sábado, 21 de agosto de 2021

O Grande Homem

O GRANDE HOMEM, de José Luiz Silva, in Tribuna do Norte 18/04/1982


O grande homem não ama. E não desama. Tem mulher para casa e amante para exibições mundanas. As duas, presas à sua condição de grande homem.
O grande homem tem emoções, mas controla-as através de um computador miniaturizado que carrega no ventre próspero. Tem coração, mas as suas pulsações são controladas pelo marca-passo. Tudo nele é funcional. O riso e o sorriso, a cara fechada, as piscadelas, o suor na fronte, a untuosidade, os dedos grossos, as unhas curtas encerradas. Até o pigarro é motivo para desfraldar o lenço branco e atrás esconder o seu enfado.
O grande homem não trai. Faz política. Tem jogo de cintura. Traidores são os que divergem de suas opiniões pendulares, da sua verdade granítica, os que enfarados o abandonam.
O grande homem não rouba. É negociante. Ladino. Comércio é isso desde que o mundo é mundo. Desde que surgiu na terra o primeiro grande homem. Ladrão é pequeno e desonesto, que ousou o primeiro avanço, quis imitá-lo, repetindo no varejo o que só no atacado conquista imunidades.
O grande homem não mente. Falta com a verdade. É otimista. Ilude-se com as aparências. É traído pelas perspetivas. A sua palavra é lei. A sua verdade também. Chamado a legislar, não se enquadra nos mandamentos legais, que cria para disciplinar o vulgo.
O grande homem entende que as pessoas existem em função dele. Ao seu serviço. Para ele, quando não servem são descartadas. Enquanto ele não tem contas a prestar. Às vezes, na sua intuição (o grande homem é intuitivo), vende o servidor que já não lhe interessa. Negócio é negócio.
O grande homem criou, numa de suas iluminações interiores (ele é um iluminado), um código de ética ao seu serviço. E outro para limitar os outros. Pelo seu código, “amigos, amigos, negócios à parte”. No código alheio, um descuido é traição ou dureza de coração.
O grande homem não se prende à lealdade. Leais devem ser os servos. Ele paira acima das contingências.
O grande homem não ouve ninguém fora do círculo próprio dos grandes homens. Decide. E exige obediência, coerência. Daí porque é líder. E nele descobrem veios do carisma.
O grande homem pode comercializar, negociar, instrumentalizar, atendendo aos seus interesses. O homem comum, não. Quem nada tem, deve ter vergonha na cara.
Diante de outros grandes homens, o grande homem é humilde e manso de coração. Pede. Suplica. Requer. Espera deferimento. Oferece. Dá. Diante do homem comum, é impetuoso, valente, intransigente, moralista. A humanidade, ele olha-a de cima para baixo, se possível e quando, em gesto de compunção.
O grande homem vive dos outros, dos favores, conceções, condescendência, credulidade, trocas, arreglos, advocacia administrativa, conluios, mordomias, ociosidade (se possível com dignidade). Grandes frases, grandes discursos, grandes patriotismos. O homem comum pede pouco, o sobejo da mesa, o mínimo sem o qual (Santo Tomaz de Aquino) a própria virtude não é exigível. É um impertinente, importuno, postulante, chato.

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