quinta-feira, 31 de agosto de 2017

VL – Seguir Jesus também em tempo de férias

       Seguir Jesus implica toda a nossa vida, a vida toda, em todos os seus aspetos. Somos cristãos em qualquer situação, não apenas quando nos convém, nos dá mais jeito ou quando temos mais tempo. É dessa forma que ganhamos a vida, perdendo-a, gastando-a, dando-lhe sentido e sabor pelo serviço, pelo cuidado com os outros e com o meio ambiente. É dando que se recebe, é dando que se acolhe a vida como dom alegre. Quem resguarda a sua vida por medo ou para não se incomodar, acabará por morrer sem ter vivido (cf. Mt 16, 25)!
       Para o cristão, a referência é Jesus Cristo. Segui-l'O para O imitar, para gastar a vida como Ele, a favor de todos. Com efeito, lembra-nos São Paulo, fomos batizados em Cristo, sepultados na Sua morte, para com Ele ressuscitarmos. Se morremos com Cristo, vivamos então com Ele uma vida nova. «Cristo morreu para o pecado de uma vez para sempre; mas a sua vida, é uma vida para Deus. Assim, vós também, considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Cristo Jesus» (Rom 6, 10-11).
       Configurados com Cristo, deixemos que Ele nos ilumine, nos guie e viva em nós e através de nós. Morrendo por causa d'Ele, havemos de situar-nos na vida que permanece. É a Sua promessa. Tudo o que fizermos, façamo-lo em nome de Jesus, por amor a Jesus, com o amor de Jesus. E então tudo terá mais sentido, um sentido mais pleno, a vida, os pais, os filhos. Importa tomar a nossa cruz, dia após dia, e segui-l'O, imitando-O. «Se alguém der de beber, nem que seja um copo de água fresca, a um destes pequeninos, por ele ser meu discípulo, em verdade vos digo: Não perderá a sua recompensa» (Mt 10, 42).
       Seguir Jesus não servirá nunca para justificar a indiferença ou o descarte a que botamos as pessoas. Seguir Jesus com a nossa vida inteira faz-nos incluir os pais, os filhos, os amigos, os vizinhos, os colegas de trabalhos, aqueles de quem não gostamos tanto e sobretudo as pessoas mais fragilizadas, pela doença, pela pobreza, pela exclusão social, cultural, económica ou política.
       Em ambiente de férias, o cristão permanece ligado a Jesus com o compromisso de O transparecer em todos os cenários, em todo o tempo, com todas as pessoas. Com efeito, o cristão que vai à Missa é o mesmo que vai ao café ou que vai num passeio de barco! E o facto de quebrar as rotinas, não significa que se esqueça de celebrar a fé!

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4421, de 18 de julho de 2017

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

VL – A tragédia, a fé, o silêncio e a oração

       Um fim-de-semana que fica marcado pela tragédia de Pedrógão Grande. Trovoadas secas originaram um gigantesco caos, com famílias inteiras a arderem carbonizadas dentro de automóveis, outras pelo excesso de inalação de fumo, aldeias isoladas sob a ameaça do fogo. Até este momento (em que o texto foi escrito), 62 mortos e 62 feridos, alguns dos quais em estado grave. Casas e fábricas destruídas, e enorme área florestal que continua a ser consumida pelas chamas.
       Quando se encontra de imediato um culpado e uma justificação torna-se um pouco mais fácil. Não havendo uma explicação plausível, torna-se mais difícil aceitar a dantesca tragédia. Para todos. Também para quem tem fé. Como foi possível? Porquê?
       A figura bíblica de Job mostra que nem todas as perguntas têm respostas e que não há explicações para todas as dúvidas. Job, em diálogo com os amigos, verifica que o mal que lhe sucedeu não pode ser imputado a Deus, mas também não é consequência da sua conduta, pois sempre procurou ser justo e honesto diante de Deus e perante os outros. Pelo que, no final, não se encontrando uma resposta clarificadora, se aponte para o mistério insondável de Deus.
       Bento XVI, em 2006, no campo de extermínio de Auschwitz remetia para o grito do silêncio e da oração: «Num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode permanecer apenas um silêncio aterrorizado um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto? É nesta atitude de silêncio que nos inclinamos profundamente no nosso coração face à numerosa multidão de quantos sofreram e foram condenados à morte; todavia, este silêncio torna-se depois pedido em voz alta de perdão e de reconciliação, um grito ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante».
       Em Auschwitz houve uma intervenção direta e criminosa do ser humano; em Pedrógão Grande, não, ainda que se venha a perceber circunstâncias que acentuaram a tragédia.
       Por outro lado, agora importa ajudar as pessoas, minimizar os danos pessoais, confortar, cuidar, para que a dor e a perda não destruam (por completo) os familiares que sobreviveram. O país e o mundo, mais uma vez, respondeu rapidamente com comoção e com solidariedade, com dinheiro e com bens materiais, aos familiares das vítimas e aos Bombeiros.
       Há um tempo para tudo. Para já, tempo para o silêncio, para a oração, tempo para ajudar!
       Confiemos as vítimas ao Senhor. Rezemos pelos seus familiares e amigos.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4417, de 20 de junho de 2017

Sepulcros caiados: belos por fora...

       Disse Jesus: «Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a podridão. Assim sois vós também: por fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e maldade. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque edificais os sepulcros dos profetas e ornamentais os túmulos dos justos; e dizeis: ‘Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido cúmplices na morte dos profetas’. Assim dais testemunho contra vós mesmos, confessando que sois os filhos daqueles que mataram os profetas (Mt 23, 27-32).
       O confronto de Jesus com os fariseus e doutores da Lei continua. Não é o ataque a uma classe ou grupo, mas a chamada de atenção para as atitudes habituais daqueles que deveriam testemunhar a verdade,  o bem e a justiça, mas que muitas vezes o exigem a outros sem, no entanto, eles próprios cumprirem.
       A imagem é inequívoca: sepulcros caiados. Por fora, diz Jesus, são belos, mas dentro é podridão e morte. Em tempo em que a imagem é (quase) tudo, a expressão de Jesus é um desafio, também para nós, a fim de cuidarmos do nosso interior, da beleza do nosso coração que há-de tornar-se expressivo nas atitudes que nos ligam aos outros, ao mundo que nos rodeia.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

VL – Só Deus é Deus. A intimidade de Jesus com o Pai

       Ao longo da Sua vida e de maneira mais clarividente na Sua Paixão e Morte na Cruz, Jesus mostra a Sua grande ligação ao Pai. É uma intimidade de todas as horas, visível nos momentos mais intensos, mais importantes e mais dramáticos. Se a Sua vida é uma oração constante, Jesus reserva tempos específicos para uma maior proximidade com o Deus: antes da vida pública retira-Se em oração para o deserto; antes de escolher os apóstolos passa a noite em oração; antes do processo da Sua morte, retira-Se para o horto das Oliveiras para orar; na Cruz mantém um diálogo vivo com o Pai: Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?! Pai, nas Tuas mãos entrego o meu espírito.
       É percetível na vida de Jesus o Amor primeiro e único: o Pai. Mas é também dessa forma que Ele tem disponibilidade para as pessoas, sobretudo as mais frágeis, pois não desperdiça nem forças nem tempo com intrigas, com lamentações, com suspeição, com estratégias para Se afirmar ou para assegurar poder ou vantagem sobre os demais.
       Com efeito, a soberania de Deus garante a verdadeira solidariedade entre pessoas. Garante a igualdade, a inclusão, a pessoa como "absoluto", isto é, não reduzível a mim nem descartável. Colocar Deus em primeiro lugar evita a instrumentalização e a idolatria. Se o primeiro lugar for ocupado por alguém ou pelos nossos interesses, há um risco provável de instrumentalizarmos as pessoas: importam-nos enquanto nos são úteis, são descartáveis quando não nos servem. Na mesma perspetiva, o auto endeusamento: queremos e assumimo-nos como centro do universo, tudo há de funcionar para nos servir. No inverso, não tendo Deus como Deus, que está acima e além de toda a possessão, mais tarde ou mais cedo lá colocaremos alguém ou alguma coisa, preenchendo dessa forma o lugar de Deus.
       A prioridade e a precedência de Deus liberta-nos da ansiedade e da perda definitiva, pois Ele nos garante a vida. Aqueles que perdemos, pela vida, Ele os guarda na eternidade. Reconhecermos que não somos deuses, ou que alguém ou alguma coisa o é, faz-nos relativizar as perdas e os insucessos, mas também que o céu não é definitivo na vida histórica, pelo que estamos a caminho. Se acharmos que somos deuses então não poderemos repousar nem equilibrar o nosso cérebro, temos que resolver tudo. Se colocarmos essa esperança em alguém vamos exigir-lhe que resolva tudo o que queremos. Ainda bem que não somos deuses e que só Deus é Deus.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4420, de 11 de julho de 2017

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

VL – Confiar em Deus. Só Deus é Deus.

       Sem confiança não há vida. Ou pelo menos, vida com qualidade! Desde que nascemos que começamos a confiar. Pomo-nos de pé e confiamos que não nos deixam cair. É na base da confiança que crescemos e nos envolvemos com a família, com os amigos, com os professores, com o mundo dos adultos. Também a desconfiança tem a ver com confiança, ainda que seja resultado de algum momento em que fomos defraudados nas nossas expectativas.
       As últimas palavras de Jesus são de confiança total e definitiva: «Pai nas Tuas mãos entrego o Meu espírito». Depois de longas horas de provação, Jesus permanece confiante na bondade de Deus. A provação foi violenta. Traído pelos amigos, abandonado por (quase) todos. Injuriado. Sujeito ao escárnio e aos escarros, à violência gratuita, esbofeteado e chicoteado, esgotado pelas agressões e pelo peso da cruz...
       Não resta mais nada! Pai, se é possível... mas não Se faça a minha, mas a Tua vontade... Cumpra-se a vida e a história e o amor, até ao fim, sem alívio nem desculpas nem justificações.
       Não temais! Vinde a Mim todos os que andais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei! Não temais, Eu venci o mundo! Não temais, pequenino rebanho! Eu estarei convosco até ao fim dos tempos. Ide, Eu vos envio como cordeiros para o meio dos lobos!
       Há tantas situações para as quais não há uma explicação lógica. Há momentos em que apetece desaparecer. Há circunstâncias que nos tiram do sério. Gostávamos que tudo fosse clarividente! Temos de compreender que não somos Deus, mas Manuel, Artur, Maria, Antónia. Não está ao nosso alcance explicar todos os mistérios da existência. Saber que Deus é Deus e confiarmos-Lhe a nossa vida para que à noite possamos deitar e repousar com a certeza que Ele é Deus e que há muita vida e muita história em que não somos nem heróis nem deuses nem demónios, mas simplesmente pessoas, de carne e osso, com sonhos e com limitações, com sentimentos e emoções!
       Precisamos sempre de colo! Da Mãe, dos amigos, da família, de quem nos prometa que vai correr bem, ainda que tenhamos de enfrentar os nossos demónios! Não estaremos sós. Temos Mãe (Papa Francisco em Fátima), temos quem nos acompanhe e nos ajude a erguer, temos um olhar e um sorriso que nos desafia, nos envolve e nos dá força, nos transmite confiança para continuar, apesar de tudo. Jesus lembra-nos que temos Pai e que temos Mãe (D. António Couto em Fátima).
        Ele não nos abandona à nossa sorte.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4419, de 4 de julho de 2017

sábado, 26 de agosto de 2017

Domingo XXI do Tempo Comum - ano A - 27.08.2017

       1 – «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Pergunta que Jesus nos dirige. É uma pergunta direta e que envolve uma resposta mas sobretudo uma opção de vida. Diante de Jesus que Lhe respondemos? E que é que dizemos d'Ele? E como dizê-l'O a Ele na minha, na tua, na nossa vida?
       O ministério de Jesus começa a dar sinais ambíguos quanto ao desfecho final. Há multidões que O seguem, O aplaudem e que estão dispostos a expor-se por causa d'Ele. Por aldeias e cidades, Jesus espalha magia, não a arte de iludir através de truques, as a magia do amor, da proximidade, do sorriso fácil, da compaixão, da ternura, a magia do perdão e da cura, a magia do serviço, da bondade e da misericórdia. N'Ele é visível o amor de Deus como Pai. No Seu olhar, no Seu sorriso, nas palavras meigas, doces, acolhedoras para todos, preferencialmente para os que andam cansados e abatidos como ovelhas sem pastor. A Sua delicadeza há de levá-l'O à morte! As autoridades dos judeus estão atentas e preocupadas. Jesus, como João Batista, coloca-se ao lado dos mais pequenos. Isso implica denúncia de quem se serve dos mais pobres e indefesos, de quem criou leis para se proteger e escravizar os outros. João é ríspido, frontal, as suas palavras são como lâminas bem afiadas, reclamando o castigo. Jesus é dócil, reclama a misericórdia e a compaixão, mas isso é uma afronta ainda mais vincada, porque deixa marcas mais profundas nas pessoas. Tem de ser morto!
       O messianismo de Jesus segue uma dinâmica muito própria: amor, serviço e perdão, proximidade e misericórdia. O messianismo esperado é bem diferente: poder, morte, destruição, substituição de uns pelos outros, revolução pela força. Há momentos em que as pessoas querem fazê-l'O Rei. A ideia é que Jesus substitua as autoridades imperiais, liderando uma força letal. Aos discípulos, Jesus vai prevenindo, o Filho do Homem vai ser entregue às autoridades e vai ser morto.
       2 – «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?» Será que Jesus tem curiosidade acerca da opinião pública? Não temos todos? Alguns vivem em função disso e uma opinião desfavorável tira-lhes o sono; para outros é algo de secundário, ainda que sirva de referencial para corrigir posturas e/ou desvios. Todos, no entanto, gostamos de ser bem vistos! Há quem aja em função do que os outros dizem e pensam, ao ponto de se tornar algo doentio e há quem aja apesar e além do que os outros dizem e pensam.
       Sondagens, opinião pública, estudos de opinião, fazedores de opinião (opinion makers) estão na ordem do dia. Há quem decida não pelas convicções mas em prol do que os outros vão pensar. Há quem pense pela própria cabeça e quem espere para saber qual a opinião dos outros para formular a própria opinião. O ideal talvez se encontre a meio caminho! É importante ter opiniões próprias, convicções, princípios. É importante escutar a opinião dos outros e acolher o bem que vem deles, para crescermos em sabedoria e humildade. Um debate entre dois políticos não tem muito interesse, o que interessa sãos os argumentos e conclusões dos fazedores da opinião pública. Noutro contexto, o desportivo, os comentadores que vestem as cores dos seus clubes. Com cartilhas ou não, nenhum dos comentadores desportivos discorda dos mentores e dirigentes dos seus clubes, alinham pelo mesmo diapasão e acertam com eles a opinião que hão de assumir nas discussões televisivas e/ou radiofónicas ou nos artigos que saem nos jornais.
       «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?» Que responderíamos hoje a Jesus? É o Filho do Homem? O carpinteiro? Um revolucionário? Uma pessoa importante do passado? Alguém um tanto ou quanto exótico? Alguém que marcou uma época? Um personagem da história como tantas outras? Os discípulos foram meigos a responder: «Uns dizem que é João Baptista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas». A amizade e a proximidade fez com que filtrassem a informação. Por vezes precisamos de amigos assim, sobretudo quando a informação é acessória, desnecessária e desonesta.

       3 – «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Como responder ao que Jesus nos pergunta? Com palavras? Com a vida? Hoje somos os Seus discípulos. Então é a nós que Jesus pergunta.
       O que estranhos ou conhecidos dizem a nosso respeito é, ou deveria ser, relativo e, de certa maneira, dispensável. Não nos deveria tirar o sono. Já a opinião dos que estão à nossa volta, familiares, amigos, pessoas com quem trabalhamos é muito importante, pois ajuda-nos a caminhar, a crescer, a corrigir erros, a colmatar insuficiências. É uma informação fiável e chega a nós apenas a que é útil à nossa vida pessoal, familiar, profissional.
       A pergunta de Jesus refere-se, segundo a reflexão tradicional, ao que sabem os discípulos a Seu respeito e que importância tem para eles. Dessa forma, cabe-nos responder: quem é Jesus para mim? Que relevância tem na minha vida, nas minhas decisões? A minha vida é diferente por conhecer, por seguir Jesus? No meu dia-a-dia há alguma diferença por ser cristão?
       Na abordagem de D. António Couto, Bispo de Lamego, o questionamento cola-nos à profissão de fé, isto é, o que é que dizemos acerca de Jesus. Pedro responde em seu e nosso nome: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo». É o credo cristão dito pelos lábios de Pedro. É um dizer novo, diferente, atual, presente. Antes dizia-se, os outros dizem! Agora somos eu e tu, nós, que dizemos Jesus, que O anunciámos, que O vivemos, que O transparecemos nas nossas palavras, na nossa vida? Este DIZER é para agora e não é uma retransmissão, somos nós a implicar-nos com Jesus, é a nossa identidade cristã; é Deus a inspirar-nos. «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus». Antes de dizermos Jesus, Cristo, Filho de Deus, é Deus que nos diz, que nos revela: Este é o Meu filho muito amado, escutai-O. O que dizemos não vem de nós, mas vem através de nós, não vem de fora, mas de dentro, não vem dos lábios, mas do coração, vem de Deus que habita em nós, no nosso coração.
       4 – «Também Eu te digo: Tu és Pedro; sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».
       Deus não Se impõe. Criou-nos livres. Não age desde fora. Conta connosco. O mistério da Encarnação é a certeza que Deus não se mantém à distância, mas também não atua de forma mágica ou automática. Ele conta comigo e contigo, conta connosco. Jesus vem e identifica-Se connosco, com o nosso sofrimento, com o nosso pecado, com as nossas dificuldades, despertando-nos para a nossa origem – Deus – em busca de desenvolver os dons e talentos que nos aproximam e irmanam. Caminha. Vive. Morre. Deus Pai ressuscita-O sancionado o Seu modo de viver e Se dar. A ressurreição permite que Ele permaneça entre nós, de um modo novo, pela ação do Espírito Santo.
       No Evangelho, através de Pedro, Jesus confia-nos a missão de abrirmos as portas do Seu Reino de amor. É um "poder" que implica riscos mas sobretudo responsabilidades de uns pelos outros. Não vale tudo. A Igreja é Povo de Deus ao serviço do Seu Reino, ao serviço do Evangelho. A Igreja, de fundação divina, tem implantação sociológica, está sujeita às coordenadas do espaço e do tempo, pelo que necessita de diretrizes, orientações, regras. Não vale tudo. Se cada um vale, vale tudo, em comunidade não vive cada um por si. Ligar e desligar mais que um poder é uma missão, é um serviço. Assim deve ser entendido, assim deve ser vivido. A Lei maior, alicerce e fundamento, é o Amor, assumido ao jeito de Jesus Cristo. Ele amou a Igreja e deu a vida por ela. O mesmo é dizer, amou-nos ao ponto de gastar a Sua vida connosco, entregando-Se até ao fim.
       Cada um segundo a sua missão, em diferentes tarefas e responsabilidades, mas todos havemos de prestar contas, como se vislumbra também na primeira leitura. «Vou expulsar-te do teu cargo... E nesse mesmo dia chamarei o meu servo Eliacim, filho de Elcias. Hei de revesti-lo com a tua túnica... Porei aos seus ombros a chave da casa de David: há de abrir, sem que ninguém possa fechar; há de fechar, sem que ninguém possa abrir». O chamamento de Deus privilegia o serviço preferencialmente aos mais frágeis.
       Se não conduzirmos os outros a Jesus Cristo, pelo menos não os impeçamos de prosseguirem! Se não abrimos portas e janelas, não criemos muros, saiamos da frente!

       5 – Em Jesus Cristo, Deus revela-Se em plenitude, mas o mistério não deixa de ser mistério, mesmo que sejamos envolvidos por ele. A sabedoria e a ciência de Deus continuam a ser insondáveis, relembra São Paulo, mas com a confiança que caminhando com Jesus Cristo, na fidelidade ao Seu Evangelho, estaremos no encalço do Reino de Deus.


Pe. Manuel Gonçalves




Textos para a Eucaristia (ano A): Is 22, 19-23; Sl 137 (138); Rom 11, 33-36; Mt 16, 13-20.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Amar a Deus e ao próximo como a si mesmo...

       Os fariseus, ouvindo dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus, reuniram-se em grupo, e um doutor da Lei perguntou a Jesus, para O experimentar: «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?». Jesus respondeu: «‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito’. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo, porém, é semelhante a este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas» (Mt 22,34-40).
       A pergunta feita a Jesus, por um doutor da lei, sobre o mais importante dos mandamentos, permite, uma vez mais, ao Mestre dos Mestres, lembrar que não basta saber é essencial que o saber leve ao compromisso concreto com o próximo.
       É uma cilada, mas Jesus não deixa de responder. Segundo a Sagrada Escritura (que corresponde, para nós, ao Antigo Testamento) é inequívoco que o mandamento mais importante é amar a Deus antes e acima de tudo. O doutor da lei tem obrigação de saber. Para qualquer crente, judeu ou cristão, amar a Deus com todas as forças, com todas as capacidades intelectuais, volitivas, espirituais, é o ponto de partida e de chegada, é o princípio e o fim de todas as escolhas. As nossas opções devem procurar estar conformes à vontade de Deus, à Palavra do Senhor. Quando isso acontece, então tudo o mais se tornará fácil e o cumprimento dos restantes mandamentos já se inclui no amor a Deus sobre todas as coisas.
       Porém, se não há dúvidas quanto ao primeiro mandamento, já quanto à importância dos outros havia algumas discussões. Jesus acrescenta, desfazendo dúvidas e confusões, que o segundo mandamento é amar o próximo como a si mesmo. E o próximo é toda a pessoa que encontramos e não apenas os que fazem parte do nosso grupo, da nossa nacionalidade, da nossa religião. Mais, Jesus dirá mesmo que nós é que nos tornamos próximos sempre que nos predispomos a ir ao encontro do outro.
       Vivendo estes dois mandamentos, cumprem-se com todos os outros preceitos existentes na Sagrada Escritura. Como bem disse Santo Agostinho: AMA E FAZ O QUE QUISERES. Amar. Amar. Amar. Única condição para ser verdadeiramente humano. Única forma de encontrar Deus.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Ide vós também para a minha vinha

       Disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: «O reino dos Céus pode comparar-se a um proprietário, que saiu muito cedo a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia e mandou-os para a sua vinha. Saiu a meia manhã, viu outros que estavam na praça ociosos e disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha e dar-vos-ei o que for justo’. E eles foram. Voltou a sair, por volta do meio-dia e pelas três horas da tarde, e fez o mesmo. Saindo ao cair da tarde, encontrou ainda outros que estavam parados e disse-lhes: ‘Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?’. Eles responderam-lhe: ‘Ninguém nos contratou’. Ele disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha’. Ao anoitecer, o dono da vinha disse ao capataz: ‘Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, a começar pelos últimos e a acabar nos primeiros’. Vieram os do entardecer e receberam um denário cada um. Quando vieram os primeiros, julgaram que iam receber mais, mas receberam também um denário cada um. Depois de o terem recebido, começaram a murmurar contra o proprietário, dizendo: ‘Estes últimos trabalharam só uma hora e deste-lhes a mesma paga que a nós, que suportámos o peso do dia e o calor’. Mas o proprietário respondeu a um deles: ‘Amigo, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu? Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?’. Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos» (Mt 20, 1-16a).
        Nesta parábola sobre o Reino de Deus, Jesus diz claramente que Deus nunca desiste de nós, chama-nos a todas as horas, em todos os momentos e circunstâncias da nossa vida. Vem Ele próprio, em Jesus Cristo, pelo Espírito Santo ao nosso encontro, toma a iniciativa. Cabe-nos, a nós responder e acolher (ou não) a Sua proposta, o Seu chamamento.
       Como recompensa dá-Se em plenitude, não dá uma parte de Si. Daí que esta lógica do Evangelho não nos pareça justa. Mas no fundo, numa leitura atenta, verificámos a sua justeza, os últimos também poderemos ser nós. Nesse caso quereríamos que Deus Se nos desse totalmente. Depois, Deus não Se entrega em parte, mas plenamente, Deus não ama aos bocados, conforme a nossa resposta ou a hora da mesma, Deus ama-nos totalmente, mesmo que tenhamos andado transviados. É o mesmo que acontece na parábola do Filho Pródigo (melhor, Parábola do Pai das Misericórdias), em que no seu regresso recebe do Pai tudo o que tem direito como Filho. Ao sair de casa, levou a parte que lhe cabia em herança e renunciou à filiação; ao regressar, o Pai não apenas o perdoa, como lhe restitui a identidade de filho, quando o que merecia - a nossos olhos -, era ficar sem nada, ainda que fosse acolhido para trabalhar... Assim é Deus, entrega-Se totalmente por amor.
       Por outro lado, e sempre que reflectimos nesta parábola, a reflexão do Papa João Paulo II, que nos lembra que Deus nos chama a todas as horas e idades da nossa vida, quando jovens, quando adultos, quando idosos, quando alegres, quando tristes. Não são pessoas diferentes as que Deus chama de manhã ou à tarde, a cada um de nós, Deus chama constantemente...

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Paróquia de Pinheiros | Festa do Emigrante 2017

       A festa mais importante para a comunidade é a da Padroeira, com a romaria anual a Santa Eufémia de Pinheiros. Aproveitando a presença dos nossos emigrantes, esta Festa do Emigrante, este ano a 13 de agosto, permite marcar presença daqueles que em setembro não possam participar na festa anual de Santa Eufémia.
       As fotos dizem respeito à parte mais religiosa, com a celebração da Santa Missa, com a Procissão com o andor de Santa Eufémia, com o momento de oração no cemitério, por todos os que lá estão sepultados, mas neste dia em especial pelos emigrantes falecidos.
       Belíssima música de fundo: Gandara - Dame Tus Ojos.

Paróquia de Távora | Festa de Santa Bárbara 2017

       Ainda que o Padroeiro de Távora seja São João Batista, a festa de verão é em honra de Santa Bárbara, habitualmente no primeiro domingo de agosto, este ano a 6 (solenidade da Transfiguração do Senhor), com a presença dos emigrantes, familiares e amigos.
       Algumas imagens da festa, na sua dimensão mais religiosa, procissão matinal, celebração da Santa Missa no largo de Santa Bárbara, e Procissão com imagens de santos que se veneram na paróquia.
       A belíssima música de fundo: Banda Jota - Pedacinho de Ti. Será um crime não escutar com atenção esta música: melodia, letra, voz, harmonia...

Paróquia de Távora | Festa da Catequese 2017

       O ano catequético 2016-2017 encerrou, como habitualmente na Paróquia de São João Batista de Távora, com a a Festa da Catequese, englobando numa celebração as diferentes festas da catequese, este ano centrando-se na PRIMEIRA COMUNHÃO do Fábio, da Beatriz, da Juliana, da Maria Carolina e da Mafalda e a ENTREGA DA BÍBLIA da Débora, da Iara Filipa, da Lara, do Martim, do Rodrigo, da Sandra Filipa, do Tomás, do André Filipe, da Beatriz Alexandra, da Inês, da Melissa e do Rui Diogo.
       Belíssima celebração, congregando toda a comunidade paroquial.
       Músicas de fundo do videoporama: Mendigo de Deus - Junto à Cruz; Laetare - És a minha fonte.

sábado, 19 de agosto de 2017

Domingo XX do tempo Comum - ano A - 20 de agosto

       1 – A Palavra de Deus deve iluminar a realidade presente e concreta, apontando caminhos, comprometendo os cristãos que a escutam. A reflexão da Palavra não pode e não deve ser abstrata, genérica, mas partir da experiência humana. Hoje, escutando o Evangelho e a forma como Jesus lida com "os outros" que não pertencem ao povo judeu, sugere-me que partamos do momento que já se respira na sociedade portuguesa: a campanha eleitoral com vista às eleições autárquicas.
       Vale a pena repescar as palavras do Papa Francisco: «Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão... os cristãos não podem fazer de Pilatos, lavar as mãos... Devemos implicar-nos na política, porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, visto que procura o bem comum... Os leigos cristãos devem trabalhar na política. Dir-me-ão: não é fácil... A política é demasiado suja, mas é suja porque os cristãos não se implicaram com o espírito evangélico. É fácil atirar culpas... mas eu, que faço? Trabalhar para o bem comum é dever de cristão».
       A política é coisa boa. É o cuidado da polis (= cidade), o serviço aos cidadãos. É um elevado serviço de caridade quando procura o bem comum (não o bem individual, particular, privado, ainda que se exprima no serviço a pessoas concretas), o bem de todos, discutindo ideias, projetos, lançando propostas para melhorar a vida das pessoas.
       Os cristãos (leigos), em todos os cenários – também na vida política e partidária, pois é esse o sistema em vigor na república (res publica = coisa pública) –, devem testemunhar o amor a Deus através do serviço e dedicação ao próximo. Como sublinha o Papa, também à vida política, os cristãos devem emprestar os ideais do Evangelho, devem "acrescentar", promover, congregar, lutar por mais justiça, maior transparência, comprometendo-se com os mais frágeis e desfavorecidos. Os católicos tem de estar na política como na vida, procurando imitar Jesus Cristo, em tudo, com as suas fragilidades e qualidades, mas nunca desistindo de procurar a verdade e o bem comum, a fidelidade aos princípios da vida e da dignidade da pessoa. Respeito, elevação, honestidade, diálogo. Sem renunciar aos seus princípios, debatendo, apresentando propostas, sugerindo projetos, implicando-se com tudo o que possa melhorar a vida de todos.
       Infelizmente, muitas vezes vemos discutir pessoas e não projetos. "Nós fizemos", "Nós prometemos", "Eles não cumpriram", "Nós vamos cumprir"... O nosso grupo tem todas as qualidades... os outros são falsos, mentirosos, maus... O que partir de nós é bom... o que partir dos outros só pode ser mau... E, no final, o que importa é favorecer os que nos ajudaram na eleição, os outros que aguardem mais quatro anos ou então que nos tivessem apoiado!
       2 – Os discípulos de Jesus vivem (ainda) nesta dinâmica: o nosso grupo, os nossos, os que andam connosco. O Messias de Deus é nosso, pertence-nos, temos o exclusivo. Os milagres que fizer hão de beneficiar os nossos, os do nosso povo. As palavras que Ele disser são-nos dirigidas, a não ser que sejam para maldizer os outros, os estrangeiros, os que estão para lá do nosso grupo.
       Como não lembrar o episódio em que os discípulos dizem a Jesus que tinham proibido um homem de fazer milagres e anunciar em Seu nome pelo simples facto de não fazer parte do grupo? (cf. Mc 9, 38). Ou a estranheza quando veem Jesus a falar com a Samaritana? Já era demais estar a falar com aquela mulher em público, mais escandaloso é o facto de ser samaritana, inimiga dos judeus (Cf. Jo 4, 1-41). Ou quando querem deitar fogo do céu contra os samaritanos que não os acolhem, pois iam em sentido contrário? (Lc 9, 51-56).
       A pedagogia de Jesus é sublime. No diálogo com a mulher cananeia, Jesus assume a postura dos discípulos, a sensibilidade dos judeus ciosos do Seu Deus e da sua religião. Contrariamente ao que seria expectável, Jesus mantém-se em silêncio (exterior) diante da investida da mulher estrangeira: «Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim. Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio».
       Os discípulos estranham a posição do Mestre e colocam-se ao lado da mulher. Por certo que os discípulos perceberam que não era normal Jesus não responder favoravelmente, pois essa não é a Sua forma de agir. Talvez sintam compaixão por aquela Mãe em sofrimento. Já não basta o sofrimento, quanto mais a exposição em que se coloca?! É Mãe. Está tudo dito. Tudo fará para reaver o filho, para o reconquistar para a vida. Sujeita-se ao ridículo, a ser olhada de esguelha, sujeita-se a uma humilhação pública. Mas que lhe importa? O importante é a saúde e a vida do filho. Até pode morrer, mas que o filho seja salvo! Contudo, os discípulos parecem incomodar-se sobretudo com a gritaria da mulher e não tanto pelo seu sofrimento!
       3 – Na resposta aos discípulos, Jesus diz-lhes que não foi enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. Tinha sido essa a recomendação que Ele lhes dera quando os enviou dois a dois: «Não sigais pelo caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos. Ide, primeiramente, às ovelhas perdidas da casa de Israel» (Mt 10, 5-6).
       Porém, esta Mãe não desiste e insiste, prostrando-se aos pés de Jesus: «Socorre-me, Senhor». Será que Pedro percebeu que é um pedido semelhante ao seu, quando está a caminhar sobre as águas ao encontro de Jesus, como escutávamos no domingo passado? Parece que Jesus não se comove! O que contraria o que está contido nos Evangelhos: a Sua delicadeza e a docilidade, a proximidade às pessoas mais frágeis, aos pobres, aos doentes, às mulheres, às crianças, aos publicanos e pecadores! Então que se passa com a reação de Jesus? Assume a nossa postura para que nós nos ponhamos do lado de quem sofre e assumamos a Sua postura: pobreza e amor ao serviço dos mais desfavorecidos.
       Convertamos em pergunta a resposta dada por Jesus àquela Mulher: "Será justo tomar o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos?". Entramos na pedagogia de Jesus que nos desafia. A Mulher cananeia ajuda-nos a responder ao questionamento de Jesus: «É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa de seus donos».
       A conclusão de Jesus abre o horizonte da salvação, mostrando que a salvação que nos traz não se destina a um grupo ou a um povo, mas destina-se a todos. A fé é a única exigência para a cura, para a redenção. Fé que se torna humildade diante de Deus e predisposição para acolher o Seu amor, o Seu perdão e a Sua cura. É na fé amadurecida desta mulher que Jesus opera a cura da sua filha.

       4 – Habitualmente contrapõe-se o Antigo e o Novo Testamento, sublinhando que o Deus do Antigo Testamento é sobretudo um Deus omnipotente, juiz, um Deus cioso do Seu poder e dos Seus desígnios, pronto para castigar aqueles que se transviam e alheio aos problemas da humanidade e, a acrescentar, um Deus nacional. No Novo Testamento, a novidade é assumida por Jesus: Deus é Pai, misericordioso e compassivo que Se imiscui na nossa vida, para nos elevar, sendo um Deus "universal".
       Porém, como se pode ver em Isaías, e em outros textos veterotestamentários, a vivência da fé e da religião leva a um compromisso concreto e real, como respeitar o direito e praticar a justiça. Deus escuta o clamor do pobre e revolve-se-Lhe o coração com as injustiças. E também os estrangeiros têm aceitação no Templo de Deus, «casa de oração para todos os povos».
       A condição para chegar ao coração de Deus está na (boa-) fé, na verdade que procura o bem, na humildade de se fazer caminho, na oração e louvor que brotam do coração, na persecução da justiça.
       Com efeito, já em Abraão Deus revelava que n'Ele abençoaria todos os povos da terra (cf. Gn 12, 3). Ele faz chover sobre bons e maus. Os Seus desígnios de amor abarcam a humanidade inteira e a própria eleição do Seu povo visa chegar a todos.

       5 – Como segunda leitura tem-nos sido servida a Carta de São Paulo aos Romanos. No domingo passado, o Apóstolo testemunhava como tudo fez para ganhar os seus compatriotas, os judeus, para Jesus Cristo. Cedo, contudo, percebeu que a mensagem de Jesus não era exclusiva para um povo e que a morte e ressurreição de Jesus não tinha sido particular, mas universal, por todos, para a todos salvar. São Paulo, na verdade, é o Apóstolo por excelência, é o primeiro a compreender a extensão do mistério pascal de Jesus e o primeiro que assumidamente se torna missionário junto dos gentios, também resultado da animosidade que encontra entre os judeus.
       O facto de agora se dirigir aos gentios, conforme confessa, não significa que desistiu dos seus conterrâneos. Se for exímio no ministério evangelizador junto dos pagãos, pode acontecer que provoque ciúmes nos da sua raça e assim atraia alguns para Cristo. Com efeito, Jesus morreu por todos, para a todos reconciliar para Deus. «Efetivamente, Deus encerrou a todos na desobediência, para usar de misericórdia para com todos».

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 56, 1. 6-7; Sl 66 (67); Rom 11, 13-15. 29-32; Mt 15, 21-28.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Por causa da dureza do vosso coração

        Aproximaram-se de Jesus alguns fariseus para O porem à prova e disseram-Lhe: «É permitido ao homem repudiar a sua esposa por qualquer motivo?». Jesus respondeu: «Não lestes que o Criador, no princípio, os fez homem e mulher e disse: ‘Por isso o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa e serão os dois uma só carne?’. Deste modo, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu». Eles objectaram: «Porque ordenou então Moisés que se desse um certificado de divórcio para se repudiar a mulher?». Jesus respondeu-lhes: «Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos permitiu repudiar as vossas mulheres. Mas no princípio não foi assim»(Mt 19, 3-12).
        Um tema recorrente na atualidade, mas presente ao longo da história da humanidade é o da relação entre o homem e a mulher e a vivência na exclusividade. Muitas culturas assumem-se poligâmicas. O judaísmo contemplava a relação poligâmica. Veja-se por exemplo o caso do Rei David, que poderia ter mais que uma mulher. Ainda assim com o dever de protecção/pertença. David, no plano moral, tem uma atitude que se lhe condena, o facto de desejar a mulher do próximo, sabendo que não podia desposar tal mulher por esta já ser mulher de Urias. A solução foi arranjar forma de matar Urias para depois tomar a sua mulher.
       No entanto, o judaísmo vai, pouco a pouco, refletindo sobre a relação monogâmica, como correspondendo ao amor exclusivo de Deus para com o seu Povo. Mas numa e noutra situação, a separação, o repúdio (neste caso do homem em relação à mulher), só em casos muito excepcionais. E ainda assim, ao repudiar a mulher, Moisés exigia que os maridos lhes dessem certificados de divórcio para que a mulher pudesse refazer a vida, sem correr o risco de ser apedrejada.
       Na reflexão do Evangelho, Jesus acentua uma vivência anterior em que prevalecia o amor e a união. A dureza do coração é que levou as pessoas à ruptura. Deus criou-nos para vivermos em família, não apenas a união de um homem e de uma mulher, mas também de toda a humanidade. A nossa fragilidade impede-nos de ver mais longe, e para além das limitações alheias, mas o caminho que nos salva é o caminho do amor, do perdão, da unidade.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele...

       Disse Jesus aos seus discípulos: «Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te escutar, terás ganho o teu irmão. Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. Mas se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja; e se também não der ouvidos à Igreja, considera-o como um pagão ou um publicano. Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu; e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu. Digo-vos ainda: Se dois de vós se unirem na terra para pedirem qualquer coisa, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos Céus. Na verdade, onde estão dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt 18, 15-20).
       A delicadeza e a atenção ao próximo não é uma abstração da vida, mas uma atitude dos seguidores de Jesus Cristo e que há de resultar em encontro e diálogo. O amor, mais que o romantismo repentino das novelas e dos filmes, é um sentimento de fundo, uma postura que nos leva a olhar para os outros como irmãos, como iguais, como merecedores do nosso cuidado. Amar implica serviço. Implica olhar o outro nos olhos. Implica fazer sentir o outro como pessoa importante na minha vida. Implica dar todas as oportunidades possíveis para que o outro se reabilite.
       O amor pressupõe a disponibilidade para o perdão, para aceitar os limites dos outros. Se um irmão te ofender, vai ter com ele. O primeiro passo: ir ter com o irmão. Ainda que sejas o ofendido, vai tu, toma a iniciativa. Não deixes que o teu irmão se perca. Insiste. Se te escutar, ótimo. Se não, pede ajuda a outros irmãos para cooperarem contigo. Pede ajuda à comunidade.
       Vê-se que a ofensa, ainda que pessoal, tem implicações comunitárias, quebra a comunhão com os outros. Quando ofendo alguém ou por alguém me sinto ofendido, toda a comunidade sofrerá, pois todos estamos implicados com todos.
       Por outro lado, ainda na riqueza deste Evangelho, Jesus enquadra a oração também numa dinâmica comunitária. Certamente que Deus nos escuta quando rezamos individualmente. Mas mais força terá a nossa oração quando nos reunimos em comunidade o fazemos em nome de Jesus. Com efeito, a oração já nos liga a todos os filhos de Deus. Se nos unimos a alguém para rezar ao mesmo Pai já estamos a caminho de realizarmos este projeto da família de Deus.

sábado, 12 de agosto de 2017

Domingo XIX do Tempo Comum - ano A - 13.08.2017

       1 – Ainda que caminhemos por entre escombros, não precisamos que nos substituam, mas que nos estendam a mão, caminhem ao nosso lado; precisamos de uma luz, ainda que seja ao fundo do túnel, um objetivo, uma razão para lutar, uma meta a atingir, um sentido que nos mova a prosseguir.
       O grande Papa Paulo VI (falecido a 6 de agosto de 1978), num discurso, contou a história de um filósofo (Bardiaef) que, a passear no famoso claustro de um mosteiro ortodoxo e a contemplar tanta beleza, perdeu a noção das horas. Caiu a noite e, sentindo-se cansado, tentou regressar à sua cela. Mas eram muitas celas e todas iguais. Onde encontrar o interruptor da luz? Não quis acordar nenhum religioso e ficou dando voltas e mais voltas até que a manhã chegou. «Afinal, a porta da sua cela, a porta da verdade, estava ali mesmo à mão. Mas faltou-lhe a luz, a Luz de Cristo».
       A luz ténue de uma vela acesa num estádio de futebol às escuras pode ser a chama suficiente para acender a luz de outras velas. A Luz que vem de Jesus, enraizada no Seu coração e que vem do Pai, é luz mais que suficiente para queimar, incendiar os corações e iluminar a humanidade inteira, como víamos na Festa da Sua Transfiguração. É uma luz que vem de dentro, do coração, que vem do alto, de Deus Pai e que, portanto, não está sujeita a tantas variações, sabendo que as circunstâncias que nos circundam podem favorecer o enfraquecimento da luz que nos guia a partir do interior. Daí que a luz de quem caminha ao nosso lado ajude a manter-nos focados na luz que nos une, irmanando-nos.
       O Evangelho deste domingo mostra que para os discípulos de Jesus as trevas exteriores são enormes e que os medos, as trevas interiores, são ainda demasiado intensas e extensas. Pedro quer acreditar, quer deixar de ter medo, quer avançar imitando Jesus, mas vacila no momento das dificuldades. Quando olha para si mesmo vacila, quando olha para Jesus caminha, apesar das dificuldades.
       2 – No Evangelho do domingo passado (não fosse a festa da Transfiguração), Jesus realiza o milagre da multiplicação e da partilha do pão e do peixe. A multidão é a destinatária do ensino e dos gestos de Jesus. Porém, a atenção para com os discípulos mantém-se: eles são chamados a intervir, a dar de comer à multidão, a arranjarem uma solução concreta e possível, a distribuírem/partilharem o alimento e a recolherem as sobras, para que nada se perca.
       Estando mais perto de Jesus, os discípulos têm o privilégio de O conhecer melhor, de O escutar com mais atenção, de beneficiarem das Suas explicações, mas, como se costuma dizer, quanto mais informação, quanto mais poder, mais a responsabilidade. Jesus compromete os discípulos no anúncio do Evangelho e na prática da caridade.
       Essa proximidade que liga os discípulos a Jesus fortalece-os, e a nós também, para as tempestades da vida, para os desertos, para as invernias, para as trevas. Depois da multiplicação dos pães, Jesus permanece junto da multidão a despedir-se das pessoas. Os discípulos vão indo para a outra margem. Há outro hiato de tempo que é recorrente, Jesus sobe ao monte para orar, para melhor escutar o Pai. Regressa para junto dos discípulos na quarta vigília da noite. Ao vêl'O os discípulos pensam que estão a sonhar, que estão a ver um fantasma ou um espírito maligno. À noite todos os gatos são pardos. Jesus caminha sobre o mar, tranquilamente. Assustaria qualquer um. Por certo não é uma partida de crianças mas a certeza de que não há barreiras para Jesus vir ao nosso encontro, em nosso auxílio. Como então, Jesus estende-nos a mão, mostra-Se, garante-nos que está. Temos que O ver também durante a noite, quando as trevas se adensam.
      3 – Pedro, sempre ele, quer imitar Jesus. E imitar Jesus é coisa boa, é bom sinal. É um desejo que também devemos ter. Mas Pedro lá acaba por se fixar mais nas suas fragilidades e limitações que em Jesus. Mais vale quem Deus ajuda que quem muito madruga. Podemos fazer tudo bem, mas se é apenas por nós, para nós, se nos apoiamos somente nas nossas capacidades, como se fôssemos deuses, tornando-nos o centro, mais tarde ou mais cedo vamos ao fundo. Da mesma forma, não avançamos se for o medo a controlar-nos, o medo de falharmos, o medo de não sermos aceites, o medo de sofrermos com as opções que iremos fazer.
       Vem. Avança. Podes confiar. Pedro vai, com o olhar fito em Jesus. Vai bem, até que olha para baixo e começa a afundar-se. É como as vertigens, quem as tem, só tem que olhar para cima, para a frente, e seguir, pois no momento em que olha para baixo vacila. Se Pedro se tivesse fixado em Jesus e na Sua voz, a violência do vento passaria para segundo plano.
       Pedro dá-nos ainda outra lição importante: a humildade, o reconhecimento das próprias fragilidades, a humildade que se volta para Jesus. «Salva-me, Senhor». Só Tu, Senhor, me livras das minhas quedas, dos meus medos. Só Tu, Senhor, podes ser luz e sentido e meta para eu caminhar seguro! Vem e socorre-me, Senhor, do meu egoísmo, do meu pecado e do meu orgulho, que são peso que me afunda. Liberta-me, concede-me a capacidade de amar, de acreditar, de confiar, de me gastar a favor dos outros, o gosto de servir e cuidar, para me tornar leve, tão leve que seja capaz de caminhar por cima do mar.

       4 – Por vezes Deus não é evidente. "Deus não mora à superfície" (Tomáš Halík). Por vezes o ruído é maior, o vento é mais veloz, a chuva é mais fria, as nuvens são mais densas, o medo é mais profundo, a desilusão é mais entranhada, a noite é mais longa, as trevas são mais escuras, os desertos são mais traiçoeiros. A vida nem sempre é fácil e por vezes Deus não ajuda, parece não ajudar, parece que tudo corre mal. É preciso olhar de novo, escutar mais atentamente, apostar, estender a mão com a certeza que Ele tem a Sua mão estendida, saltar sabendo que vai amparar a nossa queda, qual filho a lançar-se no colo do pai ou da mãe.
       O Profeta Elias vai ao monte de Deus e passa a noite numa gruta, com a promessa que Deus vai passar. E, como prometido, Deus passa. «Diante d’Ele, uma forte rajada de vento fendia as montanhas e quebrava os rochedos; mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento, sentiu-se um terramoto; mas o Senhor não estava no terramoto. Depois do terramoto, acendeu-se um fogo; mas o Senhor não estava no fogo. Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa. Quando a ouviu, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e ficou à entrada da gruta».
       Deus não está na confusão, no ruído, na agitação. Deus não é assim tão invasivo nem tão evidente. Pode passar sem que nos apercebamos!

       5 – Se a luz que há em nós vem de Jesus leva-nos aos outros, para que a minha, a tua, a nossa luz, façam multiplicar a Luz em todo o mundo. Se há luz em nós, ou algo parecido com luz, que não vem de Jesus, se somos nós a nossa luz, é crível que advenha a cizânia, o joio, a rotura.
       O Apóstolo Paulo é uma figura com forte carácter, diríamos, teimoso até dizer basta. Todavia, orienta-o a vontade de viver Jesus, de mostrar Jesus, de transparecer Jesus, de converter para Jesus, de congregar as comunidades à volta de Jesus, à volta da fé, do Evangelho, da graça divina, da Palavra de Deus. É com esse propósito que percorre aldeias e cidades até onde lhe é humanamente possível ir, para anunciar o Evangelho, formar comunidades, deixar discípulos que possam educar na fé e ensinar a viver o Evangelho.
       Começou pelos irmãos judeus e foi até ao fim do mundo, acolhendo o mandato de Jesus. Com efeito, na Carta de apresentação aos Romanos, onde Paulo pensa estabelecer-se, para daí partir para outras terras, mostra os sentimentos que o movem: «Sinto uma grande tristeza e uma dor contínua no meu coração. Quisera eu próprio ser anátema, separado de Cristo para bem dos meus irmãos, que são do mesmo sangue que eu, que são israelitas, a quem pertencem a adopção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas, a quem pertencem os Patriarcas e de quem procede Cristo segundo a carne, Ele que está acima de todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos».
       A perspetiva do Apóstolo é fazer-se tudo para todos, grego com os gregos, judeu com os judeus, escravo com os escravos, para ganhar alguns para Cristo, pois só Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, o Bom Pastor que nos conduz.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (ano A): 1 Reis 19, 9a. 11-13a; Sl 84 (85); 2 Rom 9, 1-5; Mt 14, 22-33.

A fé move montanhas

       Naquele tempo, aproximou-se de Jesus um homem, que se ajoelhou diante d’Ele e Lhe disse: «Senhor, tem compaixão do meu filho, porque é epiléptico e sofre muito; cai frequentemente no fogo e muitas vezes na água. Apresentei-o aos teus discípulos, mas eles não puderam curá-lo». Jesus respondeu: «Oh geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando terei de vos suportar? Trazei-mo aqui». Jesus ameaçou o demónio, que saiu do menino e este ficou curado a partir daquele momento. Então os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-Lhe em particular: «Por que motivo não pudemos nós expulsá-lo?». Jesus respondeu-lhes: «Por causa da vossa pouca fé. Em verdade vos digo: se tiverdes fé comparável a um grão de mostarda, direis a este monte: ‘Muda-te daqui para acolá’, e ele há-de mudar-se. E nada vos será impossível». (Mt 17, 14-20).
       A fé move montanhas. A fé abre-nos as portas da mente, coloca-nos no futuro de Deus. A oração ajuda-nos a amadurecer e a fortalecer a fé. Podemos ter o "poder", mas se não tivermos fé de pouco nos adianta. Oração, mais oração, mais intimidade com Deus, para que a confiança nos leve a agir decididamente a favor do próximo. A oração não resolve magicamente os nossos problemas, mas dilata o nosso coração para resistirmos e procurarmos o que está ao nosso alcance para arranjar soluções, "milagres" que curem o outro, diminuam o seu sofrimento, tornem mais favorável as suas vidas.
       Peçamos ao Senhor que nos ilumine no caminho da fé e nos dê a sabedoria para trabalharmos incansavelmente por uma sociedade mais justa e fraterna.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Dai-lhes vós de comer

       Quando Jesus ouviu dizer que João Baptista tinha sido morto, retirou-Se num barco para um local deserto e afastado. Mas logo que as multidões o souberam, deixando as suas cidades, seguiram-n’O por terra. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de compaixão, curou os seus doentes. Ao cair da tarde, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe: «Este local é deserto e a hora avançada. Manda embora toda esta gente, para que vá às aldeias comprar alimento». Mas Jesus respondeu-lhes: «Não precisam de se ir embora; dai-lhes vós de comer». Disseram-Lhe eles: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes». Disse Jesus: «Trazei-mos cá». Ordenou então à multidão que se sentasse na relva. Tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e recitou a bênção. Depois partiu os pães e deu-os aos discípulos e os discípulos deram-nos à multidão. Todos comeram e ficaram saciados. E, dos pedaços que sobraram, encheram doze cestos (Mt 14, 13-21).
       O milagre da multiplicação dos pães envolve diversas mensagens importantes:
  • Todos somos responsáveis uns pelos outros. "Dai-lhes vós de comer". Não podemos estar sempre á espera dos milagres de Deus, mas como seguidores de Cristo, devemos comprometer-nos com os outros, e também com as suas dificuldades concretas e materiais.
  • O milagre da multiplicação dos pães, é também, ou antes de mais, o milagre da partilha. Como disse João Paulo II, numa das mensagens para a Quaresma, quando se partilha, o pouco dá para muitos. O problema de escassez de bens em famílias, em países ou em regiões do mundo, não é por falta de bens, de riqueza ou de alimentos, mas por uma injusta e distriuição dos mesmos e pela ganânca dos poderosos.
  • A multiplicação dos pães, falando-nos do poder de Deus, e não podemos simplesmente encerrar Deus nos limites da natureza ou nas nossas concepções, achando que todo o milagre pode ser explicado, tirando o poder a Deus de fazer milagres (estes podem ser entendidos como potênciação das leis da natureza), é também a antecipação de outro milagre, o milagre da Eucaristia. Nesta a multiplicação e a abundância é evidente. Todos são convidados, o alimento partilha-se na abundância, chega para todos, sobeja sempre. Na Eucaristia, alimentamo-nos até à vida eterna.

sábado, 5 de agosto de 2017

Transfiguração do Senhor - ano A - 6 de agosto de 2017

       1 – «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Jesus toma conSigo Pedro, Tiago e João e sobe com eles a um alto monte, lugar privilegiado para encontrar-se com Deus.
       Jesus retira-se muitas vezes para a montanha, para lugares ermos, para o deserto. Lugares onde se sente mais a sós com o Pai. Em momentos-chaves, a intimidade de Jesus com o Pai é reforçada, para que a firmeza O conduza à missão de instaurar, anunciar e transparecer o Reino de Deus.
       Os escritores sagrados dos primeiros tempos sublinham o olhar de Jesus, profundo, luminoso, um olhar que cativa e atrai. É uma luz que vem dentro, que vem do coração, que vem do alto, que vem da ligação íntima ao Pai.
       É esta a luminosidade que transparece em Jesus. No contexto específico da Transfiguração, Jesus deixa ver mais claramente a intimidade com Deus Pai. Luz, mais luz, mais luz, que também nos trespassa, que também nos ilumina, enchendo-nos o coração de luz. O coração e a vida. Cabe-nos, como àqueles discípulos, fazer com que a Luz que nos vem de Jesus, ilumine o nosso caminho, nos compromissos quotidianos, sobretudo nas agruras e contrariedades que vamos enfrentando.
       2 – «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
       Quando estamos bem, quando nos sentimos em casa, o tempo passa célere, queremos estar e permanecer, nunca é noite, é sempre dia, há sempre luz que nos faz querer congelar o momento, para que não passe, para que não avance. A experiência diz-nos que há momentos de sol e de chuva, de bonança e de tempestade. Quando chega a bonança, descansamos da ansiedade, do medo, do desgaste, para nos fortalecermos para o que possa vir a seguir.
       O contexto da Transfiguração de Jesus evoca a vida como ela é. Como não poderia deixar de ser. Há uma primeira evidência: Jesus aponta para Deus, aponta para o Pai, para que nos momentos mais sofríveis não nos esqueçamos d'Ele e da Luz que há em nós. Antes, Jesus revelara aos discípulos o que Lhe estava destinado: o Filho do Homem vai ser entregue às autoridades, vai ser julgado e vai ser morto. Esta informação, melhor, esta inevitabilidade, provoca medo, apreensão e incerteza nos Seus discípulos. Jesus logo acrescenta que três dias depois de morto voltará à vida. O estrago já estava feito e os discípulos já não ouvem este novo dado. É como nós, dão-nos uma boa notícia e outra má, a notícia negativa ocupará toda a nossa atenção, facilmente nos esquecemos da notícia positiva.
       É depois deste anúncio que Jesus leva os discípulos mais próximos ao alto da montanha e Se transfigura diante deles, sinalizando a vida em comunhão plena com Deus Pai, apontando para a vida definitiva.

       3 – «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
       Antes do fim há ainda ainda muita vida, muito caminho a percorrer. A eternidade, a ressurreição, inicia no tempo presente, no compromisso histórico com todos os que seguem connosco. Em Jesus, há um reino a germinar, um projeto em andamento, um vida a florir. Antes, Moisés e Elias, que confluem para Jesus. Ele resume, assume e pleniza as promessas feitas por Deus ao povo eleito. Chega agora o tempo de escutar e de seguir outro Mestre, o Pobre de Nazaré: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O».
       Como no Batismo e antes de iniciar a vida pública, Deus declara a Sua afeição pelo Filho, convocando-nos a todos para O escutar e para O seguir. Não há tempo a perder. São horas de partir e de seguir Jesus: «Levantai-vos e não temais». Quando os discípulos olham novamente, veem apenas Jesus, caem novamente na realidade. Jesus desperta-os do assombro, para que desçam ao mundo concreto e deixem a ressurreição dos mortos para Deus, para quando chegar a hora de Se manifestar em plenitude.
       Vale a pena refletir as palavras do Papa Francisco nesta última quarta-feira (2 de agosto de 2017), na Audiência Geral:
«Os cristãos não estão livres da escuridão, externa ou mesmo interna. Eles não vivem fora do mundo, no entanto, pela graça de Cristo recebida no Batismo, são homens e mulheres "orientados": não acreditam na obscuridade, mas na luz do dia; não sucumbem à noite, mas esperam na aurora; não são derrotados pela morte, mas anseiam ressuscitar; não se deixam vencer pelo mal, porque confiam sempre nas possibilidades infinitas do bem. E esta é a nossa esperança cristã. A luz de Jesus, a salvação que Jesus nos traz com sua luz que nos salva da escuridão.»
       O assombro é coisa boa quando nos deixamos tocar pelo Altíssimo e nos comprometemos com a Luz que d'Ele nos chega. Num primeiro momento, o medo, mas logo as palavras de Jesus: não temais, Eu estarei convosco até ao fim dos tempos. Vinde. Levantai-vos. Ide e anunciai o Evangelho a toda a criatura.
       4 – Daniel, na primeira leitura, antecipa a transfiguração do Messias que está para vir. O Ancião que se senta no trono tem roupas brancas como a neve e cabelos como a lã pura. O trono expele chamas de fogo, com rodas em lume vivo. À sua frente, um rio de lume. Tudo arde, tudo é fogo, luz, vida! Então, de entre as nuvens, alguém semelhante ao filho do homem, a quem é "entregue o poder, a honra e a realeza". Todos os povos da terra O hão de servir. O seu poder jamais passará, jamais será destruído.
       Vemos aqui claramente a figura de Jesus, o Filho do Homem a Quem está confiado todo o poder, no céu e na terra, Aquele que atrairá a si a humanidade inteira, pois a favor dela dará a vida até à última gota de sangue, para a todos reconduzir a Deus.

       5 – São Pedro, na segunda leitura, confirma como foi testemunha ocular da majestade de Deus revelada em Jesus. Foi Jesus quem recebeu o poder, a honra e a glória. No monte santo, recorda Pedro, ouviram a voz do Pai acerca de Jesus: «Este é o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha complacência». Dessa forma, continua o Apóstolo, se confirma a palavra dos Profetas, à qual devemos "prestar atenção, como a uma lâmpada que brilha em lugar escuro, até que desponte o dia e nasça em vossos corações a estrela da manhã".
       Se a Luz de Cristo chega a nós, deixemo-nos então transfigurar por Ele, como rezamos na Eucaristia deste dia: «Deus eterno e omnipotente, que na gloriosa transfiguração do vosso Filho Unigénito confirmastes os mistérios da fé com o testemunho da Lei e dos Profetas e de modo admirável anunciastes a adopção filial perfeita, fazei que, escutando a palavra do vosso amado Filho, mereçamos participar na sua glória».
       Escutemos a Palavra de Jesus, o Bem Amado do Pai, levantemo-nos, prossigamos caminho, sem medo porque Ele caminha connosco, a nosso lado, iluminando o nosso coração, preenchendo a nossa vida pelo bem que nos predispomos a fazer, que nos predispomos a transparecer.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (ano A): Dan 7, 9-10. 13-14; Sl 96 (97); 2 Pedro 1, 16-19; Mt 17, 1-9.

João Baptista que ressuscitou dos mortos!

       O tetrarca Herodes ouviu falar da fama de Jesus e disse aos seus familiares: «Esse homem é João Baptista que ressuscitou dos mortos. Por isso é que nele se exercem tais poderes miraculosos». De facto, Herodes tinha mandado prender João e algemá-lo no cárcere, por causa de Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe. Porque João dizia constantemente a Herodes: «Não te é permitido tê-la por mulher». E embora quisesse dar-Lhe a morte, tinha receio da multidão, que o considerava como profeta. Ocorreu entretanto o aniversário de Herodes e a filha de Herodíades dançou diante dos convidados. Agradou de tal maneira a Herodes, que este lhe prometeu com juramento dar-lhe o que ela pedisse. Instigada pela mãe, ela respondeu: «Dá-me agora mesmo num prato a cabeça de João Baptista». O rei ficou consternado, mas por causa do juramento e dos convidados, ordenou que lha dessem e mandou decapitar João no cárcere. A cabeça foi trazida num prato e entregue à jovem, que a levou a sua mãe. Os discípulos de João vieram buscar o seu cadáver e deram-lhe sepultura. Depois foram dar a notícia a Jesus (Mt 14, 1-12).
        A fama de Jesus vai-se espalhando. As autoridades não ficam indiferentes como ninguém pode ficar indiferente à Sua palavra de amor, pela adesão firme ou pela negação decidida. Herodes, com remorsos pelo morte de João Baptista julga que se está na presença de João Baptista ressuscitado.
       No Evangelho de hoje, o testemunho acerca de João Baptista como alguém que não teme nem a morte, procurando somente a verdade. E por outro lado, como Herodes se deixa enredar pelas circunstâncias, pela opinião alheia, pela conveniência momentânea.
       Podemos ser João Baptista, procurando que a nossa vida se aproxime da verdade. Podemos ser Herodes sempre e quando nos deixamos levar pelas conveniências do momento ou pela moda defendida pela maioria.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

O reino dos Céus é um tesouro, uma pérola...

        Disse Jesus à multidão: «O reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo. O homem que o encontrou tornou a escondê-lo e ficou tão contente que foi vender tudo quanto possuía e comprou aquele campo. O reino dos Céus é semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas. Ao encontrar uma de grande valor, foi vender tudo quanto possuía e comprou essa pérola» (Mt 13, 44-46).
       Nas imagens usadas por Jesus para nos falar do Reino dos Céus, mais duas muito significativas, em que se mostra a prioridade do reino sobre todos os bens, sobre todas as realidades. Não há nada mais importante que o reino dos Céus. Quem entra no reino dos Céus está próximo da felicidade, ainda que passe por provações e dificuldades.
       Os discípulos de Jesus devem procurar antes de mais o reino de Deus e a sua justiça, o mais virá por acréscimo. É o melhor tesouro que podemos encontrar, é a razão última para a nossa existência, é a resposta aos nossos porquês, às nossas buscas, às nossas dúvidas. O reino dos Céus justifica todo o compromisso com os outros e com o mundo.