1 – A morte de Jesus surpreende os seus discípulos, e muitos dos judeus que O seguiam, que esperavam d'Ele a salvação de Israel, que como Messias haveria de iniciar novos tempos, uma realeza que devolveria o esplendor a todo o povo de Israel, como povo eleito, como povo da Aliança. Esperava-se que "impusesse" a omnipotência de Deus. Nada disso aconteceu. Aquele Jesus, que toma consciência da Sua filiação divina, não passa de mais um fracassado da história. Tantas palavras, tantos gestos e milagres, e tem o mesmo destino de outros profetas, de outros desgraçados, de outros injustiçados pelas sociedades do seu tempo.
Com a morte, advém a dispersão dos Apóstolos e de todos aqueles que andavam com Ele. Já antes se mantinham à distância. O que mais se aproxima é Pedro, que vai até ao pátio, para junto dos soldados, mas logo que alguém o interpela nega a sua identificação com o Mestre dos Mestres. A primeira igreja dorme quando o seu Senhor clama a Deus, rezando em brados de agonia. Dorme quando se aproximam os que O levarão ao Calvário e o seu discípulo de confiança O entrega com um gesto de intimidade, um beijo.
Mas mais surpreendente é a ressurreição. Se a morte cala todos os que seguem Jesus; a Sua ressurreição deixa sem palavras os que fazem a experiência de encontro com Jesus ressuscitado. A morte é escandalosa, Jesus morre abandonado por todos, "sem Deus". Ele que Se apresentara como Filho, agora sente a angústia da morte. Sente o desalento de morrer sozinho. Só num derradeiro momento, Se entrega às mãos d'Aquele que o pode livrar da morte eterna e que O ressuscitará.
Diga-se, no entanto, que a postura de Jesus, como a de muitos profetas, não deixa antever nada de bom. Jesus tem consciência que para se manter fiel a Deus e à Sua missão, dificilmente sobrevirá por muito tempo. Assim aconteceu com os profetas de Israel.
A ressurreição é algo de novo, de diferente, que não cabe nos nossos (pré) conceitos humanos, nos limites da nossa história e do nosso tempo. E nem o anúncio da ressurreição que Jesus faz aos seus discípulos abre para qualquer esperança. A ressurreição, para os que a professam, é para a vida futura, para o fim dos tempos. Mas eis que com Jesus chega o fim do tempo, o fim do mundo como o conhecemos. Ele ressuscita e aparece aos seus discípulos. A "igreja" acorda. Surpreende-se. Reúne-se à volta do Seu Mestre e Senhor. Forma-se como comunidade, comunidade nova, convocada pela vida nova de Cristo Jesus.
2 – Passado o sábado, surge o primeiro dia da nova criação, o DOMINGO (Dies Domini: Dia do Senhor). Os amigos de Jesus voltam ao lugar da morte, voltam ao passado, para se reencontrarem na proximidade física com o corpo do Mestre, mas são abalroados pelos acontecimentos. Os "rumores" têm fundamento, o corpo de Jesus não está no sepulcro, não pode estar, não é possível, o que é que aconteceu, onde puseram o Seu corpo sem vida?
Maria Madalena, e certamente outras Marias e outras mulheres, vai venerar o seu Senhor, vai chorar para junto da Sua sepultura. Com o sábado, dia sagrado, nem deu para fazer convenientemente o luto pelo amigo que morreu. Não é a mesma coisa, mas há algum conforto junto do corpo daqueles que partiram para sempre, a memória dos tempos passados em convivência. Como muitas pessoas sentem a necessidade urgente de ir ao cemitério, para chorar, para se sentirem próximas dos seus entes amados, também Maria Madalena, agradecida por tudo o que Jesus fez por ela, ao curá-la das suas enfermidades, tornando mais belos e fáceis os seus dias. Maria Madalena não encontra forma de agradecer convenientemente. A sua vida perdera encanto, por uma doença grave – sete demónios –. A riqueza material não lhe aliviava o sofrimento atroz. Jesus cura-a e ela coloca, como outras mulheres e outros senhores, os seus bens ao serviço de Jesus e dos seus discípulos. Mas não apenas os bens, vai também ela servi-los. E agora que Ele morreu, sente que não agradeceu o suficiente.
"No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo que Jesus amava e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram». Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou".
Chega Maria, chega Pedro, chegamos nós – o discípulo amado –, e encontramos o túmulo vazio. E agora, que fazer? Ardia cá dentro a esperança que tudo não tivesse passado de um sonho, mas Ele morreu, o seu Corpo foi entregue para ser depositado, a pedra rolou pesada no sepulcro escavado na rocha! Não queríamos acreditar, mas aconteceu mesmo. Agora com o túmulo vazio, o que pensar? Terá acontecido o que Ele tinha prometido, ressuscitar e encontrar-Se com os Seus?
Debruçamo-nos para ver o lugar da morte, e encontramos o túmulo vazio, com os sinais de uma presença, ou melhor, de uma ausência, não se encontra lá ninguém, só as roupas que O embrulharam na morte. Acreditam, não há sinais de assalto, de roubo, tudo está direitinho. Houve tempo para deixar tudo muito bem arrumado.
3 – Vai ser uma longa jornada. Se a via crucis (Via sacra, Caminho da Cruz) atravessa uma semana, a via lucis (também Via sacra, Caminho da Luz), atravessa os Céus, traz-nos um novo dia e estará por muitas semanas, muitos meses, muitos anos. A Igreja que germina aos pés da cruz, nasce iluminada pela LUZ da ressurreição. Com efeito, a cruz só vale para nós na medida em que a Luz no-la mostra como sinal de amor, de dádiva até ao fim. O que nos salva não é, de modo nenhum, o sofrimento de Jesus Cristo, o que nos salva, verdadeiramente, é o Seu amor por nós. Ainda que o amor envolva o sofrimento. Quem ama, de verdade, arrisca-se a sofrer. Jesus arrisca sofrer por amor. É o amor que O liga a Deus, é o amor que O liga à humanidade, é o amor que nos liga uns ao outros para nos tornarmos comunidade.
O encontro com o Ressuscitado provoca o anúncio da vida nova, o testemunho. Não se pode calar aquele que vive, que festeja, que tem motivos para sorrir. A festa é "barulhenta". Não há festa que não envolva pessoas, que não envolva música e dança, que não envolva partilha e comunhão. Ninguém faz festa sozinho. Precisamos dos outros para chorarmos, para que as nossas lágrimas tenham algum sentido. Precisamos dos outros para fazer festa. Como a mulher que encontra a dracma perdida e chama as amigas para festejar com elas, gastando tudo o que encontrou. Ou como o pastor que encontrou a ovelha perdida, depois de tanto procurar, e salta, grita, rejubila.
Obviamente, a festa também acontece cá dentro, mas não cabe em nós. Uma boa notícia sabe melhor quando partilhada. A ressurreição é um acontecimento tão surpreendente que não cabe nas palavras dos discípulos, não cabe em casa, ainda que seja em casa que a festa se inicie. Há que espalhar por outros a alegria da vida nova.
"Pedro tomou a palavra e disse: «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n'O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d'Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados»".
4 – A nova terra e os novos céus, aguardados e prometidos pelos profetas e concretizados pela RESSURREIÇÃO de Cristo Jesus, não se encontram assim tão visíveis. A missão dos cristãos é fazer com que a ressurreição de Cristo, e a comunhão nesta ressurreição, pelo batismo e pelos outros sacramentos, seja luminosa para a história e para o mundo. Com a ressurreição todos os recantos deveriam ficar iluminados pela esperança, pela paz, pela vida nova, pelo encontro com o divino.
Porém, ao longo da história da Igreja, como na atualidade, os sinais de morte, de desistência, de destruição, de crise, continuam a imperar. Podemos perguntar-nos onde está a eficiência da Ressurreição de Jesus Cristo? Onde está a vida nova que engendramos (que Deus engendra em nós) a partir do batismo? Teremos, talvez, que morrer ainda, de morrer primeiro, de morrer para muitos vícios e seguranças pessoais, de morrer para muitas tradições e costumes, e manias. Não há PÁSCOA se não houver morte. Não há vida nova, se a vida "anterior" continuar a reinar nos gestos e nas palavras que deveriam ligar-nos aos outros.
As duas missivas do Apóstolo São Paulo propostas como alternativa para a segunda leitura deste DOMINGO, são por demais provocadoras: "Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória". É urgente aspirar às coisas do alto. Morremos e a nossa vida está escondida com Cristo em Deus, Ele atrai-nos, deixemo-nos atrair.
"Cristo, o nosso cordeiro pascal, foi imolado. Celebremos a festa, não com fermento velho, nem com fermento de malícia e perversidade, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade".
Se nos fosse possível manteríamos o melhor de dois mundos, o do passado, da morte, do velho, do tradicional, e o da vida nova, da esperança, da ressurreição, da adesão a Cristo Jesus. É um risco que sai caro, acabamos por nem viver num mundo nem em outro. Como seria possível colocar vinho novo em odres velhos? Pergunta-se Jesus. Para vinho novo, vasilhames novos, não se vá perder uma e outra coisa, os odres e o vinho. Se a vida é nova, vivamos como novas criaturas, de Deus e para Deus, compartilhando com os outros o melhor de nós mesmos, o Deus que nos habita.
Textos para a Eucaristia: Act 10, 34a, 37-4 ; Col 3, 1-4; 1Cor 5, 6b-8 ; Jo 20, 1-9.
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