Não, não é a Cruz que nos mata.
O que mata Jesus é o nosso pecado, o nosso egoísmo, o nosso desamor.
O que nos mata é a solidão, o colocar-nos como centro ou deixando que os outros nos endeusem. O que nos mata é a preguiça em amar e fazer o bem.
Mata Jesus a prepotência, a corrupção, a idolatria, a intolerância.
Morremos, não quando o coração falha ou o cérebro se desliga, mas quando deixamos de amar, quando deixamos de sentir a vida, o apelo dos outros, quando somos indiferentes ao sofrimento e necessidades dos irmãos.
É na Cruz que Jesus é morto, mas nem a Cruz O impede de nos encontrar. Jesus não dá as costas à Cruz, enfrenta-a, carrega-a, mas não foge. Ressuscitado, traz na Sua carne, na Sua vida, as marcas da crucifixão. Vede as minhas mãos e o meu lado, Sou Eu, não temais. E de forma ainda mais incisiva a Tomé: vê, toca, as minhas chagas, Sou Eu, não é um fantasma ou um espírito.
Poderíamos dizer, em contraponto, que não é a Cruz que nos salva, mas o amor de Jesus. Somos salvos por uma Cruz, mas não por uma cruz qualquer ou a cruz enquanto instrumento de tortura e de matança, mas por Aquele que leva o amor até às últimas consequências, até ao limite, enfrentando a injúria, os escarros e o escárnio, a flagelação e a morte cruenta na Cruz.
O cristão não vive sem a Cruz. Sem a Cruz não existe Igreja, não existem cristãos. Mas, em definito, quem nos salva é Jesus que morreu na Cruz. Quem nos salva é Jesus que volta à vida. Não é a cruz mas a ressurreição que ilumina o nosso caminho para Deus. A cruz é memória e promessa. Recorda-nos o imenso amor de Deus por nós manifestado em Jesus Cristo. É promessa que desemboca na Ressurreição. Aquele que vimos esmagado pelo sofrimento, agredido violentamente, obrigado a carregar o travessão da cruz, exausto pelas vergastadas e pela perda de sangue, voltou à vida. Deus Pai, a Quem Se confiou, não O desapontou, ressuscitou-O. Ele vive e está no meio de nós.
E de volta à vida, com as marcas da Paixão, Jesus carrega a mesma mensagem, enviando-nos: ide e anuncia o Evangelho a toda a criatura, curai os doentes, expulsai os demónios, comunicai a paz e a esperança, testemunhai o amor e a fidelidade de Deus, até ao fim do mundo.
Publicado na Voz de Lamego, n.º 4409, de 25 de abril de 2017