quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Sofia Silva - SORRISOS QUEBRADOS

SOFIA SILVA (2018). Sorrisos quebrados. Lisboa: Editorial Presença. 256 páginas.
Há livros assim. E este é um daqueles livros assim: envolvente, fácil de entender e entrar no nosso cérebro, no nosso coração, e por-nos a pensar, inseridos na própria história. O fio condutor é o de sempre: o amor. O amor que salva a vida, nos redime e nos faz querer ser gente, nos faz erguer, caminhar, lutar, resistir, nos faz olhar mais para além, além do fracasso e da perda, do amor roubado e destruído, faz-nos querer esquecer ou pelo menos que o passado não ensombre o presente ao ponto de nos paralisar.
Paola é a mulher desta ficção, escrita por Sofia Silva, não é ninguém em concreto, mas poderia ser real, pois, como refere a autora, todos os dias há histórias como esta, mulheres que se encantaram com um homem belo, mas que, cedo de mais, descobriram que era um engodo, por detrás do cordeiro um lobo muito mau, um monstro. E depois os enganos, perdoa-se a primeira vez, pensando que é amor, que os ciúmes é por gostar demais, mas no final sobrevirá o medo, a vergonha, o aniquilamento da identidade, a destruição de qualquer esperança, e até a culpabilização.
Para algumas, pois são sobretudo as mulheres que se tornam vítimas às mãos dos companheiros, ainda poderá haver uma segunda oportunidade, para outras será demasiado tarde. A construção da personagem é muito realística, infelizmente. Há situações como esta e mais dramáticas e/ou ou mais definitivas. Convence-nos, precisamente, porque é fácil ver através dela tantas e tantas mulheres que foram destruídas, cujo sorriso foi quebrado para sempre, cuja a vida se apagou, ficando sem brilho e sem sol, sem luz e sem vida própria, sem confiança e sem forças para sobreviver.
É uma leitura intensa, numa escrita escorreita, literariamente muito bem conseguida. Depois de começarmos, a leitura prende-nos, faz-nos querer saber, ouvir e ver o que vem a seguir. A autora não desilude, faz-nos avançar com suspense, com variações que podem levar a um ou vários desenlaces.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

DOROTHY DAY - A LONGA SOLIDÃO

DOROTHY DAY (2019). A Longa Solidão. Autobiografia de Dorothy Day. Lucerna. 264 páginas
A autora, Dorothy Day, nasceu no seio de uma família protestante da classe média norte-americana, em 1897. Viria a tornar-se sufragista, escritora social e política e, mais tarde, uma conhecida ativista católica. O exemplo de alguns vizinhos católicos, vendo a forma como rezavam, encontrando uma outra senhora a rezar de joelhos, a recitação do terço, a participação na Santa Missa, a cada domingo, ou mesmo todos os dias, foram despertando nela o interesse pelo catolicismo, ainda que tivesse dificuldade em entender o pouco envolvimento da Igreja Católica no campo social, não se vislumbrando a opção pelos pobres e pelos trabalhadores, deixando a outros essa luta.
Aquando do nascimento da filha, Tamara, decidiu que queria o melhor para a filha, e o melhor era fazê-la católica, batizando-a. Foi encontrando algumas dificuldades, vivia em união de facto e o marido era descrente e contrário a tudo o que tivesse a ver com religião. Já que queria batizar a filha, foi-lhe recomendado que faria mais sentido se também ela estivesse mais comprometida. Viria a ser batizada no mesmo dia que a filha. Apesar de gostar muito do marido, decidiu que o seu caminho seria outro, de total comprometimento com a condição de batizada, acolhendo as orientações da Igreja.
Esteve ligada a diversos movimentos de trabalhadores, de pobres, de anarquistas, de comunistas, trabalhando como jornalista, como repórter ou participando em manifestações contra a guerra, a favor dos direitos das mulheres, pela melhoria de condições dos mais pobres. Esteve presa por duas vezes, em condições sub-humanas e também aí a luta por melhores condições para as prisioneiras.
Marcante nesta autobiografia, e por certo no seu compromisso social, o encontro com Peter Maurin. Juntamente com Peter nasceu a ideia de publicar um jornal, que teria o nome de The Catholic Worker, a fim de divulgar as ideias e mensagens de Peter, mas também outros textos de intervenção, na defesa dos trabalhadores. Sem muitos meios e com a preocupação de ser um jornal muito barato, deitaram mãos à obra e rapidamente se transformou num jornal de grande tiragem, chegado inclusivamente à Europa.
Com as ideias do Jornal, com voluntários que se foram juntando, ajudando a vender o jornal, a distribui-lo. Os voluntários foram também contando com a ajuda do jornal, refazendo as suas vidas ou pelo menos podendo ter acesso a refeições, o pão dos trabalhadores. Daí à criação de casas de acolhimento foi um quase nada. O jornal e o movimento caminharam e cresceram juntos, alugando casas, para albergar famílias, investindo em quintas, para serem auto-suficientes, divulgando a doutrina social da Igreja, defendendo o pacifismo, o regresso aos campos, a objecção de consciência face à guerra.
O movimento seguiu uma linha de inclusão de trabalhadores e intelectuais. O trabalho não é apenas o físico, mas também o intelectual, o espiritual. O propósito do movimento era alimentar os famintos, acolher os pobres, os vulneráveis, os doentes e os necessitados, no espírito da caridade cristã.
O remédio para a grande solidão é a comunidade. "Não só a comunidade básica da família, mas também uma comunidade de famílias, combinando a propriedade privada com a propriedade comunitária... Havia um grande desejo de propriedade privada, mas um desejo ainda maior de comunidade. O Homem não foi feito para viver sozinho... A única resposta nesta vida para a solidão que todos acabamos por sentir é a comunidade. Vivendo juntos, partilhando, amando a Deus e amando o nosso irmão, e vivendo perto dele em comunidade, para podermos demonstrar o nosso amor por Ele"
"Sentia, já aos quinze anos, que Deus queria que o Homem fosse feliz, que Ele pretendia dar-lhe aquilo de que ele precisava para levar um vida com o objetivo de ser feliz, e que não era necessário termos tanta pobreza e tanta miséria quantas as que eu via à minha volta e sobre as quais lia na imprensa diária"
"Tinha 17 anos e sentia-me completamente só no mundo, divorciada da minha família, de toda a segurança, e até de Deus. Sentia a arrogância imprudente e, com essa imprudência, uma sensação de perigo na qual me comprazia.
Havia uma interrogação na minha cabeça: porque se fazia tanta coisa para remediar os males sociais em vez de se começar por evitá-los?"

"Estou a rezar porque estou feliz e não porque estou infeliz. Eu não me voltei para Deus por infelicidade, por tristeza, por desespero -  para obter consolo, para obter algo d'Ele... comecei a ir à missa regularmente ao domingo de manhã... o meu amor ardente pela criação levou-me ao Criador de todas as coisas"
"Sabia que iria batizar o meu bebé, custasse o que custasse. Sabia que não queria que ela se debatesse durante muitos anos como eu, duvidando e hesitando, indisciplinada e amoral. Sentia que era a melhor coisa que poderia fazer pela minha filha. Para mim, rezei pelo dom da fé... Tornar-me católica significava enfrentar a vida sozinha e eu sentia-me presa à vida familiar. Era difícil pensar em desistir de um companheiro para que a minha filha e eu pudéssemos tonar-nos membros da Igreja. O Forster não iria ter nada a ver com a religião, ou comigo se a abraçasse. Por isso esperei..."
"Aprendi a rezar o terço..."
"Eu amava a Igreja por Cristo tornado visível. Não por ela mesma, porque muitas vezes era um escândalo para mim. Romano Guardini disse que a Igreja é a Cruz na qual Cristo foi crucificado; não se pode separar Cristo da sua Cruz e temos de viver num estado permanente de insatisfação com a Igreja".
"Mas a palavra final é o amor. Às vezes foi, usando as palavras do padre Zossima, algo duro e terrível, e a nossa própria fé no amor foi provada pelo fogo.
Não podemos amar a Deus a não ser que nos amemos uns aos outros e, para amar, temos de conhecer-nos uns aos outros. Conhecemo-l'O pelo partir do pão, conhecemo-nos uns aos outros partindo o pão, e deixamos de estar sós. O Céu é um banquete e a vida também é um banquete, ainda que de côdeas duras, em que exige companheirismo.
Todos conhecemos a longa solidão e aprendemos que a única solução é o amor, e que o amor vem com a comunidade".

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Se eu acender a luz, não morrerei sozinho

MOREIRA AZEVEDO, Carlos (Coord). (2019). Se acender a luz, não morrei sozinho. Atas da receção de Daniel Faria a 20 anos da morte. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão. 206 páginas.
Nos dias 8 e 9 de junho, realizou-se o colóquio "Se acender a luz não morrerei sozinho" - Receção de Daniel Faria a 20 anos da morte, em Tabuaço, entre o Salão Nobre da Câmara Municipal e a Igreja Matriz de Tabuaço, com passagem obrigatória em São Pedro das Águias, na Granjinha e na Casa que o tem como referência, Casa Daniel, também na Granjinha.
Daniel Augusto da Cunha Faria nasceu e, Baltar, Paredes a 10 de abril de 2971 e viria a falecer a 9 de junho de 1999, quando era noviço no mosteiro de Singeverga, em virtude de uma queda doméstica, na noite de 3 para 4 de junho e que se verificou ser fatal.
Passados 20 anos, Tabuaço foi palco deste colóquio, fazendo sobressair a sensibilidade e mestria do poeta.
O livro recolhe as várias intervenções durante o decorrer do colóquio, bem como as músicas ou poemas musicados do concerto que realizou na Igreja Matriz de Tabuaço sob o título: Lado aberto. uma leitura musical e intertextual da poesia de Daniel Faria.
Refira-se que, estritamente, na paróquia além deste concerto, também a celebração da Santa Missa, em vigília de Pentecostes, presidida por D. António Couto, Bispo de Lamego, tendo ao seu lado, a concelebrar, D. Carlos Azevedo, Presidente do Colégio de Fundadores da Casa Daniel e bispo-delegado do Conselho Pontifício da Cultura no Vaticano.
O livro inclui ainda algumas fotos, na Igreja Matriz, celebração da Eucaristia e concerto musical, e na Granjinha, e também breve bio-bibliografia.