1 – "Um Anjo… mostrou-me a cidade santa de Jerusalém, que descia do Céu, da presença de Deus, resplandecente da glória de Deus. O seu esplendor era como o de uma pedra preciosíssima, como uma pedra de jaspe cristalino... Na cidade não vi nenhum templo, porque o seu templo é o Senhor Deus omnipotente e o Cordeiro. A cidade não precisa da luz do sol nem da lua, porque a glória de Deus a ilumina e a sua lâmpada é o Cordeiro".
A visão de São João, no Apocalipse, faz-nos ver os novos céus e a nova terra, que se constroem com e à volta de Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e nos salva. Tempo de graça e de salvação. No meio das intempéries e das trevas, há uma nova Luz que irradia e inunda toda a escuridão convertendo-a em claridade e esplendor. Do Céu desce a nova Jerusalém, a cidade do altíssimo, cidade santa, adornada de glória e majestade. Os Apóstolos têm aí gravados os seus nomes. É também aí que gravaremos os nossos nomes, como discípulos missionários.
Na cidade não existe Templo! As nossas cidades, vilas e aldeias nasceram e cresceram à volta do templo, da Igreja, lugar de encontro e de festa, lugar de oração e de luto, lugar de acolhimento e de despedida. Hoje há cidades sem esta luz e esta centralidade. Ou pelo menos, o centro está deslocado para outros loteamentos. À volta da Igreja as casas estão vazias e a própria Igreja se esvazia, não tanto pelo afastamento geográfico, mas pelo esvaziamento espiritual, pela indiferença, pelas milhentas preocupações que a vida atual coloca.
A garantia de São João é um desafio. Esta cidade não precisa nem luz do sol nem da lua, é alumiada por Deus, pela Sua Glória. A lâmpada permanentemente acesa é o Cordeiro, Filho Bem-amado do Pai. Os verdadeiros adoradores hão adorar a Deus em espírito e verdade. Não importa tanto o espaço mas a autenticidade, a relação com Deus, a ligação aos outros, ainda que os espaços criem oportunidades para o encontro, para a celebração, multiplicando a Luz que vem de Deus. A luz da minha fé ao juntar-se à do outro torna mais forte a luz e a fé, elevando-nos para Deus.
2 – Aí está (de novo) o olhar de Jesus. Terno. Apaixonado. Envolvente. Desafiador. Próximo. Profundo. Familiar. Com uma suavidade e docilidade que não escondem a gravidade do momento. O olhar e a vida. O sorriso e o coração. Num ambiente recatado, simples, descontraído, mas sem perder a solenidade do momento e das palavras, e dos gestos. Depois de lavar os pés aos seus discípulos, durante a Ceia, Jesus é tocado por um misto de alegria, festa, apaziguamento e de ansiedade, receio, tristeza. Vai partir. O cálice da alegria, pela proximidade com os seus, é também o cálice das lágrimas, pois logo dará a vida por eles e por nós.
Se o tempo é breve, urge relembrar-lhes o essencial da Sua mensagem e da Sua vida. Em jeito de confidência, mas com firmeza e confiança. As trevas aproximam-se. Antes de acontecer, Jesus previne e antecipa. Quando chegar a hora que, pelo menos, não sejam surpreendidos em absoluto. Do rosto de Jesus irradia luz que atravessa as trevas mais densas. A separação é sempre dolorosa, muito mais quando é definitiva. Saber que Ele estará presente, ainda que de forma diferente, é um lenitivo para a Sua ausência (física).
Escutai, pois, com atenção: «Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada. Quem Me não ama não guarda a minha palavra. Disse-vos estas coisas, estando ainda convosco. Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que Eu vos disse. Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Vou partir, mas voltarei para junto de vós. Disse-vo-lo agora, antes de acontecer, para que, quando acontecer, acrediteis».
Com a mensagem que nos agrafa a Jesus – se, como Ele, nos amarmos uns aos outros, e se O amarmos de todo o coração –, vem a Sua paz, garantia que seremos a Sua morada para sempre.
3 – Vivemos o Jubileu da Misericórdia, Ano Santo, que acentua o amor misericordioso, compassivo, que brota das entranhas maternas, espontâneo, umbilical. A misericórdia de Deus é visível e concretizável em Jesus, no Seu jeito de amar, de Se aproximar, de Se compadecer.
Neste Dia da Mãe torna-se ainda mais plástico este amor umbilical, entranhado, quase biológico. Não há amor como o de Mãe, tão profundo e natural, tão genuíno. Não há nada mais forte, mais íntimo que o amor da Mãe pelo filho. É um amor que concilia e apazigua.
Na Cruz, sabendo deste amor que permanece e nos faz querer permanecer na casa materna, ou que em nossa casa habite o amor da Mãe, amor que ultrapassa todas as barreias, até a da morte, Jesus dá-nos Maria por Mãe, para permanecer junto de nós e nos embalar, para nos lembrar do amor que Deus nos tem, unindo-nos como família e desafiando-nos a permanecermos de tal forma no amor de Deus que possamos guardar a Sua Palavra, vivendo como irmãos.
4 – O Espírito Santo, que Jesus envia de junto do Pai, reconduzir-nos-á à verdade plena, recordando-nos as palavras de Jesus enquanto fisicamente entre nós. É uma inspiração mediada pela oração pessoal, mas sobretudo pela oração e reflexão em comunidade, onde Se acolhe a Palavra de Deus, se assimila e se expande. A Igreja é, com os seus, membros, discípula missionária. Faz-se aprendiz, para logo transparecer o que apreendeu.
Paulo e Barnabé prosseguem na missão de evangelizar, solidificando a fé e o compromisso de constituir comunidades que sejam famílias, cujas pessoas vivam harmoniosamente, entreajudando-se solidariamente. Por vezes a prática é ensombrada pelas leis. Não que estas não sejam necessárias em todas as realidades sociais, mas de preferência que não roubem espaço à Lei do Amor, que pleniza, simplifica e clarifica todas as leis, ao serviço do bem comum, especialmente dos mais desfavorecidos.
A comunidade de Antioquia experimenta as dificuldades de crescimento, com sensibilidades diferentes. Alguns homens, oriundos da Judeia ensinam que os seguidores de Jesus Cristo, vindos do paganismo, têm de igualmente seguir a Lei de Moisés e ser circuncidados. Paulo e Barnabé têm um entendimento bem diferente, o que gera acesa discussão na comunidade.
A comunidade não exclui, mas procura uma resposta que conduza a Jesus e ao Seu Evangelho e, por conseguinte, envia Paulo e Barnabé e alguns anciãos idóneos à comunidade-mãe, a Jerusalém. A comunidade de Jerusalém, presidida por Tiago, reúne os apóstolos e os anciãos e responde: «Tendo sabido que, sem a nossa autorização, alguns dos nossos vos foram inquietar, perturbando as vossas almas com as suas palavras, resolvemos, de comum acordo, escolher delegados para vo-los enviarmos, juntamente com os nossos queridos Barnabé e Paulo, homens que expuseram a sua vida pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso vos mandamos Judas e Silas, que vos transmitirão de viva voz as nossas decisões. O Espírito Santo e nós decidimos não vos impor mais nenhuma obrigação, além destas que são indispensáveis: abster-vos da carne imolada aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das relações imorais. Procedereis bem, evitando tudo isso. Adeus».
5 – A reflexão da Igreja de Jerusalém debruça-se sobre aspetos práticos e concretos. É dessa forma que se vive e se prova a fé em Jesus Cristo, na vida quotidiana e no compromisso com os irmãos. O essencial está contido no Evangelho, nas palavras e nos gestos de Jesus. Porém, como os tempos são distintos, também as respostas terão que ser novas, criativas, fiéis à postura de Jesus: acolhimento, perdão, serviço, caridade, respeito, diálogo, docilidade, confiança em Deus, opção preferencial pelos pobres. Também aqui a importância do papel conciliador da Mãe!
A Palavra de Deus não é um receituário onde se encontrem respostas as todas as questões, mas é clarificadora a apontar um caminho, o de Jesus, e do Seu projeto de vida nova, vivida na intimidade com o Pai, na cumplicidade do Espírito Santo. Diante de uma dificuldade, a primeira decisão há de ser a da oração, procurando, depois, pelo diálogo, pela meditação, encontrar a resposta que, em Igreja e com espírito eclesial, melhor se aproxima de Jesus, sob a ambiência da misericórdia e da compaixão.
"Concedei-nos, Deus omnipotente, a graça de viver dignamente estes dias de alegria em honra de Cristo ressuscitado, de modo que a nossa vida corresponda sempre aos mistérios que celebramos". À oração de súplica, façamos corresponder os nossos propósitos, na certeza humilde que a salvação não nos vem pelos méritos da perfeição, mas pela graça e misericórdia de Deus, que nos chama à vida, nos prepara e nos ambienta para respondermos positivamente aos desafios da existência. "Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção, / resplandeça sobre nós a luz do seu rosto".
Não precisamos de outra luz que não seja a de Jesus, mais brilhante que o sol!
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano C): Atos 15, 1-2. 22-29; Sl 66 (67); Ap 21, 10-14. 22-23; Jo 14, 23-29.