1 – Nas costas dos outros vemos as nossas. É um ditado popular que nos revela o que podem dizer de nós. Ouvimos o que dizem dos outros e ficamos a saber que as mesmas pessoas dirão coisas semelhantes a nosso respeito quando não estivermos presentes. E há aqueles que fazem as mesmas perguntas que Jesus: «Quem dizem os [outros] homens que Eu sou?».
A resposta dos discípulos é generosa, filtrando talvez algumas opiniões mais desfavoráveis: «Uns dizem João Baptista; outros, Elias; e outros, um dos profetas». Se nos entranharmos no Evangelho verificaremos outras visões acerca de Jesus: um louco ou tresloucado, um endemoninhado, um perigoso revolucionário, um herético, cujas blasfémias bradam aos céus.
Rapidamente Jesus dá um passo em frente: «E vós, quem dizeis que Eu sou?».
Percebemos bem as implicações desta pergunta. Saber o que os estranhos dizem a nosso respeito é relativo. Obviamente que pessoas muito sensíveis muito se deixam afetar pelas opiniões alheias, venham de onde e de quem vierem. Mas o importante mesmo é saber o que dizem de nós os nossos amigos. Até que ponto nos conhecem? O que dirão de nós quando não estivermos?
O DIZER implica-nos, implica a nossa amizade, implica a vida. Há ruído que se perde em palavreado, mas há também a comunicação que nos aproxima, nos irmana, nos familiariza com os outros. Pedro responde também em nosso nome: «Tu és o Messias».
É uma primeira Profissão de Fé que terá um longo caminho de amadurecimento. A firmeza da confissão de fé ditará a firmeza do seguimento. Jesus liga as duas realidades. Imediatamente, Jesus lhes diz o que significa ser Messias e as consequências do ACREDITAR e de O SEGUIR. O filho do homem vai sofrer muito, há de ser morto e ressuscitará. Que direis de Mim?
2 – As palavras de Jesus preanunciam espessas nuvens no horizonte e que merecem de novo a intervenção pronta de Simão Pedro, que O contesta abertamente. Voltando-Se, Jesus repreende-o: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens». Na interpretação de D. António Couto, Bispo de Lamego, a tradução deveria ser “Vai para trás de MIM, satanás". Isto é, não queiras ser Mestre, terás que ser discípulo e seguir-Me. Aliás é esse o desafio lançado aos discípulos mas também à multidão que Ele chama a Si: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á».
Para a multidão, para os discípulos, para nós, ser discípulo de Jesus é segui-l'O, pois Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. É necessário que Ele cresça e diminua o nosso ego.
3 – Vou dizer-te uma coisa... queria pedir-te um favor... mas antes quero que prometas que vais guardar para ti, que vais fazer tudo para atenderes ao meu pedido. Quando queremos dizer algo de importante, primeiro tentamos garantir a confiança de quem vai ser depositário dos nossos segredos. Quando queremos que alguém nos ajude, fazemos com que se compromete antes de lhe dizermos o que é, pondo à prova a amizade.
Jesus precisa de garantir a firmeza dos apóstolos, mas também da multidão, para saber que pode confiar, pode dizer-lhes mais coisas, pode abrir o Seu coração por inteiro e projetar já os tempos difíceis que estão para vir.
O tato de Jesus é extraordinário. Faz perguntas circunstanciais. Depois pergunta diretamente àqueles que estão com Ele, confia-lhes e desvenda-lhes um pouco do futuro, que progressivamente se vai evidenciar pela oposição e contestação de algumas franjas de judeus. Diz ao que vem. A minha vida será assim. Quereis seguir-Me? Sabei o que vos poderá acontecer.
O chamamento não é um exclusivo dos discípulos mais chegados, é para todos. Será necessário sempre um grupo mais comprometido, garantindo uma comunicação mais eficiente e uma maior fidelidade ao Evangelho. A perspetiva, contudo, é instrumental, é para chegar a mais pessoas, perdurar por mais tempo, e manter a mesma frescura inicial. Logo Jesus chama a multidão. A mensagem é para todos. Todos ficamos implicados: «Se alguém quiser seguir-Me, tome a sua cruz e siga-Me». O recado é clarividente: seguir ATRÁS, decalcando as Suas pegadas.
4 – Como ter fé diante da pobreza material, da miséria espiritual, do sofrimento atroz, das desgraças que nos cercam, da doença crónica, da solidão, do medo do futuro, da precariedade do emprego e do trabalho, dos projetos e dos sonhos desfeitos, da traição, da divisão, da rutura familiar, da fadiga da vida, da depressão, da violência gratuita, das imagens que nos entram pelos olhos adentro, com os refugiados, as crianças inocentes mortas, a corrupção, os assaltos, a morte? Nas palavras de Bento XVI, como testemunhar a fé perante tantos desertos exteriores que se multiplicam, aos quais acrescem os desertos interiores, a desesperança, a solidão, o sentido para a vida, o afastamento dos amigos? É precisamente então que a fé terá que iluminar!
Na alegria e na festa, na saúde e na bonança, na beleza e na vida, a fé potencia-nos, eleva-nos, faz sentir que a nossa existência tem as marcas de Deus. Conforta-nos saber que contamos para Deus e para os outros. Há alturas da vida que parece que tudo aquilo em que tocamos se transforma em ouro.
Na tristeza e na solidão, na doença e na carestia, no luto e na morte, a fé pode ser a salvação, mas poderemos não ver mais que trevas e dúvidas e hesitação e desespero. Quando a vida não corre ou nos corre mal, nem nos apetece rezar, muito menos para agradecer ou para louvar a Deus. Mas Deus, sempre Deus, não desiste de nós. Quere-nos. Ama-nos no mais profundo, no mais íntimo, no mais entranhado do Seu Coração. Dá-Se-nos por inteiro. Faz-Se UM connosco.
O profeta Isaías experimenta a dureza do caminho, o chamamento de Deus, a persistência que nos há de levar mais longe, e que antecipa a missão Jesus: «O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra e sei que não ficarei desiludido. O meu advogado está perto de mim. Pretende alguém instaurar-me um processo? Compareçamos juntos. Quem é o meu adversário? Que se apresente! O Senhor Deus vem em meu auxílio. Quem ousará condenar-me?».
As palavras do Profeta tornam-se visíveis e visualizáveis na vida de Jesus.
5 – Os bons amigos veem-se na adversidade. Jesus prepara-nos para todos os momentos. Por isso nos previne. Sermos seus amigos não nos livra das dificuldades. Por maiores que sejam o obstáculos, a nossa fé há de prevalecer, fortalecendo-nos.
Quando advêm os escolhos, os amigos diminuem, ou melhor manifestam a força ou a debilidade da ligação. Mutatis mutandis, assim com a fé. A fé ilustra-se no compromisso, no dia-a-dia. Como todas as ligações, entre amigos, no casal, numa associação, num grupo. Quando aperta é que se vê a fibra de quem permanece.
São Tiago, uma vez mais, ajuda-nos a confrontar a autenticidade da nossa fé com a verdade da nossa caridade. "De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação? Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhes disser: «Ide em paz. Aquecei-vos bem e saciai-vos», sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: «Tu tens a fé e eu tenho as obras». Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé".
Colocados diante de situações concretas, como reagiremos? Como respondemos aos desafios que nos são colocados pelas pessoas mais carenciadas? E o que nos diz a vaga de refugiados?
Jesus, como víamos no domingo passado, abre-nos os ouvidos e solta-nos a língua para que a Palavra de Deus ressoe em nós e nos faça professar a Fé em Deus. E se professamos a fé no Deus de Jesus Cristo, as consequências são óbvias, ainda que tenhamos que carregar a Cruz.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia: Is 50, 5-9a; Sl 114 (115); Tg 2, 14-18; Mc 8, 27-35.
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