O papa Bento XVI, na encíclica Caritas in Veritate, deixa esta afirmação sucinta mas reveladora: “A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos” (19), acentuando que “o primeiro capital a valorizar é o homem, a pessoa na sua integridade” (25).
O atual Papa, Francisco, na Viagem a Lampdusa (8 de julho de 2013), e na Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1 de janeiro de 2014) retomou estas palavras de Bento XVI, sublinhando que “esta cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da indiferença” (Lampdusa) pois nos “faz habituar ao sofrimento alheio” (Dia Mundial da Paz).
Contradição absurda: os que estão perto de nós são-nos estranhos de tal forma que nos surpreendem, positiva ou negativamente, sem que esperássemos por tal. Começa a verificar-se aquilo que é ridicularizado no ambiente digital: membros da mesma família, no mesmo espaço físico, usam as redes sociais para poderem falar entre si. Tornamo-nos surdos e cegos aos que estão perto e ávidos das novidades longínquas.
Tudo o que se passa, em todo o mundo, acessível a uma palavra, um toque, um clique. Por outro lado, como vem a acentuar o Papa Francisco, tanta informação sobre desgraças alheias vão-nos deixando anestesiados contra o que vemos e ouvimos. Gera-se a globalização da indiferença, já nada nos choca, mais desgraça menos desgraça, milhares de pessoas que morrem à fome, famílias destruídas pelos cartéis de droga. E, pelo meio, se globaliza a cultura do descarte. As pessoas são descartáveis se impedem a realização dos meus interesses pessoais ou os objetivos da empresa. Talvez choque mais quando as Bolsas de Valores desvalorizam 1% nas suas ações!
Rodeados por multidões, nesta aldeia global, e continuamos sozinhos, a remar cada um por si. A informação e o conhecimento são utilizados em benefício próprio, qual Adão e Eva que se apropriam do fruto da árvore, que afinal é dom para todos. O individualismo corre juntamente com a globalização. Por outro lado, alguns esforços de solidariedade protagonizadas pelas redes sociais e que rapidamente se expandem; sendo benéficos e pragmáticos correm também o sério risco da banalização e da indiferença. Tantas causas que “globalizamos”: tanta gente necessitada que todos os esforços são inúteis, pois não conseguimos chegar a todo lado. De que adiantará ajudar uma pessoa que seja senão mudo o mundo? Resta-nos rezar e comover-nos?!
A oração e a comoção como ponto de partida e referência, mas há que potenciar tudo o que pode aproximar-nos e comprometer-nos…
in VOZ DE LAMEGO, n.º 4259, de 8 de abril de 2014
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