1 – «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Jesus toma conSigo Pedro, Tiago e João e sobe com eles a um alto monte, lugar privilegiado para encontrar-se com Deus.
Jesus retira-se muitas vezes para a montanha, para lugares ermos, para o deserto. Lugares onde se sente mais a sós com o Pai. Em momentos-chaves, a intimidade de Jesus com o Pai é reforçada, para que a firmeza O conduza à missão de instaurar, anunciar e transparecer o Reino de Deus.
Os escritores sagrados dos primeiros tempos sublinham o olhar de Jesus, profundo, luminoso, um olhar que cativa e atrai. É uma luz que vem dentro, que vem do coração, que vem do alto, que vem da ligação íntima ao Pai.
É esta a luminosidade que transparece em Jesus. No contexto específico da Transfiguração, Jesus deixa ver mais claramente a intimidade com Deus Pai. Luz, mais luz, mais luz, que também nos trespassa, que também nos ilumina, enchendo-nos o coração de luz. O coração e a vida. Cabe-nos, como àqueles discípulos, fazer com que a Luz que nos vem de Jesus, ilumine o nosso caminho, nos compromissos quotidianos, sobretudo nas agruras e contrariedades que vamos enfrentando.
2 – «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
Quando estamos bem, quando nos sentimos em casa, o tempo passa célere, queremos estar e permanecer, nunca é noite, é sempre dia, há sempre luz que nos faz querer congelar o momento, para que não passe, para que não avance. A experiência diz-nos que há momentos de sol e de chuva, de bonança e de tempestade. Quando chega a bonança, descansamos da ansiedade, do medo, do desgaste, para nos fortalecermos para o que possa vir a seguir.
O contexto da Transfiguração de Jesus evoca a vida como ela é. Como não poderia deixar de ser. Há uma primeira evidência: Jesus aponta para Deus, aponta para o Pai, para que nos momentos mais sofríveis não nos esqueçamos d'Ele e da Luz que há em nós. Antes, Jesus revelara aos discípulos o que Lhe estava destinado: o Filho do Homem vai ser entregue às autoridades, vai ser julgado e vai ser morto. Esta informação, melhor, esta inevitabilidade, provoca medo, apreensão e incerteza nos Seus discípulos. Jesus logo acrescenta que três dias depois de morto voltará à vida. O estrago já estava feito e os discípulos já não ouvem este novo dado. É como nós, dão-nos uma boa notícia e outra má, a notícia negativa ocupará toda a nossa atenção, facilmente nos esquecemos da notícia positiva.
É depois deste anúncio que Jesus leva os discípulos mais próximos ao alto da montanha e Se transfigura diante deles, sinalizando a vida em comunhão plena com Deus Pai, apontando para a vida definitiva.
3 – «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
Antes do fim há ainda ainda muita vida, muito caminho a percorrer. A eternidade, a ressurreição, inicia no tempo presente, no compromisso histórico com todos os que seguem connosco. Em Jesus, há um reino a germinar, um projeto em andamento, um vida a florir. Antes, Moisés e Elias, que confluem para Jesus. Ele resume, assume e pleniza as promessas feitas por Deus ao povo eleito. Chega agora o tempo de escutar e de seguir outro Mestre, o Pobre de Nazaré: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O».
Como no Batismo e antes de iniciar a vida pública, Deus declara a Sua afeição pelo Filho, convocando-nos a todos para O escutar e para O seguir. Não há tempo a perder. São horas de partir e de seguir Jesus: «Levantai-vos e não temais». Quando os discípulos olham novamente, veem apenas Jesus, caem novamente na realidade. Jesus desperta-os do assombro, para que desçam ao mundo concreto e deixem a ressurreição dos mortos para Deus, para quando chegar a hora de Se manifestar em plenitude.
Vale a pena refletir as palavras do Papa Francisco nesta última quarta-feira (2 de agosto de 2017), na Audiência Geral:
«Os cristãos não estão livres da escuridão, externa ou mesmo interna. Eles não vivem fora do mundo, no entanto, pela graça de Cristo recebida no Batismo, são homens e mulheres "orientados": não acreditam na obscuridade, mas na luz do dia; não sucumbem à noite, mas esperam na aurora; não são derrotados pela morte, mas anseiam ressuscitar; não se deixam vencer pelo mal, porque confiam sempre nas possibilidades infinitas do bem. E esta é a nossa esperança cristã. A luz de Jesus, a salvação que Jesus nos traz com sua luz que nos salva da escuridão.»
O assombro é coisa boa quando nos deixamos tocar pelo Altíssimo e nos comprometemos com a Luz que d'Ele nos chega. Num primeiro momento, o medo, mas logo as palavras de Jesus: não temais, Eu estarei convosco até ao fim dos tempos. Vinde. Levantai-vos. Ide e anunciai o Evangelho a toda a criatura.
4 – Daniel, na primeira leitura, antecipa a transfiguração do Messias que está para vir. O Ancião que se senta no trono tem roupas brancas como a neve e cabelos como a lã pura. O trono expele chamas de fogo, com rodas em lume vivo. À sua frente, um rio de lume. Tudo arde, tudo é fogo, luz, vida! Então, de entre as nuvens, alguém semelhante ao filho do homem, a quem é "entregue o poder, a honra e a realeza". Todos os povos da terra O hão de servir. O seu poder jamais passará, jamais será destruído.
Vemos aqui claramente a figura de Jesus, o Filho do Homem a Quem está confiado todo o poder, no céu e na terra, Aquele que atrairá a si a humanidade inteira, pois a favor dela dará a vida até à última gota de sangue, para a todos reconduzir a Deus.
5 – São Pedro, na segunda leitura, confirma como foi testemunha ocular da majestade de Deus revelada em Jesus. Foi Jesus quem recebeu o poder, a honra e a glória. No monte santo, recorda Pedro, ouviram a voz do Pai acerca de Jesus: «Este é o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha complacência». Dessa forma, continua o Apóstolo, se confirma a palavra dos Profetas, à qual devemos "prestar atenção, como a uma lâmpada que brilha em lugar escuro, até que desponte o dia e nasça em vossos corações a estrela da manhã".
Se a Luz de Cristo chega a nós, deixemo-nos então transfigurar por Ele, como rezamos na Eucaristia deste dia: «Deus eterno e omnipotente, que na gloriosa transfiguração do vosso Filho Unigénito confirmastes os mistérios da fé com o testemunho da Lei e dos Profetas e de modo admirável anunciastes a adopção filial perfeita, fazei que, escutando a palavra do vosso amado Filho, mereçamos participar na sua glória».
Escutemos a Palavra de Jesus, o Bem Amado do Pai, levantemo-nos, prossigamos caminho, sem medo porque Ele caminha connosco, a nosso lado, iluminando o nosso coração, preenchendo a nossa vida pelo bem que nos predispomos a fazer, que nos predispomos a transparecer.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Dan 7, 9-10. 13-14; Sl 96 (97); 2 Pedro 1, 16-19; Mt 17, 1-9.
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