"A teologia é um falar de Deus à luz da fé. O discurso acerca do que Ele é e o que Ele é para nós representa o único tema da teologia. Devemos aproximar-nos do mistério de Deus com temor e humildade" (p 30).
"A teologia afunda sempre as suas raízes na densidade histórica do presente da fé...
Com
efeito, o futuro não chega, constrói-se; fazemo-lo com as nossas mãos e
as nossas esperanças, os nossos fracassos e projetos, a nossa
obstinação e a nossa sensibilidade ao novo (p 72-73)
Onde dormirão os pobres?
(texto publicado em 1996 e inserido no livro "Ao lado dos pobres", pp 135-198)
"A fé é graça. Acolher esse dom é colocar-se atrás das pegadas de Jesus, pondo em prática os seus ensinamentos e continuando a sua proclamação do Reino. No ponto de partida de toda a teologia está o ato de fé. Pensar a fé é algo que surge espontaneamente no crente, na reflexão motivada pela vontade de tornar mais profunda e mais fiel a sua vida de fé. Esta, porém, não é assunto puramente individual: a fé é vivida sempre em comunidade. Ambas as dimensões - a pessoal e a comunitária . marcam quer a vivência da fé quer a inteligência dela.
A tarefa teológica é uma vocação que surge e é exercida no seio da comunidade eclesial. Ela está ao serviço da missão evangelizadora da Igreja. Essa localização e essa finalidade dão-lhe o seu sentido e esboçam os seus alcances. A teologia é falar acerca de Deus animado pela fé. Deus é, na verdade, o primeiro e último tema da linguagem teológica... a abordagem teológica é sempre insuficiente... Evangelizar é anunciar com obras e palavras a salvação de Cristo... libertação do pecado vai ao próprio coração da existência humana, lá onde a liberdade de cada um aceita ou rejeita - em última instância - o amor gratuito e redentor de Deus, nada escapa à ação salvífica de Jesus Cristo. Esta alcança todas as dimensões humanas, pessoais e sociais, e nelas deixa a sua marcas.
As teologias trazem, necessariamente, a marco do tempo e do contexto eclesial em que nascem" (pp 137-139).
"Desde os sues começos, a Teologia da Libertação, que nasceu de uma intensa preocupação pastoral, esteve ligada à vida da Igreja, aos seus documentos, à sua celebração comunitária, à sua inquietude evangelizadora e ao seu compromisso libertador com a sociedade latino-americana, particularmente com os mais pobres dos seus membros. As conferências episcopais latino-americanas [CELAM] dessas décadas (Medellín, Puebla, Santo Domingo), numerosos textos de episcopados nacionais e outros documentos referendam esta asseveração, inclusive quando nos convidam a um discernimento crítico diante de afirmações infundadas e de posições que alguns pretendiam deduzir dessa perspetiva teológica...
A reflexão da Igreja... Parece-me que a sua preocupação fundamental gira em redor da chamada opção preferencial pelo pobre. Ela organiza, aprofunda e, eventualmente, corrige muitos compromissos assumidos nestes anos, bem como as reflexões teológicas a eles vinculados. A opção pelo pobre é radicalmente evangélica, constitui, portanto, um critério importante para operar uma filtragem nos precipitados acontecimentos e nas correntes de pensamento dos nossos dia" (p 141).
"O nosso é o único continente, maioritária e simultaneamente, pobre e cristão... três aceções do termo pobre: a) a pobreza real (chamada frequentemente de pobreza material), como estado escandaloso, não desejado por Deus; b) pobreza espiritual, como infância espiritual, que tem como uma das suas expressões, - não a única - o desprendimento perante os bens deste mundo; c) a pobreza como compromisso: solidariedade com o pobre e protesto contra a pobreza. (p 142)
"Na raiz dessa opção está a gratuidade do amor de Deus. Esse é o fundamento último da preferência.
O próprio termo «preferência» rejeita toda a exclusividade e procura ressalvar os que sevem ser os primeiros - não os únicos - na nossa solidariedade... universalidade do amor de Deus e a sua predileção pelos últimos da história.
... a opção pelo pobre é... uma opção pelo Deus do Reino anunciado por Jesus... esse compromisso baseia-se fundamentalmente na fé do Deus de Jesus Cristo. É uma opção teocêntrica e profética, que ficam as suas raízes na gratuidade do amor de Deus e é requerida por ela....
O pobre deve ser preferido não porque seja necessariamente melhor do que outros, a partir do ponto de vista moral ou religioso, mas porque Deus é Deus. Toda a Bíblia está marcada pelo amor de predileção de Deus pelos fracos e maltratados da história humana" (p 143-144).
"A economia moderna desafia as normas morais admitidas comummente, e não somente nos círculos que podemos chamar de tradicionais. A inveja, o egoísmo, a cobiça converteram-se em motores da economia; a solidariedade, a preocupação com os pobres são vistas, em contrapartida, como travões ao crescimento económico e são, finalmente, contraproducentes para alcançar uma situação de bem-estar de que todos possam, um dia beneficiar" (p 153)
"As nações pobres jazem ao lado das nações ricas, ignoradas por estas; no entanto, é preciso acrescentar que o fosso entre ambas é cada vez maior. O mesmo acontece no interior de cada país. A população mundial coloca-se de modo crescente nos dois extremos do espetro económico e social.
Por outro lado, e de forma surpreendente, no texto lucano (isto é, no Evangelho de São Lucas) o pobre tem um nome: Lázaro; o rico, o poderoso, pelo contrário, não tem. A situação atual é inversa: os pobres são anónimos e parecem fadados a um anonimato ainda maior, pois nascem e morrem sem se fazer notar. Peças descartáveis numa história que se lhes escapa das mãos e os exclui" (p 158).
"... os pobres, insignificantes e excluídos, não são pessoas passivas, à espera de que alguém lhes estenda a mão. Não têm apenas carências; nelas fervilham muitas possibilidades e riquezas humanas. O pobre e o marginalizado da América Latina é, muitas vezes, possuidor de uma cultura com valores próprios e eloquentes, que vem da sua raça, da sua história, da sua língua. Tem energias como as demonstradas pelas organizações de mulheres, em todo o continente, em luta pela vida da sua família e do povo pobre, com uma imaginação e força criadora impressionantes para enfrentar crises.
Para a grande parte dos pobres da América Latina, a fé cristã desempenhou um papel decisivo nessa atitude; foi fonte de inspiração e razão poderosa para se negar a perder a esperança no futuro" (p 164).
"Os pobres viram-se, muitas vezes, manipulados por projetos que se pretendem globais, sem consideração pelas pessoas e pela sua vida quotidina, e que, devido à tensa orientação ao futuro, se esquecem do presente. No entanto, o pensamento pós-moderno não se limita a isso: solapa também todo o sentido da história, e isso repercurte-se sobre o significado a ser conferido a acada exstência humana...
... Numa perspetiva cristã, a história tem o seu centro na vinda do Filho, na Encarnação, sem que isso queira signifciar que a história human avança ineludivelmente seguindo os sulcos traçados e dominados por um férreo pensamento regente. Jesus Cristo, como centro da história, é igualmente Caminho (cf. Jo 14, 5) para o Pai, movimento que dá sentido à existência humana a que todos estamos chamados. Essa vocação confere plena densidade ao presente, ao hoje... (pp 170-171).
"... a razão última do compromisso com os pobres não reside nas suas qualidades morais ou religiosas - posto que elas existem -, mas na bondade de Deus, que deve inspirar a nossa própria conduta" (p 181).
"O diálogo implica interlocutores conscientes da sua própria identidade. A fé cristã e a teologia não podem renunciar às suas fontes e à sua personalidade para entrar em contacto com outros pontos de vista. Ter convicções firmes não é obstáculo ao diálogo; é, antes, uma condição necessária. Acolher não por mérito próprio, mas por graça de Deus, a verdade de Jesus Cristo nas nossas vidas não somente não invalida o nosso trato com pessoas de outras persptetivas, as confere-lhes o seu autêntico sentido. Perante a perar de referências que alguns parecem viver, é importante recordar que a identidade humilde e aberta, é um componente essencial de uma espiritualidade...
...a capacidade de ouvir os outros é tanto maior quanto mais firme for a nossa convicção e mais transparente a nossa identidade cristã" (pp 186-187)
"Devo confessar que estou menos preocupado pelo interesse ou pela sobrevivência da Teologia da Libertação do que pelos sofrimentos e pelas esperanças do povo a que pertenço, e especialmente pela comunciação da experiência e da mensagem de salvação de Jesus Cristo. Esta última é a matéria da nossa caridade e da nossa fé. Uma teologia, por mais relevante que seja o seu papel, não passa de um meio para o aprofundamento nesse amor e nessa fé. Por essa razão, trata-se, efetivamente, de proclamar a esperança ao mundo no momento que vivemos como Igreja" (p 198).