sábado, 23 de julho de 2022

Domingo XVII do Tempo Comum - ano C - 24.07.2022


1 – «Senhor, ensina-nos a orar». Pedido feito pelos discípulos a Jesus, lembrando que também João Batista ensinou os seus discípulos a rezar. Jesus terá oportunidade de vincar que a oração há de expressar uma atitude permanente de escuta da voz de Deus, de diálogo com essa Voz, sem muitas palavras, ou pelo menos, cientes que não é a quantidade de palavras que conta, como que por magia e convencimento de Deus, mas o que conta é o coração, a confiança, a relação. A sinceridade confiante de quem se coloca nas mãos, no colo, no coração de um Pai.
E "Pai" é precisamente a primeira palavra da oração que Jesus lhes/nos ensina. Diríamos que não é necessário muito mais. Quem se coloca em postura de oração, dirigindo o olhar, os ouvidos, o coração e a vida para Deus, reconhecendo-O e acolhendo-O como Pai, assume-se, desde logo, como filho e, simultaneamente como irmãos dos outros filhos do Pai. Quando se pede algo ao Pai/Mãe já se sabe que pedimos também para os nossos irmãos, pois não vamos receber e os outros ficarem a olhar. A oração é súplica, mas imediatamente, compromisso com o que pedimos.
«Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação».
A versão lucana do Pai-Nosso, mais simples, mas contém o conteúdo essencial. Mateus acentuará mais a dinâmica do perdão, São Lucas mais a dimensão da confiança e da resposta certa de Deus.
Como se pode verificar, o reconhecimento que tudo deve partir e assentar em Deus, que é Pai, que seja o Seu reino e a Sua soberania a implementar-se na terra, garante de que Deus é Deus e que mais ninguém é colocado nessa categoria, para que não haja nem instrumentalização nem idolatria. É sempre um risco alguém endeusar-se ou deixar-se endeusar, colocando-se num patamar superior; igualmente, deixar-se instrumentalizar como joguete ou instrumentalizar os outros, usando-os como meios para atingir algum fim.

2 – Na continuação, Jesus insiste na persistência da oração e na confiança em Deus que é Pai.
Jesus utiliza uma imagem muito sugestiva: «Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar’. Ele poderá responder lá de dentro: ‘Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães’. Eu vos digo: Se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa».
O próprio Jesus sublinha a resiliência na oração: «Também vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á».

E a resposta positiva de Deus: «Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».

A questão colocar-se-á sempre na pressa e no automatismo das repostas que queremos obter. Eu rezo, e lá estaria a multiplicação das palavras, e a minha oração há de convencer Deus de que o meu pedido é justo e merece ser despachado quanto antes. A promessa de Jesus: Deus responderá como Pai e dar-nos-á coisas boas, antes de mais, o Espírito Santo. E aqui tudo se joga, o Espírito Santo ilumina a nossa vida e enche-nos de sabedoria para deixarmos Deus agir em nós, para prosseguirmos no caminho que nos cabe fazer, e na aceitação das nossas limitações e fragilidades.

3 – Abraão é considerado o Pai na Fé, por ter sido o primeiro a acreditar num Deus pessoal: Alguém com Quem poderia dialogar e de Quem poderia obter respostas. As três grandes religiões monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, consideram-no como tal, daí que também não se entenda muito bem que haja guerras religiosas. Sabemos que o motivo religioso pode ser aglutinador, mas na maioria das vezes estão por detrás outras razões, políticas, económicas, de disputa de poder.
O Papa Francisco apresenta Abraão como modelo da oração persistente. Abraão não desiste de rezar, de implicar e comprometer Deus. Intercede pelo povo. É quase uma negociação. Bem dizemos nós que não devemos "negociar" com Deus, nem de utilizar muitas palavras, mas Abraão mostra-nos, sobretudo, que confia em Deus e que Deus não deixará de compreender e responder favoravelmente. Com Abraão compreendemos também que não é Deus que nos destrói, somos nós, com o nosso pecado e com o nosso egoísmo que destruímos, que separamos, que criamos ruturas.
«O clamor contra Sodoma e Gomorra é tão forte, o seu pecado é tão grave que Eu vou descer para verificar se o clamor que chegou até Mim corresponde inteiramente às suas obras. Se sim ou não, hei de sabê-lo». Os homens que tinham sido acolhidos por Abraão, dirigem-se a Sodoma, mas o Senhor continua perto de Abraão que começa a sua oração: «Irás destruir o justo com o pecador? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Matá-los-ás a todos? Não perdoarás a essa cidade, por causa dos cinquenta justos que nela residem? Longe de Ti fazer tal coisa: dar a morte ao justo e ao pecador, de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte! Longe de Ti! O juiz de toda a terra não fará justiça?»
O Senhor Deus responde com misericórdia e perdão. Abraão, para que não fique esgotada nenhuma possibilidade, insiste, colocando na balança os justos que podem contrabalançar com os pecadores: 45, 40, 30, 20, 10. A resposta de Deus é igual: em atenção a esses justos não destruirei a cidade. Os justos, os homens bons, sensatos, generosos e altruístas, tementes a Deus, edificam, constroem as cidades sobre os alicerces da justiça e da verdade, da harmonia e da sã convivência. Sem homens de bem não é possível que a cidade dos homens sobreviva. Mas aqui o que está em causa é mesmo a oração confiante, persistente, negociadora de Abraão em relação a Deus, em Quem confia.

4 – Logo no início da Eucaristia, a oração de coleta, isto é, a oração que recolhe as intenções, as orações e os propósitos da assembleia celebrante, coloca-nos, todos, em sintonia com Deus. É tempo para superar distanciamentos e dispersões.
A oração sincroniza-nos também com a temática da liturgia da Palavra: «Deus, protetor dos que em Vós esperam, sem Vós nada tem valor, nada é santo. Multiplicai sobre nós a vossa misericórdia, para que, conduzidos por Vós, usemos de tal modo os bens temporais que possamos aderir desde já aos bens eternos».
O caminho que percorremos, uns com os outros, encaminha-nos para o Senhor, até à eternidade.

5 – Na segunda leitura, São Paulo lembra-nos precisamente esta sintonia com a vida nova que recebemos pelo Batismo e nos faz estar ligados ao Céu. Mortos com Jesus para o pecado, para o mal e para a morte, tornamo-nos novas criaturas, ressuscitando com Ele. «Quando estáveis mortos nos vossos pecados e na incircuncisão da vossa carne, Deus fez que voltásseis à vida com Cristo e perdoou-nos todas as nossas faltas. Anulou o documento da nossa dívida, com as suas disposições contra nós; suprimiu-o, cravando-o na cruz».
Cabe-nos tornar visível esta pertença à ressurreição que nos habita, envolvendo-nos e envolvendo os outros nesta peregrinação da pátria provisória até à pátria definitiva, cuja vida vamos experimentando.



Pe. Manuel Gonçalves

sábado, 9 de julho de 2022

Domingo XV do Tempo Comum - ano C - 10.julho.2022


1 – Jesus é o Bom Samaritano, por excelência, faz-Se próximo, tão próximo de mim e de ti, de todos, que Se confunde connosco; tão próximo que Se deixa ver, prender, crucificar; tão próximo que O podemos tocar para d'Ele recebermos a força da ternura de Deus. Sendo Deus, não Se vale da omnipotência, mas humilha-Se até estar da nossa estatura, assumindo os nossos sofrimentos, as nossas chagas, para as curar, para nos redimir e nos fazer participantes da Sua vida divina.
Um doutor da Lei quis experimentar Jesus, para O expor, para mostrar a todos que, diante de questões religiosas mais elaboradas, Ele meteria os pés pelas mãos: «Mestre, que hei de fazer para receber como herança a vida eterna?». Jesus devolve-lhe a pergunta, pois um Mestre da Lei terá que ser um conhecedor profundo da mesma. E a resposta é imediata: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e ao próximo como a ti mesmo».
Fez a pergunta e deu a resposta! Aparentemente está tudo dito! Jesus confirma o veredito, desafiando a fazer o que diz a Lei. Apanhado em contramão, o doutor da Lei volta a questionar Jesus: «E quem é o meu próximo?».
Dá a impressão que são discussões estéreis! Mas muitas vezes as discussões servem apenas de desculpa ou justificação para não meter mãos à obra, para deixar que o tempo resolva ou outros se comprometam. Próximo é quem precisa de mim? É meu familiar e amigo? O meu vizinho? A pessoa que professa a mesma fé que eu? É do mesmo partido? É meu conterrâneo? Perfilha o mesmo clubismo? Um estrangeiro, refugiado, um estranho é meu próximo?

2 – Não adianta explicar a quem não quer compreender. Ainda assim, não argumentando, Jesus faz com que o doutor da Lei reflita e tire ilações, através de uma parábola. Como história, há liberdade para o ouvinte tirar as próprias conclusões. A argumentação é impositiva e por vezes cada um fica com o que lhe parece, nesta pequena história dá para que a pessoa se sinta envolvida, chamada para dentro da história, interiorizando a mensagem.
«Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores. Roubaram-lhe tudo o que levava, espancaram-no e foram-se embora, deixando-o meio- morto. Por coincidência, descia pelo mesmo caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante. Do mesmo modo, um levita que vinha por aquele lugar, viu-o e passou também adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas, deu-as ao estalajadeiro e disse: ‘Trata bem dele; e o que gastares a mais eu to pagarei quando voltar’».
Depois da parábola, é a vez de Jesus questionar o doutor da Lei, o especialista em Sagrada Escritura: «Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?».
As dúvidas estão desfeitas! É próximo quem se aproxima para ajudar: «O que teve compaixão dele». O foco, neste caso, não são os outros, mesmo os que precisam de ajuda, mas tu e eu, se percebemos as necessidades dos nossos semelhantes e se temos urgência em ajudá-los. Sou próximo se me faço próximo. «Então vai e faz o mesmo».

3 – Como sempre, não basta saber, é preciso fazer, não chegam as intenções, é preciso pôr mãos às obras, não são suficientes os propósitos, urge colocar-se a caminho. Claro que o conhecimento, as intenções e os propósitos predispõem-nos para o compromisso em ação. Ninguém ama o que desconhece. Faz-se caminho dando o primeiro passo. Vai e faz do mesmo jeito!
É deste modo que começamos a Eucaristia, pedindo a Deus que dilate o nosso coração, impelindo-nos a conformar a nossa vontade com os Seus desígnios: "Senhor nosso Deus, que mostrais aos errantes a luz da vossa verdade para poderem voltar ao bom caminho, concedei a quantos se declaram cristãos que, rejeitando tudo o que é indigno deste nome, sigam fielmente as exigências da sua fé".
Tal como o doutor da Lei, nós conhecemos os desígnios de Deus revelados pelos Seus mensageiros. Na primeira leitura, Moisés, ao comunicar o Mandamento de Deus ao Povo, diz claramente que está ao alcance de todos cumpri-lo, não é uma sobrecarga, mas um compromisso que liberta e aproxima. Não são preceitos complexos, distantes, inscritos no Céu! «Escutarás a voz do Senhor teu Deus, cumprindo os seus preceitos e mandamentos que estão escritos no Livro da Lei, e converter-te-ás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma... Esta palavra está perto de ti, está na tua boca e no teu coração, para que a possas pôr em prática».
Ainda que venha de fora, de Deus, do Céu, o Mandamento do Senhor interioriza-se, pois não visa ser um fardo, mas uma ajuda, iluminando as nossas escolhas e mostrando-nos o caminho que nos humaniza, irmana e nos salva dos nossos egoísmos e preconceitos.

4 – A oração faz-nos descentrar de nós, para nos centrar em Deus e nos Seus desígnios de amor. Fixando-nos em nós, por mais apetências que tenhamos, por mais resiliência que possuamos, acabaremos por soçobrar ou por nos endeusarmos.
"Eu sou pobre e miserável: defendei-me com a vossa proteção. Louvarei com cânticos o nome de Deus e em ação de graças O glorificarei". Centrando-nos em Deus e colocando o nosso coração e a nossa vida n'Ele, procurando sintonizar a nossa com a Sua vontade, a confiança de que Ele nos traz a paz na tormenta e a alegria na adversidade, garantindo-nos a vida, no tempo e na eternidade.
Deixemo-nos guiar pelo salmista: "A Vós, Senhor, elevo a minha súplica, pela vossa imensa bondade respondei-me. Ouvi-me, Senhor, pela bondade da vossa graça, voltai-Vos para mim pela vossa grande misericórdia". O desafio que a oração nos lança, é para nós e para todos. "Vós, humildes, olhai e alegrai-vos, buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará. O Senhor ouve os pobres e não despreza os cativos. Os seus servos a receberão em herança e nela hão de morar os que amam o seu nome".
A oração também é catequese, pois nos ensina a olhar para Deus com humildade e a caminharmos juntos, com todos aqueles que procuram a verdade e a bondade. Não há oração que não seja compromisso, pessoal, de transformação, procurando acolher a vontade de Deus, e na predisposição firme e séria de trabalhar por um mundo mais justo e fraterno, o que implica a atenção primeira aos mais desfavorecidos.

5 – Jesus Cristo é o Bom Samaritano e o paradigma para nós, individualmente e como comunidade. Ele é o chão, a referência, o ponto de partida, a meta, o contexto em que havemos de gastar e viver a nossa vida.
São Paulo sublinha que «Cristo Jesus é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura; porque n’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, visíveis e invisíveis... por Ele e para Ele tudo foi criado. Ele é anterior a todas as coisas e n’Ele tudo subsiste. Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo. Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos; em tudo Ele tem o primeiro lugar. Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus».
Ele, Deus connosco, salva-nos, redime-nos, integra-nos na Sua vida divina; faz-Se nosso irmão, faz-nos Seus amigos e herdeiros das bênçãos divinas. Cabe-nos abrir o nosso coração e a nossa vida, e respirar e expirar o Seu Espírito de Amor.

Pe. Manuel Gonçalves

sexta-feira, 1 de julho de 2022

XIV Domingo do Tempo Comum - ano C - 3 de julho

       1 – Seguir Jesus é a vocação primeira do cristão. Sem pausas nem descanso. Segui-l'O em todas as circunstâncias, a todo o momento. Para sempre. Até à eternidade. Para O seguir e para O imitar, para O viver e O anunciar é necessário estar perto d'Ele, ou melhor, abrir-Lhe o coração e a vida para que Ele nos habite e nos transforme, nos converta e nos redima.
       Não é possível amar o que não se conhece. O conhecimento é um primeiro passo para amar. Quanto mais se amar mais se quer conhecer e quanto mais se conhecer maior a possibilidade de amar a pessoa e não uma imagem da mesma. Precisamos de estar e permanecer perto de Jesus e deixar que Ele se aproxime de nós. Como Maria em casa de Marta. Aos pés de Jesus. Para sentir o pulsar do Seu coração. A oração é o ambiente natural para saber quem é Jesus para nós. Não se trata de saber muitas coisas acerca d’Ele. Também é importante. Mas essencial é saber quem é Jesus para nós. Recordemos as duas questões da semana passada: "Quem dizem as multidões que é o Filho do Homem?" e "Quem dizeis vós que Eu sou?".
       A missão começa na oração:  «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara».
       A oração, a escuta, a meditação da palavra de Deus. O cristão, como a Igreja, deve ter a consciência da sua identidade lunar. Jesus Cristo é o nosso Sol. Cada um de nós, e a Igreja no seu conjunto, como a Lua, reflete a Luz que vem de Jesus. É iluminado por Jesus e reflete-O para os outros serem iluminados. Somos embaixadores e não chefes de estado. Comunicamos a Palavra de Deus, o Seu Evangelho. O embaixador não se comunica, mas comunica o seu povo, o seu governo, o que lhe disseram para dizer. Somos de Cristo. Somos cristãos. Sermos embaixadores de Jesus, como nos recorda São Paulo, é um privilégio e não uma humilhação. É um compromisso, para que Cristo viva em nós e através de nós chegue a todo o mundo.
       2 – Somos discípulos missionários. Esta expressão ganhou corpo nas Assembleias Gerais do Episcopado da América Latina e Caribe, sobretudo em 2007, em Aparecida, no Brasil, na 5.ª edição, sob o tema "Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida"
       Bento XVI usa a expressão na Oração elaborada para esta Conferência: "Discípulos e missionários vossos, nós queremos remar mar adentro, para que os nossos povos tenham em Vós vida abundante e construam com solidariedade a fraternidade e a paz". E no discurso inaugural clarifica a estreita ligação: "O discípulo, fundamentado assim na rocha da Palavra de Deus, sente-se impelido a anunciar a Boa Nova da salvação aos seus irmãos. Discipulado e missão são como os dois lados de uma mesma medalha: quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que somente Ele nos salva (cf. Atos 4, 12). Efetivamente, o discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não existe esperança, não há amor e não existe futuro".
       O Papa Francisco utiliza a expressão, muitas vezes, sem a conjunção aditiva "e". No Documento Final, da qual foi relator-presidente, ou na Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium" (A Alegria do Evangelho), acentua o perigo da autorreferencialidade do cristão e da Igreja. O centro, o SOL, é Jesus Cristo. Devemos d'Ele aprender a vida e o amor, a verdade e o serviço. Discípulos. Para O darmos aos outros, levando a todos os Evangelho de Jesus. Missionários. Não em separado, mas concomitantemente. Não podemos ser missionários se não formos verdadeiros discípulos do Senhor. Sendo discípulos autênticos procuraremos imitá-l’O e como Ele anunciar a Boa Nova a todos. A luz que nos habita não se pode esconder.

       3 – "Ide: Eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa nem alforge nem sandálias, nem vos demoreis a saudar alguém pelo caminho". Para seguir Jesus é necessário deixarmos de lado todos os acessórios que nos pesam. Ele envia-nos. A ligeireza depende se seguimos nas asas de Deus ou nos arrastamos com as nossas coisas. A missão evangelizadora urge. Ele não nos chama para ficarmos instalados à sombra da bananeira, mas para agirmos, para falarmos, para passarmos palavra, para irmos ao encontro dos outros. De aldeia em aldeia. De cidade em cidade. De coração a coração. Não há desculpas nem justificações. "Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus". Podemos sempre adiar, arranjar outras coisas que fazer, mas serão sempre passatempos, porque a missão é seguir Jesus e dá-l'O aos outros.
       "Quando entrardes nalguma casa, dizei primeiro: ‘Paz a esta casa’. E se lá houver gente de paz, a vossa paz repousará sobre eles; senão, ficará convosco. Ficai nessa casa, comei e bebei do que tiverem, que o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa".
       Não é uma mensagem qualquer que levamos, mas o próprio Jesus e a paz que Ele nos dá. Não é pouca coisa. É tudo. Só Ele conta. Vamos para levar a paz e a bênção e a salvação de Jesus. E se vamos, comprometemo-nos com as pessoas. Não é para andar a saltar, é para permanecer e deixar marcas positivas, semeando a Palavra de Deus.
       "Quando entrardes nalguma cidade e vos receberem, comei do que vos servirem, curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: ‘Está perto de vós o reino de Deus’. Mas quando entrardes nalguma cidade e não vos receberem, saí à praça pública e dizei: ‘Até o pó da vossa cidade que se pegou aos nossos pés sacudimos para vós. No entanto, ficai sabendo: Está perto o reino de Deus’".
       A fé não se impõe, propõe-se. Se alguém recusar Jesus, não percamos tempo a forçar. É Deus que age. Deixemos que Deus atue, através do tempo. Façamos o que nos compete: anunciar o Reino de Deus e a Sua proximidade. Se não nos escutarem, é a Cristo que não escutam. Avancemos para outras cidades e aldeias, para outros corações que estejam sedentos da Palavra de Deus.

       4 – Quando levamos Deus às pessoas, levamos-lhe a alegria, a bênção e a paz. Aqueles setenta e dois discípulos que Jesus envia, ainda em estágio, levam uma mensagem específica, a paz e a proximidade do Reino de Deus, como proposta e desafio.
       O profeta Isaías, na primeira leitura, convida à alegria e à festa. O luto e as trevas serão absorvidas pela presença e misericórdia de Deus.
       «Farei correr para Jerusalém a paz como um rio e a riqueza das nações como torrente transbordante. Os seus meninos de peito serão levados ao colo e acariciados sobre os joelhos. Como a mãe que anima o seu filho, também Eu vos confortarei: em Jerusalém sereis consolados. Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros. A mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos».
       O salmista faz eco deste júbilo e do convite ao louvor: "Aclamai a Deus, terra inteira, cantai a glória do seu nome, celebrai os seus louvores, dizei a Deus: «Maravilhosas são as vossas obras». A terra inteira Vos adore e celebre, entoe hinos ao vosso nome. Vinde contemplar as obras de Deus, admirável na sua ação pelos homens".

       5 – Para nós cristãos, Jesus é a vinha do Senhor, o Reino de Deus entre nós, o Rosto e a presença da Misericórdia do Pai. Desce para nos elevar, faz-Se pecado para nos santificar, morre para nos ressuscitar, humilha-Se para nos exaltar. "Deus de bondade infinita, que, pela humilhação do vosso Filho, levantastes o mundo decaído, dai aos vossos fiéis uma santa alegria, para que, livres da escravidão do pecado, possam chegar à felicidade eterna" (oração de coleta).
       Jesus torna-nos novas criaturas com a Sua paixão redentora. Ele liberta-nos do pecado e da morte, para vivermos ressuscitados. Uma vez ressuscitados, pelo batismo, seguimo-l'O como discípulos missionários. Procuramos identificar-nos cada vez mais com Ele para O transparecermos pela nossa voz e pela vida, atraindo outros.
       São Paulo, na humildade da fé, aponta para Jesus: "Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo... Doravante ninguém me importune, porque eu trago no meu corpo os estigmas de Jesus. Irmãos, a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com o vosso espírito".
       Ao dirigir-se aos Gálatas, Paulo alerta para os perigos da divisão e de lideranças que afastem de Jesus Cristo e do Seu evangelho de verdade e de serviço, reavivando a boa semente neles semeada, lembrando-lhes a necessidade da firmeza da fé e da fidelidade a Jesus. Paulo não se anuncia, mas a Cristo Jesus. Também ele é embaixador de Jesus. E nós? Queremos ser o centro do mundo ou colocamos Deus no centro? Prosseguimos comos discípulos missionários ou preferimos anunciar-nos a nós mesmos?

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (C): Is 66, 10-14c; Sl 65 (66); Gal 6, 14-18; Lc 10, 1-12. 17-20.