1 – De que é que precisamos para nos sentirmos realizados? O que é mais importante no nosso dia-a-dia? O que é imprescindível para sermos felizes e nos considerarmos pessoas?
Ao longo dos últimos domingos, Jesus tem exposto as prioridades para o discipulado. O essencial para nos inserirmos no Seu projeto, e consequentemente, num caminho que nos guie para uma felicidade duradoura, dignificante, e verdadeiramente humana, dentro do Reino de Deus, é a fé, a caridade, ou a fé que se concretiza e traduz pelo serviço, pela partilha, pela conciliação, dando primazia aos bens espirituais, colocando Deus em primeiro lugar para n’Ele descobrimos os outros como irmãos, acolhendo sobretudo os mais frágeis.
Ele próprio assume esta opção preferencial, como inclusão de todos, para que os excluídos sejam incluídos, para que os pobres tenham instrumentos para um trabalho honesto e as condições para viver dignamente, para que todos os que são descriminados pela raça, pela religião, pelo género, sejam assumidos como filhos de Deus. Ouvíamos as palavras inequívocas de Jesus: acolher Deus como tesouro e n'Ele colocar o nosso coração, a nossa vida. Quem se sente salvo por Deus, em Jesus Cristo, pelo Espírito Santo, não poderá deixar de testemunhar com alegria, procurando que outros se deixem contagiar por este AMOR, esta PRESENÇA, na certeza que o dom da fé só o é verdadeiramente se nos compromete na caridade. O DOM (recebido) é para ser dado (e não retido ou usurpado).
2 – Jesus traz-nos Deus. Ele mesmo é Deus, Filho Bem-amado, assumindo-nos como irmãos. Traz-nos a eternidade. É PORTA que torna acessível o Coração de Deus para cada um de nós. É o Príncipe da Paz. O seu messianismo assenta na graça de Deus, no amor sem limites para a redenção de todos os pecadores. Os pilares do Seu reino são o amor, a justiça e a paz.
Curiosamente, as palavras do Evangelho para este domingo parecem apontar noutro sentido:
«Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber um baptismo e estou ansioso até que ele se realize. Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».
Aparentemente, Jesus traz a divisão, o conflito, o fogo. Voltemos a ler o evangelho. Neste e noutros ambientes, Jesus assume as dificuldades em propagar o Evangelho, a verdade, na denúncia da hipocrisia, da falsidade, do abuso do poder civil e religioso, relevando a priorização do serviço, em todas as dimensões da vida social, política e religiosa. As suas palavras geram respostas diferentes. Aqui e além são alimento que salva, mas também geradoras de discussões, de irritação e revolta. Desde o início, na Sinagoga de Nazaré, a terra em que foi criado, que Jesus experimenta variadas reações, destacando-se a incredulidade de muitos e a vontade de O expulsarem da sinagoga e da cidade, querendo mesmo precipitá-l'O do alto da colina. Mais à frente há de dar contas da Sua postura, com injúrias, acusações, com a prisão, os açoites e a morte.
«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde» (Jo 14, 27). Ele vem para nos redimir, chamando-nos a dar o melhor de nós, a darmos Deus aos outros. Isto é algo que inquieta, que perturba, que não nos pode deixar sossegados no nosso canto, com as nossas coisas, na nossa capelinha, achando que já fazemos mais do que nos é pedido. Em Cristo, tudo o que fizermos é pouco. Somos servos inúteis se fizermos o que nos compete. É a nossa vida. A nossa salvação. O que nos inquieta é também o que nos traz a paz de Jesus. Paz comprometida com os outros, pró-ativa, ao jeito de Maria, na atenção cuidada às necessidades alheias, respondendo mesmo antes de nos ser solicitado.
3 – A prossecução deste desiderato pode trazer-nos dissabores, incompreensões, e por vezes até insegurança e desânimo. Nem tudo correrá como esperado. Acontece com Jesus. Também Ele sente a incompreensão, a começar por aqueles que tinham maior obrigação de compreender, de acolher e de O seguir. Os Apóstolos, sempre que detetam o perigo, escondem-se atrás d’Ele, ou desviam-se do caminho, mantêm-se à distância e fogem, negam, fecham-se em casa.
Hoje como ontem. Com Jesus como no tempo dos profetas. Remar contra a maré não é fácil. Muito mais fácil é desistir, deixar-nos ir na corrente, até onde nos levar. Perder-nos-emos, a corrente levar-nos-á a outros destinos; tornar-nos-emos vítimas das circunstâncias. Conduzir-nos-ão por atalhos, talvez mais fáceis, talvez libertos de ondas e tempestades, mas será a vida dos outros não a nossa vida, não a nossa felicidade. Esta conquista-se, vive-se, com o nosso esforço e dedicação, com os nossos fracassos e desencontros, na descoberta da verdade que liberta e da caridade que preenche a alma.
Jeremias, na primeira leitura, experimenta a perseguição, a calúnia, a tortura, a ameaça de morte. Chamado e enviado por Deus, a Sua palavra é fogo, é como espada de dois gumes, que denuncia a prepotência, os desvios dos mandamentos, a idolatria, o poder abusivo do rei, contrapondo com a vontade de Deus. O rei é também ungido do Senhor, por conseguinte deverá servir não os propósitos pessoais, mas o povo de Deus, promovendo a inclusão de todos, sobretudo os mais desfavorecidos. “Os ministros disseram ao rei de Judá: «Esse Jeremias deve morrer, porque semeia o desânimo entre os combatentes que ficaram na cidade e também todo o povo com as palavras que diz. Este homem não procura o bem do povo, mas a sua perdição». O próprio rei se deixa levar pela corrente. Não contrapõe. Fazei o que quiserdes. Lembra Pilatos. Daqui lavo as minhas mãos, é lá convosco.
Eis que surge alguém com vida própria, com convicções, um estrangeiro, etíope, Ebed-Melec, que chama o rei à razão: «Ó rei, meu senhor, esses homens procederam muito mal tratando assim o profeta Jeremias: meteram-no na cisterna, onde vai morrer de fome, pois já não há pão na cidade». O rei altera o mal feito: «Leva daqui contigo três homens e retira da cisterna o profeta Jeremias, antes que ele morra». Não embarquemos nas tendências gerais, pelo menos, sem refletirmos seriamente.
4 – Na convocação do Ano da Fé, Bento XVI, na Carta Porta da Fé, diz-nos que “será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos”.
4 – Na convocação do Ano da Fé, Bento XVI, na Carta Porta da Fé, diz-nos que “será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos”.
Acolha-se o testemunho de homens e mulheres que se tornaram boas notícias para os seus coetâneos, deixando-se transformar e transportar pela fé. Olhar fixo em Jesus Cristo. Pela fé, a Virgem Maria acolheu o desafio de Deus e colocou-Se a caminho; os Apóstolos deixaram tudo para O seguir; os discípulos formaram as primeiras comunidades; pela fé, o testemunho dos mártires e de tantos homens e mulheres que se consagraram na docilidade do Espírito; tantos cristãos se comprometeram e comprometem com a justiça social; pela fé, tantos e tantas que nos legaram a alegria de seguir Jesus, ilustrando a beleza do Evangelho. “Pela fé, diz-nos Bento XVI, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e na história”.
É também esta dinâmica em que se insere na Carta aos Hebreus:
“Estando nós rodeados de tão grande número de testemunhas, ponhamos de parte todo o fardo e pecado que nos cerca e corramos com perseverança para o combate que se apresenta diante de nós, fixando os olhos em Jesus, guia da nossa fé e autor da sua perfeição. Renunciando à alegria que tinha ao seu alcance, Ele suportou a cruz, desprezando a sua ignomínia, e está sentado à direita do trono de Deus. Pensai n’Aquele que suportou contra Si tão grande hostilidade da parte dos pecadores, para não vos deixardes abater pelo desânimo”.
5 – Questionemo-nos de novo: o que verdadeiramente nos faz felizes? O dinheiro? Os bens materiais? Sermos melhores que os outros? A amizade? A família? Os afetos? O bem que fazemos? A imagem que os outros têm de nós? O que é que nos dignifica? O nome e a honra que impusemos? A verdade da nossa vida? A honestidade? O que vale mais, o mundo inteiro a nossos pés ou o trabalho honesto e dedicado e a ajuda que prestamos aos outros? Em que situações nos sentimos melhor? Como perguntava o Papa Francisco, no Brasil, em que pessoas nos miramos? Em Pilatos que lava as mãos e se coloca em atitude de indiferença? Ou em Maria que se apressa para casa de Isabel e em Caná intervém vigorosa junto de Jesus?
Textos para a Eucaristia (ano C): Jer 38, 4-6.8-10; Hebr 12, 1-4; Lc 12, 49-53.
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
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