1 – “Jesus entrou em certa povoação e uma mulher chamada Marta recebeu-O em sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria, que, sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra”.
Primeira lição: o amor tem concretização. Não se vive genericamente. Amamos o mundo inteiro, mas precisamos de nos sentir acarinhados por alguém, um familiar, um amigo, uma pessoa que nos espera... Jesus vive a maior parte da sua vida com os pais. Vem para a humanidade inteira. Porém, nasce em Belém; seus pais são Maria e José; vive em Nazaré, e situa a Sua vida pública na Judeia e na Galileia, com algumas passagens pontuais pela Samaria. Tem muitos amigos, os discípulos. Um grupo mais restrito de 12 apóstolos, entre os quais se salientam três ou quatro mais próximos. Vai a casa de fariseus, de publicanos, vai onde é convidado ou para onde Se faz convidado – «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa» (Lc 19, 5) – mas tem depois uma ou outra família onde Se hospeda e onde regressa, como é a casa dos seus amigos Lázaro, Maria e Marta.
Segunda lição: Jesus não é o super-homem. Verdadeiramente Deus. Verdadeiramente homem. Não é uma personagem esquisita, heroica, ao jeito das figuras televisivas ou cinematográficas. É um homem de carne e osso, concreto, que vive num tempo e num espaço determinados. Mesmo que frugalmente, como naquela época, tem necessidade de comer, de descansar, de sentir a presença dos amigos. Vê-se neste evangelho mas também em muitas outras passagens, como quando reclama a vigilância e proximidade dos discípulos. Em contraponto com João Batista, que vive no deserto e se alimenta de gafanhotos e mel silvestre, Jesus come como os seus discípulos, vai a festas para as quais é convidado, e come as refeições que a Mãe lhe prepara. Passando naquela povoação, Jesus e os discípulos não deixam de visitar os amigos, aproveitando para repousar e recuperar energias.
2 – «Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária».
Depois de mais uma jornada, Jesus, com os seus discípulos, entra em determinada povoação e Marta recebe-O em sua casa. Aprendamos com ela a receber Jesus em nossa casa. Mas depois de O acolhermos, é necessário darmos-Lhe atenção. Marta atarefa-se para receber bem. Entretanto vê que a sua irmã está sentada aos pés de Jesus a escutá-l'O. Forma sublime de acolher, com o ouvido, melhor, com o coração!
«Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha a servir?»
Marta aproxima-se de Jesus e dá-lhe uma leve repreensão. Ele tinha obrigação de compreender. Sua irmã está ali “sem fazer nada”, quando poderia estar a ajudá-la.
Jesus não recrimina Marta pelo carinho e generosidade com que O trata e como cuida da casa. No entanto alerta para algo mais importante. Se cada um faz o que lhe compete…
Quando se recebe alguém em casa é necessário preparar tudo. À última hora adensam-se os preparativos. Quantos mais a ajudar, melhor. No entanto, se temos um convidado, um amigo, não o deixamos sozinho na sala, a não ser que não haja outra possibilidade.
Jesus aponta para a escuta da Palavra, para a prioridade da oração, da contemplação, do estar junto d'Ele, aos seus pés. Há todo outro trabalho útil e meritório, mas este não pode anular aquele. De que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma, a sua vida?
3 – «Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas...».
Como não revermo-nos neste alerta de Jesus?
Vivemos numa luta permanente. Atarefados, em grandes correrias, com a agenda cheia, não há tempo para nada. Falta depois o tempo para o essencial, para estar com a família, para os pais brincarem com os filhos, para os filhos passarem tardes com os pais e os avós, ou participarem num programa comum, na Eucaristia, numa festa, um almoço ou jantar. Os filhos têm os seus compromissos, os horários dos pais são incompatíveis com o dos filhos.
Queremos fazer muitas coisas, estar em todo o lado, e acabamos por nem fazer uma coisa nem outra, nem estar num sítio nem no outro, ou pelo menos com a qualidade e envolvimento devidos. Matamo-nos a trabalhar e quando nos apercebemos, em vão, cansamo-nos para nada, ou porque não aproveitamos, ou porque já não temos saúde para gozar os frutos, ou não tivemos tempo para solidificar amizades ou dedicar tempo e afeto à família, ou porque aqueles para quem trabalhamos não agradecem e esbanjam rapidamente o que nos custou tanto a conseguir.
Temos esta consciência? Corremos, corremos, e parece que não saímos do mesmo lugar, e quanto mais corremos mais nos atrasamos? Já alguém se sentiu assim? Com a vida a escapar-se-lhes como a areia entre os dedos das mãos? Tantas preocupações e trabalhos e no final parece que ficamos de mãos vazias! Quem é que já experimentou situações assim? Lutas e cansaços, e para quê?
4 – «…uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte».
Justo equilíbrio, sem perder o norte, o ponto de partida, o chão que nos liga, a meta para onde nos dirigimos. Cada um de nós há de apostar em ser Marta – que acolhe, trabalha, labuta –, e Maria – que escuta, acolhe, contempla, bebe as palavras do Senhor.
E assim a Igreja! A melhor parte, o ponto de partida: estar aos pés do Senhor. Perto de Jesus. Escutá-l'O. Primeiro, discípulos, e depois apóstolos, enviados. De novo a fé e as obras. Uma coisa leva à outra. Não estão desligadas. Se corremos muito mas sem Deus, sem oração, sem ligação a um sentido maior, corremos o risco de nos perdermos. Por outro lado, a fé há de ser encarnada. Fé com carne, com vida, com obras.
São Bento, Padroeiro da Europa, cuja festa celebramos a 11 de julho, tem uma regra muito simples: ora et labora – reza e trabalha. É possível que o trabalho, honesto, dedicado, seja oração. Mas há tempos específicos para a oração, para que aquele não seja um fardo. É preciso trabalhar e descansar. Trabalhar e beneficiar dos frutos do trabalho. Trabalhar e partilhar o que se produz. Também isso é oração. Esta desperta-nos para os outros.
Espaço e tempo para a contemplação, a beleza, o encontro com os amigos e com a família, para o descanso, para participar em atividades lúdicas e culturais, para apreciar a natureza, para rezar, para louvar e agradecer, para descobrir a harmonia do que nos rodeia e o engenho de homens e mulheres que vivem perto ou longe de nós e que ajudam a embelezar esta nossa terra.
5 – «Se agradei aos vossos olhos, não passeis adiante sem parar em casa do vosso servo».
Na primeira leitura, vemos a delicadeza de Abraão, um homem de Deus, justo, trabalhador, que, pela hora de mais calor, está a descansar. Vê passar três homens, e não precisa de grandes cálculos, entende este encontro como sinal da presença de Deus, sinal de bênção.
Também aqui, a fé é concretizável em gestos de generosidade e aproximação. Abraão faz uma leitura muito rápida. Quem passa pela minha casa, à frente da minha porta, vem da parte de Deus, então é necessário tratá-lo como enviado de Deus.
Abraão convida ao descanso e rapidamente prepara uma bela refeição, para que aqueles homens possam restaurar as forças da viagem. Que bela lição esta que Abraão nos dá. É necessário que aqueles que passam por nós deixem um pouco de si e levam um pouco de nós, como evoca Antoine de Saint-Exupéry, no Principezinho. O que fizerdes ao meu irmão, a Mim o fazeis…
Abraão não se engana. Aquelas personagens deixarão a sua bênção transformadora: «Passarei novamente pela tua casa daqui a um ano e então Sara tua esposa terá um filho».
6 – “Cristo no meio de vós, esperança da glória. E nós O anunciamos…”
Deus passa em nossa casa, mas não vai adiante sem antes bater à nossa porta, permitindo-nos a hospitalidade. Podemos abrir-lhe a porta e deixá-l’O entrar, mais e mais na nossa vida.
O mistério desta vinda e deste encontro revela-Se em plenitude em Jesus Cristo. Assume a condição de filho, para nos assumir como irmãos. Primeiro, a descoberta, o encontro e a conversão, como em Paulo, e depois o anúncio. Não podemos dar o que não temos. Damos Aquele que nos habita.
Textos para a Eucaristia (ano C): Gen 18, 1-10a; Col 1, 24-28; Lc 10, 38-42.