1 – "Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria". É o DIA maior da nossa fé, o Dia do Senhor, Domingo da nossa salvação. Em Jesus, Deus recria a humanidade desgastada pelo pecado, imergindo-a na Sua morte, para com Ele nos ressuscitar. "A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. Tudo isto veio do Senhor: e é admirável aos nossos olhos". Aquele que foi morto, está vivo, voltou para nós. Por momentos roubaram-nos a Luz, ficamos, como discípulos, adormecidos na noite, nas trevas, desenganados. Pensávamos, como discípulos de Emaús, que Ele seria a nossa esperança, a esperança para todo o povo. Acompanhamo-l'O ao Calvário, vimos como foi violenta a Sua morte. O mensageiro da paz, da justiça e da igualdade entre todos, como filhos bem-amados de Deus, afinal foi mais uma vítima da história, dos poderes instituídos, vítima da própria religião. Quando demos por nós já Ele dava o último suspiro.
Regressámos a nossas casas, recolhemo-nos, assustados, enrolados sobre o nosso medo. Fechamos portas e janelas, fechamos o nosso coração ferido pelo suplício da Sua cruz. Nem queríamos acreditar! Como foi possível que matassem um homem justo? Como é que Deus, que Ele anunciava como Pai misericordioso e compassivo, deixou que Lhe acontecesse uma coisa destas? Pregava que os últimos seriam os primeiros, como é que Se tornou definitivamente um dos últimos e não protestou contra os que lhe batiam e arrancavam a barba (cf. Is 50, 6)?
Mas afinal, o que é que correu mal? Não dizia Ele que tinha de acontecer para Se manifestar a glória de Deus? Cumprir-se-iam as Escrituras, mas este "é já o terceiro dia depois que isto aconteceu" (cf. Lc 24, 13-35). Onde está Aquele sobre Quem desceu o Espírito de Deus, para anunciar a Boa Nova aos pobres e libertar os cativos e proclamar um ano favorável da parte do Senhor, cumprindo a profecia de Isaías (cf. Lc 4, 16-21)?
Manhã cedo, o primeiro Dia da Semana, ainda escuro, uma das mulheres que acompanhavam e serviam Jesus, Maria Madalena, foi ao sepulcro e viu a pedra retirada. Mais um contratempo: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram». Já não bastava terem morto o Mestre, ainda nos roubam o Seu corpo. Era tempo de fazer o luto e mais um sobressalto!
Pedro, um dos discípulos mais genuínos, mais espontâneo, e o discípulo amado, que não tendo nome, poderá ser cada um de nós, se tivermos a humildade de nos inclinarmos sobre o peito de Jesus, para O escutar, correm para ver o que terá acontecido com o corpo de Jesus. E o que veem quando chegam ao sepulcro? "As ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte". Nada de sobrenatural. Só então começam a entender a "Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos", e que o Próprio, em diversas ocasiões, tinha anunciado. Será então verdade? Ao debruçarem-se e ao entrar no sepulcro, acreditaram no que Jesus lhes tinha dito anteriormente. Foi para este dia, o mais santo, o Dia do Senhor, que Jesus os preparou. Certos que a imensa Luz da Páscoa não anula a fragilidade e a dureza dos nossos dias, mas um lampejo de esperança poderá ser suficiente para que as trevas e o desencanto não ocupem o lugar da vida e da felicidade, como caminho a percorrer, com esforço e sacrifício, por vezes, mas conscientes que Jesus venceu a morte e nos introduz na vida divina.
Desde então, as portas começaram a abrir-se. Os discípulos deixam de estar dobrados sobre si mesmos, a reclamar com vida, a protestar com Deus, a interrogar-se sobre o desenrolar dos acontecimentos, para pouco a pouco deixarem que a Luz de Cristo inunde toda a casa, toda a sua vida e lhes solte a língua para proclamem o Evangelho a todos os povos, fazendo discípulos.
3 – "Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria". Este é o dia em que Jesus nos convoca, na esperança, a uma nova vida. Somos novas criaturas. Fomos batizados na Sua morte e, sobretudo, na Sua Ressurreição, recebemos a graça do Espírito Santo, para integrarmos o Seu Corpo, que não nos foi roubado, mas oferecido como oblação pelos nossos pecados e nos foi devolvido, para formarmos o Seu Corpo que é a Igreja, da qual somos membros. O Corpo de Jesus Cristo é-nos dado especialmente na Eucaristia, dom da vida nova, sacramento da caridade. Comungando do mesmo Pão, do mesmo Corpo, para verdadeiramente formarmos um só Corpo, o de Cristo Jesus, como irmãos.
"Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória".
Na segunda leitura, escutámos este desafio do Apóstolo, na certeza que a vida nova que recebemos em Cristo, ressuscitando com Ele, nos há de conduzir a uma postura renovada, semelhante à d'Ele, procurando descobrir nos outros a presença de Deus, afeiçoando-nos às coisas do alto, não para fugirmos da responsabilidade que a eles nos liga mas para que sejam mais puros os nossos compromissos e para não nos deixarmos abater pelas adversidades. Se confiarmos apenas nas nossas forças, poderemos facilmente cair na idolatria, na arrogância e no desânimo, conforme as coisas corra bem ou mal. De olhar fito em Deus não corremos o risco nem da prepotência nem do desânimo definitivo, qual poço sem fundo.
4 – Destemidamente, São Pedro, corrigindo o caminho que o levou a negar o Mestre, inundado com a Luz da Fé, a Luz da Ressurreição, torna-se um valoroso testemunho de tudo o que sucedeu a Jesus: «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n'O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se¬, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d'Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados».
Também de Pedro se poderia dizer o mesmo que de Jesus: "A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. Tudo isto veio do Senhor: e é admirável aos nossos olhos", se bem que neste caso foi o próprio que se tornou pedra de tropeço, ainda que Jesus o quisesse e preparasse para ser a pedra sobre a qual funda a Sua Igreja. "Tudo isto é admirável a nossos olhos". O Senhor está connosco, entre nós, para que nada nos distraia da vida. "Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria".
5 – Por fim, mas não menos importante, a presença luminosa das mulheres, junto à Cruz, junto ao sepulcro, sempre perto de Jesus, para O servir, para darem testemunho acerca d’Ele até junto dos Seus apóstolos. Mulheres e Mães custodiam a vida. Eva, a primeira Mulher, a mãe de todos os viventes. Maria, a nova Eva, Mãe de todos os crentes em Cristo. Desde o primeiro dia da criação, desde o “dia que o Senhor fez”, na primeira hora do dia, ainda escuro, as mulheres (ou na versão joanina, Maria Madalena), na vida e na morte, se mantêm perto de Jesus. Maria, Mãe de Jesus, com o seu SIM coopera com Deus, iniciando-se a nova criação. Firme, com outras mulheres, Nossa Senhora reúne à sua volta dos discípulos desiludidos, mantendo acesa a chama da esperança em Deus, em clima de oração.
Serão as mulheres as primeiras testemunhas da Ressurreição, as primeiras a sentirem a proximidade de uma vida nova, as primeiras a acolher Jesus vivo.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 10, 34a, 37-43; Sl 117 (118); Col. 3, 1-4; Jo 20, 1-9.
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
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