1 – Jesus Cristo vem para todos. O Reino de Deus não tem excluídos, a não ser aqueles que se autoexcluem. A opção preferencial pelos mais frágeis situa a urgência e a obrigação da inclusão. Não são os sãos que precisam de médico. As ovelhas que estão dentro do aprisco têm as ferramentas para se sentirem corresponsáveis pelas que estão fora, que merecem mais cuidado. Ainda que houvesse uma só ovelha, a responsabilidade do cristão será sair à sua procura!
2 – A deficiência físico-motora e/ou mental é um handicap que tem excluído (injustamente) milhares de pessoas ao longo dos tempos. Continua a ser uma luta desigual mesmo quando se fala tanto de igualdade de oportunidades. É sabido que as pessoas portadoras de deficiência necessitam de uma discriminação positiva, pois tendo menos recursos, para estarem em igualdade perante as oportunidades, precisam de meios específicos para acederem aos seus direitos. Exemplo: uma criança com uma deficiência motora, com locomoção limitada, tem o mesmo direito à educação que outra que não tenha essa limitação. Tem direito mas não consegue subir umas escadas ou não consegue sequer deslocar-se pelo próprio pé, como é que pode ir à escola e frequentar as aulas?
A sociedade atual pode ser mais tolerante. Mas em todos os grupos, na sociedade e na Igreja, continua a haver muitas discriminações negativas impedindo que pessoas portadoras de deficiência sejam tratadas com a mesma deferência, atenção e com as mesmas garantias.
Tem havido esforços! Sim. Mas serão suficientes? Quando o controlo das contas públicas aperta os primeiros sacrificados são os pobres, os portadores de deficiência, crianças, jovens e adultos com necessidades educativas específicas, idosos, doentes crónicos.
3 – Ao tempo de Jesus e naquele ambiente bíblico-judaico, com leis e preceitos muito avançados para a época, a doença, a pobreza, a morte prematura, a deficiência, eram vistas numa dinâmica religiosa de castigo e de maldição. São diversos os episódios do Evangelho que sustentam esta exclusão.
A doença e a deficiência (mas também a pobreza material) facilitam a exclusão. Dos próprios, quando já não têm mais forças para lutar contra os obstáculos, impedimentos, quando não têm voz, desanimando, acabam por desistir. De todos, quando remetemos para outros a responsabilidade de ajudar ou não nos empenhamos porque não é connosco.
Naquele tempo, um leproso, um coxo, um cego, um surdo, têm o mesmo tratamento que um publicano (cobrador de impostos a favor dos romanos), considerado traidor, pessoa abjeta, ou que um pecador público, uma mulher adúltera, ou uma prostituta. A exclusão é semelhante. Se estes podem ter alguma responsabilidade pessoal, aqueles não. De recordar o episódio em que Jesus cura um cego de nascença e conclui que nem ele nem os pais tiveram culpa alguma, recolocando a cegueira na perspetiva biológica e excluindo qualquer leitura moral (cf. Jo 9).
No início da Sua vida pública, retomando a profecia de Isaías, Jesus revela a Sua missão: «Proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor» (Lc 4, 16-30). Em resposta aos emissários de João Batista, Jesus responde-lhes: «Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciado o Evangelho; e feliz daquele que não encontrar em Mim ocasião de queda» (Lc 7, 19-23).
Jesus vem de Deus para incluir, para salvar, para envolver. Não há nada que nos possa afastar do amor de Deus: nem a doença, nem a pobreza, nem o pecado, nem a raça ou a religião, nem a deficiência. Nada afasta Deus de nós.
4 – A multidão por vezes é um empecilho, arrasta-nos para onde não queremos. Outras vezes é uma ajuda preciosa, guia-nos e ampara-nos. O mesmo se refira da comunidade, dos grupos e movimentos. Trouxeram a Jesus um surdo que mal podia falar. A surdez envolve a fala, tornando a comunicação mais difícil. Pedem-Lhe que imponha as mãos sobre ele.
Jesus não se faz rogado. Não questiona. Faz o que está ao Seu alcance. Afasta-Se com ele da multidão, mete-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva toca-lhe a língua, ergue os olhos para Deus (e o coração e a vida), e diz-lhe «Efatá», que quer dizer «Abre-te».
Se fosse um político, ou um mágico, Jesus quereria que a multidão visse o milagre, o espetáculo, deixando todos de boca aberta. O que se vê, no entanto, é a discrição, no início e no fim, recomendando que não se conte nada a ninguém. Parece que este pedido, como quando se pede um segredo, não resultou o efeito pretendido, pois o feito é divulgado com assombro: «Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem».
Entramos no campo do mistério e do sobrenatural. Porém, Jesus usa os sentidos, mormente o toque. Aquela pessoa é surda e mal fala. Jesus aproxima-se dela ao máximo, tocando-lhe. Como que entra no Seu coração, com os dedos nos ouvidos e com a sua saliva toca-lhe a língua. Não é a magia a funcionar, é o toque humano que transforma, acolhendo, amando, salvando.
O rito do “Effetha”, incluído no Batismo, era acompanhado pela unção dos ouvidos e pela areia de sal colocada na boca. Dois elementos da natureza retirados por questões de higiene e saúde, mas que sublinhavam esta ligação à terra.
5 – A missão primeira de Jesus é o anúncio do Reino de Deus. As curas testemunham a Sua divindade. Porém, o grande milagre que Jesus opera, também naqueles e através daqueles que cura, é a conversão. Neste episódio vislumbra-se que o encontro com Jesus leva aquele homem a ser mais um discípulo, anunciando-O como Filho de Deus. Sublinhe-se também o olhar de Jesus voltado para o Céu, vocacionando-nos para a eternidade a partir do nosso mundo.
Doenças, limitações, deficiências, a finitude, integram a humanidade. A cura deste surdo é um sinal do reino de Deus, previamente anunciado pelos profetas: «Aí está o vosso Deus; Ele próprio vem salvar-nos. Então se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então o coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria. As águas brotarão no deserto e as torrentes na aridez da planície; a terra seca transformar-se-á em lago e a terra árida em nascentes de água». Jesus é Deus connosco, que vem salvar-nos da surdez que nos impede de escutar os outros, da cegueira que nos impede de reconhecer os outros como irmãos.
Não é possível eliminar todo o mal, mas devemos eliminar o mal que nos é humanamente possível. Jesus não elimina todo o mal, de contrário nós deixaríamos de ser humanos, o mundo passaria a ser céu e o tempo passaria a ser eternidade. Lá chegaremos. Porquanto a limitação, a doença, o enfraquecimento pela idade e pelas canseiras, e a morte, acompanham-nos. Devemos lutar contra todas as expressões do mal. Se estamos a ver mal e podemos melhorar a visão, então façamos por isso, consultemos o oftalmologista e sigamos os seus conselhos. Se existir alguma limitação que não é possível superar, que tal não nos impeça de sermos lutarmos por sermos felizes. É também esta a mensagem de Jesus. Deus ama-nos, além das nossas limitações, do nosso pecado, das nossas insuficiências. Aceitar a nossa condição é meio caminho andado para a cura!
6 – Vale a pena concretizar os gestos e as palavras de Jesus com as recomendações de São Tiago. A fé em Jesus não admite aceção de pessoas. Mais uma vez, o apóstolo dá um exemplo concreto: "Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido; talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar», e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam?".
Isto vale para a inclusão dos coxos, dos invisuais, dos surdos, das pessoas portadoras de deficiência. Lembremo-nos que nenhum de nós é perfeito. Não o somos nem física nem mentalmente e com o tempo vamos vendo menos, vamos ouvindo mal, vamos coxeando, vamos perdendo a memória. Por outro, há ou pode vir a haver alguém na nossa família com alguma deficiência. E sem esquecer que cada um de nós pode, de um momento para o outro, perder a visão, a audição, ficar paralíptico, perder "o tino".
O gesto de inclusão de Jesus é um desafio para nós. Antes da nossa deficiência, dos nossos defeitos, antes das nossas limitações físicas e/ou espirituais, somos Filhos bem-amados de Deus.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (B): Is 35, 4-7a; Sl 145 (146); Tg 2, 1-5; Mc 7, 31-37.
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