupos da festa. É o processo de abertura a pessoas e a ambientes diversos, casa vez mais abrangentes... há gente que de uma cana rachada consegue fazer uma flauta.
  4. O quarto pé é o do espírito, da gratuitidade. Neste pé insere-se o sentido da doação aos outros, do empenho em atividades ou causas que não dão rendimento financeiro, ao fim do mês. Atividades desenvolvidas em associações de estudantes, o voluntariado, entre outras.
Laurinda Alves e Alberto Brito, sj. Ouvir, Falar, Amar.

O destino do homem é PENSAR!

       "Quem consegue interromper a construção de pensamentos? Só aquele que está morto. É impossível interrompê-la. A própria tentativa de interrupção já é pensamento. Pensamos nos sonhos, enquanto dormimos, pensamos acordados, quando estamos a trabalhar, a andar, a conduzir o carro.
       Pensar é o destino do homem. Às vezes, pensamos tanto que fazemos grandes viagens sem sair do lugar. Em algumas situações, ficamos aborrecidos connosco próprios, pois não ouvimos nada do que as pessoas nos disseram. Por vezes temos de fazer uma «ginástica mental» para elas não perceberem que estávamos a viajar no mundo das ideias...
       Como é que passa a maior parte do seu tempo? A pensar. Grande parte das nossas angústias, distracções, sonhos, dúvidas, expectativas, não é motivada directamente pelos estímulos externos, mas pelo conjunto de pensamentos que diariamente produzimos.
       O mundo das ideias (...) é a maior fonte de prazer natural ou a maior fonte de terror humano. Se as ideias que produzimos nos estimulam a ter sonhos, metas, ideais, projectos, certamente nos induzirão ao prazer, mas se forem negativas, derrotistas e ligadas a doenças, morte, acidentes, então levar-nos-ão à angústia e ao humor deprimido".

Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo

       Jeremias é um dos Profetas maiores do judaísmo. Assim considerado também pelo tamanho dos seus escritos, a quem é também atribuído o Livro das Lamentações. É um dos profetas mais conhecidos, citado em outras partes da Escritura Sagrada, é profeta da interioridade, sublinhando a necessidade e a urgência da conversão interior, da adesão à vontade de Deus, da mudança de vida, de procurar atender às pessoas mais frágeis, de praticar a justiça e o bem, de viver honestamente, não cedendo aos interesses instalados. Dá-nos nota que as palavras que prega é a sua forma de viver. Na sua vida transparece a Palavra de Deus. Isso vai custar-lhe a perseguição constante. É um sinal de contradição. Expõe com a sua vida, com a sua postura, todos aqueles que se desviam do caminho do Senhor e se aproveitam das pessoas mais simples.
       Vejamos o texto que nos é proposto para este dia:
Assim fala o Senhor: «Foi isto que ordenei ao meu povo: ‘Escutai a minha voz, e Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo. Segui sempre o caminho que vou indicar-vos e sereis felizes’. Mas eles não ouviram nem prestaram atenção: seguiram as más inclinações do seu coração obstinado, voltaram-Me as costas, em vez de caminharem para Mim. Desde o dia em que os seus pais saíram da terra do Egipto até hoje, enviei-lhes todos os profetas, meus servos, dia após dia, incansavelmente. Mas eles não Me ouviram nem Me prestaram atenção: endureceram a sua cerviz, fizeram pior que seus pais. Se lhes disseres tudo isto, não te escutarão; se chamares por eles, não te responderão. Por isso lhes dirás: Esta é a nação que não ouviu a voz do Senhor seu Deus e não quis aceitar os seus ensinamentos. Perdeu-se a fidelidade, foi eliminada da sua boca» (Jer 7, 23-28).
       Jeremias, neste trecho, lamenta o desvio do povo e como Deus insiste em enviar mensageiros, profetas. Deus não desiste de nós. Porém, nem sempre estamos na disposição de acolher a Sua voz, a Sua palavra.
       Para Deus importa a nossa vida, a nossa felicidade. Seguir os seus preceitos não é uma imposição que nos castiga, mas uma proposta de libertação, de reconciliação e de comunhão, uns com os outros e como povo.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Ter um amigo é ter alguém por quem morrer

        "Um amigo, por definição, é alguém que caminha a nosso lado, mesmo se separado por milhares de quilómetros ou por dezenas de anos. O longe e a distância são completamente relativizados pela prática da amizade. De igual maneira, o silêncio e a apalavra. Um amigo reúne estas condições que parecem paradoxais: ele é ao mesmo tempo a pessoa a quem podemos contar tudo é aquela junto de quem podemos estar longa,ente em silêncio, sem sentir por isso qualquer constrangimento. A amizade cimenta-se na capacidade de fazer circular o relato da vida, a partilha de pequenas histórias, a nomeação verbal do lume mais íntimo que nos alumia. A amizade é fundamentalmente uma grande disponibilidade para a escuta, como se aquilo que dizemos fosse sempre apenas a ponta visível de um maravilhoso mundo interior e escondido, que não serão as palavras a expressar".
       "Se tivesses de resumir a sua natureza, podíamos dizer: um amigo é alguém que foi capaz de olhar, mesmo por um segundo apenas, o fundo da nossa alma e transportar depois consigo esse segredo, da forma mais gratuita e construtiva".

       Séneca... "Ter um amigo é ter alguém por quem morrer"

Espaço para a autenticidade...

É urgente que a vida não seja só a acumulação do tempo e do seu cavalgar sonâmbulo
       Gosto, mas gosto muito, que a primeira palavra de Jesus no Evangelho de João seja uma pergunta (e seja aquela pergunta): “Que procurais?” (Jo 1,38). Consola-me ir percebendo que o que sustenta a arquitetura dos encontros e dos desencontros que os Evangelhos relatam é uma espécie de coreografia de perguntas, um intenso tráfico interrogativo, construído a maior parte do tempo a tatear, sem saber bem, com muitas dúvidas, muitos disparos ao lado, muita incapacidade até de comunicar. Isso é uma âncora, por muito que nos custe, pois uma vida só assente em respostas é uma vida diminuída, à maneira de uma primavera que não chegou a ser. Não sei como vai rebentar em nós a primavera, como se vai acender este reflorir que a natureza insinua, este renascer que o gesto pascal de Jesus espantosamente (res)suscita na nossa humanidade. Sei apenas que nas perguntas, mesmo naquelas que são difíceis e nos estremecem, reencontramos a vida exposta e aberta, certamente mais frágil, mas a única que nos permite tocar as margens de uma existência autêntica.

       Todos somos habitados por perguntas e elas cartografam zonas silenciosas, territórios de fronteira do nosso ser. Estes dias reencontrei a pergunta de Pilatos (ainda no Evangelho de João): “O que é a verdade?” (Jo18,38). E dei comigo a aproximar esta pergunta de uma das frases emblemáticas de Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,2). Sem querer relativizar a natureza densamente dogmática do enunciado, dei comigo, porém, a revisitá-lo em chave existencial. E era como se Jesus, mestre da vida que incessantemente se reformula em nós, nos desafiasse a uma apropriação. Sim, a uma apropriação. É necessário que perante a multidão dos caminhos percorridos e a percorrer cada um de nós diga: “eu sou o caminho que percorro”. É decisivo que as verdades que acordamos não sejam uma sobreposição, mas uma expressão profunda do que somos: “eu sou a verdade”. É urgente que a vida não seja só a acumulação do tempo e do seu cavalgar sonâmbulo, mas que cada um, pelo menos uma vez, possa dizer plenamente: “eu sou a vida”. Acho que é disto que o mistério pascal fala.

José Tolentino Mendonça, Editorial da Agência Ecclesia.

terça-feira, 13 de março de 2012

Se defendermos o Amor, o Amor defender-nos-á...

por ocasião do Dia Nacional da Cáritas
D. António Couto, no no Dia da Cáritas:

UMA REDE DE CARIDADE

«Edificar o bem comum: tarefa de todos e de cada um»

       1. O Evangelho deste Domingo III da Quaresma faz-nos ver Jesus a entrar no Templo de Jerusalém, que Jesus chama de forma significativa e carinhosa «a Casa do meu Pai» (João 2,16) ou «a minha Casa» (Mateus 21,13; Marcos 11,17; Lucas 19,46). Dito isto, ganha uma enorme relevância a informação que nos é transmitida de Jesus ter encontrado na Casa do seu Pai, que é também a sua Casa, não filhos e irmãos, mas vendedores, banqueiros e comerciantes (João 2,14). Estávamos todos à espera que lá fosse encontrar filhos e irmãos. Na verdade, «a Casa do meu Pai», e «a minha Casa», por um lado, e o Mercado, por outro lado, são lugares incompatíveis. Trata-se, de facto, de duas maneiras diferentes de conceber e ocupar o espaço. Avista-se daqui a vida jovem, leve e bela dos primeiros cristãos que, conforme o relato dos Atos dos Apóstolos, «partiam o pão nas suas Casas com alegria e simplicidade de coração» (Atos 2,46).

       2. Casa, Casa, Casa, é uma das palavras mais belas que conheço. Mesa, Mesa, Mesa, é outra das palavras mais belas que conheço. O Mercado são casas, mas sem Casa. São mesas, mas sem Mesa. Lareiras, mas sem Lar. Corações, mas sem Amor. Sem Pai nem Mãe nem Filhos nem Irmãos. O gesto de Jesus, de derrubar pedras e mesas, é emblemático e ilustrativo. É urgente quebrar esta crosta de indiferença. É urgente a Casa, é urgente a Mesa, é urgente o Amor.

       3. Permiti-me, meus irmãos, que traga para aqui uma antiga história rabínica. Um homem tinha três amigos. Mas tinha-os catalogados por ordem de importância: o amigo n.º 1, o amigo n.º 2 e o amigo n.º 3. O amigo n.º 1 era naturalmente o melhor amigo do nosso homem; digamos que eram amigos íntimos, e, por isso, inseparáveis: andavam sempre juntos. O amigo n.º 2 era aquele amigo que o nosso homem encontrava de vez em quando, apenas de vez em quando, altura em que confraternizavam e punham a conversa em dia. O amigo n.º 3 era aquele género de amigo que o nosso homem encontrava muito raramente, por mero acaso, e de quem já nem sequer se lembrava do nome.

       4. Um dia, o nosso homem foi apanhado de surpresa. Chegou-lhe pelo correio uma carta que provinha do palácio do Rei. O nosso homem abriu a carta, leu, releu, e ficou muito preocupado. Tratava-se de uma intimação que obrigava o nosso homem a comparecer no palácio do Rei. Ora, acontece que o nosso homem, o homem desta história, nem sabia o que era um Rei, e muito menos um palácio. Tão-pouco sabia o caminho para o palácio. Mas preocupava-o sobretudo o modo como se devia comportar na presença do Rei. Não era o mundo dele.

       5. Ficou aflito. Já nem conseguia comer nem dormir. Apoderou-se dele uma grande tremedeira. Quando isto nos acontece, lembramo-nos naturalmente de recorrer aos amigos. Foi assim que o nosso homem foi desabafar com o seu melhor amigo, o amigo n.º 1. Expôs-lhe o assunto que o preocupava. Tinha sido intimado a comparecer no palácio do Rei, e tinha muito medo, pois nada percebia de palácios e de reis. Foi assim que pediu ao seu amigo n.º 1 o favor de o acompanhar naquela viagem difícil. Nem era nada demais, dado que andavam sempre juntos, eram amigos inseparáveis. O amigo n.º 1 respondeu assim ao nosso homem: é verdade que somos muito amigos; de facto, andamos sempre juntos. Pede-me o que quiseres, que eu estou disposto a ajudar-te; porém, nessa viagem, não te posso acompanhar.

       6. É assim que o nosso homem, desiludido, tem de ir à procura do seu amigo n.º 2. Pô-lo a par do seu problema, e implorou-lhe, da mesma maneira, que o acompanhasse naquela viagem difícil. O amigo n.º 2 ouviu atentamente a exposição do nosso homem, e respondeu assim: sim, disponho-me a acompanhar-te, mas com uma condição: vou contigo, mas só até à porta do palácio; daí para a frente, terás de ir sozinho, pois não te posso acompanhar. O nosso homem, porém, insistiu: mas o meu problema é dentro do palácio, porque eu não entendo nada de reis e de palácios. Compreendo, retorquiu o amigo n.º 2, mas, nesse caso, não te posso mesmo ajudar. Terás de ir sozinho.

       7. Foi então que o nosso homem se pôs a caminho para ver se encontrava o seu amigo n.º 3, aquele amigo de quem já nem se lembrava do nome nem de quando tinha sido a última vez que se tinham encontrado. Com alguma sorte, lá o encontrou, e expôs-lhe o problema, e suplicou-lhe que o acompanhasse naquela viagem difícil. O amigo n.º 3 ouviu atentamente, e nem sequer deixou o nosso homem terminar. Respondeu logo: mas é claro que te acompanho. Até te digo mais: ficaria mesmo muito triste, se soubesse que estavas a braços com esse problema, e não me tivesses dito nada!

       8. Permiti-me agora, meus irmãos, que descodifique a história, para entendermos melhor o seu alcance. O nosso homem, o homem desta história, sou eu, és tu, pode ser qualquer um de nós. O Rei é Deus. A viagem é a morte. O amigo n.º 1, aquele que anda sempre connosco, é a nossa própria vida, os nossos projetos, os nossos trabalhos, os nossos sonhos, as nossas ambições. De facto, andamos sempre juntos, somos inseparáveis. Todavia, naquela viagem, os nossos projetos e trabalhos não nos podem acompanhar. O amigo n.º 2, aquele que encontramos de vez em quando para confraternizar e pôr a conversa em dia, são os nossos próprios amigos. Aqueles que se mostram dispostos a ir connosco, mas só até à porta… do cemitério! O amigo n.º 3, aquele que muito raramente encontramos, de quem até acabamos por esquecer o nome, mas que até ficaria triste e sentido se não lhe disséssemos nada, e que é o único que nos pode acompanhar, é o Bem que fazemos, o Amor que pomos naquilo que fazemos.

       9. Bem vistas as coisas, está bom de ver que temos de inverter a ordem dos nossos amigos, e passar para 1.º lugar aquele que temos no catálogo em 3.º lugar. Decisivo, decisivo, decisivo é o Amor. Temos de nos encontrar muito mais vezes com este amigo. Na verdade, diz bem S. Paulo, tudo passa; só o Amor permanece (1 Coríntios 13,8).

       10. Contei esta história, porque hoje é o dia do Amor, da Caridade, da Caritas. Hoje é o dia de partir a crosta da indiferença, daquela couraça ou máscara a que nos agarramos tanto, para nos defendermos, para subirmos na vida, ainda que seja à custa dos outros. Hoje é o dia de não olharmos apenas para o nosso grupinho de amigos. Hoje é o dia de visitar e acolher cada ser humano, de o sentar à nossa mesa, de lhe lavarmos os pés e a alma e o coração. Hoje é o dia do Amor. Hoje é o dia de sermos irmãos, e não comerciantes ou banqueiros desalmados. Hoje é o dia de limparmos as lágrimas que correm de tantos rostos belos como os nossos, porque também neles se espelha a imagem de Deus.

       11. Hoje é o dia do Amor que rompe bolsos e derruba corações empedernidos. Sim, diz-nos Jesus em jeito de séria advertência: «Destas majestosas construções não ficará pedra sobre pedra» (Mateus 24,2; Marcos 13,2). Os Templos, as paredes, as pedras da nossa idolatria, «obra de mãos humanas», convém que sejam destruídos, para darem lugar a outros, «não feitos por mãos humanas» (Marcos 14,58). Paredes desabitadas, sem Deus aqui no meio dos seus filhos e filhas, são ídolos. Neste sentido, refere João Paulo II, expondo diante dos nossos olhos, com singular afeto, um belo programa, que a paróquia é «a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas» (Christifideles Laici, n.º 26), e que a sua vocação «é a de ser a casa de família, fraterna e acolhedora» (Catechesi tradendae, n.º 67), e grava esta afirmação emocionada e mobilizadora: «O homem é amado por Deus. Este é o mais simples e o mais comovente anúncio de que a Igreja é devedora ao Homem» (Christifideles Laici, n.º 34), a todos os homens, porque a caridade tem a vastidão do mundo.

       12. Caríssimos irmãos da Caritas Diocesana, queridos avôs e avós, pais e mães, filhos e filhas, irmãos e irmãs, que Deus me deu nesta bela Diocese de Lamego, desafio-vos a todos a entretecermos, com as nossas mãos abertas e carinhosas, uma vasta rede de Amor em que todos nos sintamos unidos, envolvidos e empenhados. Apelo vivamente a que juntos defendamos o Amor, a Caridade, a Caritas. Se defendermos o Amor, o Amor defender-nos-á. O resto pouco vale. Até as mais majestosas construções caem.

       13. Apelo a todos os párocos e paroquianos de todas as paróquias desta nossa Diocese de Lamego a que, com a ajuda da Caritas Diocesana e em rede com ela e comigo, formemos o mais rapidamente possível – a tanto nos impele a urgência do Evangelho – em todas as paróquias Grupos de Caridade, Grupos Caritas, para que ninguém se sinta sozinho, abandonado ou desfigurado, mas todos transfigurados e configurados à Imagem de Cristo, Bom Pastor, que cuida carinhosamente de todas as suas ovelhas e vai, sem descanso, à procura da ovelha perdida até a encontrar.

       14. Ensina-nos, impele-nos, acaricia-nos, Senhor, com o vendaval manso do alento do teu Amor. Fica connosco, Senhor, bem no meio de nós, para te vermos bem no rosto dos nossos irmãos. Senhora do puro Amor, Mãe da Igreja e nossa Mãe, vela por nós, fica à nossa beira. É bom ter a Esperança como companheira.

Catedral de Lamego, 11 de março de 2012
D. António Couto, Bispo de Lamego

Quantas vezes deverei perdoar? 70X7

       O texto do Evangelho proposto para hoje é bem nosso conhecido. Mas nunca será demais refletir sobre a pergunta de Pedro a Jesus e a resposta do Mestre ao discípulo. É certamente um conteúdo muito original para aquele tempo e tão necessário na atualidade.
Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-Lhe: «Se meu irmão me ofender, quantas vezes deverei perdoar-lhe? Até sete vezes?» Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. Na verdade, o reino de Deus pode comparar-se a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. Logo de começo, apresentaram-lhe um homem que devia dez mil talentos. Não tendo com que pagar, o senhor mandou que fosse vendido, com a mulher, os filhos e tudo quanto possuía, para assim pagar a dívida. Então o servo prostrou-se a seus pés, dizendo: ‘Senhor, concede-me um prazo e tudo te pagarei’. Cheio de compaixão, o senhor daquele servo deu-lhe a liberdade e perdoou-lhe a dívida. Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários. Segurando-o, começou a apertar-lhe o pescoço, dizendo: ‘Paga o que me deves’. Então o companheiro caiu a seus pés e suplicou-lhe, dizendo: ‘Concede-me um prazo e pagar-te-ei’. Ele, porém, não consentiu e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto devia. Testemunhas desta cena, os seus companheiros ficaram muito tristes e foram contar ao senhor tudo o que havia sucedido. Então, o senhor mandou-o chamar e disse: ‘Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque me pediste. Não devias, também tu, compadecer-te do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?’ E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos, até que pagasse tudo o que lhe devia. Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão de todo o coração».
        Se olharmos para o perdão como uma concessão ao outro, a dificuldade em perdoar será bem mais complexa. Se olharmos par ao perdão como uma benesse que nos faz bem à saúde, à nossa saúde mental, emocional e até física, então já se torna mais simples perdoar. Mas nunca é fácil, sobretudo quando a ofensa atenta contra a minha, a nossa dignidade. Se o perdão for expressão do amor de Deus, e do amor que assumimos na relação com o outro; se o perdão nos capacitar para transformarmos a nossa vida pessoa, familiar, comunitária; se o perdão nos levar a colocar-nos no lugar do outro; se o perdão partir da convição das nossas limitações e falhas; se o perdão nos falar da alegria de nos sentirmos e nos sabermos perdoados por Deus e pelos outros, então talvez percebamos o desafio inquietante de Jesus: perdoar sempre. É o caminho. É o único caminho que nos liberta verdadeiramente das amarras do egoísmo, do orgulho, da inveja, do ciúme, do desejo de vingança, da conflitualidade doentia.
       Somos diferentes. Há que aceitar que o somos. A diferença aproxima-nos para nos completarmos. A diferença pode afastar-nos, porque nos sentimos agredidos/ofendidos. A diferença é uma característica fundamental do ser humano. O perdão encaixa na aceitação das diferenças. Mas encaixa sobretudo na dinâmica da caridade, do amor sem limites. Deus ama-nos infinitamente. Perdoa o nosso desvia, a nossa dúvida, a nossa hesitação, perdoa a nossa infidelidade, o nosso distanciamento. Aprendamos a perdoar com Ele e como Ele.

segunda-feira, 12 de março de 2012

D. António Couto em terras de Tabuaço

       Ontem, 11 de março, o nosso Bispo, D. António Couto, reservou a tarde para estar connosco em Tabuaço, a fim de benzer/inaugurar as obras de melhoramento da Igreja do Santuário de Santa Maria do Sabroso, na freguesia de Barcos, deste concelho/arciprestado de Tabuaço, e cuja paroquialidade está confiada ao reverendo Pe. Luís Ribeiro da Silva.
       O primeiro encontro foi com os sacerdotes a paroquiar neste espaço pastoral, à volta da mesa, na Santa Casa de Misericórdia de Tabuaço.
       Depois de breve visita às pessoas que se encontram no Lar, seguiu com o sacerdotes para o Santuário do Sabroso, para presidir à Eucaristia, com a bênção do altar e das obras realizadas neste templo antiquíssimo. No final a bênção do parque das merendas, no espaço circundante do Santuário. Houve ainda tempo para confraternizar com as pessoas, no lanche que se seguiu.
       Destaque-se uma significativa moldura humana, com paroquianos de Barcos mas também de paróquias vizinhas, como deste espaço: Tabuaço, Távora, Pinheiros, Carrazedo.
 
 
 
 
 
 
Para ver mais fotos, visite a nossa página do FACEBOOK (as fotos do Santuário foram-nos cedidas pelo Sr. Rui de Carvalho, Câmara Municipal de Tabuaço).

sábado, 10 de março de 2012

Domingo III da Quaresma (ano B) - 11 de março

       1 – O centro e o conteúdo essencial da fé cristã é Jesus Cristo e o mistério da Ressurreição. Sem Páscoa não haveria vida nova, não haveria Igreja, que nasce precisamente com a ressurreição de Jesus, pedra após pedra se ergue com Ele do sepulcro, para a luz e para a vida, para o mundo e para as alturas.
       Mas por ora, enquanto não chega a Páscoa, é tempo de caminhar, é tempo da travessia por todos os desertos da solidão, da doença e da morte. Ao terceiro dia, Ele levantar-se-á, e levantar-nos-á com Ele, dos escombros do pecado, do sofrimento e do mal, para nos dar a Sua vida nova, um novo Templo de graça, de verdade e de paz. As "dores da maternidade" ainda fazem mossa, ainda fazem sofrer, ainda nos fazem dobrar sobre nós próprios, em posição que espera o afago e o abraço de Deus, para levantarmos o olhar e vermos os novos Céus e a nova Terra, que nos aguardam e atraem.
       O Evangelho deste terceiro domingo da Quaresma fala-nos do sinal maior que Jesus nos poderá dar: a Sua ressurreição. O templo cairá por terra e da terra, a que pertencemos, e a que Deus quis e quer pertencer, por Jesus Cristo, erguer-se-á o Templo do encontro, da festa, da alegria, até à eternidade.
       "Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. Encontrou no templo os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas sentados às bancas. Fez então um chicote de cordas e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois; deitou por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou-lhes as mesas; e disse aos que vendiam pombas: «Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio»...
       Então os judeus tomaram a palavra e perguntaram-Lhe: «Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?». Jesus respondeu-lhes: «Destruí este templo e em três dias o levantarei»... Muitos, ao verem os milagres que fazia, acreditaram no seu nome. Mas Jesus não se fiava deles, porque os conhecia a todos e não precisava de que Lhe dessem informações sobre ninguém: Ele bem sabia o que há no homem".
       O templo de pedra é sinal da presença de Deus no meio de nós, e daí a necessidade de ser respeitado por nele transparecer a Sua luz. É também sinal de outro templo, e da vida nova, o Templo que é o próprio Jesus Cristo, onde Se pode encontrar Deus de verdade, e o templo que somos nós, imagem e semelhança de Deus, sacrários vivos do Altíssimo.
       2 – Como em tudo na vida, o caminho também é importante. Não adianta correr se não sabemos para onde nos leva a estrada, a ruela, a avenida. Pode ter um piso agradável, macio, colorido, artístico, mas por aí não nos leva a bom porto, porque não sabemos também onde aportar. Não podemos navegar sem orientação. Para o barco que não sabe para onde navega, todo o vento é desfavorável. Como cristãos sabemos o destino: a vida eterna, a comunhão em plenitude junto de Deus. Mas a vida em Deus não é futuro, não somente futuro, é também presente, é também vida, é também a nossa casa, as nossas paixões, as nossas vivências, os nossos projetos; a eternidade vislumbra-se e inicia a partir daqui, do lugar em que me encontro, no mundo que é a minha casa, a minha família, a minha vizinhança, o mundo que é a minha aldeia, a minha paróquia, a minha vila e a minha cidade, a minha escola e o meu trabalho.
       Por sorte, não estamos num labirinto fechado, escurecido, traiçoeiro, ainda que possa haver labirintos na nossa vida e possam existir tantos caminhos quantas as pessoas que estão a caminhar. Os que nos precederam na fé, inspirados por Deus, clarearam a quaresma que temos de fazer para nos acercarmos da Páscoa, tapetearam a estrada para que as quedas não nos destruíssem e nos fizessem destruir.
       Escutemos Moisés: "Não terás outros deuses perante Mim... Não adorarás outros deuses nem lhes prestarás culto... Não invocarás em vão o nome do Senhor teu Deus... Lembrar-te-ás do dia de sábado, para o santificares..., o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus... Honra pai e mãe, a fim de prolongares os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te vai dar. Não matarás. Não cometerás adultério. Não furtarás. Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo. Não cobiçarás a casa do teu próximo; não desejarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo nem a sua serva, o seu boi ou o seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença".
        É um bom ponto de partida para nos tornarmos cúmplices de Jesus Cristo. Os Mandamentos continuam a ser para a Igreja (e para os cristãos) e para o mundo (como base dos Direitos Humanos) uma referência fundamental, que nos exercitam na convivência com Deus, e na caridade para com todos.

       3 – Os sinais pedidos a Jesus são-nos também exigidos a nós, como seus discípulos, seus seguidores. Tal como Ele, o maior sinal para nós é a ressurreição que emoldura a CRUZ do amor, da paixão, da entrega que n’Ele, Deus feito homem, nos é ofertado em plenitude.
       "Os judeus pedem milagres e os gregos procuram a sabedoria. Quanto a nós, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios; mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens".
       No nosso itinerário quaresmal até à Páscoa, e até à vida eterna, há de haver lugar à partilha, à solidariedade, à comunhão, ao serviço, traduzindo em concreto a cruz, expressão do amor, da caridade, e daquela – a cruz –, dar sinais, deixar o vislumbre da LUZ que nos vem da RESSURREIÇÃO e de nos tornarmos, pela fé, pelo batismo, cúmplices de Jesus Cristo. Anunciamos a morte e a ressurreição até que Ele venha. Anunciamos como Ele, em palavras que se tornam vida gasta com os outros e a favor dos outros. No compromisso com os outros, na justiça e na caridade, a ressurreição acontecerá.

Textos para a Eucaristia (ano B): Ex 20, 1-17; 1 Cor 1, 22-25; Jo 2, 13-25.