1 – O discípulo de Jesus sabe agradecer tudo quanto de bom lhe é dado da parte do Senhor. A gratidão, com efeito, é o caminho da humildade de quem se reconhece mendigo, pronto para aprender, para acolher o bem que vem dos outros, disponível para mudar o que é necessário para se tornar transparência e testemunha de Jesus Cristo.
Só a humildade nos faz santos. A santidade constrói-se no serviço humilde e dedicado ao seu semelhante, sob a bênção e a proteção de Deus.
O Evangelho faz-nos ver o caminho de Jesus. Está a caminhar para Jerusalém, onde dará a vida por amor, onde o amor O levará a gastar-Se por inteiro, até à última gota de sangue. A Cruz é expressão do máximo amor e da máxima entrega. Nada nos separa do amor de Deus, nem a espada, nem qualquer poder, nem a morte. Em Jesus Cristo, Deus desceu ao mais humano, ao mais frágil, ao mais vil, para nos elevar com o Seu filho, ressuscitando-nos.
O caminho de Jesus não é linear, como não é linear a nossa vida. Altos e baixos. Alegrias e tristezas. Festa e luto. Júbilo e lágrimas. A linearidade da vida de Jesus é a entrega, a doação, o cumprimento da vontade do Pai, não Se desviando nem um milímetro deste propósito, mesmo quando a dor é mais profunda e mais aguda. Ao longo do Seu caminho terreno, em que Ele próprio Se faz Caminho para nós, Jesus não segue alheado de quem O rodeia, de quem Se aproxima, de quem pede ajuda, de quem nem sequer pede ajuda porque não tem forças ou porque tem vergonha. Pára. Volta atrás. Desvia-se no trajeto, do caminho para a periferia, para das margens para os recuperar para a vida, para o centro.
2 – No Evangelho de hoje, 10 leprosos aproximam-se o suficiente para se fazerem ver e ouvir por Jesus. Daqui se infere que a fama de Jesus se espalhara. Os leprosos não se aproximam de um ídolo, de uma estrela, mas de Alguém cuja docilidade, delicadeza, proximidade atrai.
A lepra é um estigma social. Os leprosos são mantidos à distância, isolados, deixados de fora, até que, por qualquer razão, fiquem bem. Aparte para sublinhar que naquele tempo todas as doentes de pele estão incluídas na lepra e qualquer mancha assusta e, por conseguinte, pelo sim pelo não, há que afastar as pessoas "contagiadas" para não contagiarem os outros.
Jesus não só não Se afasta como Se aproxima. Veja-se a nuance dos ditos. Os leprosos disseram em alta voz – «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós». Jesus simplesmente lhes diz: «Ide mostrar-vos aos sacerdotes». Jesus não precisa de levantar voz, está perto. Levantamos a voz quando estamos distantes, fisicamente, ou quando os nossos corações estão afastados.
A ordem de Jesus implica os próprios. O milagre acontece quando se colocam a caminhar. O movimento faz-nos bem. Ensimesmados adoecemos, ficamos raquíticos. Já bem basta quem tem mobilidade reduzida. Mexamo-nos pela nossa saúde. Vamos ao encontro dos outros. Prefiro uma Igreja acidentada por sair, que uma Igreja doente, com mofo, estagnada por não sair. São palavras bem conhecidas do Papa Francisco.
3 – Quando se põem a caminho, os 10 leprosos ficam curados. Como reagem? "Um deles, ao ver-se curado, voltou atrás, glorificando a Deus em alta voz, e prostrou-se de rosto em terra aos pés de Jesus, para Lhe agradecer. Era um samaritano".
Samaritanos e judeus/galileus não se davam (três regiões distintas, a mesma origem religiosa). É, contudo, um samaritano que regressa, louva a Deus e agradece a Jesus. Talvez não considere que Jesus seja Deus, mas reconhece que Deus Se manifestou através de Jesus. O dom que recebeu leva-o à precedência, à origem da dádiva.
A reação de Jesus é instintiva, imediata, espontânea: «Não foram dez os que ficaram curados? Onde estão os outros nove? Não se encontrou quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?». E disse ao homem: «Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou».
Quando Jesus intervém com a Sua palavra e ordenando que se ponham a caminho, sabendo o que vai acontecer não foi com o objetivo de ser reconhecido ou aclamado, mas até Deus espera uma resposta. O Seu amor é gratuito, sem reservas nem condições prévias. Mas como lembrava Bento XVI, Deus ao criar-nos por amor, voltando-Se para nós com o Seu olhar misericordioso, enviando mensageiros para nos falarem da fidelidade de Deus e do Seu amor por nós, ao dar-nos Jesus Cristo, espera uma resposta da nossa parte. Dá-nos a liberdade inteira de Lhe virarmos as costas, de O negarmos, de nos mantermos longe d'Ele, mas ao amar-nos, envolve-nos e desafia-nos a uma resposta (positiva).
Por outro lado, uma das maiores injustiças é a ingratidão. Significa que a pessoa se apossou do dom recebido, é uma usurpação do benefício, um fechamento ao outro e a tudo o que o outro pode dar-nos, enriquecendo-nos. No caso, a ingratidão é para com Deus. É o pecado de Adão e Eva. O que foi dado a todos, como graça, como dom, é escondido, é remetido para o privado. A conversão passa pela gratidão. E também a salvação. Reconhecer-se a caminho. Acolher e agradecer as graças de Deus. Fazer com que o dom possa ser testemunhado, comunicado, partilhado com os outros, em comunidade.
4 – Na primeira leitura encontramos uma situação similar, lembrando a habitual afinidade entre a primeira leitura e o Evangelho. O general sírio Naamã, obedecendo à ordem de Eliseu, mergulha por sete vezes no rio Jordão e fica curado. Ao ficar curado, volta junto de Eliseu para lhe agradecer. «Agora reconheço que em toda a terra não há outro Deus senão o de Israel. Peço-te que aceites um presente deste teu servo».
Também Naamã é um homem estrangeiro. Não importa a origem ou o ponto de partida, importante mesmo é a postura que assumimos diante de Deus e dos outros. O Papa Francisco lembra-nos como as três palavrinhas podem modificar o nosso relacionamento em família e em sociedade: "desculpa", "com licença", "obrigado". A gratidão dispõe-nos para os outros.
Da parte de Eliseu, a humildade, reconhecendo que é para Deus que deve ir o louvor e a gratidão: «Pela vida do Senhor que eu sirvo, nada aceitarei».
Na continuação do texto vê-se que, apesar da recusa de Eliseu, o sírio Naamã tem um gesto de simpatia, doando uma porção de terra para a construção de um altar em honra do Deus de Israel, partilhando também alguns alimentos com Eliseu.
5 – A oração de coleta, que nos dispõe à escuta da Palavra de Deus e à partilha do Pão da Eucaristia, interpela-nos a acolhermos a graça de Deus com o compromisso de a colocarmos em marcha, concretizando-a na nossa vida e na relação com os outros. "Nós Vos pedimos, Senhor, que a vossa graça preceda e acompanhe sempre as nossas ações e nos torne cada vez mais atentos à prática das boas obras".
6 – Na segunda leitura continuamos a escutar as palavras de São Paulo a Timóteo, com as recomendações para que também ele seja imitador de Jesus Cristo.
O Apóstolo relembra a salvação com que Cristo nos salvou, pela Sua entrega, Paixão e morte, pela Ressurreição com que nos uniu conSigo à eternidade de Deus. Paulo está preso mas isso não é motivo de desespero ou de desistência. Pelo contrário, é oportunidade de glorificar a Deus e testemunhar a sua fidelidade a Cristo, transparecendo-O também nessas circunstâncias.
Como responder ao amor de Deus por nós, visualizável de forma sublime na morte e ressurreição de Jesus? Paulo aponta o caminho: "Se morremos com Cristo, também com Ele viveremos; se sofremos com Cristo, também com Ele reinaremos; se O negarmos, também Ele nos negará; se Lhe formos infiéis, Ele permanece fiel, porque não pode negar-Se a Si mesmo".
Fidelidade. Testemunho. Transparência. D. António Couto, a abrir a Carta Pastoral para o novo ano pastoral 2016-2017, na Diocese de Lamego, insiste: "Todo o discípulo missionário, enquanto testemunha e anunciador do Evangelho, não pode ser um simples animador ou monitor, mas transparência ou testemunha fiel da presença viva e operante do próprio Senhor no meio da comunidade".
Pe. Manuel Gonçalves
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