segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O mais pequeno entre vós esse é que será o maior

       Houve uma discussão entre os discípulos sobre qual deles seria o maior. Mas Jesus, que lhes conhecia os sentimentos íntimos, tomou uma criança, colocou-a junto de Si e disse-lhes: «Quem acolher em meu nome uma criança como esta acolhe-Me a Mim; e quem Me acolher acolhe Aquele que Me enviou. Na verdade, quem for o mais pequeno entre vós esse é que será o maior». João tomou a palavra e disse: «Mestre, vimos um homem expulsar os demónios em teu nome e quisemos impedi-lo, porque ele não anda connosco». Mas Jesus respondeu-lhe: «Não lho proibais, pois quem não é contra vós é por vós». (Lc 9, 46-50).

       Nos dois domingos anteriores e seguindo o evangelista São Marcos (Domingo XXV e XXVI do Tempo Comum) apresentaram-nos esta passagem em dois momentos: discussão sobre quem era o maior e o facto dos discípulos proibirem um homem de agir em nome de Jesus porque não fazia parte do grupo.
       O Evangelho que ora nos é proposto por São Lucas, mostra como Jesus insiste que o seguimento e a vivência da Palavra de Deus não se faz pelo poder, pela imagem, pela importância, mas faz-se pela obediência, pelo serviço aos outros, pela caridade. Quem quiser ser o maior será o servo de todos.
       Por outro lado e à invectiva de João para silenciarem um homem que fazia milagres mas não pertencia ao grupo, Jesus insiste na tolerância pela caridade. Há sempre bem que se pode descobrir e acolher mesmo naqueles que não são do nosso grupo e mesmo nas situações onde se insinua o mal. O preconceito pode levar-nos a desvalorizar e desaproveitar as boas ideias e os gestos generosos que venham de outros que não são do nosso grupo de amigos, da nossa família, do nosso partido. Jesus convida-nos à tolerância e ao cuidado por acolher todo o dom que vem de Deus, venha de onde vier.

sábado, 26 de setembro de 2015

XXVI Domingo do tempo Comum - ano B - 27-09.2015

       1 – "Há um «serviço» que serve aos outros; mas temos que guardar-nos do outro serviço cujo interesse é beneficiar os «meus», em nome do «nosso». Este serviço deixa sempre os «teus» de fora, gerando uma dinâmica de exclusão" (Papa Francisco, em Cuba). O contexto é o de domingo passado, em que Jesus diz claramente aos seus discípulos que quem quiser ser o primeiro seja o servo de todos. A tentação será servir-se, ou servir os seus, excluindo os que não fazem parte da minha família, do meu partido, da minha religião, do meu país, do meu grupo de amigos. Ora para Deus somos irmãos. Ele é Pai de todos. Todos são chamados a formar uma família feliz.
       Acolher os distantes, o estrangeiro, o pobre, o estranho, o refugiado, não nos dispensa de tratar bem os de casa e os da vizinhança.
       O Evangelho mostra os discípulos muito zelosos em relação ao grupo e aos próprios interesses. João diz a Jesus: «Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco». Não se põe em causa o bem mas quem o faz. Ou seja, se fizesse parte do grupo, acrescentaria prestígio e estava em sintonia com Jesus. Ora, se não faz parte do grupo não terá direito a fazer o que quer que seja relacionado com Jesus.
       Novamente a questão do protagonismo: quem é o maior?! Resposta clarificadora de Jesus: quem quiser ser o primeiro será o servo de todos. Os discípulos ainda precisam de caminhar muito mais. Veem alguém que lhes pode tirar o protagonismo e logo o afastam.
       2 – Novamente a delicadeza, o serviço, e a opção preferencial pelos mais frágeis. Sem Jesus fisicamente entre nós, Ele realmente Se faz presente pela Palavra proclamada, pelos Sacramentos, particularmente na Eucaristia, e muito especialmente Se faz presente nos pobres.
       Não há privilégios nem privilegiados. A haver discriminação será a favor dos excluídos, menosprezados, esquecidos. Partimos da mesma condição: fazer o bem em nome de Jesus. Homens ou mulheres, crianças ou idosos, europeus ou africanos, todos somos destinatários da recompensa, da salvação que Jesus nos traz. Basta fazer o bem. Em nome de Jesus, para que não nos tornemos vaidosos ao ponto de fazermos depender os outros de nós instrumentalizando-os.
       Responde-lhes Jesus: «Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós».
       Estamos habituados a diabolizar quem não pensa como nós. Pior, diabolizamos os que não fazem parte do nosso grupo, mesmo que tenham ideias semelhantes às nossas. Atente-se à campanha eleitoral: nós ou o caos. Combatem-se as pessoas e não os projetos. Ouvindo os diversos candidatos, todos defendem os pobres, a solidariedade social, o pelo emprego jovem, a inclusão dos idosos, a escola pública, dando prioridade à educação, à saúde, à justiça (e talvez à cultura), estarão ao lado das pequenas e médias empresas, combaterão as injustiças, a corrupção, a fuga ao fisco, para aliviar os sacrifícios dos portugueses. A Segurança Social é intocável. Os reformados, pelo menos os que recebem menos, verão um esforço por lhes ser aumentada a reforma. Haverá políticas de apoio às famílias e às empresas, promovendo dessa forma o crescimento económico e o emprego. Em relação às ideias políticas todos estamos de acordo…
       Jesus diz aos seus discípulos que o joio e o trigo crescem em simultâneo até à ceifa (cf. Mt 13, 24-30). Em vez de diabolizar há que integrar. Discutir ideias, mas acolher todas as pessoas. Nem tudo é branco e preto, há que procurar o bem em todos, a presença de Deus em cada um. O caminho de Jesus é o caminho do amor, da paixão, do serviço a todos, sem excluir, preferindo aproximar-se dos afastados. O caminho é amar. Amar sempre. Amar servindo. Não importa a quem. Não importa quem. Retomemos a parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37). Para se ser bom não é preciso ser judeu, ou ser cristão, o que é preciso é fazer o bem sem olhar a quem.
       3 – «Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo não perderá a sua recompensa. Se alguém escandalizar algum destes pequeninos que creem em Mim, melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós e o lançassem ao mar».
       Os pequeninos – os pobres, a viúva, o órfão, o estrangeiro, o pecador, o refugiado, o doente – hão de merecer a máxima atenção, cuidado e diligência. O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos a Mim o fazeis. O que deixardes de fazer ao mais pequenino dos meus irmãos a Mim deixareis de o fazer (cf. Mt 25, 31-46).
       No dia em que se faz memória de São Vicente de Paulo, vale a pena meditar nas suas palavras: «O serviço dos pobres deve ser preferido a todos os outros e deve ser prestado sem demora… se tiverdes de deixar a oração… De facto não se trata de deixar a Deus, se é por amor de Deus que deixamos a oração: servir um pobre é também servir a Deus. A caridade é a máxima norma, e tudo deve tender para ela; é uma grande senhora: devemos cumprir o que ela manda».
       Os discípulos discutem lugares e protagonismo: qual de nós será o maior no Reino de Deus? E não satisfeitos, afastam os que possam ocupar um lugar especial no coração de Jesus ou agir em Seu nome. Ora Jesus não discute lugares, mas serviço. Não importa quem brilha! Importa quem faz transparecer Jesus e o Seu Evangelho de amor. No MEIO estará sempre Jesus, ainda que esteja no meio através dos mais pobres.

       4 – Deveríamos ficar felizes quando os outros prosperam! Mas por vezes o sucesso dos outros provoca-nos azia e inveja. Os outros não são, como diria Sarte, o inferno, pelo contrário, são um espelho no qual podemos descobrir a presença de Deus, e reconhecer-nos como irmãos.
       A primeira leitura mostra, como também o evangelho, que a inveja obscurece o olhar sobre os outros. Os líderes sábios e tementes a Deus fazem a diferença.
       Moisés só tem duas mãos e não pode resolver todos os problemas do povo. São escolhidos 70 anciãos para o ajudarem. O Espírito que estava em Moisés é "distribuído" também pelos 70 anciãos, que começam a profetizar. No acampamento ficaram dois homens que, embora estivessem inscritos, não compareceram na tenda. O Espírito também poisou sobre eles. E eles começaram a profetizar no acampamento. Entretanto um jovem correu a dizê-lo a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento». Josué, que mais tarde viria a suceder a Moisés e que estava ao seu serviço, aproveita a deixa: «Moisés, meu senhor, proíbe-os».
       Como se Eldad e Medad pudessem ofuscar a liderança de Moisés ou os padrões instituídos. Deus age além dos limites oficiais que possamos impor a partir dos nossos padrões religiosos. Moisés, que se poderia sentir diminuído, é taxativo: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!».
       O bem que os outros dizem e fazem deve incentivar-nos a fazer e a dizer bem.

       5 – Mais um domingo com São Tiago, cuja Epístola é uma chamada constante a assumirmos as consequências da fé professada. Todos sabemos, como diz o Apóstolo, que a fé sem obras é morta, mas não nos faz mal avivarmos a nossa consciência e o nosso compromisso.
       São Tiago concretiza com situações reais, recordando-nos que as nossas riquezas materiais e a nossa presunção espiritual nos fazem desviar de Jesus e da vivência do Evangelho.
«As vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a sua ferrugem vai dar testemunho contra vós… Privastes do salário os trabalhadores que ceifaram as vossas terras. O seu salário clama; e os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo… Condenastes e matastes o justo».
       Quem vive e enriquece à custa dos mais pobres há de dar contas a Deus. O ideal comunista-marxista era espoliar os ricos para enriquecer os pobres; a lógica do Evangelho é a partilha, o cuidar dos mais frágeis, venham de onde vierem. Privar o trabalhador do seu salário ou não o compensar justamente pelo trabalho realizado é um pecado que brada aos céus. Bem podemos verificar o longo caminho a percorrer. É com pesar que muitas empresas não sobrevivem. Com maior pesar quando não foram acautelados, com honestidade e justiça, os salários daqueles e daquelas que deram o corpo ao manifesto, cujo fruto do seu trabalho deveria ter sido canalizado para o pagamento dos ordenados, investindo na modernização da empresa e na formação dos seus trabalhadores. Não se exclui a justa remuneração dos proprietários e gestores, cujo trabalho e honestidade os faz merecer o seu salário.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Num 11, 25-29; Sl 18 (19); Tg 5, 1-6; Mc 9, 38-43.45.47-48.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

XXV Domingo do Tempo Comum - ano B - 20.09.2015

       1 – Morte e Ressurreição. Eis o mistério maior (e único) da nossa fé cristã. Em cada domingo, os cristãos celebram a Páscoa semanal, mas também em cada Eucaristia, sacramento no qual Jesus Se faz presente sob as espécies do vinho e do pão que pelo Espírito Santo Se transformam no Seu Corpo e no Seu Sangue. Oferenda que se torna atual no Sacramento da Eucaristia.
       No Evangelho, Jesus, muito cedo, anuncia este mistério: «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará».
       Apesar da Confissão de Fé, feita por Pedro em nome de todos, dos discípulos daqueles dias e de hoje, que somos nós, há ainda um longo caminho a percorrer, para amadurecer a fé, para perceber a vontade de Deus, para aperfeiçoar a identificação com Jesus e com o Seu Evangelho de serviço sem fronteiras.
       O anúncio da morte, e a chegada iminente do reino de Deus, leva os discípulos a discutir lugares, para ver quem ganhará a dianteira. Haveria alguns candidatos óbvios: Tiago e João, André e Pedro, Judas Iscariotes (um dos mais próximos de Jesus e com maior preponderância no grupo, sendo o responsável pelas economias e pela gestão logística das jornadas missionárias). Os Evangelhos (cf. Mc 10, 35-45; Lc 22, 24-27; Jo 13, 1-17) mostrar-nos-ão como Tiago e João solicitam a Jesus os lugares à Sua direita e à Sua esquerda. Este facto foi ligeiramente modificado por São Mateus (20, 20-28) que coloca a mãe dos dois a pedir, protegendo-os desta pretensão e ousadia. Esse episódio ser-nos-á apresentado daqui a quatro domingos, na versão de São Marcos.
       2 – O caminho serve para evangelizar. Mas por vezes Jesus deixa que os discípulos conversem e só os interpela em casa. Faz-nos lembrar aquelas famílias, cujos filhos vão discutindo sem que os pais intervenham, a não ser mesmo necessário, e quando chegam a casa aproveitam e esclarecem algum ponto, rebatendo ou alertando para alguma situação menos positiva. Também assim no contexto de um grupo ou uma turma, os reparos quanto possível devem fazer-se discretamente e de preferência individualmente. Neste caso, todo o grupo está em causa. Precisam de amadurecer ideias. Jesus deixa porquanto que discorram entre eles.
       O evangelista refere que os discípulos estavam com receio em interrogar Jesus. Talvez por saberem o que Ele pensava. Mas querem tirar a limpo. Têm que arriscar. Vimos como Pedro repreendeu Jesus quando Ele anuncia a Sua morte para breve. Vê-se agora que a repreensão a Pedro é extensível a todos os discípulos. Se se aproxima a hora da morte de Jesus, há que assegurar o futuro sem Jesus. Pelo caminho vão jogando uns com os outros sobre as cartadas de cada um: qual deles é o maior e que pode assumir um lugar de destaque?
       Enquanto discutem lugares, Jesus chega-lhes a mostarda ao nariz para lhes recordar a missão do Filho do Homem que veio para servir e não para ser servido, veio para dar a vida pela humanidade. O serviço é o único caminho do discípulo. Quem quiser segui-l'O tem de correr atrás de Jesus, seguindo os Seus passos, de serviço e de auto oferenda pelos outros. O caminho do amor passa pela cruz. Aquele que ousar desviar-se da Cruz de Jesus, perde-se a si mesmo, pois não há amor que não acarrete preocupação, serviço, dedicação ao outro e até dar a própria vida pela vida de quem se ama. Qual o pai que não daria a vida pelo seu filho? Qual o pai que amando não sofre?
       Mas se não há caminho cristão sem cruz, também não o há sem serviço, sem humildade, sem a pequenez que deixa transparecer a grandeza de Deus.
       Jesus chama-os, reúne-os à Sua volta – Cristo deve estar sempre no centro, no meio, Ele preside – e senta-se. É a atitude de quem ensina. E diz-lhes: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos». E, para que não haja dúvidas, Jesus toma uma criança, coloca-a no MEIO deles, abraça-a e sublinha: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».
       Curioso: eles discutem o futuro para o tempo em que Jesus não está; Jesus propõe-lhes um futuro em que estará sempre no MEIO, em carne e osso, pelo Espírito Santo, ou pelos mais pequenos do Reino. Não são os discípulos que devem ocupar o MEIO mas aqueles que eles devem servir.
       3 – Como cristãos, levando a sério a mensagem do Evangelho, o dizer e o fazer de Jesus, conduzir-nos-á a disputar a caridade, o serviço, a atenção, o cuidado aos outros. Assim o rezamos: «Senhor, que fizestes consistir a plenitude da lei no vosso amor e no amor do próximo, dai-nos a graça de cumprirmos este duplo mandamento, para alcançarmos a vida eterna» (coleta).
       Na igreja, a discussão há de andar à volta das situações que é necessário atender.
       São Tiago volta a ser muito pragmático a propósito: «Onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más ações. Mas a sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e de boas obras, imparcial e sem hipocrisia. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz. De onde vêm as guerras? De onde procedem os conflitos entre vós? Não é precisamente das paixões que lutam nos vossos membros? Cobiçais e nada conseguis: então assassinais. Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras. Nada tendes, porque nada pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões».
       A inveja desmedida e a ganância são contrárias à sabedoria que vem de Deus. A própria oração pode ser contraproducente quando esquece Deus e esquece os outros. No evangelho o caminho do serviço é o único caminho do discípulo de Jesus. Do mesmo jeito, São Tiago nos vai lembrando que a fé nos compromete com a justiça, com a paz, com as boas obras, com a solidariedade e serviço aos mais desfavorecidos.

       4 – Servidores mas não ingénuos. Seguir Jesus e a vontade de Deus coloca a possibilidade efetiva da cruz, da perseguição. Assim o descreve o sábio: «Armemos ciladas ao justo, porque nos incomoda e se opõe às nossas obras; censura-nos as transgressões à lei e repreende-nos as faltas de educação. Vejamos se as suas palavras são verdadeiras, observemos como é a sua morte. Porque, se o justo é filho de Deus, Deus o protegerá e o livrará das mãos dos seus adversários. Provemo-lo com ultrajes e torturas, para conhecermos a sua mansidão e apreciarmos a sua paciência. Condenemo-lo à morte infame, porque, segundo diz, Alguém virá socorrê-lo».
       A justiça e a verdade, a luz e a retidão, a honestidade e a bondade, podem provocar sentimentos contraditórios e reações diversas. Uma pessoa boa pode ser vista como um ataque a todos aqueles que caminham por caminhos tortuosos de pecado. A luz é inimiga das trevas. As trevas escondem e protegem o mal. A luz não faz mal, sublinha o bem, ainda que possa pôr a claro o mal. Aquele que segue o caminho do bem e da verdade dificilmente se livrará da cruz. Amar, servir, ressuscitar, ser feliz, não são meras conjugações verbais mas opções de vida e que são passíveis de acarretar sofrimento, dor, sacrifício. Quem se sujeita a amar sujeita-se a padecer.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Sab 2, 12. 17-20; Sl 53 (54); Tg 3, 16 – 4, 3; Mc 9, 30-37.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Os teus pecados estão perdoados...

        Um fariseu convidou Jesus para comer com ele. Jesus entrou em casa do fariseu e tomou lugar à mesa. Então, uma mulher – uma pecadora que vivia na cidade – ao saber que Ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro com perfume; pôs-se atrás de Jesus e, chorando muito, banhava-Lhe os pés com as lágrimas e enxugava-lhos com os cabelos, beijava-os e ungia-os com o perfume. Ao ver isto, o fariseu que tinha convidado Jesus pensou consigo: «Se este homem fosse profeta, saberia que a mulher que O toca é uma pecadora». Jesus tomou a palavra e disse-lhe: «Simão, tenho uma coisa a dizer-te». Ele respondeu: «Fala, Mestre». Jesus continuou: «Certo credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários e o outro cinquenta. Como não tinham com que pagar, perdoou a ambos. Qual deles ficará mais seu amigo?». Respondeu Simão: «Aquele – suponho eu – a quem mais perdoou». Disse-lhe Jesus: «Julgaste bem». E voltando-Se para a mulher, disse a Simão: «Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não Me deste água para os pés; mas ela banhou-Me os pés com as lágrimas e enxugou-os com os cabelos. Não Me deste o ósculo; mas ela, desde que entrei, não cessou de beijar-Me os pés. Não Me derramaste óleo na cabeça; mas ela ungiu-Me os pés com perfume. Por isso te digo: São-lhe perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama». Depois disse à mulher: «Os teus pecados estão perdoados». Então os convivas começaram a dizer entre si: «Quem é este homem, que até perdoa os pecados?». Mas Jesus disse à mulher: «A tua fé te salvou. Vai em paz» (Lc 7, 36-50).
       Jesus toma lugar à mesa, daquele fariseu, mas também à nossa mesa se o convidarmos, ou se acolhermos o Seu convite para comungarmos da Sua vida.
       Aproxima-se de Jesus uma pecadora. Pecadora para os fariseus e outros, pessoa para Jesus Cristo. Pessoa que precisa de compreensão e sobretudo de perdão, para refazer a sua vida e encontrar forças para continuar em frente.
       Por um lado, o ruído por Jesus acolher uma mulher de má fama. Jesus, por outro lado, prefere o silêncio da compreensão, da tolerância e do perdão. Mas perante o ruído, contrapõe a atitude de arrependimento e de delicadeza daquela mulher. E alerta o anfitreão, e os seus confrades: «São-lhe perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama».
       O perdão dos pecados atesta a divindade de Jesus. Pelo menos insinua-a.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Bento XVI - Nossa Senhora das Dores

SANTA MISSA COM OS DOENTES 
HOMILIA DO PAPA BENTO XVI

Sagrado da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, Lourdes
Segunda-feira, 15 de Setembro de 2008

Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos doentes, prezados acompanhantes e enfermeiros,
Caros irmãos e irmãs!

Ontem celebrámos a Cruz de Cristo, instrumento da nossa salvação, que nos revela em plenitude a misericórdia do nosso Deus. A Cruz é realmente o lugar onde se manifesta perfeitamente a compaixão de Deus pelo nosso mundo. Hoje, ao celebrarmos a memória de Nossa Senhora das Dores, contemplamos Maria que partilha a compaixão do Filho pelos pecadores. Como afirmava São Bernardo, a Mãe de Cristo entrou na Paixão do Filho através da sua compaixão (cf. Homilia do Domingo na Oitava da Assunção). Ao pé da Cruz cumpre-se a profecia de Simeão: o seu coração de Mãe é trespassado (cf. Lc 2, 35) pelo suplício infligido ao Inocente, nascido da sua carne. Tal como Jesus chorou (cf. Jo 11, 35), também Maria terá certamente chorado diante do corpo torturado do Filho. Todavia, a sua discrição impede-nos de medir o abismo da sua dor; a profundidade desta aflição é apenas sugerida pelo tradicional símbolo das sete espadas. Como sucedeu com seu Filho Jesus, é possível afirmar que este sofrimento levou-A também a Ela à perfeição (cf. Heb 2, 10), de modo a torná-La capaz de acolher a nova missão espiritual que o Filho Lhe confia imediatamente antes de “entregar o espírito” (cf. Jo 19, 30): tornar-Se a Mãe de Cristo nos seus membros. Naquela hora, através da figura do discípulo amado, Jesus apresenta cada um dos seus discípulos à Mãe dizendo-Lhe: “Eis o teu filho” (cf. Jo 19, 26-27).

Maria vive hoje na alegria e glória da Ressurreição. As lágrimas derramadas ao pé da Cruz transformaram-se num sorriso que nada mais apagará, embora permaneça intacta a sua compaixão materna por nós. Atesta-o a intervenção da Virgem Maria em nosso socorro ao longo da história e não cessa de suscitar por Ela, no povo de Deus, uma confidência inabalável: a oração Memorare (“Lembrai-Vos”) exprime muito bem este sentimento. Maria ama cada um dos seus filhos, concentrando a sua atenção de modo particular naqueles que, como o Filho d’Ela na hora da Paixão, se acham mergulhados no sofrimento; ama-os, simplesmente porque são seus filhos, por vontade de Cristo na Cruz.

O Salmista, vislumbrando de longe este vínculo materno que une a Mãe de Cristo e o povo crente, profetiza a respeito da Virgem Maria: “Os grandes do povo procurarão o teu sorriso” (Sal 44, 13). E assim, solicitados pela Palavra inspirada da Escritura, sempre os cristãos procuraram o sorriso de Nossa Senhora, aquele sorriso que os artistas, na Idade Média, tão prodigiosamente souberam representar e engrandecer. Este sorriso de Maria é para todos: no entanto, dirige-se de modo especial para os que sofrem, a fim de que nele possam encontrar conforto e alívio. Procurar o sorriso de Maria não é uma questão de sentimentalismo devoto ou antiquado; antes, é a justa expressão da relação viva e profundamente humana que nos liga Àquela que Cristo nos deu por Mãe.
Desejar contemplar este sorriso da Virgem não é de forma alguma deixar-se dominar por uma imaginação descontrolada. A própria Escritura nos revela tal sorriso nos lábios de Maria, quando canta o Magnificat: “A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador” (Lc 1, 46-47). Quando a Virgem Maria dá graças ao Senhor, toma-nos por suas testemunhas. Maria, como que por antecipação, partilha com os futuros filhos, que somos nós, a alegria que mora no seu coração, para que uma tal alegria se torne também nossa. E cada proclamação do Magnificat faz de nós testemunhas do seu sorriso. Aqui em Lourdes, durante a aparição de 3 de Março de 1858, Bernadete contemplou de maneira muito especial este sorriso de Maria. Foi esta a primeira resposta dada pela Bela Senhora à jovem vidente, que queria saber a sua identidade. Antes de apresentar-Se-lhe alguns dias mais tarde como “a Imaculada Conceição”, Maria fez-lhe conhecer antes de mais nada o seu sorriso, como se tal fosse a porta mais apropriada para a revelação do seu mistério.

No sorriso da mais eminente de todas as criaturas, que a nós se dirige, reflecte-se a nossa dignidade de filhos de Deus, uma dignidade que nunca se extingue em quem está doente. Aquele sorriso, verdadeiro reflexo da ternura de Deus, é a fonte duma esperança invencível. Acontece infelizmente – bem o sabemos – que o sofrimento prolongado quebre os equilíbrios melhor consolidados duma vida, abale as mais firmes certezas da confiança e chegue por vezes até a fazer desesperar do sentido e valor da vida. Há combates que o homem não pode sustentar sozinho, sem a ajuda da graça divina. Quando a palavra já não consegue encontrar expressões adequadas, subentra a necessidade duma presença carinhosa: procuramos então a solidariedade não só daqueles que compartilham o nosso próprio sangue ou estão ligados connosco por vínculos de amizade, mas também a solidariedade de quantos se acham intimamente unidos a nós pelo laço da fé. E quem de mais íntimo poderíamos nós ter além de Cristo e da sua santa Mãe, a Imaculada? Mais do que qualquer outrem, Eles são capazes de nos compreender e perceber a dureza do combate que travamos contra o mal e o sofrimento. A Carta aos Hebreus, referindo-se a Cristo, afirma que Ele não é alguém incapaz de “compadecer-Se das nossas fraquezas; pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo” (Heb 4, 15).

Queria, humildemente, dizer àqueles que sofrem e a quantos lutam e se sentem tentados a virar as costas à vida: Voltai-vos para Maria! No sorriso da Virgem, encontra-se misteriosamente escondida a força para continuar o combate contra a doença e a favor da vida. Junto d’Ela, encontra-se igualmente a graça para aceitar, sem medo nem mágoa, a despedida deste mundo na hora querida por Deus.

Quão justa era a intuição daquela bela figura espiritual francesa que foi o Padre Jean-Baptiste Chautard, quando, na obra A alma de todo o apostolado, propunha ao cristão fervoroso frequentes “trocas de olhar com a Virgem Maria”! Sim, procurar o sorriso da Virgem Maria não é um pio infantilismo; é a inspiração – diz o Salmo 44 – daqueles que são “os grandes do povo” (v. 13). “Os grandes”, entenda-se, na ordem da fé, aqueles que possuem a maturidade espiritual mais elevada e sabem por isso reconhecer a sua fraqueza e pobreza diante de Deus. Naquela manifestação muito simples de ternura que é o sorriso, apercebemo-nos de que a nossa única riqueza é o amor que Deus nos tem e que passa através do Coração d’Aquela que Se tornou nossa Mãe. Procurar este sorriso significa em primeiro lugar perceber a gratuidade do amor; significa também saber suscitar este sorriso com o nosso empenho em viver segundo a palavra do seu dilecto Filho, tal como a criança procura suscitar o sorriso da mãe fazendo aquilo que é do agrado dela. E nós sabemos o que agrada a Maria pelas palavras que Ela mesma dirigiu aos serventes em Caná: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 5).

O sorriso de Maria é uma fonte de água viva. “Do seio daquele que acredite em Mim – disse Jesus –, correrão rios de água viva” (Jo 7, 38). Maria é Aquela que acreditou e, do seu seio, correram rios de água viva, que vêm regar a história dos homens. A fonte indicada por Maria a Bernadete, aqui em Lourdes, é o sinal humilde desta realidade espiritual. Do seu coração de crente e de mãe corre uma água viva que purifica e cura. Inúmeros são aqueles que, mergulhando nas piscinas de Lourdes, descobriram e experimentaram a doce maternidade da Virgem Maria, agarrando-se a Ela para melhor se prenderem ao Senhor! Na sequência litúrgica desta festa de Nossa Senhora das Dores, Maria é honrada sob o título de “Fons amoris”, “Fonte de amor”. Realmente, do coração de Maria, brota um amor gratuito que suscita uma resposta filial, chamada a aperfeiçoar-se sem cessar. Como toda a mãe, e melhor do que qualquer outra mãe, Maria é a educadora do amor. É por isso que tantos doentes vêm aqui, a Lourdes, para dessedentar-se nesta “Fonte de amor” e deixar-se conduzir até à única fonte da salvação, o seu Filho, Jesus Salvador.

Cristo dispensa a sua salvação através dos sacramentos e, de modo especial, às pessoas que estão doentes ou são portadoras de qualquer deficiência, através da graça da Unção dos Enfermos. Para cada um, o sofrimento é sempre um estranho. Não nos habituamos nunca à sua presença. Por isso é difícil suportá-lo, e mais difícil ainda – como fizeram algumas grandes testemunhas da santidade de Cristo – acolhê-lo como parte integrante da própria vocação, ou aceitar, segundo a expressão de Bernadete, “tudo sofrer em silêncio para comprazer Jesus”. Para se poder dizer isto, é necessário ter percorrido já um longo caminho em união com Jesus. Em contrapartida, é possível imediatamente desde já abandonar-se à misericórdia de Deus tal como esta se manifesta por meio da graça do sacramento dos doentes. A própria Bernadete, no decurso duma existência frequentemente marcada pela doença, recebeu este sacramento quatro vezes. A graça própria deste sacramento consiste em acolher em si mesmo Cristo médico. Cristo, porém, não é médico à maneira do mundo. Para nos curar, Ele não fica fora do sofrimento que se experimenta; mas alivia-o vindo habitar naquele que está atingido pela doença, para a suportar e viver com ele. A presença de Cristo vem quebrar o isolamento que a dor provoca. O homem deixa de carregar sozinho a sua provação, mas enquanto membro sofredor de Cristo, fica conformado a Ele que Se oferece ao Pai e n’Ele participa no parto da nova criação.

Sem a ajuda do Senhor, o jugo da doença e do sofrimento pesa cruelmente. Recebendo o sacramento dos doentes, não desejamos levar outro jugo que não seja o de Cristo, fortalecidos pela promessa que Ele nos fez, isto é, que o seu jugo será fácil de levar e leve o seu peso (cf. Mt 11, 30). Convido as pessoas que vão receber a Unção dos doentes durante esta Missa a abrirem-se a uma tal esperança.

O Concílio Vaticano II apresentou Maria como a figura na qual está compendiado todo o mistério da Igreja (cf. LG 63-65). A sua vida pessoal apresenta o perfil da Igreja, sendo esta convidada a estar atenta como Ela às pessoas que sofrem. Dirijo uma saudação afectuosa aos componentes do Serviço de Saúde e Enfermagem, bem como a todas as pessoas que por diversos títulos, nos hospitais e noutras instituições, contribuem para o cuidado dos doentes com competência e generosidade. De igual modo ao pessoal de acolhimento, aos maqueiros e aos acompanhantes que, originários de todas as dioceses de França e de mais longe ainda, se prodigalizam ao longo de todo o ano à volta dos doentes que vêm em peregrinação a Lourdes, quero dizer quão precioso é o seu serviço. Eles são os braços da Igreja, humilde serva. Desejo enfim encorajar aqueles que, em nome da sua fé, acolhem e visitam os doentes, de modo particular nas capelanias dos hospitais, nas paróquias ou, como aqui, nos santuários. Possais vós sentir sempre, nesta importante e delicada missão, o apoio eficaz e fraterno das vossas comunidades! E, neste sentido, saúdo e agradeço também de modo particular meus irmãos no episcopado, os bispos franceses, os bispos estrangeiros e os sacerdotes que, todos eles, são acompanhadores dos enfermos e dos homens marcados pelo sofrimento no mundo. Obrigado pelo vosso serviço junto ao Senhor que sofre.

O serviço de caridade que prestais é um serviço mariano. Maria confia-vos o seu sorriso, para que vós próprios vos torneis, na fidelidade a seu Filho, fontes de água viva. Aquilo que estais fazendo, fazeis-lo em nome da Igreja, de quem Maria é a imagem mais pura. Possais vós levar o seu sorriso a todos!

Ao concluir, desejo unir-me à oração dos peregrinos e dos doentes e retomar juntamente convosco um pedaço da oração a Maria feita para a celebração deste Jubileu:
“Porque Vós sois o sorriso de Deus, o reflexo da luz de Cristo,
porque Vós escolhestes Bernadete na sua miséria,
Vós que sois a estrela da manhã,
a porta do céu e a primeira criatura ressuscitada,
Nossa Senhora de Lourdes”,
com os nossos irmãos e as nossas irmãs cujos corações
e corpos estão a sofrer, nós Vos rezamos!
a habitação do Espírito Santo,
Página oficial da Santa Sé: AQUI.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

XXIV Domingo do Tempo Comum - ano B - 13.09.2015

       1 – Nas costas dos outros vemos as nossas. É um ditado popular que nos revela o que podem dizer de nós. Ouvimos o que dizem dos outros e ficamos a saber que as mesmas pessoas dirão coisas semelhantes a nosso respeito quando não estivermos presentes. E há aqueles que fazem as mesmas perguntas que Jesus: «Quem dizem os [outros] homens que Eu sou?».
       A resposta dos discípulos é generosa, filtrando talvez algumas opiniões mais desfavoráveis: «Uns dizem João Baptista; outros, Elias; e outros, um dos profetas». Se nos entranharmos no Evangelho verificaremos outras visões acerca de Jesus: um louco ou tresloucado, um endemoninhado, um perigoso revolucionário, um herético, cujas blasfémias bradam aos céus.
       Rapidamente Jesus dá um passo em frente: «E vós, quem dizeis que Eu sou?».
       Percebemos bem as implicações desta pergunta. Saber o que os estranhos dizem a nosso respeito é relativo. Obviamente que pessoas muito sensíveis muito se deixam afetar pelas opiniões alheias, venham de onde e de quem vierem. Mas o importante mesmo é saber o que dizem de nós os nossos amigos. Até que ponto nos conhecem? O que dirão de nós quando não estivermos?
       O DIZER implica-nos, implica a nossa amizade, implica a vida. Há ruído que se perde em palavreado, mas há também a comunicação que nos aproxima, nos irmana, nos familiariza com os outros. Pedro responde também em nosso nome: «Tu és o Messias».
       É uma primeira Profissão de Fé que terá um longo caminho de amadurecimento. A firmeza da confissão de fé ditará a firmeza do seguimento. Jesus liga as duas realidades. Imediatamente, Jesus lhes diz o que significa ser Messias e as consequências do ACREDITAR e de O SEGUIR. O filho do homem vai sofrer muito, há de ser morto e ressuscitará. Que direis de Mim?
       2 – As palavras de Jesus preanunciam espessas nuvens no horizonte e que merecem de novo a intervenção pronta de Simão Pedro, que O contesta abertamente. Voltando-Se, Jesus repreende-o: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens». Na interpretação de D. António Couto, Bispo de Lamego, a tradução deveria ser “Vai para trás de MIM, satanás". Isto é, não queiras ser Mestre, terás que ser discípulo e seguir-Me. Aliás é esse o desafio lançado aos discípulos mas também à multidão que Ele chama a Si: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á».
       Para a multidão, para os discípulos, para nós, ser discípulo de Jesus é segui-l'O, pois Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. É necessário que Ele cresça e diminua o nosso ego.
       3 – Vou dizer-te uma coisa... queria pedir-te um favor... mas antes quero que prometas que vais guardar para ti, que vais fazer tudo para atenderes ao meu pedido. Quando queremos dizer algo de importante, primeiro tentamos garantir a confiança de quem vai ser depositário dos nossos segredos. Quando queremos que alguém nos ajude, fazemos com que se compromete antes de lhe dizermos o que é, pondo à prova a amizade.
       Jesus precisa de garantir a firmeza dos apóstolos, mas também da multidão, para saber que pode confiar, pode dizer-lhes mais coisas, pode abrir o Seu coração por inteiro e projetar já os tempos difíceis que estão para vir.
        O tato de Jesus é extraordinário. Faz perguntas circunstanciais. Depois pergunta diretamente àqueles que estão com Ele, confia-lhes e desvenda-lhes um pouco do futuro, que progressivamente se vai evidenciar pela oposição e contestação de algumas franjas de judeus. Diz ao que vem. A minha vida será assim. Quereis seguir-Me? Sabei o que vos poderá acontecer.
        O chamamento não é um exclusivo dos discípulos mais chegados, é para todos. Será necessário sempre um grupo mais comprometido, garantindo uma comunicação mais eficiente e uma maior fidelidade ao Evangelho. A perspetiva, contudo, é instrumental, é para chegar a mais pessoas, perdurar por mais tempo, e manter a mesma frescura inicial. Logo Jesus chama a multidão. A mensagem é para todos. Todos ficamos implicados: «Se alguém quiser seguir-Me, tome a sua cruz e siga-Me». O recado é clarividente: seguir ATRÁS, decalcando as Suas pegadas.
        4 – Como ter fé diante da pobreza material, da miséria espiritual, do sofrimento atroz, das desgraças que nos cercam, da doença crónica, da solidão, do medo do futuro, da precariedade do emprego e do trabalho, dos projetos e dos sonhos desfeitos, da traição, da divisão, da rutura familiar, da fadiga da vida, da depressão, da violência gratuita, das imagens que nos entram pelos olhos adentro, com os refugiados, as crianças inocentes mortas, a corrupção, os assaltos, a morte? Nas palavras de Bento XVI, como testemunhar a fé perante tantos desertos exteriores que se multiplicam, aos quais acrescem os desertos interiores, a desesperança, a solidão, o sentido para a vida, o afastamento dos amigos? É precisamente então que a fé terá que iluminar!
       Na alegria e na festa, na saúde e na bonança, na beleza e na vida, a fé potencia-nos, eleva-nos, faz sentir que a nossa existência tem as marcas de Deus. Conforta-nos saber que contamos para Deus e para os outros. Há alturas da vida que parece que tudo aquilo em que tocamos se transforma em ouro.
       Na tristeza e na solidão, na doença e na carestia, no luto e na morte, a fé pode ser a salvação, mas poderemos não ver mais que trevas e dúvidas e hesitação e desespero. Quando a vida não corre ou nos corre mal, nem nos apetece rezar, muito menos para agradecer ou para louvar a Deus. Mas Deus, sempre Deus, não desiste de nós. Quere-nos. Ama-nos no mais profundo, no mais íntimo, no mais entranhado do Seu Coração. Dá-Se-nos por inteiro. Faz-Se UM connosco.
       O profeta Isaías experimenta a dureza do caminho, o chamamento de Deus, a persistência que nos há de levar mais longe, e que antecipa a missão Jesus: «O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra e sei que não ficarei desiludido. O meu advogado está perto de mim. Pretende alguém instaurar-me um processo? Compareçamos juntos. Quem é o meu adversário? Que se apresente! O Senhor Deus vem em meu auxílio. Quem ousará condenar-me?».
       As palavras do Profeta tornam-se visíveis e visualizáveis na vida de Jesus.

       5 – Os bons amigos veem-se na adversidade. Jesus prepara-nos para todos os momentos. Por isso nos previne. Sermos seus amigos não nos livra das dificuldades. Por maiores que sejam o obstáculos, a nossa fé há de prevalecer, fortalecendo-nos.
       Quando advêm os escolhos, os amigos diminuem, ou melhor manifestam a força ou a debilidade da ligação. Mutatis mutandis, assim com a fé. A fé ilustra-se no compromisso, no dia-a-dia. Como todas as ligações, entre amigos, no casal, numa associação, num grupo. Quando aperta é que se vê a fibra de quem permanece.
       São Tiago, uma vez mais, ajuda-nos a confrontar a autenticidade da nossa fé com a verdade da nossa caridade. "De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação? Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhes disser: «Ide em paz. Aquecei-vos bem e saciai-vos», sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: «Tu tens a fé e eu tenho as obras». Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé".
       Colocados diante de situações concretas, como reagiremos? Como respondemos aos desafios que nos são colocados pelas pessoas mais carenciadas? E o que nos diz a vaga de refugiados?
       Jesus, como víamos no domingo passado, abre-nos os ouvidos e solta-nos a língua para que a Palavra de Deus ressoe em nós e nos faça professar a Fé em Deus. E se professamos a fé no Deus de Jesus Cristo, as consequências são óbvias, ainda que tenhamos que carregar a Cruz.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Is 50, 5-9a; Sl 114 (115); Tg 2, 14-18; Mc 8, 27-35.

Pinheiros: 5.º dia da NOVENA DE SANTA EUFÉMIA

NOVENA DE SANTA EUFÉMIA | 5.º dia | 11 de setembroComo não lembrar a intolerância religiosa que grassa pelo mundo? Em...
Posted by Paróquia de Pinheiros on Sexta-feira, 11 de Setembro de 2015

Pinheiros: 4.º dia da NOVENA DE SANTA EUFÉMIA

NOVENA DE SANTA EUFÉMIA | 4.º dia | 10 de setembroO Evangelho para hoje traz-nos a mensagem emblemática de Jesus: "...
Posted by Paróquia de Pinheiros on Quinta-feira, 10 de Setembro de 2015

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

SOFIA LISBOA - NUNCA DESISTAS DE VIVER

SOFIA LISBOA, com Natália Heleno Pereira (2014). Nunca Desistas de Viver. Alfragide: Lua de Papel. 208 páginas.
       Sofia Lisboa era a vocalista dos Silence 4, banda cujo sucesso ainda lhes é reconhecido. Depois da banda terminar, tornou-se professora de fitness. Casou, engravidou, tinha tudo para ter a vida que sempre sonhou. Nova, bonita, realizada profissionalmente, com amigos. Mas eis que o telefonema lhe corta a vida em duas metades (antes e depois do telefonema): leucemia (um tipo dos mais graves). Tinha sobre si a sentença da morte.



       A pessoa que passa por uma grave doença, por um cancro, reage à sua maneira. Parafraseando Tolstoi,  as famílias felizes são iguais, as famílias tristes são originais, pois cada uma sofre à sua maneira, única, especial, irrepetível. Também as pessoas a quem a doença e/ou o sofrimento profundo bate à porta. Não há duas doentes iguais, ainda que a doença seja a mesma. A pessoa, com a sua predisposição, a sua educação, o seu otimismo ou o seu pessimismo, a família e os amigos que têm ou não tem. Tudo é diferente. Refira-se que quando a doença chega não leva em linha de conta se a pessoa é pobre ou rica, feliz ou infeliz, se é feia ou bonita, magra ou mais forte.
       Sofia Lisboa passou por diversas fases. Por momentos de esperança e otimismo, por momentos de tristeza e decepção. Não lhe faltaram os amigos. A família. O marido que a acompanhou intensamente durante o período mais difícil (viriam a separar-se, tão grande foi o desgaste da doença). Logo no início, a perda do bebé, consequência inevitável para iniciar os tratamentos. Foi a primeira grande perda, e com essa perda também a impossibilidade de ser novamente mãe (biológica).
       Vieram os tratamentos. Durante vários meses. Encontrou pelo caminho profissionais que eram amigos e competentes, mas também profissionais indispostos com a vida. A irmã deu-lhe uma segunda vida, já que a medula era compatível. O transplante trouxe a esperança, mas o combate ainda estava longe de ser bem sucedido, física e mentalmente. Para que o próprio organismo aceitasse a medula da irmã, foi submetida a intensos tratamentos, nomeadamente cortisona. Chegou um momento que dependia em tudo dos outros. Aumentou de peso, tinha pelos pelo corpo inteiro, usava fralda, não se podia levantar. Havia dias que o desejo era "partir", não fosse o peso que colocaria na família e nos amigos. Tinha perdido tudo: a beleza, a vida (de outrora), o filho, o marido...
       A família e os amigos fizeram-lhe "ver" que havia que viver não em função da vida anterior mas da que está pela frente. Como ela, como todos, é sempre mais fácil falar.
       Com a recuperação, também a possibilidade de fazer novas coisas, de começar a sair, ainda que com muitos cuidados. Outro dos propósitos era juntar o grupo Silence 4. A David Fonseca, o "razito" que teve o sonho de formar uma banda, apostada no som acústico e em duas vozes, uma masculina e outra feminina, pediu que voltasse a reunir o grupo. Se sobrevivesse então estaria lá para agradecer, cantar, vibrar, se morresse seria uma espécie de tributo e eternização. Uma parte da receita, como veio a acontecer, seria para a Liga Portuguesa contra o Cancro.
        Outro dos propósitos era escrever um livro sobre esta travessia, de forma a ajudar outros a enfrentar a doença com valentia, em lógica de "podemos ser derrotadas mas não desistentes", pois nem tudo depende de nós.
       O livro que ora propomos é precisamente este testemunho eloquente, este desafio, apesar de todas as dificuldades e do sofrimento atroz, é possível não desistir de viver.

Outras LEITURAS anteriormente recomendadas, que enfrentaram o cancro, sob diversas manifestações e com finais diferentes: (Manuel Forjaz, José Maria Cabral e Corbella faleceram pouco tempo depois dos emocionadas testemunhos)
  1. MANUEL FORJAZ: Não te distraias da vida
  2. Manuel Forjaz e JAC: 28 minutos e 7 segundos de vida
  3. José Maria Cabral: O desafio da Normalidade
  4. Fernanda Serrano: Também há finais felizes
  5. Chiara Corbella Petrillo: nascemos e jamais morremos

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Nascimento e Vocação de Maria

Cada um de nós, no pensamento de Deus desde sempre, nasce com uma missão que não passa para outra pessoa. Ainda que viva segundos, aquele que chega a este mundo traz em si uma mensagem de Deus. Pela sua beleza ou pelo seu sofrimento, aquele que nasce é um desafio, uma provocação, para o mundo que o acolhe ou o rejeita, ou cujas circunstâncias não viabilizam a permanência por mais tempo… 

Uma leitura de férias – Nascemos e jamais morreremos. Vida de Chiara Corbella Petrillo. Editorial A.O. –, visualiza a pessoa como ser único e irrepetível. Um testemunho impressionante de quem vive a vida para dar mais vida aos outros… Aquela família deu ao mundo dois filhos que sabia não iriam sobreviver. A primeira, Maria Grazia Letizia, anencéfala, viverá fora do ventre materno 30 minutos; o segundo, Davide Giovanni, cujas ecografias revelam que não tem uma perna, a outra é apenas um toco, não tens rins, não tem pulmões, viverá apenas 37 minutos. Os pais batizam-nos para que nasçam para Deus; acolhem-nos como filhos, como dádiva de Deus, certos que mesmo vivendo na terra pouco tempo cumpririam uma importante missão, trouxeram vida e alegria e preparam os pais para o que estava para vir. O terceiro filho, Francesco, sobreviverá. Também aqui Chiara, a quem foi detetado um carcinoma, dá a vida toda para que o Filho tenha as condições necessárias para sobreviver. O adiamento de tratamentos, até ao nascimento do filho, reduz as possibilidades de cura. Pode haver muitos argumentos, mas sobrevem a vivência profunda da fé e a certeza de que nenhuma vida é em vão. 

“Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei e te constituí profetas das nações” (Jer 1, 5). Na vocação de Jeremias poderemos ver a vocação de Maria, e de cada um de nós. Desde sempre, Deus chama Maria para ser Mãe. Prepara-A. Mas no final só Ela pode viabilizar, com o seu SIM, o projeto de Deus: “faça-se em Mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1, 38). 

“Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua palavra” (Heb 10, 7). A Epístola aos Hebreus refere-se a Jesus, mas poderia referir-se a Nossa Senhora. É, aliás, semelhante à resposta dada por Maria ao Anjo de Deus. Maria nasce para fazer a vontade de Deus, e a vontade primeira será dar ao mundo o Filho de Deus. 

Nossa Senhora da Conceição, rogai por nós.

Reflexão proposta e publicada:
in Voz de Lamego, ano 85/41, n.º 4328, 8 de setembro

Pinheiros: 2.º dia da NOVENA DE SANTA EUFÉMIA

NOVENA DE SANTA EUFÉMIA | 2.º dia | 8 de setembroNatividade de Nossa Senhora.A Igreja celebra hoje a festa da...
Posted by Paróquia de Pinheiros on Terça-feira, 8 de Setembro de 2015

sábado, 5 de setembro de 2015

XXIII Domingo do Tempo Comum - ano B - 06.09.2015

       1 – Jesus Cristo vem para todos. O Reino de Deus não tem excluídos, a não ser aqueles que se autoexcluem. A opção preferencial pelos mais frágeis situa a urgência e a obrigação da inclusão. Não são os sãos que precisam de médico. As ovelhas que estão dentro do aprisco têm as ferramentas para se sentirem corresponsáveis pelas que estão fora, que merecem mais cuidado. Ainda que houvesse uma só ovelha, a responsabilidade do cristão será sair à sua procura!

       2 – A deficiência físico-motora e/ou mental é um handicap que tem excluído (injustamente) milhares de pessoas ao longo dos tempos. Continua a ser uma luta desigual mesmo quando se fala tanto de igualdade de oportunidades. É sabido que as pessoas portadoras de deficiência necessitam de uma discriminação positiva, pois tendo menos recursos, para estarem em igualdade perante as oportunidades, precisam de meios específicos para acederem aos seus direitos. Exemplo: uma criança com uma deficiência motora, com locomoção limitada, tem o mesmo direito à educação que outra que não tenha essa limitação. Tem direito mas não consegue subir umas escadas ou não consegue sequer deslocar-se pelo próprio pé, como é que pode ir à escola e frequentar as aulas?
       A sociedade atual pode ser mais tolerante. Mas em todos os grupos, na sociedade e na Igreja, continua a haver muitas discriminações negativas impedindo que pessoas portadoras de deficiência sejam tratadas com a mesma deferência, atenção e com as mesmas garantias.
       Tem havido esforços! Sim. Mas serão suficientes? Quando o controlo das contas públicas aperta os primeiros sacrificados são os pobres, os portadores de deficiência, crianças, jovens e adultos com necessidades educativas específicas, idosos, doentes crónicos.
       3 – Ao tempo de Jesus e naquele ambiente bíblico-judaico, com leis e preceitos muito avançados para a época, a doença, a pobreza, a morte prematura, a deficiência, eram vistas numa dinâmica religiosa de castigo e de maldição. São diversos os episódios do Evangelho que sustentam esta exclusão.
       A doença e a deficiência (mas também a pobreza material) facilitam a exclusão. Dos próprios, quando já não têm mais forças para lutar contra os obstáculos, impedimentos, quando não têm voz, desanimando, acabam por desistir. De todos, quando remetemos para outros a responsabilidade de ajudar ou não nos empenhamos porque não é connosco.
       Naquele tempo, um leproso, um coxo, um cego, um surdo, têm o mesmo tratamento que um publicano (cobrador de impostos a favor dos romanos), considerado traidor, pessoa abjeta, ou que um pecador público, uma mulher adúltera, ou uma prostituta. A exclusão é semelhante. Se estes podem ter alguma responsabilidade pessoal, aqueles não. De recordar o episódio em que Jesus cura um cego de nascença e conclui que nem ele nem os pais tiveram culpa alguma, recolocando a cegueira na perspetiva biológica e excluindo qualquer leitura moral (cf. Jo 9).
       No início da Sua vida pública, retomando a profecia de Isaías, Jesus revela a Sua missão: «Proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor» (Lc 4, 16-30). Em resposta aos emissários de João Batista, Jesus responde-lhes: «Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciado o Evangelho; e feliz daquele que não encontrar em Mim ocasião de queda» (Lc 7, 19-23).
       Jesus vem de Deus para incluir, para salvar, para envolver. Não há nada que nos possa afastar do amor de Deus: nem a doença, nem a pobreza, nem o pecado, nem a raça ou a religião, nem a deficiência. Nada afasta Deus de nós.
       4 – A multidão por vezes é um empecilho, arrasta-nos para onde não queremos. Outras vezes é uma ajuda preciosa, guia-nos e ampara-nos. O mesmo se refira da comunidade, dos grupos e movimentos. Trouxeram a Jesus um surdo que mal podia falar. A surdez envolve a fala, tornando a comunicação mais difícil. Pedem-Lhe que imponha as mãos sobre ele.
       Jesus não se faz rogado. Não questiona. Faz o que está ao Seu alcance. Afasta-Se com ele da multidão, mete-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva toca-lhe a língua, ergue os olhos para Deus (e o coração e a vida), e diz-lhe «Efatá», que quer dizer «Abre-te».
       Se fosse um político, ou um mágico, Jesus quereria que a multidão visse o milagre, o espetáculo, deixando todos de boca aberta. O que se vê, no entanto, é a discrição, no início e no fim, recomendando que não se conte nada a ninguém. Parece que este pedido, como quando se pede um segredo, não resultou o efeito pretendido, pois o feito é divulgado com assombro: «Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem».
       Entramos no campo do mistério e do sobrenatural. Porém, Jesus usa os sentidos, mormente o toque. Aquela pessoa é surda e mal fala. Jesus aproxima-se dela ao máximo, tocando-lhe. Como que entra no Seu coração, com os dedos nos ouvidos e com a sua saliva toca-lhe a língua. Não é a magia a funcionar, é o toque humano que transforma, acolhendo, amando, salvando.
       O rito do “Effetha”, incluído no Batismo, era acompanhado pela unção dos ouvidos e pela areia de sal colocada na boca. Dois elementos da natureza retirados por questões de higiene e saúde, mas que sublinhavam esta ligação à terra.

       5 – A missão primeira de Jesus é o anúncio do Reino de Deus. As curas testemunham a Sua divindade. Porém, o grande milagre que Jesus opera, também naqueles e através daqueles que cura, é a conversão. Neste episódio vislumbra-se que o encontro com Jesus leva aquele homem a ser mais um discípulo, anunciando-O como Filho de Deus. Sublinhe-se também o olhar de Jesus voltado para o Céu, vocacionando-nos para a eternidade a partir do nosso mundo.
       Doenças, limitações, deficiências, a finitude, integram a humanidade. A cura deste surdo é um sinal do reino de Deus, previamente anunciado pelos profetas: «Aí está o vosso Deus; Ele próprio vem salvar-nos. Então se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então o coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria. As águas brotarão no deserto e as torrentes na aridez da planície; a terra seca transformar-se-á em lago e a terra árida em nascentes de água». Jesus é Deus connosco, que vem salvar-nos da surdez que nos impede de escutar os outros, da cegueira que nos impede de reconhecer os outros como irmãos.
       Não é possível eliminar todo o mal, mas devemos eliminar o mal que nos é humanamente possível. Jesus não elimina todo o mal, de contrário nós deixaríamos de ser humanos, o mundo passaria a ser céu e o tempo passaria a ser eternidade. Lá chegaremos. Porquanto a limitação, a doença, o enfraquecimento pela idade e pelas canseiras, e a morte, acompanham-nos. Devemos lutar contra todas as expressões do mal. Se estamos a ver mal e podemos melhorar a visão, então façamos por isso, consultemos o oftalmologista e sigamos os seus conselhos. Se existir alguma limitação que não é possível superar, que tal não nos impeça de sermos lutarmos por sermos felizes. É também esta a mensagem de Jesus. Deus ama-nos, além das nossas limitações, do nosso pecado, das nossas insuficiências. Aceitar a nossa condição é meio caminho andado para a cura!

       6 – Vale a pena concretizar os gestos e as palavras de Jesus com as recomendações de São Tiago. A fé em Jesus não admite aceção de pessoas. Mais uma vez, o apóstolo dá um exemplo concreto: "Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido; talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar», e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam?".
       Isto vale para a inclusão dos coxos, dos invisuais, dos surdos, das pessoas portadoras de deficiência. Lembremo-nos que nenhum de nós é perfeito. Não o somos nem física nem mentalmente e com o tempo vamos vendo menos, vamos ouvindo mal, vamos coxeando, vamos perdendo a memória. Por outro, há ou pode vir a haver alguém na nossa família com alguma deficiência. E sem esquecer que cada um de nós pode, de um momento para o outro, perder a visão, a audição, ficar paralíptico, perder "o tino".
       O gesto de inclusão de Jesus é um desafio para nós. Antes da nossa deficiência, dos nossos defeitos, antes das nossas limitações físicas e/ou espirituais, somos Filhos bem-amados de Deus.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Is 35, 4-7a; Sl 145 (146); Tg 2, 1-5; Mc 7, 31-37.