1 – «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência».
Se há verdade que Jesus faz questão em vincar é precisamente que Deus é Pai. Haveria (e ainda há) a imagem de um Deus distante, terrífico, transcendente, distante, impassível, juiz, pronto a castigar-nos e exigir tudo de nós, parecendo que a felicidade de Deus dependeria do nosso sofrimento, sacrífico, numa atitude que nos colocaria num relação de súbditos, de escravos, ou até mesmo de marionetas nas Suas mãos. Quanto maior fosse o nosso esforço e sofrimento maior seria o contentamento de Deus. Ora, Jesus, em definitivo, desfaz este distanciamento. Deus é tão próximo que Se faz um de nós, vem ao nosso encontro, procura-nos em nossa casa, assume a nossa fragilidade. "Para Jesus a verdadeira metáfora de Deus não é o «cedro», que faz pensar em algo grandioso, mas a «mostarda», que sugere o pequeno e insignificante" (J. Pagola).
O Deus que Jesus nos revela é Pai, e um Pai que nos ama de tal maneira que nos dá o Seu filho bem-amado. Ele espera por nós. Acredita em nós. Aposta em nós. Faz festa quando as coisas nos correm bem, quando o nosso caminho nos torna felizes. Quanto maior a nossa felicidade, a nossa alegria, tanto maior o sorriso de Deus. Com efeito, sendo Pai de todos, quer que formemos uma só família, que nos tratemos como irmãos, que vivamos solidariamente no bem. Destarte, se um de nós é feliz mas à volta há alguém a precisar de ajuda, de uma palavra, de um sorriso, de um ombro amigo, ou de bens para viver com dignidade, o meu, o teu, o nosso compromisso com Deus, reconhecendo-nos como filhos, obriga-nos à paixão pelo próximo, a fazer o que está ao nosso alcance para solucionar ou minorar a dor alheia, o sofrimento dos nossos irmãos.
2 – «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência».
No Batismo, e na Transfiguração (Mt 17,1-19), Deus declara a Sua predileção pelo Filho, por Jesus. É extensível a nós. Jesus assume-nos como irmãos. Torna visível a nossa filiação. Meu Pai e Vosso Pai, peço por vós ao Pai. Entrega-nos Maria para nossa Mãe. Entrega-nos a Maria para tomarmos consciência que somos filhos, somos Seus irmãos. Como também dirá, os seus irmãos, as suas irmãs, a sua mãe, os seus familiares, são aqueles e aquelas que escutam a Palavra de Deus (Pai) e procuram fazer a Sua vontade. No Batismo e na Transfiguração é o Pai que dá testemunho do Filho e revela a Sua Paternidade, que logo se “alarga” para nós. O acolhimento desta revelação levar-nos-á à escuta do Filho, levar-nos-á a seguir Jesus.
A certa altura, Jesus encontra-se com João, o Batista, o Precursor. Ouviram falar um do outro, e dos respetivos feitos e mensagem. João vem antes, no tempo. Prepara a chegada do Messias. Batiza na água. É um batismo simbólico que antecipa o verdadeiro batismo, operado pela morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Jesus assume-Se nos gestos simples e banais, é Um entre nós, Um connosco. Não começa por dizer que é Deus ou filho de Deus, começa por viver como nós, submetendo-se às nossas leis humanas, preceitos, tradições. Mesmo religiosamente, Jesus segue os Seus Pais, Maria e José. Vai ao templo nas datas festivas, reza, escuta a palavra de Deus, oferece os respetivos sacrifícios previstos na Lei.
Durante mais de trinta anos Jesus vive discretamente como qualquer simples mortal. Em casa dos pais. Vive. Vai às festas da família e da aldeia, está presente no luto de familiares, amigos e vizinhos. Come. Bebe. Trabalha. Torna-se carpinteiro. Está entranhado na comunidade de Nazaré.
Como qualquer profeta, depois dos trinta anos é tempo de assumir a Sua missão de vida. Chegado esse tempo submete-se ao batismo de João, nas margens do Rio Jordão. João percebe que está a chegar a hora de passar o testemunho e também sabe que Jesus não precisava de ser batizado e, por isso, Lhe diz: «Eu é que preciso de ser batizado por Ti e Tu vens ter comigo?». Logo Jesus contesta dizendo: «Deixa por agora; convém que assim cumpramos toda a justiça». João deixou então que Ele Se aproximasse e batizou-o, como a tantos que vinham ter com ele. Jesus integra a multidão, não está acima ou de fora. Com efeito, ao longo da Sua vida pública é vê-l’O ir à margem, à beira do caminho, às periferias, buscar os que andam perdidos.
3 – «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência».
Esta é a voz que vem do Céu. Com efeito, logo que foi batizado "abriram-se os céus e Jesus viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e pousar sobre Ele" e fez-se ouvir a voz do Pai, como testemunho, como desafio, envolvendo-nos.
O que é que a voz nos diz quando fala na complacência do Pai em relação ao Filho? Isaías já o havia predito há muitos anos atrás:
"Diz o Senhor: «Eis o meu servo, a quem Eu protejo, o meu eleito, enlevo da minha alma. Sobre ele fiz repousar o meu espírito, para que leve a justiça às nações. Não gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: proclamará fielmente a justiça. Não desfalecerá nem desistirá, enquanto não estabelecer a justiça na terra, a doutrina que as ilhas longínquas esperam. Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça; tomei-te pela mão, formei-te e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirares do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas».
Logo depois do Batismo, Jesus vai a Nazaré, entra na Sinagoga, a um sábado, entregam-lhe o rolo que contém este texto de Isaías e assume o seu conteúdo: “Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir” (Lc 4, 16-30). Ele é o Messias de Deus, o Príncipe da Paz. Vem como aragem suave que convida, e não como vendaval que destrói. Sobre Ele repousa o Espírito de Deus para levar a paz, a justiça, a concórdia a todas as nações. Ele é a LUZ verdadeira que ilumina toda a treva.
4 – Somos batizados na água e no Espírito, na morte e ressurreição de Jesus Cristo. É um batismo novo, redentor, sacramental, traz-nos a oferenda de Jesus a nosso favor, introduz-nos na vida de Deus.
O encontro com Deus gera “seguidores”, discípulos, profetas, apóstolos. Jesus é assumido pelo Pai, publicamente, na assembleia reunida no Jordão, e a partir do Batismo torna-se o Profeta, por excelência. Após os batismo, os discípulos tornam-se verdadeiramente apóstolos, anunciadores do Evangelho. São batizados no sangue de Cristo, participam da Sua morte e sobretudo são envolvidos pela Sua Ressurreição. Jesus dá-lhes o Espírito Santo. Morrem para o pecado, são novas criaturas. As suas vidas não mais serão as mesmas. Saem à rua, deixam a segurança das suas casas, o espaço do seu conforto, sem medo, vão ao encontro das pessoas e dos povos, anunciam-lhes a Boa Notícia: Deus é Pai, deu-nos o Seu Filho Jesus, que ofereceu a vida por nós, morreu e ressuscitou, e vive connosco em comunidade crente.
Ouçamos o testemunho destemido de Pedro:
«Na verdade, eu reconheço que Deus não faz aceção de pessoas, mas, em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável. Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos. Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele».
E com a Palavra, imitando o Mestre, levam o conforto, a esperança, a cura.
Como é que se realiza o nosso Batismo? Jesus é batizado e intensifica a Sua missão, dando tudo o que recebeu, tudo o que aprendeu. Os apóstolos são batizados na morte e ressurreição de Jesus e comunicam a vida em abundância que receberam de Jesus. E nós? Somos batizados, tornamo-nos novas criaturas para Deus, o que é que fazemos com o nosso batismo?
Textos para a Eucaristia (ano A): Is 42, 1-4.6-7; Atos 10, 34-38; Mt 3, 13-17.