1 – Os Céus são-nos abertos completamente em Jesus Cristo. Pelo nascimento, que ainda agora celebrámos. Pela Sua vida. A inteira vida de Jesus. Pela Sua paixão. Inteira paixão por nós, pela humanidade inteira. Os Céus estão escancarados pela Ressurreição de onde vem toda a LUZ, intensa, fulgurante, mais penetrante que a espada de dois gumes, é uma LUZ que chega ao mais profundo do nosso coração. A vastidão do Céu – na expressão feliz de Bento XVI – abarca o mundo inteiro.
Hoje Jesus aproxima-Se de João para ser batizado e logo o Céu desce à terra e a voz do Pai ressoa nos nossos ouvidos, com ressonância indelével nosso coração: «Tu és o meu Filho muito amado, em Ti pus toda a minha complacência». Deus reconhece e faz ouvir o amor da Sua eleição. E nós estávamos lá, no Jordão e não podemos ignorar o que ouvimos. Mais tarde, a mesma voz, falará para nós e para nos dizer o que temos de fazer: Este é o Meu filho muito amado. Escutai-O (cf. Lc 9, 35).
Logo ali, ao presenciarmos a cena e ao escutarmos Aquela voz que vem do alto, que vem do Céu, ficamos a saber que algo de novo começa a surgir, a manifestar-se. Vamos ver mais de perto. João já nos havia precavido: «Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias. Eu batizo na água, mas Ele batizar-vos-á no Espírito Santo».
E assim aconteceu. Jesus não se fez rogado e quando o tempo amadureceu, veio ter com João ao Jordão. E vimos que ao subir da água, os Céus se rasgaram e o Espírito desceu sobre Ele, e logo aquela voz nos deixou atordoados, sem saber o que dizer e o que fazer, sem saber o que sentir. És o meu Filho muito amado! Dirige-se a Jesus, mas n’Ele se dirige a cada um de nós.
2 – O profeta Isaías, profeta do Advento, do Natal, da Quaresma, profeta da Paixão que nos traz Deus ao coração, apresenta mais uma bela página de incentivo, de confiança, de desafio. O Senhor Deus faz saber, através de Isaías, que o Seu Ungido está à porta:
«Eis o meu servo, a quem Eu protejo, o meu eleito, enlevo da minha alma. Sobre ele fiz repousar o meu espírito, para que leve a justiça às nações. Não gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: proclamará fielmente a justiça. Não desfalecerá nem desistirá, enquanto não estabelecer a justiça na terra, a doutrina que as ilhas longínquas esperam. Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça; tomei-te pela mão, formei-te e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirares do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas».
Página bela e intensa, pura filigrana, como diria o nosso Bispo D. António Couto, em que se visualiza a fonte do amor, o amor primeiro. Deus que nos precede, n'Ele a origem do amor, primeiro e verdadeiro, único e perfeito. Faz repousar o Seu Espírito no Filho que nos dá, a Luz que ofusca no instante inicial mas que logo purifica o nosso olhar. E quando olhamos a vida e os outros com o mesmo Olhar com que Deus nos ama, então ficamos mais próximos uns dos outros, reconhecemo-nos e acolhemo-nos irmãos e amamo-nos como Ele nos ama.
A caracterização do Messias é visível e confirmada em Jesus. O testemunho dos Céus na hora do batismo é antecipado pelo Profeta. O Ungido não se imporá pelo poder, pela majestade, pela força ou pela violência, mas pela paz, pelo amor, pela persistência no caminho da justiça e do bem. É o Senhor que O modela como luz das nações, libertação dos oprimidos e dos que vivem nas trevas. Ele e nós que n'Ele somos acolhidos, reconhecidos e considerados irmãos. Ele é o Cordeiro que carrega e tira os pecados do mundo. Nós, com Ele, carregamo-nos uns aos outros para nos aliviarmos mutuamente dos fardos que por vezes pesam sobre cada um.
3 – «O Senhor abençoará o seu povo na paz».
Também a bela melodia do Salmo faz sinfonia com o Ungido do Senhor, que vem para amar, libertar, para dar a Vida por nós e nos salvar, nos guiar, nos elevar com Ele para junto do Pai. O Deus da Paz nos abençoe e proteja, nos conduza por águas calmas e que no caudal da vida, do tempo e da história, nos faça avançar com os outros, nunca contra eles, com mais amor para construirmos a Sua verdadeira família, que começamos aqui na terra, no tempo que Deus nos dá.
4 – Depois de tantas vicissitudes, eis o imponente testemunho de São Pedro. A Luz das Nações, o Filho de Deus, revelou-Se em toda a plenitude na Morte e sobretudo na Ressurreição. Essa luz intensa e imensa invade agora o coração e a vida de Pedro e dos apóstolos e dos discípulos e de todos nós. A alegria sobrepõe-se ao medo; a luz afasta as trevas; o amor aproxima-nos esboroando egoísmos; a identificação com Aquele que dá a vida por nós, o Filho Amado do Deus Altíssimo, leva-nos a imitá-l'O, no perdão, no amor e na paz.
Ponhamo-nos à escuta, no meio da multidão, como havia feito Jesus quando vai ter com João ao Jordão para por ele Se fazer batizar. Não passa à frente ou ao lado, mas está no MEIO do povo, com o Povo e com o Povo caminha até João. Para que a justiça se faça e se efetive a Sua identificação connosco, Ele faz o que nós fazemos, Ele vive connosco, para que depois nós aprendamos a viver como Ele e a fazer como Ele faz.
No meio da multidão, Pedro toma a palavra, sem medo nem travo na voz, com olhar fundo e terno, e a voz bem colocada e audível, entoada, para que as palavras ecoem em nós. Pedro, aquele que antes, por medo e por vergonha, se tinha recusado a ser associado a Jesus, associa-se agora com todo o coração:
«Na verdade, eu reconheço que Deus não faz aceção de pessoas, mas, em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável. Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos. Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele».
O amor de Deus é para todos. Não escolhe nem idade, nem sexo, nem nacionalidade, não escolhe brancos ou pretos, homens ou mulheres, é para todos. Em Jesus todos somos irmãos. Um povo, uma nação cuja aliança se expande a todo o mundo. Deus não faz aceção de pessoas, como tantas vezes a nós nos acontece ou deixamos acontecer.
5 – Depois do Batismo, e durante toda a vida, Jesus passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos. Deus estava com Ele. E Ele transparecia Deus, nas palavras, nos gestos, no olhar, nos prodígios realizados, nos silêncios, na oração, a caminhar, e em todos aqueles e aquelas que encontrava no Seu caminho, todos aqueles de quem se aproximava com ternura e compaixão.
Deus está (sempre) connosco. Com e em Jesus somos batizados. E como passamos? Fazendo o bem? Curando todos os que à nossa volta estão oprimidos? Sentimo-nos ungidos e enviados? Preenchemos os nossos dias com a presença de Deus? O quê ou Quem transparecemos na nossa vida?
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano B): Is 42, 1-4. 6-7; Sl 28 (29); Atos 10, 34-38; Mc 1, 7-11.