ANTÓNIO COUTO (2020). Daqui, desta planura: Leitura do Tempo em que vamos. Lisboa: Óbidos: Aletheia Editores. 140 páginas.
D. António Couto, Bispo de Lamego, já nos habituou à clareza e profundidade de pensamento, no campo da reflexão bíblica, mas também com as pontes com a cultura deste tempo, do tempo dos escritos sagrados, da antropologia e arqueologia, com a etimologia dos termos e da linguagem, procurando a fidelidade a cada autor e sobretudo ao Autor primeiro.
Esta é uma obra diferente de todas as outras que publicou, ainda que haja expressões e conteúdos já insinuados, refletidos ou aprofundados noutros textos, nomeadamente nas pistas de reflexão que nos apresenta para cada domingo, sentando-se connosco à mesa da Palavra.
O tempo em que vamos remete-nos para a egolatria, para o culto do eu sem um tu como interlocutor e quando muito um tu que é adversário, inimigo e osbtáculo às minhas pretensões. O individualismo, a cultura do "ego" e, por outro lado, a exaltação da liberdade pura, sem entraves, nem ligações. Dispensa-se o outro, tudo o que é institucional, e passo a ser "eu" o critério para a minha vida, sou eu que decido, que faço. Quero, posso e mando. Dispenso o outro e o Outro que é Deus. Fico sem Deus, sem chão nem céu, sem pai nem mãe, sem religião. Eu decido o que sou, sem umbigo, escolho se sou homem ou sou mulher, ou uma mistura de ambos. Deus foi remetido para o pensamento e do pensamento para a inexistência. Não há nenhum critério moral fora de mim.
Ao individualismo atual, D. António Couto propõe a socialidade, a partir sobretudo da reflexão filosófica de Emmanuel Levinas. A opção pelo outro, que me cabe acolher. O outro aponta para o totalmente Outro, Deus, que Se revela em cada rosto. O outro impõe-se, irrompe na minha vida, com o mandamento: não matarás. O outro não é redutível, não é enquadrado, é sempre um mistério, não da razão, mas da humanidade. Levinas propõe o primado do outro.
A questão do Ocidente é a questão de uma liberdade absoluta que rejeita e exclui o rosto, a resposta, a responsabilidade. Daí que a questão do Ocidente se torne na questão do "outro", a questão da alteridade. O rosto do outro, a alteridade, conduz à socialidade, isto é, à responsabilidade pelo outro, que não tem princípio em mim, é "fruto do rosto do outro vindo sem se fazer anunciar, vindo como eleiçãi em que a minha humanidade recebe a sua verdadeira identidade e unicidade pela impossibilidade de se subtrair à eleição... a socialidade é a minha responsabilidade pelo outro, pelo próximo". "A socialidade póe-me em relação com o rosto ou o viso do outro, ao mesmo tempo, pobre e senhor, porque porque nu, e senhor porque pobre e nu, rosto ou viso que não surge como conteúdo, mas como súplica e mandamento, que quebra e interrompe a minha espontaneidade e expansividade selvagem... impõe-me a responsabilidade pelo outro, que é o verdadeiro sentido da proximidade, na aceção nova de me obrigar a responder ao outro e pelo outro, portanto, por aquilo que não fui eu que fiz".
Deixemos o autor falar um pouco mais: "De facto, perdemos o «amor», o cinto, o cíngulo, o cordão, o sýndesmos, que dava segurança, sentido e beleza à nossa vida. Vendo bem, andamos por aí perdidos, desconstruídos, à deriva, vivendo de «relações de bolso» e de «compromissos enlatados, com a advertência bem visível: »consumir de preferência antes de...». A música que nos chega aos ouvidos são notas servidas em pautas enlatadas,sons de mármore, ritmos de marchas militares ou fúnebres. Só o Rosto nu do pobre que é, afinal, o verdadeiro soberano, que nos elege, institui, veste, e ordena, vindo de fora e acolhido à porta com amor, surpresa e maravilha, dom, e-vento, ad-vento, pode romper e fecundar este areal espesso com gesso. Falo do alento de Deus, beijo de Deus no pó que modela em suas mãos. Só Ele pode transformar estas pedras em filhos e irmãos".
O tempo em que vamos remete-nos para a egolatria, para o culto do eu sem um tu como interlocutor e quando muito um tu que é adversário, inimigo e osbtáculo às minhas pretensões. O individualismo, a cultura do "ego" e, por outro lado, a exaltação da liberdade pura, sem entraves, nem ligações. Dispensa-se o outro, tudo o que é institucional, e passo a ser "eu" o critério para a minha vida, sou eu que decido, que faço. Quero, posso e mando. Dispenso o outro e o Outro que é Deus. Fico sem Deus, sem chão nem céu, sem pai nem mãe, sem religião. Eu decido o que sou, sem umbigo, escolho se sou homem ou sou mulher, ou uma mistura de ambos. Deus foi remetido para o pensamento e do pensamento para a inexistência. Não há nenhum critério moral fora de mim.
Ao individualismo atual, D. António Couto propõe a socialidade, a partir sobretudo da reflexão filosófica de Emmanuel Levinas. A opção pelo outro, que me cabe acolher. O outro aponta para o totalmente Outro, Deus, que Se revela em cada rosto. O outro impõe-se, irrompe na minha vida, com o mandamento: não matarás. O outro não é redutível, não é enquadrado, é sempre um mistério, não da razão, mas da humanidade. Levinas propõe o primado do outro.
A questão do Ocidente é a questão de uma liberdade absoluta que rejeita e exclui o rosto, a resposta, a responsabilidade. Daí que a questão do Ocidente se torne na questão do "outro", a questão da alteridade. O rosto do outro, a alteridade, conduz à socialidade, isto é, à responsabilidade pelo outro, que não tem princípio em mim, é "fruto do rosto do outro vindo sem se fazer anunciar, vindo como eleiçãi em que a minha humanidade recebe a sua verdadeira identidade e unicidade pela impossibilidade de se subtrair à eleição... a socialidade é a minha responsabilidade pelo outro, pelo próximo". "A socialidade póe-me em relação com o rosto ou o viso do outro, ao mesmo tempo, pobre e senhor, porque porque nu, e senhor porque pobre e nu, rosto ou viso que não surge como conteúdo, mas como súplica e mandamento, que quebra e interrompe a minha espontaneidade e expansividade selvagem... impõe-me a responsabilidade pelo outro, que é o verdadeiro sentido da proximidade, na aceção nova de me obrigar a responder ao outro e pelo outro, portanto, por aquilo que não fui eu que fiz".
Deixemos o autor falar um pouco mais: "De facto, perdemos o «amor», o cinto, o cíngulo, o cordão, o sýndesmos, que dava segurança, sentido e beleza à nossa vida. Vendo bem, andamos por aí perdidos, desconstruídos, à deriva, vivendo de «relações de bolso» e de «compromissos enlatados, com a advertência bem visível: »consumir de preferência antes de...». A música que nos chega aos ouvidos são notas servidas em pautas enlatadas,sons de mármore, ritmos de marchas militares ou fúnebres. Só o Rosto nu do pobre que é, afinal, o verdadeiro soberano, que nos elege, institui, veste, e ordena, vindo de fora e acolhido à porta com amor, surpresa e maravilha, dom, e-vento, ad-vento, pode romper e fecundar este areal espesso com gesso. Falo do alento de Deus, beijo de Deus no pó que modela em suas mãos. Só Ele pode transformar estas pedras em filhos e irmãos".
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