sexta-feira, 19 de julho de 2019

LUIGI MARIA EPICOCO - SAL, NÃO MEL

LUIGI MARIA EPICOCO (2019). Sal, não mel. Para uma Fé que incendeie. Lisboa: Paulus Editora. 180 páginas.
"A Fé não é um pouco de mel na boca para enganar o sabor de um comprimido amargo. Por vezes, é uma coisa que arde, como o sal numa ferida. Mas exatamente por isto impede-a de 'apodrecer'. Somos chamados a ser sal, não mel".
É desta forma que termina este pequeno livro, sublinhando que a Fé não nos livra da luta, do fracasso ou do sofrimento. Quando muito leva-nos a viver a tempestade como esperança para o que há de vir, com a certeza do bem que está além e apesar de todo o mal, na certeza que somos amados, que Deus nos ama mesmo que a nossa vida contradiga a nossa pertença ao Senhor.
É leitura sobre as três virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade. A abrir, o autor cita o Diário de um pároco de aldeia, de Georges Bernanos: "Uma cristandade, como como um homem, não se nutre de compota. O bom Deus não escreveu que fôssemos o mel da terra, meu rapaz, mas o sal... O sal, sobre a pele ferida, é uma coisa que arde. Mas também a impede de apodrecer". A partir daqui Luigi Picoco reflete sobre a vida espiritual como dom e como caminho, encontro entre a Graça de Deus e a nossa abertura para a acolher na nossa vida. "A nossa vida está sempre prestes a apodrecer... As coisas que se arriscam a apodrecer são as coisas vivas, as coisas transbordantes de vida... Uma doença desenvolve-se onde há vida. Uma chaga dói porque agride um corpo vivo".
Por vezes, na vida espiritual somos como discípulo noturno, como Nicodemos, temos a necessidade de escutar Jesus, de O seguir, de alargar a nossa humanidade, mas ao mesmo tempo estamos presos à noite, ao julgamento dos outros, com medo de perder o pé. Optamos pelo compromisso, ansiosos pelo Espírito, mas não abdicando das nossas certezas. "A humildade é deixar de confiar em nós mesmos e começar a confiar exclusivamente n'Ele".
Antes de refletir especificamente sobre as virtudes teologais o autor faz-nos ver que elas são dom de Deus. Não são esforço nosso. É dom do Céu. "No máximo, humanamente, somos capazes de confiança, que é assunto diferente da Fé; somos capazes de otimismo que não é Esperança, e somos capazes de bem que é matéria diferente de Caridade", aos quais hão de corresponder comportamentos humanos, mas estes só por si são insuficientes.
"A Fé uma direção, não uma explicação... Caminhos mais que respostas... A Fé é sempre um caminho. É uma direção na escuridão... uma estrada a percorrer". A Fé liberta-nos da posse. É significativo que Abraão "abdique" da posse do seu filho Isaac, por acreditar no amor de Deus.
A Fé fala da relação de amor, entre mim e Ele. Deus ama-me! A Esperança é acreditar que no fundo de tudo o que existe está escondido o bem. Assim, a esperança diz respeito á nossa relação com tudo o que Deus criou. Há que conjugar, então, a relação entre duas montanhas, a do Tabor e a do Calvário. O Tabor mostra-nos a divindade de Jesus. O Calvário, a Sua humanidade. "Na hora da cruz, a hora do Calvário, não verás mais luz, mas só a memória da luz te poderá segurar. É a memória profunda, a recordação de quem uma vez vimos uma luz. É isto que nos salva na escuridão... A Esperança é a memória viva desta luz que nos acompanha quando estamos na escuridão".
O primordial é a Caridade. A Fé e a Esperança são necessárias, mas o fundamento é o amor, a caridade. "A Fé é crer que Deus me ama. A Esperança é saber que, no fundo de tudo, o que existe é um bem... A Caridade é saber que primeiro que tudo, antes de qualquer coisa, existe o amor". É importante amar, mas igualmente saber-se e sentir-se amado. "Ser cristão não significa viver apenas o mandamento de amar. O mandamento do amor é amar, sim, mas também deixar-se amar. Isto fundamenta a nossa vida. É o pressuposto para que uma vida permaneça humana, porque o coração do homem, crente ou não-crente, cristão ou não-cristão, exige, pela sua natureza, saber-se amado... Todos procuramos o amor, todos procuramos ser amados. A maior parte das nossas patologias nascem exatamente do amor, isto é, de não nos sentirmos amados... a única coisa que satisfaz o nosso coração, mais ainda que a Fé, mas do que a Esperança, é o Amor, é a Caridade, é saber-se amado de maneira estável, definitiva, decisiva... Só o amor cura a nossa angústia, a nossa tristeza, o nosso desconforto, a nossa insatisfação. Só o Amor. Deus envia o Seu Filho ao mundo por tomar a sério este desejo de nos sentirmos amados que existe em todos nós... Não são os mandamentos que nos fazem sentir amados... Deus dá-nos o Filho. Porque sabe que temos necessidade da concretização do Amor e não da explicação do Amor... O amor preenche-nos a vida... A Caridade é o pressuposto da vida".

Domingo XVI do Tempo Comum - ano C - 21.julho.2019

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Santo Bartolomeu dos Mártires

Nota biográfica:
      Frei Bartolomeu dos Mártires, de seu nome Bartolomeu Fernandes, nasceu em Lisboa a 3 de maio de 1514, e é recordado como um modelo de benevolência e uma figura ímpar na dedicação à Igreja Católica.
       Recebeu o hábito dominicano a 11 de Novembro de 1528 e professou um ano depois. Tendo concluído os estudos em 1538, leccionou Filosofia e Teologia em diversos conventos da Ordem. Foi nomeado por Pio IV, a 27 de Janeiro de 1559, Arcebispo de Braga, vindo a exercer com incansável diligência e eficácia uma intensa actividade apostólica.
       Efetuou, de modo sistemático e muito eficiente, visitas pastorais às paróquias da Arquidiocese, mesmo às mais distantes e inóspitas. Fomentou a Evangelização do povo, para o qual preparou um catecismo ou doutrina cristã e práticas espirituais. Preocupou-se com a santidade e cultura do clero e redigiu muitas e valiosas obras doutrinárias, entre as quais se salientam o notável tratado «Estímulo dos Pastores» e o «Compêndio de Doutrina Espiritual».
       Participou no período final do Concílio de Trento (1561-1563), merecendo o elogio do Papa e o aplauso dos seus pares, que o chamaram Luminar do Concílio. Em vista da execução das reformas tridentinas, efectuou um Sínodo Diocesano (1564) e um Concílio Provincial dois anos mais tarde (1566), e promoveu a fundação do Seminário, dito “conciliar” (1572), para conveniente formação dos sacerdotes.
       Aceite pelo Papa a sua renúncia do Arcebispado, recolheu em 1582 ao convento de Santa Cruz de Viana, construído por sua iniciativa, onde prosseguiu a vida austera de simples religioso, todo voltado para a oração, caridade e estudo. Aí faleceu em 16 de Julho de 1590.
       O bispo português foi declarado venerável a 23 de março de 1845, pelo Papa Gregório XVI, e beatificado a 4 de novembro de 2001, pelo Papa João Paulo II.
       O Papa Francisco promulgou, no dia 6 de julho de 2019, o decreto relativo à canonização de D. Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), bispo português natural de Lisboa e que foi responsável pelo território que compreende hoje as dioceses de Braga, Viana do Castelo, de Bragança-Miranda e de Vila Real.

       Em janeiro de 2016, o Papa Francisco já tinha autorizado a canonização de Frei Bartolomeu dos Mártires sem a necessidade de um novo milagre atribuído à intercessão do futuro santo português, num processo que é denominado como canonização equipolente.
     A “canonização equipolente”, a que o Papa Francisco tem recorridos em diversas ocasiões, é um processo instituído no século XVIII por Bento XIV, através do qual o Papa “vincula a Igreja como um todo para que observe a veneração de um Servo de Deus ainda não canonizado pela inserção de sua festividade no calendário litúrgico da Igreja universal, com Missa e Ofício Divino”.

Oração de Colecta:
       Senhor, que dotastes de grande caridade apostólica o bem-aventurado Bartolomeu dos Mártires, protegei sempre a vossa Igreja de modo que, assim como ele foi glorioso na sua solicitude pastoral, também nós sejamos, pela sua intercessão, sempre fervorosos no vosso amor. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

B. Bartolomeu dos Mártires, bispo

Exposição anagógica da Oração Dominical

Pai. Por natureza e graça, nos comunicastes o ser, os sentidos e os movimentos naturais, bem como a essência da graça, isto é, o seu movimento, que nos faz viver.
Nosso. Porque, com a concessão liberal da vossa bondade, gerais em cada dia muitos filhos segundo o ser espiritual da graça e do amor.
Que estais nos céus. Quer dizer, que habitais admiravelmente naqueles que são chamados a viver no Céu, isto é, que estão firmes no vosso amor, sempre movidos pela assiduidade dos desejos sublimes, como se estivessem ornados de estrelas, o mesmo é dizer, de virtudes.
Santificado seja o vosso nome. Realize-se em mim, sem nada de terreno, o vosso nome, com a purificação de todos os afectos mundanos.
Venha a nós o vosso reino. Reina inteiramente e sempre em mim, não só para que não haja nenhum movimento ou acto contra os vossos preceitos, mas para que todas as minhas acções sejam feitas com a aprovação da vossa providência. São Bernardo, no comentário septuagésimo terceiro ao Cântico dos Cânticos, expõe esta matéria do segundo advento, dizendo: “Oh se acabasse já este mundo e se manifestasse o vosso reino! Isto é o que ardentemente deseja a esposa, ou seja, a Igreja”.
Seja feita a vossa vontade. Nos homens da terra como nos habitantes do Céu, isto é, nos firmes, nos que sempre estão em crescimento, ornados de estrelas, como acima dissemos.
O pão nosso de cada dia. Ó Pai, se não mandardes, lá do alto, o pão do fervor e da consolação espiritual, todos os dias e a todas as horas, depressa desfaleceremos e iremos procurar pão vilíssimo de consolações exteriores. Enviai-nos, Pai benigníssimo, as migalhas daquela mesa opulentíssima, pois se com elas (quer dizer, com os actos de amor unitivo) não for alimentado todos os dias, perderei por certo, o vigor da fortaleza.
Perdoai-nos as nossas dívidas. Perdoai o castigo devido até pelos mais leves pecados. Detesto-os, odeio-os, porque fazem obscurecer o raio da vossa luz e tornam tíbio o fervor do meu amor.
Não nos deixeis cair em tentação. Quanto mais Vos amo, benigníssimo Senhor, mais temo separar-me de Vós, considerando a fragilidade da minha carne e a astúcia das investidas do inimigo. Não permitais, que alguma vez eu ceda às suas carícias ou ciladas, mas livrai-me das muitas inclinações para o mal, bem como das penas do Purgatório, na medida em que podem adiar a vossa dulcíssima visão.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Leituras - Com o Coração nas Mãos

MARTA ARRAIS e EMANUEL DIAS (2019). Com o coração nas mãos. Lisboa: Paulus Editora. 128 páginas.
Aí estão 52 reflexões, uma para cada semana do ano, por exemplo. Com a chancela da Paulus Editora, tem como autores dois jovens cronistas, Marta Arrais e Emanuel António Dias, na plataforma digital “iMissio”, projeto de evangelização que “tem tido como objetivo dar voz a uma comunidade convicta de que a internet pode ser um ambiente de evangelização que desafie o modo de pensar a fé. Tem pretendido ser espaço de relação entre a fé, a vida da Igreja e as transformações vividas atualmente pelo Homem”.
Marta Arrais é mestrada em ensino de Inglês e Espanhol. É professora. Acompanha várias atividades de cariz voluntário em Portugal, Espanha e Moçambique. Emanuel Dias frequenta o mestrado integrado de Psicologia. É acólito e catequista na sua paróquia.

Para abrir o apetite:
“A vida não espera por ti. Não espera que te decidas. Não espera que fiques mais forte. Não espera que lutes um bocadinho mais. A vida tem muita pressa. Não fiques à espera do dia certo. Não fiques à espera de ter mais coragem e menos medo. De ver melhor. De descobrir uma verdade que te mude para sempre. A vida não espera por ti. Vem em forma de furacão, desarruma todas as tuas esperanças e certezas e obriga-te a entregares-lhe todas as armas” (Marta Arrais).
“Quando pedimos desculpa, damo-nos. Quando pedimos desculpa, soltamo-nos. Quando pedimos desculpa, envolvemo-nos… quando pedimos desculpa duas vidas se encontram na maior de todas as liberdades. Quando pedimos desculpa, desligamos o “descomplicador” e abraçamos a vida” (Emanuel Dias).
"Na dúvida, não duvides. Crava os pés e as mãos nas certezas que foram sempre tuas.
Na mágoa, não magoes. Priva o coração de sentir igual ao que te fizeram sentir a ti.
Na tristeza, não entristeças. Separa as águas e não deixes que se misturem. Não deixes que te misturem. Separa as marés de dentro e guarda sempre espaço para ser feliz.
Na queda, não faças cair. Olha para os dois lados antes de atravessar. Antes de atravessares a vida de alguém.
Na raiva, não te deixes arder. O que hoje queima e destrói, amanhã pode ser cicatriz que ensina" (Marta Arrais).
"Não é fácil admitir que erramos.
Não é fácil interiorizar que nem sempre temos razão.
É preciso olharmos para dentro e percebermos do que somos feitos.
É preciso nascermos de novo.
É necessário sabermos que "é muito mais aquilo que nos une, que aquilo que nos separa.".
É urgente que tenhamos a coragem de pedir desculpas.
É urgente que tenhamos a audácia de entender que aquele que se cruza connosco vai encontro da mesma humanidade.
É certo que é uma humanidade recheada de diferenças, mas são nelas que encontramos toda a sua beleza.
E nesta vida não vale a pena carregar a teimosia" (Emanuel Dias)
Cada reflexão se lê de uma assentada. A escrita é simples, acessível, compreensível para todos. Os temas são variados, falam de amor, de vida, de perdão, de Jesus, de luz e de trevas, de sonhos e projetos, falam de mim, falam de ti, falam de beleza e de leveza, de lágrimas e da Cruz de Jesus, falam humildade e de bondade, de paz e de luta.

HARUKI MURAKAMI - A morte do Comendador

HARUKI MURAKAMI (2018). A morte do Comendador. Volume 1. Alfragide: Casa das Letras. 408 páginas.
HARUKI MURAKAMI (2019). A morte do Comendador. Volume 2. Alfragide: Casa das Letras. 424 páginas.
Há ocasiões em que pegamos num copo cheio (de água, de cerveja, de vinho) e o bebemos de um trago. São assim os livros de Murakami, pelo menos para mim. Desde a obra "Em busca do Carneiro selvagem", a que aconselho para uma primeira leitura deste autor, que tenho seguido com atenção a publicação dos títulos deste autor japonês, radicado nos EUA.
Quem gosta de ler e segue de perto as publicações de alguns autores, procurando ler tudo ou quase tudo o que escrevem/publicam. Para mim, Paulo Coelho, durante um tempo, Virgílio Ferreira, José Saramago (com exceção dos diários), Augusto Cury, Gayle Forman. Um dos meus autores preferidos é Haruki Murakami. Sempre que surge uma nova publicação, qualquer outra leitura terá que esperar. Cada novo romance traz uma história encadeada, que nos prende do início ao final, com a inclusão de muitos ditados populares, criação de outros ditados, com personagens que surgem em diferentes livros, com recurso à cultura japonesa/oriental, à cultura mais ocidental, superstições e figuras mitológicas, crenças. Música, Jazz, carros, bares e rios, paisagens. Neste aparece o Toyota Corolla e um Jaguar, um Mini Cooper, e a música é clássica...
O narrador tem 36 anos (a idade de Murakami quando se tornou escritor) e enfrenta o divórcio, de um casamento que durou 6 anos, o sogro dava-lhes 5 anos de duração. Em vários livros, o autor apresenta personagens perfeitamente normais, sem se distinguirem do comum dos mortais. O narrador é um pintor, tendo-se especializado em retratos. O sucesso como retratista garante-lhe uma vida tranquila, sem sobressaltos. A opção por se tornar retratista foi o casamento e a família, agora tinha responsabilidades. Com o divórcio, a mulher decidiu que era o melhor, sente-se perdido pois continua a amar a mulher, mas "naturalmente" não faz fitas, sai de casa, anda a vaguear, até que se fixa na montanha, para Oddwara, na casa do filho do conhecido pintor Tomohiko Amada, Masahiko Amada, seu amigo, que lhe arranja emprego, a dar aulas, duas vezes por semana, duas turmas de adultos e uma de crianças.
Aí vai descobrir um quadro, escondido no sótão, onde vive uma coruja, intitulado "A Morte do Comendador". Um quadro desconhecido do grande público. Amada tinha ido para Viena estudar arte, para se dedicar a pintura ocidental, mas ao regressar ao Japão, adotou a pintura japonsesa, a nihonga, retalhos e colagens... Tornou-se famoso.
O narrador arruma o quadro no quarto de pintura. Vai-o admirando e estranhando porque é que o seu autor o manteve longe do público.
Entretanto um vizinho, Wataru Menshiki, mora numa vivenda em betão, branca, quer que o narrador lhe pinte o retrato e a soma avultada que lhe oferece fá-lo ponderar em voltar a pintar retratos. Menshiki trabalha na área das Novas Tecnologias, ou melhor, investe nesta aérea.
Uma das noites acorda, não com o barulho, mas com o silêncio, demasiado silêncio, nem os mosquitos se ouvem. Fica intrigado. Passado um momento começa a ouvir um barulho estranho, semelhante a um sino, olha para o exterior, mas está tudo às escuras, silencioso, a não ser aquele barulho. Sai para a floresta em busca do barulho, em direção a um santuário, e descobre um amontoado de pedras, quadradas, que parecem ter sido esculpidas. Volta para casa. O sino tocara entre a uma e meia e as duas horas e meia da manhã, mais coisa menos coisa. Volta a ouvir o barulho. Tem de contar a alguém e conta a Menshiki. Os dois vão novamente investigar o barulho vem do mesmo sítio. Através de pessoal contratado retiram as pedras. Pensam que podem encontrar um "monge" a tocar o sino, pois existem estórias várias de monges que se enterraram vivos e que tocam um gongo e pouco a pouco vão morrendo, ficando carne e osso. Depois anos mais tarde são desenterrados e muitas vezes são considerados como espécie de divindades. Um houve que se manteve anos a tocar o gongo e quando o encontraram, ressequido, ele continuava a tocar o sino. Alimentaram-no, ganhou carne, voltou à vida, casou, constituiu família, arranjou emprego, teve descendência... também o narrador e Menshik pensaram que poderiam encontrar um monge ressequido, mas encontram apenas um sino.
Levam-no para casa de Amada, onde vive o narrador, que o coloca no compartimento da pintura. O sino não deu sinal na primeira noite. Começam então a acontecer novos fenómenos. Um ocasião que está a tentar avançar no retrato, vai buscar qualquer coisa para comer e percebe que o banco em que se senta está noutra posição, mas não vê ninguém, daquela posição pode ver o que falta ao quadro. Mas há de ser uma voz que lhe diz que falta um pormenor importante (a cor branca do cabelo!). Mas não vê ninguém. Até que um dia encontra o Comendador, sentado tranquilamente no sofá da sala, do tamanho que está na pintura de Amada. Fala. Não está ferido. O narrador vai-lhe fazendo várias perguntas. Pode materializar-se pouco tempo e é mais fácil à noite, daí se materializar perto das duas manhã. Entrou na casa porque foi convidado no momento em que o sino também entrou. Depois pede ao narrador que convença Menshiki a convidá-lo. O narrador pergunta se pode levar o Comendador e Menshiki ri-se (da piada), mas convida-o e deixa-lhe um lugar à mesa. Só é visto e ouvido pelo narrador. O banquete é de agradecimento pelo retrato finalizado.
Menshiki pede outro favor, que pinte o retrato a uma menina, que é sua aluna, nas aulas de arte. A mãe da menina morreu, com picadas de vespas, e deixou-a com o marido, para todos os efeitos, o pai. Contudo, deixa uma carta a Menshiki e pela carta parece-lhe que ela poderá ser sua filha. Mas não quer recorrer ao ADN (se confirmasse, como é que iria retirar a filha do "pai"? E se não confirmasse, ficaria um vazio enorme), quer apenas estar próximo da filha e, por isso, comprou a casa naquele lugar, pois daí pode ver onde a filha mora. Se o narrador lhe pintar o quadro, Menshiki pode aparecer como que por acaso e vê de perto a filha, sem se revelar.

A história desenvolve, os quadros vão ficando prontos, os acontecimentos continuam a surgir. Eis que entretanto o retrato da menina está "inacabado", mas não há nada a acrescentar, fica a parte do mistério, a essência está lá.
Sem nada o prever, a menina desaparece. Parece ser um desaparecimento estranho. O narrador e Menshiki procuram-na no poço, mas apenas encontram um amoleto, que vai servir para o narrador atravessar um rio subterrâneo, será esse o pagamento ao barqueiro. Com o amigo, Masahiko Amada, o narrador vai visitar o grande pintor Tomohiko Amada. E volta a encontrar a figura do comendador, que lhe diz que terá que o matar (ainda que o Comendador seja uma Ideia). No quarto de Tomohiko Amada, na mesinha de cabeceira, a faca que anteriormente tinha desaparecido da casa de Mesahiko, onde mora o narrador. A morte do comendador será inevitável para que a menina possa reaparecer. Curiosamente, depois de aparecer, o narrador confronta a sua histórica com a da menina, a quem tinha aparecido o Comendador, quando ela se escondera na casa de Menshiki e como o Comendador a ajudou a manter-se escondida sem ser descoberta.

Mais de 800 páginas, nos 2 volumes, mas que se leem de um trago. As estórias de Murakami multiplicam-se, entrelaçando-se por entre a trama principal. O autor recorre a metáforas, imagens, comparações, analogias, ditados populares, numa linguagem sempre muito viva, escorreita, envolvendo-nos na história, com descrições pormenorizadas de pessoas, de lugares e dos acontecimentos, como quem conta uma história e nos faz ficar boquiaberto. Surpreende a forma como conjuga os elementos reais, históricos, com lugares, pessoas, culturas, a música, a pintura, a história do Japão com a China e com a Austrália, com elementos do imaginário oriental, com elementos do sobrenatural, espiritual, fantasmagórico. 

PAPA FRANCISCO - Catequeses sobre o PAI-NOSSO

A oração do Pai-Nosso é a oração dos cristãos. A única oração que Jesus ensinou aos seus discípulos. Ensina-nos a rezar. É o pedido que Lhe fazem os Seus discípulos. Há de ser também o nosso pedido, quando nos falham as palavras ou quando temos palavras a mais. O importante não é a quantidade de palavras, mas falar com o coração e com a vida. O Vosso Pai celeste bem sabe do que precisais.
Na oração do Pai-Nosso, Jesus ensina-nos o essencial. Faz-nos olhar para Deus como "Paizinho", "Papai", um tratamento carinhoso, delicado, reconhecendo que Deus é Pai que nos ama como Pai e como Mãe, sempre, em todas as circunstâncias.
Já muito se escreveu sobre o Pai-Nosso e talvez muito se venha a escrever, tal a densidade desta oração, tal a sua simplicidade. Não é uma oração longa, não procura ser uma obra de arte, dirigida a uns quantos iluminados. É uma oração que nos faz perceber o Deus de Jesus Cristo, a quem podemos e devemos tratar por Paizinho, cuja soberania se manifesta no amor, na bondade e na misericórdia, que nos envolve com o "nós", pois não o tratamos por Pai, se não nos tratarmos por irmãos. O que pedimos é para nós. o "eu" não tem lugar. O relacionamento com os outros pressupõe darmos largas ao perdão, o que recebemos de Deus, somos-lhe sempre devedores, a começar pela própria vida. E se recebemos também o partilhamos. Perdoamos porque Ele nos perdoa! Como Pai.
O Papa Francisco, nas Audiências Gerais das quartas-feiras, de 12 de dezembro de 2018 ao dia 22 de maio último, debruçou-se sobre a oração do Senhor. 16 catequeses, sublinhando alguns aspetos que são percetíveis ao longo da vida de Jesus. Estas catequese podem ser lidas ou relidas na página do Vaticano (http://w2.vatican.va), mas estão também disponíveis num livrinho, publicado pelo Secretariado Nacional da Liturgia: Papa Francisco. Catequeses sobre o Pai-Nosso. Esta é uma opção para quem gosta de manusear o papel e de sublinhar o texto. Por outro lado, é garantia do que se lê foi mesmo escrito e/ou pronunciado pelo Papa. Sabe-se que há muitas frases e textos atribuídos ao Papa, sem que correspondam minimamente a alguma intervenção sua.
Vamos à leitura e a algumas expressões papais nas diferentes catequeses: "A oração transforma sempre a realidade, sempre. se não mudam as coisas à nossa volta, pelo menos mudamos nós, muda o nosso coração", "Deus procura-te, mesmo que tu não o procures. Deus ama-te, ainda que tu o tenhas esquecido. Deus vislumbra em ti uma beleza, não obstante tu penses que desperdiçaste inutilmente todos os teus talentos. Deus é não só um pai, mas é como uma mãe que nunca deixa de amar a sua criatura. Por outro lado, há uma “gestação” que dura para sempre, muito além dos nove meses da gestação física; trata-se de uma gestação que gera um circuito infinito de amor.
Para o cristão, rezar significa dizer simplesmente “Aba”, dizer “Papá”, “Paizinho”, “Pai” mas com a confiança de uma criança", "Eis o que muitas vezes é o nosso amor: uma promessa com dificuldade para se manter, uma tentativa que depressa evapora e seca, quase como quando de manhã nasce o sol e enxuga o orvalho da noite... Desejosos de amar, depois entramos em conflito com os nossos limites, com a pobreza das nossas forças: incapazes de manter uma promessa que nos dias de graça nos parecia fácil de realizar. No fundo também o apóstolo Pedro teve medo e fugiu. O apóstolo Pedro não foi fiel ao amor de Jesus. Há sempre esta fragilidade que nos faz cair. Somos mendigos que no caminho corremos o risco de nunca encontrar completamente aquele tesouro que procuramos desde o primeiro dia da nossa vida: o amor", "hoje a tatuagem está na moda: “Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos”. Fiz uma tatuagem de ti nas minhas mãos. Estou nas mãos de Deus e não a possa cancelar. O amor de Deus é como o amor de uma mãe, que nunca se esquece. E se uma mãe se esquecer? “Eu não me esquecerei”, diz o Senhor. Este é o amor perfeito de Deus, assim somos amados por Ele. Se também todos os nossos amores terrenos se despedaçassem e nas nossas mãos ficasse apenas pó, haverá sempre para todos nós, ardente, o amor único e fiel de Deus."Nos Evangelhos encontramos uma multidão de mendigos que suplicam libertação e salvação. Há quem pede o pão, quem a cura; alguns a purificação, outros a vista; ou que uma pessoa querida possa reviver... Jesus nunca fica indiferente face a estes pedidos e padecimentos... A oração cristã começa por este nível. Não é um exercício para ascetas; parte da realidade, do coração e da carne de pessoas que vivem em necessidade, ou que partilham a condição de quem não dispõe do necessário para viver... O pão que o cristão pede na oração não é o “meu” pão mas o “nosso”... O pão que pedimos ao Senhor na oração é o mesmo que um dia nos acusará. Repreender-nos-á o pouco hábito de o repartir com quem está próximo, o pouco hábito de o repartir. Era um pão oferecido à humanidade, e ao contrário foi comido só por alguns: o amor não pode suportar isto. O nosso amor não o pode suportar; nem sequer o amor de Deus pode suportar este egoísmo de não repartir o pão".

Domingo XV do Tempo Comum - ano C - 14.julho.2019