DOROTHY DAY (2019). A Longa Solidão. Autobiografia de Dorothy Day. Lucerna. 264 páginas
A autora, Dorothy Day, nasceu no seio de uma família protestante da classe média norte-americana, em 1897. Viria a tornar-se sufragista, escritora social e política e, mais
tarde, uma conhecida ativista católica. O exemplo de alguns vizinhos católicos, vendo a forma como rezavam, encontrando uma outra senhora a rezar de joelhos, a recitação do terço, a participação na Santa Missa, a cada domingo, ou mesmo todos os dias, foram despertando nela o interesse pelo catolicismo, ainda que tivesse dificuldade em entender o pouco envolvimento da Igreja Católica no campo social, não se vislumbrando a opção pelos pobres e pelos trabalhadores, deixando a outros essa luta.
Aquando do nascimento da filha, Tamara, decidiu que queria o melhor para a filha, e o melhor era fazê-la católica, batizando-a. Foi encontrando algumas dificuldades, vivia em união de facto e o marido era descrente e contrário a tudo o que tivesse a ver com religião. Já que queria batizar a filha, foi-lhe recomendado que faria mais sentido se também ela estivesse mais comprometida. Viria a ser batizada no mesmo dia que a filha. Apesar de gostar muito do marido, decidiu que o seu caminho seria outro, de total comprometimento com a condição de batizada, acolhendo as orientações da Igreja.
Esteve ligada a diversos movimentos de trabalhadores, de pobres, de anarquistas, de comunistas, trabalhando como jornalista, como repórter ou participando em manifestações contra a guerra, a favor dos direitos das mulheres, pela melhoria de condições dos mais pobres. Esteve presa por duas vezes, em condições sub-humanas e também aí a luta por melhores condições para as prisioneiras.
Marcante nesta autobiografia, e por certo no seu compromisso social, o encontro com Peter Maurin. Juntamente com Peter nasceu a ideia de publicar um jornal, que teria o nome de The Catholic Worker, a fim de divulgar as ideias e mensagens de Peter, mas também outros textos de intervenção, na defesa dos trabalhadores. Sem muitos meios e com a preocupação de ser um jornal muito barato, deitaram mãos à obra e rapidamente se transformou num jornal de grande tiragem, chegado inclusivamente à Europa.
Com as ideias do Jornal, com voluntários que se foram juntando, ajudando a vender o jornal, a distribui-lo. Os voluntários foram também contando com a ajuda do jornal, refazendo as suas vidas ou pelo menos podendo ter acesso a refeições, o pão dos trabalhadores. Daí à criação de casas de acolhimento foi um quase nada. O jornal e o movimento caminharam e cresceram juntos, alugando casas, para albergar famílias, investindo em quintas, para serem auto-suficientes, divulgando a doutrina social da Igreja, defendendo o pacifismo, o regresso aos campos, a objecção de consciência face à guerra.
O movimento seguiu uma linha de inclusão de trabalhadores e intelectuais. O trabalho não é apenas o físico, mas também o intelectual, o espiritual. O propósito do movimento era alimentar os
famintos, acolher os pobres, os vulneráveis, os doentes e os
necessitados, no espírito da caridade cristã.
O remédio para a grande solidão é a comunidade. "Não só a comunidade básica da família, mas também uma comunidade de famílias, combinando a propriedade privada com a propriedade comunitária... Havia um grande desejo de propriedade privada, mas um desejo ainda maior de comunidade. O Homem não foi feito para viver sozinho... A única resposta nesta vida para a solidão que todos acabamos por sentir é a comunidade. Vivendo juntos, partilhando, amando a Deus e amando o nosso irmão, e vivendo perto dele em comunidade, para podermos demonstrar o nosso amor por Ele"
"Sentia, já aos quinze anos, que Deus queria que o Homem fosse feliz, que Ele pretendia dar-lhe aquilo de que ele precisava para levar um vida com o objetivo de ser feliz, e que não era necessário termos tanta pobreza e tanta miséria quantas as que eu via à minha volta e sobre as quais lia na imprensa diária"
"Tinha 17 anos e sentia-me completamente só no mundo, divorciada da minha família, de toda a segurança, e até de Deus. Sentia a arrogância imprudente e, com essa imprudência, uma sensação de perigo na qual me comprazia.
Havia uma interrogação na minha cabeça: porque se fazia tanta coisa para remediar os males sociais em vez de se começar por evitá-los?"
"Estou a rezar porque estou feliz e não porque estou infeliz. Eu não me voltei para Deus por infelicidade, por tristeza, por desespero - para obter consolo, para obter algo d'Ele... comecei a ir à missa regularmente ao domingo de manhã... o meu amor ardente pela criação levou-me ao Criador de todas as coisas"
"Sabia que iria batizar o meu bebé, custasse o que custasse. Sabia que não queria que ela se debatesse durante muitos anos como eu, duvidando e hesitando, indisciplinada e amoral. Sentia que era a melhor coisa que poderia fazer pela minha filha. Para mim, rezei pelo dom da fé... Tornar-me católica significava enfrentar a vida sozinha e eu sentia-me presa à vida familiar. Era difícil pensar em desistir de um companheiro para que a minha filha e eu pudéssemos tonar-nos membros da Igreja. O Forster não iria ter nada a ver com a religião, ou comigo se a abraçasse. Por isso esperei..."
"Aprendi a rezar o terço..."
"Eu amava a Igreja por Cristo tornado visível. Não por ela mesma, porque muitas vezes era um escândalo para mim. Romano Guardini disse que a Igreja é a Cruz na qual Cristo foi crucificado; não se pode separar Cristo da sua Cruz e temos de viver num estado permanente de insatisfação com a Igreja".
"Mas a palavra final é o amor. Às vezes foi, usando as palavras do padre Zossima, algo duro e terrível, e a nossa própria fé no amor foi provada pelo fogo.
Não podemos amar a Deus a não ser que nos amemos uns aos outros e, para amar, temos de conhecer-nos uns aos outros. Conhecemo-l'O pelo partir do pão, conhecemo-nos uns aos outros partindo o pão, e deixamos de estar sós. O Céu é um banquete e a vida também é um banquete, ainda que de côdeas duras, em que exige companheirismo.
Todos conhecemos a longa solidão e aprendemos que a única solução é o amor, e que o amor vem com a comunidade".