1 – Sede santos porque Eu, o Senhor Vosso Deus, Sou santo (cf. 1Ped 1, 16).
A referência última e primeira da santidade é Deus. O desafio da santidade é um compromisso de felicidade, de aperfeiçoamento, de vida no bem, na verdade e do amor. Não é o privilégio de alguns iluminados ou de alguns puros, é o caminho que todos podemos e devemos percorrer. Não é uma conquista ou uma usurpação, é dádiva de Deus que em Jesus Cristo nos redime e nos salva, nos introduz na Sua comunhão de vida nova. Pelo batismo, com efeito, tornamo-nos santos, isto é, filhos amados de Deus. Ao longo do tempo, vivemos neste itinerário de santidade, por vezes decididos, outras vezes aos tropeções. Ele convoca-nos, ampara-nos, protege-nos, envolve-nos; com o Seu amor imenso não cessa de nos dar oportunidades, de nos impulsionar para o bem, para a vida.
Os discípulos de Jesus começaram a ser chamados de cristãos (são de Cristo) pela primeira vez, em Antioquia; até então era chamados de santos, de eleitos. Por mais que esta linguagem da santidade possa ser estranha na atualidade, ou por vezes pejorativa – quando se apelida alguém de santinho ou de santo de pau oco –, o certo é que a santidade é própria daqueles que foram ungidos para Deus, e que na água e no Espírito Santo se tornaram membros do Corpo de Cristo, que é a Igreja.
Um sacerdote, Pe. Manuel Gonçalves da Costa, prestigiado historiador da Diocese de Lamego, numa das últimas homilias, proferida na Semana dos Seminários, diante dos seminaristas, onde me incluía, dizia-nos que Deus é santo em sentido substantivo. É a Sua essência. É perfeito, é Santo. É o sumo Bem. Em nós, o sermos santos é adjetivo, vamo-nos construindo, limando, lapidando. Tendo a nossa origem no amor de Deus, em potência, identificamo-nos com Ele, mas poderemos levar tempo até que seja Ele a viver em nós.
2 – Ao longo da nossa vida encontramos pessoas que refletem a luz de Deus, transparecem em serenidade, em bondade, em serviço o que divisamos como santidade, perfeição, ação compassiva. Obviamente, como pessoas, ser limitados e finitos, todos estamos sujeitos à condição do tempo e da história. E mesmo os mais sãos de nós, os mais santos, podem, em algum momento vacilar, duvidando, ou paralisando a ajuda aos outros. Mas, olhando para o bom Papa João XXIII, para a Madre Teresa de Calcutá, para o Padre Américo, para são Francisco de Assis, para o Santo Cura d'Ars, para o Santo Padre Cruz, para Santa Teresa do Menino Jesus, e para tantas pessoas que passam por nós e que visualizam a santidade de Deus, não temos muitas dúvidas: há pessoas santas, pessoas boas, humildes, generosas, felizes e que fazem felizes os que estão à sua volta.
A santidade não passa de moda. É atual. Balança-nos para o futuro, para a eternidade. Compromete-nos com o mundo de hoje, aqui e agora. Não é para os outros, é para nós, é connosco que Jesus está a falar. Vem e segue-Me. Sede santos. Sede perfeitos. Sede misericordiosos. Como o Pai celeste é misericordioso. Ele é Bom até para com os maus. A referência é Deus, ainda que os Seus santos nos façam sentir mais próximos, e nos permitam saber o quanto Deus é acessível para nós. A santidade está ao nosso alcance. O amor de Deus é-nos oferecido por inteiro em Jesus Cristo. Ser santo é participar da vida de Deus.
3 – Durante o corrente ano, três figuras do Papado foram reconhecidas como Santos, João Paulo II e João XXIII, e como Beato, Paulo VI. Com perfis diferentes, com circunstâncias diferentes, vivendo o ministério petrino, serviram a Igreja, anunciaram o Evangelho, levaram Jesus Cristo ao mundo. Nem todos os santos adquirem a visibilidade que lhes permita serem propostos pela Igreja a todo o mundo. Por conseguinte, neste dia de Todos os Santos evocamos sobretudo o inumerável número de santos que, por vezes, no anonimato souberam lavar as suas vestes no sangue do Cordeiro e oferecer as suas vidas no serviço aos seus irmãos.
«Vi uma multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro, vestidos com túnicas brancas e de almas na mão».
Cento e quarenta e quatro mil, isto é, multidões de pessoas, um número incontável de filhos que se deixaram tocar pela presença de Deus nas suas vidas. Na adversidade e na bonança, não desistiram de buscar o bem, para si e sobretudo para os outros, procurando revestir de Cristo o mundo inteiro.
São bem-aventurados, pois nem o poder, nem a riqueza ou a opulência, nem as facilidades ou falsidades, os fizeram desviar do serviço, da justiça e da paz, cooperando na verdade. Imitando Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, fizeram-se próximos, na humildade e no amor, dos mais distantes, dos mais frágeis, perfumaram os caminhos por onde passaram com a alegria de testemunharem o amor de Deus.
4 – O caminho das bem-aventuranças, proclamadas por Jesus no alto da montanha, são um programa de vida, que nos interpelam nas diversas situações e circunstâncias da vida. Não proclamam o miserabilismo da vida concreta, mas a capacidade, a ousadia e resiliência de transformar o mundo, correndo o risco da pobreza como despojamento, da perseguição, de serem maltratados e mortos. O discípulo não é superior ao Mestre. E se O perseguiram e mataram, também aqueles que O testemunham, com a voz e a vida, correm os mesmos riscos. Se Ele, que é Mestre e Senhor, Se coloca em atitude de serviço, ajoelhando diante dos discípulos para lhes lavar os pés, que somos nós se não fizermos o mesmo?
O serviço aos irmãos, como atitude livre e consciente, não nos desprestigia, não nos rouba nenhum bocado, mas mostra-nos o melhor de Deus que nos habita. Eu não vim para ser servido mas para servir e dar a vida pelos homens. Seguindo-O, tornamo-nos filhos. "Ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos tal como Ele é".
Paulo dirá um dia com toda a clareza: já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim. Para mim viver é Cristo. Seguindo Cristo, deveremos refulgir em nós a eternidade de Deus que nos vai preenchendo com o Seu amor infinito.
Pe. Manuel Gonçalves
Reflexão na página da Paróquia de Tabuaço