sábado, 31 de outubro de 2015

Solenidade de Todos os Santos - 1.novembro.2015

       1 – A santidade não passa de moda.
       A expressão de Bento XVI dá título a um livro da Editorial Franciscana que recolhe as suas reflexões: "A santidade não passa de moda, por isso, com o decorrer do tempo, resplandece de forma luminosa e manifesta a tensão perene do homem em relação a Deus".
       O Vaticano II relembra a vocação universal à santidade: "Todos os cristãos, de qualquer condição ou estado, são chamados pelo Senhor a procurarem, cada um por seu caminho, a perfeição daquela santidade pela qual o Pai celeste é perfeito" (LG 11).
       O mandato original é de Jesus Cristo: «sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está no céu» (Mt 5, 48). Jesus revela-nos a santidade de Deus, traduzindo-a na Sua vida como oferenda plena a favor da humanidade, com a expressão perfeita na Sua paixão redentora, mas visualizável na Sua conduta, na proximidade com os mais frágeis, doentes, pecadores, publicanos, mulheres de vida complicada, crianças, estrangeiros; sem excluir ninguém mas na opção preferencial pelos mais pobres.
       São João XXIII desafia-nos a traduzir a fé em obras, como o apóstolo São Tiago: "as palavras movem; os exemplos arrastam". O seu Sucessor, Beato Paulo VI, acentua a mesma necessidade: «O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas que os mestres ou então se escuta os mestres, é porque são testemunhas». Belíssima expressão de São João Paulo II: "Onde passam os santos, Deus passa com eles". E também a Beata Teresa de Calcutá: "A santidade não é qualquer coisa de extraordinário, não é um luxo para alguns eleitos. A santidade é para cada um de nós um simples dever".
       No dia 18 de outubro, o Papa Francisco canonizou os Pais de Santa Teresa do Menino Jesus, São Louis Martin (1823-1894) e Santa Zélie Guérin Martin, pondo em evidência que a santidade é para todos e em diferentes situações. Em 2001, João Paulo II tinha beatificado um casal italiano, Luís e Maria Quatrochi, pelo seu amor e serviço à família e à vida.
       2 – A solenidade de Todos os Santos sintoniza-nos com a eternidade de Deus, junto de Quem se encontram multidões de crentes. Na linguagem simbólica do Apocalipse, "cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel". É, com efeito "uma multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas".
       O número mil significa multidão! 144 mil são multidões de pessoas, originárias de todos os povos, línguas e nações. A santidade, como a salvação, não é um privilégio de uma elite, de uma qualquer classe, não é exclusivo de um grupo de puros. Está ao alcance de todos, em toda a parte, em todo o tempo. Só Deus é santo. É esta santidade que recebemos no batismo. A graça de Deus abre-nos as portas da eternidade. A morte de Jesus pleniza a Sua entrega a favor da humanidade; a Sua ressurreição mostra a validade do Seu projeto de amor, no tempo e na abertura à eternidade.
       É o amor de Deus que nos santifica, assumindo-nos como filhos no Filho: «Vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamar filhos de Deus. E somo-lo de facto. Somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos tal como Ele é. Todo aquele que tem n’Ele esta esperança purifica-se a si mesmo, para ser puro, como Ele é puro».
       3 – A multidão dos Anjos e dos Santos que estão diante do Cordeio de Deus são esperança e desafio. A nossa fé compromete-nos com a eternidade. Em Jesus Cristo, Deus vem morar comigo e contigo, faz em nós a Sua morada. Cristo mostra-nos o caminho da vida eterna.
        Não corremos às apalpadelas ou ziguezagues. Ele segue connosco. Fez-Se um de nós, assumindo-nos na inteireza da nossa carne, da nossa fragilidade e da nossa finitude. Quando o Seu tempo cronológico no meio de nós se esgotou, não nos abandonou à nossa sorte, confiou-nos a Palavra, os Sacramentos, assegurou a Sua presença, pelo Espírito Santo. Ficou também nos pobres, nos mais frágeis de entre nós, onde O podemos encontrar.
       O caminho para O encontrarmos, imitando-O, está contido nas Bem-aventuranças:
«Bem-aventurados os pobres em espírito... os humildes... os que choram... os que têm fome e sede de justiça... os misericordiosos... os puros de coração... os que promovem a paz... os que sofrem perseguição por amor da justiça... Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa».
       Diz-nos o Beato Óscar Romero: "A opção da Igreja é este texto de Cristo: as Bem-aventuranças... Que quero mais? Esta é a riqueza do coração daquele que é pobre e humilde e fundamenta a sua felicidade, não nas coisas transitórias, que acabam com a morte e o tempo leva embora, mas naquilo que é consistente, como é a sabedoria de Cristo, a Sua justiça, a Sua santificação, a Sua redenção". Os pobres são bem-aventurados porque põem a sua riqueza n'Aquele que sendo rico Se faz pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9).
       As Bem-aventuranças agrafam-nos ao Caminho de Jesus, estrada aberta para a eternidade. Deus santifica-nos para que transpiremos a santidade na nossa vida e a comuniquemos aos outros.
       4 – As circunstâncias foram mudando, como as pessoas, as estruturas, a modernização de vias de comunicações, a aproximação entre pessoas, entre povos, as descobertas que facilitaram muito a vida. Nunca como antes, as distâncias se encurtaram. Apesar de tantos ganhos científicos e tecnológicos, o anúncio do Evangelho, a vivência das Bem-aventuranças, a promoção dos valores da dignidade humana, da verdade e do bem, a vida humana como um dom de Deus e não como estorvo, são tarefa inadiável para todos os cristãos.
       Não há cristãos descomprometidos com a santidade. Nas primeiras comunidades, os seguidores de Jesus Cristo eram chamados santos ou eleitos. Posteriormente passaram a ser chamados de cristãos. Mas o conteúdo é o mesmo. O cristão é de Cristo, há de transparecer Cristo. Se Ele é santo e respira a santidade do Pai, o cristão há transparecê-l’O santamente.
       Somos mártires do Evangelho, da fé cristã. Talvez não tenhamos necessidade de dar a vida, mas também a damos na medida que praticamos a caridade, o cuidado para com os mais desfavorecidos. «Dar a vida não significa apenas sermos mortos; dar a vida, ter espírito de martírio, é dar no dever, no silêncio, na oração, no cumprimento honesto das obrigações; é dar a vida pouco a pouco, no silêncio da vida quotidiana, como a dá a mãe que, sem medo, com a simplicidade do martírio materno, dá à luz, faz crescer e acode com afeto o seu filho» (Beato Óscar Romero).

       5 – O livro do Apocalipse, diante das dificuldades e das perseguições à Igreja, preconiza a esperança no Deus de Jesus Cristo, que já venceu as trevas. Os que estão diante do trono aclamando a salvação de Deus «são os que vieram da grande tribulação, os que lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro».
       A perseguição à Igreja é uma constante. Os últimos anos têm sido terríveis. Milhares de cristãos são mortos. A mais recente carnificina tem um remetente bem conhecido: o estado islâmico. Ir à Missa, ter uma Bíblia em casa, apresentar-se como cristão é como colocar a cabeça debaixo da guilhotina.
       Mas também nos nossos meios precisamos de ser mártires. Não podemos simplesmente ir com as aragens do tempo e da moda que passa. A militância na vida cultural, política, social deve ser injetada com a alegria e a verdade do Evangelho. Cada lei contrária à vida é um atentado à fé, melhor, é um atentado à humanidade e à civilização do amor. Com facilidade se levantam vozes contra aqueles que defendem a vida. Com sentido de missão temos de testemunhar a vida. Não se trata de perseguir ou atacar pessoas ou organizações, mas de defender os mais frágeis e que, ontem como hoje, continuam a ser sacrificados no altar dos direitos e das liberdades pessoais e lobistas.

       6 – Tudo nos vem de Deus. Quando nos faltar o ânimo, a luz, a coragem, quando nos desviarmos do caminho e nos perdermos, quando o sofrimento nos toldar o olhar e a confiança, saibamos que Deus é Pai. Falemos com Ele: "Deus eterno e omnipotente, que nos concedeis a graça de honrar numa única solenidade os méritos de Todos os Santos, dignai-Vos derramar sobre nós, em atenção a tão numerosos intercessores, a desejada abundância da vossa misericórdia".

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Ap 7, 2-4. 9-14; Sl 23 (24); 1 Jo 3, 1-3; Mt 5, 1-12a.

Quem se humilha será exaltado...

       Disse-lhes Jesus: "Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu; então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar. Por isso, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar; e quando vier aquele que te convidou, dirá: ‘Amigo, sobe mais para cima’; ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado" (Lc 14, 1.7-11).
       Jesus vai a casa de um dos principais fariseus, em dia de Sábado, tomar uma refeição. Como em muitas outras ocasiões aproveita a oportunidade para pôr os fariseus e os discípulos a reflectir sobre a fama e o serviço. A opção de Jesus é o serviço na caridade.
       Alguns escolhem o primeiro lugar. Com a ocasião, Jesus contextualiza mais um ensinamento importante para os crentes, contando uma parábola, que pode muito bem ter acontecido muitas vezes, para nos dizer claramente que só a humildade nos abre verdadeiramente o coração de Deus mas também o coração dos outros.
       Se nos colocarmos numa situação de prepotência e arrogância só afastamos as pessoas. Do mesmo modo em relação a Deus.
      A primeira lição é muito prática: quando se é convidado, não se ocupa o primeiro lugar, mas um dos últimos ou aguarda-se que venha aquele que convidou e indique o lugar. Neste caso não haverá o risco de se se preterido para um lugar secundário.
       Mas a mensagem vai mais longe. Em vez de esperar ser servido, colocar-se ao serviço. Em vez de aguardar a fama, usar de caridade. Não se trata aqui de um propósito de se infligir a humilhação, pela humilhação, com o objetivo que alguém repare e possa exaltar. Neste caso é uma falsa humildade. Trata-se sim de optar pela caridade, como um bem que nos faz bem ao coração e à vida, não esperando aplausos em troca, mas tão somente a alegria de se saber amado por Deus e de saber que se prossegue a vontade do Senhor.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

É lícito ou não curar ao sábado?

       Jesus entrou, num sábado, em casa de um dos principais fariseus, para tomar uma refeição. Todos O observavam. Diante d’Ele encontrava-se um hidrópico. Jesus tomou a palavra e disse aos doutores da lei e aos fariseus: «É lícito ou não curar ao sábado?». Mas eles ficaram calados. Então Jesus tomou o homem pela mão, curou-o e mandou-o embora. Depois disse-lhes: «Se um filho vosso ou um boi cair num poço, qual de vós não irá logo retirá-lo em dia de sábado?». E eles não puderam replicar a estas palavras (Lc 14, 1-6).
       Toda a lei deve partir da caridade e conduzir ao bem da pessoa ou das pessoas. Pode haver leis que, no geral, até sejam justas e defensáveis, mas que no concreto pode prejudicar a pessoa e acentuar injustiças. É óbvio que quando uma lei, civil ou religiosa é "promulgada", o obejctivo é servir o maior número de pessoas. Não quer dizer, contudo, que seja favorável a todas as pessoas.
      No Evangelho de hoje aparece uma lei - o respeito pelo dia do Sábado -, e a interpretação concreta num caso específico, mas do qual se poderão inferir outras situações. Para os fariseus, à primeira vista, no Sábado não se pode fazer nada, nem mesmo curar uma pessoa. Para Jesus, o respeito pelo Sábado não impede ninguém de fazer o bem e de prestar auxílio a quem necessita. Mais, Jesus aponta também as coerências de quem se coloca numa atitude dogmática: e "se um filho vosso ou um boi cair num poço?"

sábado, 24 de outubro de 2015

XXX Domingo do Tempo Comum - ano B - 25.10.2015

       1 – O CAMINHO de Jesus não é estático. Constrói-se em movimento. São Marcos mostra como Jesus avança, progredindo na Mensagem, aprofundando as temáticas, exigindo cada vez mais e de forma mais clarividente. Poderíamos dizer que vai ganhando CONFIANÇA, que Lhe vem de Deus, mas que testa no encontro com as multidões e com os discípulos. As diferentes experiências e encontros dão-lhe uma vitalidade desconcertante.
       O Evangelho de Marcos possibilita a reflexão à volta do segredo messiânico. Jesus realiza prodígios, revela pouco a pouco a Sua identidade, mas pede "segredo" – não digais nada a ninguém. É, segundo os estudiosos, uma criação literária do evangelista para nos envolver na revelação (progressiva) de Jesus como Filho de Deus, o que só acontecerá plenamente na Ressurreição, cuja luz eliminará as dúvidas e as trevas, mas que se desvela em diferentes momentos. Jesus deixa-Se ver, deixa-Se tocar, deixa-Se acolher. Podemos segui-l’O.
       O encontro com Bartimeu é por demais sugestivo. Jesus segue o Seu CAMINHO a caminhar. À beira do caminho está um cego a pedir esmola. Um mal nunca vem só. Não basta ser cego ainda é pobre pedinte. À beira continuam muitos cegos, refugiados, doentes, idosos, pobres. Estão à beira, quase fora, alheados, excluídos. Não estão no caminho, porque se afastaram ou foram impedidos de entrar nele. O texto mostra as diferentes possibilidades.
       A voz do cego faz-se ouvir: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim». Certamente que já tinha ouvido falar de Jesus. O "segredo" da missianidade de Jesus estava a espalhar-se. Pedir segredo a algumas pessoas é a melhor maneira de espalhar o que supostamente seria um segredo bem guardado.
       Veja-se a dualidade da multidão. Por um lado, espalhou o "segredo" sobre Jesus. Por outro, afasta aquele homem, silencia-o. Não todos, mas muitos tentam que aquele homem se cale, como se pudesse incomodar Jesus. “Não nos incomodes com os teus problemas!”
       2 – Adentremo-nos no CAMINHO de Jesus. Onde é que nos situamos? Somos o cego, pobre, pedinte, que reconhece a sua limitação e insuficiência e que suplica a Jesus pela cura? Somos a multidão que divulga os feitos do Messias? Ou, a multidão que afasta os outros de chegarem perto de Jesus? Damos testemunho ou tornamos opaca a presença de Deus na nossa vida?
       Jesus mostra a delicadeza que devemos usar uns com os outros. A multidão, por mais ruído que possa fazer, não abafa a voz de Bartimeu. Jesus está atento a quem se abeira ou a quem está fora ou na margem do caminho. Se é necessário uma paragem ou um desvio, Jesus não hesita. É agora que Ele é necessário. Há quem precise d'Ele neste momento. Tudo o mais se torna relativo.
       Manda chamar Bartimeu. Mais uma parábola para o nosso compromisso cristão. Também a nós Jesus nos diz: «Chamai-o». Ide e anunciai. Espalhai o Evangelho. Fazei discípulos de todas as nações. Ide à procura da ovelha perdida.
       A multidão responde ao desafio de Jesus e anima-o: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te». Por vezes é necessário um pequeno impulso e depois tudo se facilita. É preciso que alguém inverta a tendência negativa, a demissão ou a corrente destrutiva. Jesus dá um passo, a multidão dá o seguinte.
       E logo, "o cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus". A cura já começara no momento em que este cego ouviu falar de Jesus. Quando soube que Jesus estava por perto fez tudo para se encontrar com Ele, o que lhe era possível, contando com a ajuda dos outros. Jesus, que já o atraíra a Si, pergunta-lhe: «Que queres que Eu te faça?».
       Para sermos curados precisamos, primeiramente, de ter consciência que estamos doentes e depois querermos ser curados. E o pedido é óbvio: «Mestre, que eu veja».
       3 – «Vai: a tua fé te salvou». O cego – como bem lê o nosso Bispo, D. António Couto – pede para ver e Jesus envia-o: vai. Estaríamos à espera que Jesus lhe dissesse: vê. Mas para ver precisa de andar, de caminhar, de se colocar em movimento, de sair do seu canto e partir ao encontro de Jesus. Como se costuma dizer, também nós somos cegos quando não queremos ver, quando não caminhamos em direção aos outros, quando nos fechamos, ensoberbecendo-nos.
        A Diocese de Lamego, sob pastoreio de D. António Couto, tem insisto ao longo dos últimos anos, como no presente ano pastoral, na dinâmica missionária da Igreja. Foi o pedido primeiro do Papa Francisco, enxertado no ministério episcopal em Buenos Aires: uma Igreja em saída, que não se enrole sobre si mesma. Quando a Igreja é autorreferencial, atrofia, pois a Sua referência é Jesus, o Bom Pastor que sai à procura da ovelha perdida. Palavras do Cardeal Bergoglio, um pouco antes de ser eleito Papa, prefiro uma Igreja acidentada por sair do que doente, a cheirar a mofo, por se centrar em si mesma.
       Esta passagem ilustra a atitude dos discípulos de Jesus. Antes, víamos os apóstolos a quererem um lugar ao lado de Jesus, sentados. Agora um cego, que está sentado, como sublinha D. António Couto, sentado e a pedir esmola, e que se LEVANTA para encontrar Jesus. A posição do discípulo é seguir Jesus, levantar-se, libertar-se de si e do que lhe pesa. Bartimeu deita fora a capa e corre ao encontro de Jesus. O encontro com Jesus transforma-o. Recuperada a vista, segue Jesus pelo caminho. Seguindo Jesus somos curados da nossa cegueira.

       4 – A salvação mobiliza-nos para a transformação do mundo, a começar pelo nosso mundo, a nossa vida. O mundo inteiro dentro de nós. Aí começa a verdadeira mudança. Aquele homem cego levanta-se, salta, lança fora o que lhe pesa e com alegria fica frente a Jesus. Uma vez curado não volta à vida anterior, não volta a sentar-se nem a recuperar a capa, segue Jesus pelo caminho.
        A mesma interpelação nos chega de Jeremias: «Soltai brados de alegria por causa de Jacob... Fazei ouvir os vossos louvores e proclamai: ‘O Senhor salvou o seu povo’… Vou trazê-los das terras do Norte e reuni-los dos confins do mundo. Entre eles vêm o cego e o coxo, a mulher que vai ser mãe e a que já deu à luz. É uma grande multidão que regressa. Eles partiram com lágrimas nos olhos e Eu vou trazê-los no meio de consolações. Levá-los-ei às águas correntes, por caminho plano em que não tropecem. Porque Eu sou um Pai para Israel».
       Página extraordinária do profeta que nos envolve na salvação de Deus. Se a experimentamos, então não podemos calar o que vimos, ouvimos e vivemos. Cabe-nos anunciar ao mundo inteiro. O desencanto, o desânimo e a desesperança afastam-nos e dissolvem-nos. A salvação faz-nos regressar com alegria para bebermos da água viva que Deus nos dá em abundância.

       5 – Eu sou o Caminho, a Verdade e Vida. O próprio Jesus Se apresenta como o CAMINHO que nos leva a Deus. Só por Ele chegamos ao Pai (cf. Jo 14, 6-7, e também 1, 18). No Evangelho vemos como Jesus Se faz caminho para quem quer ver e quem quer caminhar, para quem quer transformar positivamente a sua vida.
       Ele é o Sumo-sacerdote que ousou entregar a Sua vida por inteiro a favor da humanidade.
       A Epístola aos Hebreus lembra-nos que o Sumo-sacerdote é escolhido de entre iguais, está revestido da mesma fraqueza pelo que pode interceder pelos outros. Oferece sacrifícios pelos próprios pecados e do povo. Assim Jesus. Igual a nós, revestido da nossa fragilidade, ainda que sem pecado, para oferecer já não sacrifícios, mas ser o SACRIFÍCIO a favor de todos. Ele é o Escolhido do Pai: «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei... Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec».
       Jesus é constituído Sumo-sacerdote para, em definitivo e em plenitude, nos colocar à direita do Pai, de onde nos vêm todas as bênçãos. Porquanto, vamos caminhando com Ele, abrindo o Seu caminho para que outros O possam encontrar, acolher e segui-l’O.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Jer 31, 7-9; Sl 125 (126); Hebr 5, 1-6; Mc 10, 46-52.

domingo, 18 de outubro de 2015

Ambientação | entrega de diplomas | Crisma 2015

       Dia Mundial das Missões, na Paróquia de Tabuaço, a entrega de diplomas aos jovens e adultos que celebraram o Crisma no passado dia 4 de julho.
       Para ambientação litúrgica a seguinte introdução:
Neste domingo, 29.º do Tempo Comum, penúltimo de outubro, celebramos o Dia Mundial das Missões. Uma jornada para nos lembrarmos que a Igreja é essencialmente missionária. Por outras palavras, a Igreja, e os cristãos que a compõem, vive para anunciar Jesus Cristo, para O viver e O testemunhar em todas as situações da vida.
A Igreja é um organismo vivo, é o Corpo de Cristo, do qual nós somos membros. E se somos membros…
… para que o Corpo se mantenha vivo, belo e saudável, precisa de ser cuidado pela oração, rejuvenescido pela escuta e meditação da palavra, e curado pelo anúncio do Evangelho, para que outros tenham possibilidade de conhecer e amar Jesus, e assim o Corpo que é Cristo, e que somos nós, possa desenvolver-se frutificando.
Os biólogos definem a vida com três características: capacidade de usar energia, de incorporar matéria e de eliminar desperdícios, mas sobretudo, a capacidade de reprodução. Assim, ou “produzimos” mais cristãos e cristãos mais convictos, ou morremos como Igreja, ficámos uma Igreja doente, raquítica, estagnada!
Lembra-nos o Papa Francisco, na Mensagem para este dia, que “a missão faz parte da «gramática» da fé, é algo de imprescindível para quem se coloca à escuta da voz do Espírito, que sussurra «vem» e «vai». Quem segue Cristo não pode deixar de tornar-se missionário, e sabe que Jesus «caminha com ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com ele, no meio da tarefa missionária».
No passado dia 4 de julho, celebramos o Sacramento do Crisma, com a presença de D. António Couto, Bispo da Diocese de Lamego, à qual pertencemos. O Crisma, dom o Espírito Santo em nós, confirma-nos no amor e no compromisso com Jesus e com a Igreja. A nossa vida missionária começa pela nossa pertença e pelo empenho na comunidade, para que no dia-a-dia, em casa, na família, na escola, possamos transparecer Jesus, na Sua postura de serviço, de proximidade, de ousadia, de sonho, de provocação. Para com Ele construirmos uma sociedade mais humana, mais fraterna, mais saudável.
Que neste domingo em que alguns de nós vão receber o seu diploma de Crisma, o Espírito Santo nos dê a coragem, a garra, a lucidez para acolhermos Jesus, na comunidade e O levarmos connosco para todas a parte.
Como somos frágeis, invoquemos a Misericórdia e a bondade de Deus...
FOTOS disponíveis na página da Paróquia de Tabuaço no Facebook: AQUI.

Paróquia de Tabuaço | Início da Catequese | 2015

       No dia 10 de outubro de 2015, arrancou mais um ano de catequese, como habitualmente no Centro Paroquial, encontro dos diversos anos de catequese, catequistas, jovens, de uma forma mais descontraída, seguindo-se a celebração da Santa Missa, na Igreja Paroquial.
       A Catequese Paroquial continua a ser, na nossa comunidade, uma excelente oportunidade de construir comunidade, aproximando gerações, os filhos e os pais, os avós e outros familiares, as famílias. Os pais têm um papel preponderante, ao inscreverem e ao acompanharem os filhos à catequese e a Eucaristia. E, obviamente, tarefa meritória para as catequistas, de diferentes idades, com com o mesmo propósito, ajudar as crianças e os adolescentes a descobrirem Jesus, a amá-l'O e a vivê-l'O.
        Algumas fotos deste primeiro dia de catequese.
Para as fotos que disponibilizamos, consultar:

Sacramento do Crisma | Entrega dos Diplomas | 2015

       No dia 4 de julho de 2015, 19 jovens e adultos celebraram o Sacramento do Crisma.



       D. António Couto começou por se encontrar, na véspera, com o grupo de crismandos, para os conhecer melhor, aproveitando para os desafiar a serem corajosos, desenvergonhados, ousados no testemunho de Jesus Cristo. Desafio que sublinharia no dia do Crisma.
       Passados três meses, no Dia Mundial das Missões que a todos compromete com o anúncio do Evangelho, anúncio feito de palavras mas sobretudo com a vida toda, testemunhando-O em todas as situações do dia a dia, a entrega dos Diplomas, reforçando o compromisso assumido, sensibilizando para a integração na comunidade, para que esta seja edificada como Casa de Oração e de Misericórdia e possa acompanhar-nos para onde formos, onde estivermos, quem encontrarmos.
       Algumas das imagens deste dia:

Grupo de Jovens na Paróquia de Pinheiros

       No passado dia 20 de setembro, D. António Couto visitou a Paróquia de Santa Eufémia de Pinheiro, para um contacto mais próximo com a nossa comunidade, fazendo-se coincidir a celebração do Crisma e a Primeira Comunhão.


       Para ajudar na animação coral, ao Grupo de Jovens foi solicitada a colaboração. E assim, manhã cedo, os cedo os jovens deslocaram-se a Pinheiros, em mais um momento de alegria, de partilha, de festa, reencontrando o Senhor D. António Couto, que em julho tinha estado na Paróquia de Tabuaço.
       Algumas imagens deste dia:

sábado, 17 de outubro de 2015

XXIX Domingo do Tempo Comum - ano B - 18.10.2015

       1 – «O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos».
       Os domingos transparecem o CAMINHO que Jesus percorre com os discípulos e com a multidão. À volta do Mestre da Vida, há muitas aproximações mas também muitos distanciamentos. Os discípulos vão testemunhando o DIZER e o AGIR de Jesus. Entranhando-nos na missão de Jesus, também nós ficamos ora admirados, ora com dúvidas, ora estranhando as Suas opções. Para Quem é todo-poderoso e vem com o poder de Deus como pode anunciar a fragilidade, a finitude e a morte?!
       Vê-se como os discípulos precisam de tempo, muito tempo, para assimilar a mensagem. Feitos da mesma massa que nós, caminham (como nós) entre avanços e recuos, entre entusiasmos e refreamentos. No aplauso da multidão deixam-se empolgar pelo sucesso que se avizinha. Com as chamadas de atenção de Jesus, que lhes anuncia tempos difíceis, de perseguição e morte, começam a pensar que lugares poderão ocupar na sucessão ao Mestre dos Mestres.
       Quem ocupará o primeiro lugar na "ausência" de Jesus? A resposta começa a ser uma provocação, um desafio e um compromisso para quem quiser seguir Jesus. Quem de entre vós quiser ser o primeiro seja o servo de todos. Os discípulos ouvem a mensagem de Jesus mas logo se esquecem e voltam à carga. E Jesus volta a insistir que o maior será aquele que mais serve!
       2 – O evangelho de hoje é um exercício significativo que interpreta a nossa vida com os seus sonhos e anseios. Numa ou noutra fase da vida podemos rever-nos no pedido de Tiago e de João: «Mestre, nós queremos que nos faças o que Te vamos pedir: concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda».
       A reação dos demais apóstolos não nos permite colocar-nos fora desta cena, pois todos padecemos do mesmo ou, pelo menos, corremos tal risco. Os outros dez indignam-se contra Tiago e João, não pelo que desejam e pedem a Jesus, mas por se terem antecipado. Sabendo que está próximo um desfecho na vida de Jesus, e que trará em definitivo o reino de Deus, todos se chegam à frente, procurando apresentar os respetivos trunfos. Tiago e João interpretam, antecipando-se, o desejo dos outros.
       O reino de Deus no meio de nós inicia-se com a Encarnação. Deus em Jesus faz-Se um de nós e um entre nós. Vem para viver, para amar servindo, para servir amando. Ele "que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz" (Filip 2, 6-11).
       Os discípulos estão expectantes! Para eles, o reino de Deus será um tempo novo, mas não totalmente um reino diferente. Mudarão os protagonistas. Será um reino alternativo, não nas políticas, mas nas caras. Qualquer semelhança com as democracias atuais não é mera coincidência.
       Curiosamente, Tiago e João estão dispostos a fazer sacrifícios se isso significar serem colocados no melhor lugar. «Podeis beber o cálice que Eu vou beber e receber o batismo com que Eu vou ser batizado?». À pergunta de Jesus, a resposta pronta dos dois irmãos: «Podemos».
       Perentoriamente Jesus lhes assenta o estômago: «Bebereis o cálice que Eu vou beber e sereis batizados com o batismo com que Eu vou ser batizado. Mas sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não Me pertence a Mim concedê-lo; é para aqueles a quem está reservado».
       3 – O anúncio da Paixão está permanentemente no agir de Jesus, consciente que a prossecução da Sua missão – na opção pelos mais frágeis, indo ao encontro de todos mas especialmente dos excluídos, dos pobres, dos doentes, dos pecadores públicos, dos publicanos, na abertura aos estrangeiros; na crítica declarada às injustiças sociais, à incoerência de vida, entre o que se exige aos outros e o que se pratica, à frieza do legalismo que coloca a lei antes e acima da pessoa – mais tarde ou mais cedo provocará o desenlace expectável: a prisão e a morte!
       Os apóstolos vão também tomando consciência dessa possibilidade. Quando Pedro repreende Jesus por Ele dizer que vai ser entregue às autoridades e depois ser morto, compreende já o receio dos discípulos, precavendo-O para que tome cuidado e eventualmente altere a trajetória.
       Jesus não fica admirado com o pedido dos seus discípulos, nem com a indignação dos outros em relação a Tiago e João. Sabe de que carne são feitos, sabe o que valemos. Jesus não chama os apóstolos por serem as pessoas mais perfeitas. Como sustenta Augusto Cury, o único que talvez fosse contratado pelo departamento de pessoal de qualquer empresa moderna seria Judas Iscariotes – pela cultura e pela formação académica e pela capacidade de gestão – e no entanto veio a traí-l'O, não acolhendo o perdão de Jesus, como os demais, que se arrependeram de terem voltado as costas a Jesus. Os discípulos são pessoas normalíssimas, com qualidades e defeitos, inconstantes, ingénuos, interesseiros, espontâneos, bondosos, simples, disponíveis, impulsivos ou gananciosos. Há para todos os gostos. E por isso tão parecidos connosco! Podemos rever-nos num ou noutro!
       Não importa (tanto) o ponto de partida, a situação em que nos encontramos, a condição que vivemos no momento atual, a distância da estrada... Importa (sobretudo e acima de tudo) a nossa predisposição para escutar a voz de Deus, o caminho que nos dispomos a percorrer, a disponibilidade para nos deixarmos converter pela graça de Deus e de caminharmos juntamente com o Mestre dos Mestres, Jesus Cristo. Podemos ser os maiores pecadores. Ainda assim, Deus chama-nos, espera por nós, quer a nossa conversão, a nossa felicidade, a nossa salvação.
       Aí está a voz sapiente de Jesus para eles e para nós, com insistência: «Sabeis que os que são considerados como chefes das nações exercem domínio sobre elas e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder. Não deve ser assim entre vós: quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo, e quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos». É o que Ele faz. Assim nós se quisermos ser Seus discípulos. Cabe-nos imitá-l'O.

       4 – Isaías, um dos profetas que mais claramente anuncia e visualiza a vinda do Messias, o Emanuel (cf. Is 7), o Deus connosco, também o caracteriza como o Servo Sofredor. Depois da morte e ressurreição de Jesus, os discípulos facilmente reveem Jesus nas palavras do (segundo) Isaías: «Aprouve ao Senhor esmagar o seu servo pelo sofrimento. Mas, se oferecer a sua vida como sacrifício de expiação, terá uma descendência duradoira, viverá longos dias, e a obra do Senhor prosperará em suas mãos. Terminados os sofrimentos, verá a luz e ficará saciado na sua sabedoria. O justo, meu servo, justificará a muitos e tomará sobre si as suas iniquidades».
       A intuição de Isaías transparece na vida, na missão e na entrega de Jesus, como o Eleito de Deus, o Messias que vem salvar-nos. Ele não Se revolta nem responde à violência com maior violência, mas oferece-Se por inteiro para inteiramente salvar o ser humano. Dá a Sua vida para que tenhamos vida em abundância (cf. Jo 10,10), como o Bom Pastor dá a vida pelas Suas ovelhas, qual Sumo-Sacerdote que nos oferece a Deus oferecendo-Se: «Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado. Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno».
       A Carta aos Hebreus, que escutamos como segunda leitura, convida-nos a permanecer firmes na fé, pois o Sumo-Sacerdote, Jesus Cristo, penetrou nos Céus e intercede continuamente por nós; d’Ele nos vem a graça e a salvação; é Ele que nos alcança de Deus a misericórdia.

Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia (B): Is 53, 10-11; Sl 32 (33); Hebr 4, 14-16; Mc 10, 35-45.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Homilia de João Paulo II sobre Santa Teresa d'Ávila


MISSA NO IV CENTENÁRIO DA MORTE DE SANTA TERESA DE JESUS
HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Solenidade de Todos os Santos 
Ávila, 1 de Novembro de 1982

Veneráveis Irmãos no Episcopado
Queridos irmãos e irmãs!

1. "Assim implorei, e a inteligência foi-lhe dada; eu supliquei e o espírito de sabedoria veio a mim... Amei-a mais do que a saúde e a beleza... Com ela vieram a mim todos os bens, e nas suas mãos inumeráveis riquezas. Regozijei-lhe, porque a Sabedoria é o seu guia" (Sab 7, 7.10-12).
       Vim hoje a Ávila para adorar a Sabedoria de Deus, ao término deste IV Centenário da morte de Santa Teresa de Jesus, que foi filha singularmente amada da Sabedoria divina. Quero adorar a Sabedoria de Deus, juntamente com o Pastor desta diocese, com todos os Bispos da Espanha, com as Autoridades de Ávila e de Alba de Tormes presididas por Suas Majestades e Membros do Governo, com tantos filhos e filhas da Santa e com todo o Povo de Deus aqui reunido, nesta festividade de Todos os Santos.

Teresa de Jesus é riacho que leva à fonte, é resplendor que conduz à luz. E a sua luz é Cristo, o "Mestre da Sabedoria" (cf. Caminho de Perfeição, 21. 4), o "Livro vivo" em que ela aprendeu as verdades (cf. Vida, 26, 5); é essa "luz do céu", o Espírito da Sabedoria, que ela invocava para que falasse no seu nome e guiasse a sua pena (cf. Castelo Interior, IV, 1, 1; V, 1, 1 e 4, 11). Vamos unir a nossa voz ao seu canto eterno das misericórdias divinas (cf. Sl 88, 2; cf. Vida 14, 10-12); para dar graças a esse Deus que é "a mesma Sabedoria" (Caminho de Perfeição, 22, 6).

2. E alegra-me poder fazê-lo nesta Ávila de Santa Teresa que a viu nascer e conserva as recordações mais íntimas desta virgem de Castela. Uma cidade célebre pelas suas muralhas e torres, pelas suas igrejas e mosteiros que, com o seu conjunto arquitectónico, evoca na sua conformação esse castelo interior e luminoso que é a alma do justo, em cujo centro Deus tem a sua morada (cf. Castelo Interior, I, 1, 1.3). Uma imagem da cidade de Deus com as suas portas e muralhas, iluminada pela luz do Cordeiro (cf. Apoc 21, 11-14.23).
       Tudo nesta cidade conserva a recordação da sua filha predileta. "A Santa", lugar do seu nascimento e casa de nobre linhagem; a paróquia onde foi baptizada; a Catedral, com a imagem da Virgem da Caridade que recebeu a sua precoce consagração (cf. Vida, 1.7); a Encarnação, que acolheu a sua vocação religiosa e onde atingiu o ápice da sua experiência mística; São José, primeiro pombal teresiano, de onde saiu Teresa, como "andarilha de Deus", a fundar por toda a Espanha.
       Aqui também eu desejo estreitar ainda mais os meus vínculos de devoção para com os Santos do Carmelo nascidos nestas terras, Teresa de Jesus e João da Cruz. Neles não só admiro e venero os mestres espirituais da minha vida interior, mas também dois luminosos faróis da Igreja na Espanha, que iluminaram com a sua doutrina espiritual os caminhos da minha pátria, a Polónia, desde que no princípio do século XVII chegaram a Cracóvia os primeiros filhos do Carmelo Teresiano.
       A circunstância providencial do encerramento do IV Centenário da morte de Santa Teresa permitiu-me realizar esta viagem, há muito por mim desejada.

3. Quero repetir nesta ocasião as palavras que escrevi no principio deste Ano Centenário: ''Santa Teresa de Jesus está viva, a sua voz ressoa ainda hoje na Igreja" (Carta "Virtutis exemplum et magistra": AAS 73, 1981, p. 699). As celebrações do ano jubilar, aqui na Espanha e no mundo inteiro, confirmaram as minhas previsões.
       Teresa de Jesus, primeira Doutora da Igreja Universal, fez-se palavra viva a respeito de Deus, convidou à amizade com Cristo, abriu novas sendas de fidelidade e serviço à Santa Mãe Igreja. Sei que ela chegou ao coração dos bispos e sacerdotes, para neles renovar desejos de sabedoria e de santidade, para ser "luz da sua Igreja" (cf. Castelo Interior, V, 1.7). Exortou os religiosos e as religiosas a "seguirem os conselhos evangélicos com toda a perfeição" (cf. Caminho, 1, 2) para serem "servos do amor" (Vida, 11, 1). Iluminou a experiência dos leigos cristãos com a sua doutrina acerca da oração e da caridade, caminho universal de santidade, porque a oração, como a vida cristã, não consiste "em pensar muito mas em amar muito" e "todos são naturalmente capazes de amar" (cf. Castelo Interior, IV, 1, 7 e Fundações, 5, 2).
       A sua voz ressoou para além da Igreja católica; suscitando simpatia a nível ecuménico, e traçando pontes de diálogo com os tesouros de espiritualidade de outras culturas religiosas. Alegra-me sobretudo saber que a palavra de Santa Teresa foi acolhida com entusiasmo pelos jovens. Eles apoderam-se dessa sugestiva palavra de ordem teresiana, que eu quero oferecer como mensagem à juventude da Espanha: "Neste tempo são necessários destemidos amigos de Deus" (Vida, 15, 5).
        Por tudo isto quero expressar a minha gratidão ao Episcopado Espanhol que promoveu este acontecimento eclesial de renovação. Agradeço também o esforço da Comissão Nacional do Centenário e o das delegações diocesanas. A todos os que colaboraram na realização dos objectivos do Centenário, a gratidão do Papa que é o agradecimento em nome da Igreja.

4. As palavras do salmo responsorial recordam a grande empresa de Santa Teresa ao realizar as fundações: "Felizes os que habitam na vossa casa. Senhor, aí eles vos louvam para sempre.:. Um dia nos vossos átrios vale mais que milhares fora dele... O Senhor dá-nos a graça e a glória. Ele não recusa os seus bens... Feliz o homem que em Vós confia" (Sl 83. 5.11-13).
       Aqui em Ávila realizou-se, com a fundação do mosteiro de São José, e que foi seguido por outras fundações suas, um desígnio de Deus para a vida da Igreja. Teresa de Jesus foi o instrumento providencial, a depositária de um novo carisma de vida contemplativa que tantos frutos havia de dar.
       Cada mosteiro de Carmelitas Descalças tem de ser "pequeno recanto de Deus", "morada" da sua glória e "paraíso do seu deleite" (cf. Vida, 32, 11; 35, 12). Há-de ser um oásis de vida contemplativa, "um pequeno pombal da Virgem Nossa Senhora" (cf. Fundações, 4, 5). Onde se viva em plenitude o mistério da Igreja que é Esposa de Cristo; com esse tom de austeridade e de alegria característico da herança teresiana. E onde o serviço apostólico em favor do Corpo Místico, segundo os desejos e a recomendação da Mãe Fundadora, pode sempre expressar-se numa experiência de imolação e de unidade: "Todas juntas se oferecem em sacrifício por Deus" (Vida, 39, 19). Em fidelidade às exigências da vida contemplativa que recordei recentemente na Carta às Carmelitas Descalças (cf. Carta de 31 de Maio de 1982), serão sempre a honra da Esposa de Cristo, na Igreja Universal e nas igrejas particulares, onde estão presentes como santuários de oração.
        E o mesmo vale para os filhos de Santa Teresa, os Carmelitas Descalços, herdeiros do seu espírito contemplativo e apostólico, depositários dos anseios missionários da Mãe Fundadora. Oxalá as celebrações do Centenário os infundam também nos vossos propósitos de fidelidade no caminho da oração e de fecundo apostolado na Igreja! Para se manter sempre viva a mensagem de Santa Teresa de Jesus e de São João da Cruz.

5. As palavras de São Paulo, que escutámos na segunda leitura desta Eucaristia, levam-nos até a essa profunda nascente da oração cristã, de onde promana a experiência de Deus e a mensagem eclesial de Santa Teresa. Recebemos "o espírito de adopção pelo qual clamamos: Aba, Pai!... E, se filhos, também herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo, isto, porém, se padecermos com Ele, para que também com Ele sejamos glorificados" (Rom 8, 15.17).
       A doutrina de Teresa de Jesus está em perfeita sintonia com essa teologia da oração apresentada por São Paulo, o apóstolo com o qual ela se identificava tão profundamente. Seguindo o Mestre da oração, em plena consonância com os Padres da Igreja, quis ela ensinar os segredos da Oração comentando a prece do Pai Nosso.
      Na primeira palavra, Pai, a Santa descobre a plenitude que nos confia Jesus Cristo, mestre e modelo da oração (cf. Caminho, 26, 10; 27, 1, 2). Na oração filial do cristão encontra-se a possibilidade de estabelecer um diálogo com a Trindade que habita na alma de quem vive em graça, como tantas vezes experimentou a Santa (cf. Jo 14, 23; e Castelo Interior, VII, 1, 6): "Entre tal Filho e tal Pai — escreve — necessariamente há-de estar o Espírito Santo que enamore a vossa vontade, e juntos nutrem-na de grandíssimo amor..." (Caminho 27, 7). Esta é a dignidade filial dos cristãos: poderem invocar a Deus como Pai, deixarem-se guiar pelo Espírito, para serem em plenitude filhos de Deus.

6. Por meio da oração, Teresa buscou e encontrou Cristo. Buscou-O nas palavras do Evangelho que já desde a sua juventude "atuavam fortemente no seu coração" (Vida, 3, 5); encontrou-O "trazendo-O presente dentro de si" (cf. Vida, 4, 7); aprendeu a admirá-1'O com amor nas imagens do Senhor, das quais era tão devota (cf. Vida, 7, 2; 22, 4); com esta Bíblia dos pobresas imagense esta Bíblia do coraçãoa meditação da palavra pôde reviver interiormente as cenas do Evangelho e aproximar-se do Senhor com imensa confiança.
       Quantas vezes meditou Santa Teresa aquelas cenas do Evangelho que narram as palavras de Jesus às mulheres! Que alegre liberdade interior lhe proporcionou, em tempos de acentuado antifeminismo, esta atitude condescendente do mestre com a Madalena, com Marta e Maria de Betânia, com a Cananeia e a Samaritana, figuras essas femininas tantas vezes recordadas pela Santa nos seus escritos! Não há dúvida que Teresa pôde defender a dignidade da mulher e as suas possibilidades de um apropriado serviço na Igreja, a partir desta perspectiva evangélica: "Não Vos aborrecíeis. Senhor da minha alma, com as mulheres, quando andáveis pelo mundo, antes procuráveis favorecê-las sempre com muita piedade..." (Caminho, Autógrafo de El Escorial, 3, 7).
       A cena de Jesus com a Samaritana junto do poço de Sicar, que recordámos no Evangelho, é significativa. O Senhor promete à Samaritana a água viva: "Quem bebe desta água voltará a ter sede; mas quem beber da água que Eu lhe der jamais terá sede, porque a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente de água a jorrar para a vida eterna" (Jo 4, 13-14).
       Entre as mulheres santas da história da Igreja, Teresa de Jesus é sem dúvida a que respondeu a Cristo com o maior fervor do coração: Dá-me desta água! Ela mesma no-lo confirma quando recorda os seus primeiros encontros com o Cristo do Evangelho: "Oh, quantas vezes me recordo da água viva de que falou o Senhor à Samaritana! E assim sou muito afeiçoada àquele Evangelho" (Vida, 30, 19). Teresa de Jesus, como uma nova Samaritana, convida agora todos a aproximarem-se de Cristo, que é manancial de águas vivas.
       Cristo Jesus, o Redentor do homem, foi o modelo de Teresa. N'Ele encontrou a Santa a majestade da sua divindade e a condescendência da sua humanidade: "Grande coisa é tê-1'O humano, enquanto vivemos e somos humanos" (Vida, 22, 9); via que, embora fosse Deus, embora fosse Homem, não se admirava das fraquezas dos homens. Que horizontes de familiaridade com Deus nos descobre Teresa na Humanidade de Cristo! Com que precisão afirma a fé da Igreja em Cristo, que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem! Como o experimenta tão perto, "companheiro nosso no Santíssimo Sacramento!" (cf. ib. 22, 6).
       Partindo do mistério da Humanidade Sacratíssima que é porta, caminho e luz, chegou ao mistério da Santíssima Trindade (cf. ib. VII, 1, 6) fonte e meta da vida do homem, "espelho em que a nossa imagem está gravada" (ib. 2, 8). E a partir da altura do mistério de Deus compreendeu o valor do homem, a sua dignidade, a sua vocação de infinito.

7. Aproximar-se do mistério de Deus, de Jesus, "ter Jesus Cristo presente" (Vida, 4, 8) constitui toda a sua oração. Esta consiste num encontro pessoal com Aquele que é o único caminho para nos conduzir ao Pai (cf. Castelo Interior, VI, 7, 6). Teresa reagiu contra os livros que propunham a contemplação como um vago engolfar-se na divindade (cf. Vida, 22, 1) ou como um "não pensar em nada" (cf. Castelo Interior, IV, 3, -6) vendo nisso um perigo de se fechar sobre si mesmo, de se afastar de Jesus de quem nos "vêm todos os bens" (cf. Vida, 22. 4). Daqui o seu brado: "afastar-se de Cristo... tal não posso sofrer" (Vida, 22, 1). Este brado vale também nos nossos dias contra algumas técnicas de oração que não se inspiram no Evangelho e que tacticamente tendem a prescindir de Cristo em favor de um vazio mental, que dentro do cristianismo não tem sentido. Toda a técnica de oração é válida enquanto se inspira em Cristo e conduz a Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida (cf. Jo 14,6).
       Bem é verdade que o Cristo da oração teresiana vai mais além de toda a Imaginação corpórea e de toda a representação figurativa (cf. Vida, 9, 6); é Cristo ressuscitado, vivo e presente, que ultrapassa os limites de espaço e lugar, sendo ao mesmo tempo Deus e homem (cf. Vida, 27, 7-8). Mas contemporaneamente é Jesus Cristo, Filho da Virgem que nos acompanha e nos ajuda (cf. Vida, 27, 4).
       Cristo cruza o caminho da oração teresiana de extremo a extremo, desde os primeiros passos até ao ápice da comunhão perfeita com Deus. Cristo é a porta pela qual a alma tem acesso ao estado místico (cf. Vida, 10, 1). Cristo introdu-la no mistério trinitário (cf. Vida, 27, 2-9). A sua presença no desenvolvimento deste "trato amistoso", que é a oração, é obrigatória e necessária: Ele é que o actua e gera. E Ela é também objecto do mesmo. É o "livro vivo". Palavra do Pai (cf. Vida, 26, 5). O homem aprende a permanecer em profundo silêncio, quando Cristo o ensina interiormente "sem ruído de palavras" (cf. Caminho, 25, 2); esvazia-se dentro de si "contemplando o Crucificado" (cf. Castelo Interior, VII, 4, 9). A contemplação teresiana não é busca de escondidas virtualidades subjectivas por meio de depuradas técnicas de purificação interior. mas abrir-se em humildade a Cristo e ao seu Corpo místico que é a Igreja.

8. No meu ministério pastoral afirmei com insistência os valores religiosos do homem, com quem Cristo mesmo se identificou (cf. Gaudium et spes, 22); esse homem que é o caminho da Igreja, e pelo qual tanto determina a sua solicitude e o seu amor, para que todo o homem alcance a plenitude da sua vocação (cf. Redemptor hominis, 13, 14, 18).
       Santa Teresa de Jesus tem um ensinamento muito explícito sobre o imenso valor do homem: ó, meu Jesus — exclama numa formosa oração — quão grande é o amor que tendes pelos filhos dos homens, pois o melhor serviço que se lhes pode fazer é deixá-los a Vós por amor e proveito deles, e então sois possuído mais inteiramente... Quem não amar o próximo, não Vos ama. Senhor meu; pois com tanto sangue vemos demonstrado o amor tão grande que tendes pelos filhos de Adão!" (Exclamação, 2, 2). Amor de Deus e amor do próximo, unidos indissoluvelmente, são a raiz sobrenatural da caridade que é o amor de Deus e com a manifestação concreta do amor do próximo, como "o mais certo sinal" de que amamos a Deus (cf. Castelo Interior, V, 3, 8).

9. A ideia fundamental da vida de Teresa, como projecção do seu amor por Cristo e do seu desejo da salvação dos homens, foi a Igreja. Teresa de Jesus "sentiu a Igreja", viveu "a paixão pela Igreja" como membro do Corpo Místico.
       Os tristes acontecimentos da Igreja do seu tempo, foram como feridas progressivas que suscitaram ondas de fidelidade e de serviço. Sentiu profundamente a divisão dos cristãos como um dilaceramento do seu próprio coração. Respondeu eficazmente com um movimento de renovação para manter resplandecente o rosto da Igreja santa. Foram-se alargando os horizontes do seu amor e da sua oração à medida que tomava consciência da expansão missionária da Igreja Católica, com o olhar e o coração fixos em Roma, o centro da Catolicidade, com um afecto filial para com "o Padre Santo", como ela chama o Papa, que a levou inclusivamente a manter uma correspondência epistolar com o meu predecessor o Papa Pio V. Emociona-nos ler esta confissão de fé com a qual rubrica o livro das Moradas:"Em tudo submeto-me ao que a Santa Igreja Católica Romana determina, pois nisto vivo, confesso e prometo viver e morrer" (Castelo Interior, Epílogo, 4).
       Em Ávila estimulou-se aquela incandescência de amor eclesial que iluminava e afervorava teólogos e missionários. Aqui teve início aquele serviço original de Teresa na Igreja do seu tempo; num momento tenso de reformas e contra-reformas optou pelo caminho radical do seguimento de Cristo, pela edificação da Igreja com pedras vivas de santidade; levantou a bandeira dos ideais cristãos para animar os chefes da Igreja. E era Alba de Tormes, ao término de uma intensa jornada de caminhos de fundações, Teresa de Jesus, a cristã verdadeira e a esposa que desejava logo encontrar-se com o Esposo, exclama: "Obrigado... meu Deus..., porque me fizeste filha da tua santa Igreja Católica" (Declaração de Maria de São Francisco: Biblioteca Mística Carmelitana, 19, pp. 62-63). Sou filha da Igreja! Eis aqui o título de honra e de compromisso que a Santa nos legou para amarmos a Igreja, para a servirmos com generosidade!

10. Queridos irmãos e irmãs, recordámos a figura luminosa e sempre actual de Teresa de Jesus, a filha singularmente amada da divina Sabedoria, a andarilha de Deus, a Reformadora do Carmelo, glória da Espanha e luz da Santa Igreja, honra das mulheres cristãs, presença ilustre na cultura universal.
       Ela quer continuar caminhando com a Igreja até ao fim dos tempos. Ela, que no leito de morte dizia: "É hora de caminhar". A sua corajosa figura de mulher em caminho, sugere-nos a imagem da Igreja, Esposa de Cristo, que caminha no tempo já nos alvores do terceiro milénio da sua história.
       Teresa de Jesus que conheceu as dificuldades dos caminhos, convida-nos a caminhar levando Deus no coração. Para orientar o nosso roteiro e fortalecer a nossa esperança lança-nos ela esta palavra de ordem, que foi o segredo da sua vida e da sua missão: "Coloquemos os olhos em Cristo nosso bem!" (cf. Castelo Interior, I, 2, 11), para Lhe abrir de par em par as portas do coração de todos os homens. E assim, o Cristo luminoso de Teresa de Jesus será na sua Igreja, "Redentor do homem, centro do cosmos e da história".
       Os olhos em Cristo! (cf. Caminho, 2, 1; Castelo Interior, VII, 4, 8; Heb 12, 2). Para que no caminho da Igreja, como nos caminhos de Teresa que partiram desta cidade de Ávila, Cristo seja "Caminho, Verdade e Vida" (cf. Jo 14, 5 e Castelo Interior, VI, 7, 6).

Assim seja.

Maria Victoria Molins - Teresa mudou de nome

MARIA VICTORIA MOLINS, s.t.j. (2015). Teresa Mudou de Nome. Braga: Editorial A.O., 160 páginas.
       Decorre ainda o Ano da Vida Consagrada, que assenta na vida de Santa Teresa de Ávila do 5.º Centenário do seu nascimento. Santa Teresa de Jesus nasceu dentro da cidadela de Ávila, a 28 de março de 1515, sendo baptizada como Teresa de Ahumada.
       Aos 17 anos entra nas Agostinhas de Grácia, como interna, onde brotará a vocação, entrando, alguns meses depois na Encarnação de Ávila. A 3 de novembro de 1536, faz a sua profissão religiosa. A experiência no convento é, num primeiro momento, uma oportunidade para uma vida social intensa. Sendo de uma família com muitas posses, leva uma vida regalada. O pai procurou que ela levasse uma vida mais recatada, longe dos olhares e sobretudo de comentários populares.
       Será atacada de doenças várias: desequilíbrio nervoso, dores atrozes, doença do coração. Nessa altura terá os primeiros momentos de oração e de recolhimento.
       No convento da Encarnação leva uma vida folgada e tranquila, com pouca oração e se exercícios em comum com as outras irmãs. O seu lucatório é espaço onde se encontrava a alta sociedade de Ávila. Vive assim durante 20 anos. Só aos 40 anos, a história da sua vida começa a ter uma direção diferente e que a comprometerá com a reforma religiosa que dará origem a um novo movimento de renovação da vida religiosa e consagrada. Aos 45 anos tem as primeiras visões e no ano seguinte funda o primeiro convento reformado, São José de Ávila. A ânsia de reforma espiritual, leva-a a percorrer a Espanha, fundando diversos conventos.
       O encontro com o grande místico São João da Cruz, em novembro de 1568, vai levar à reforma da vida religiosa entre os homens, com o convento de Duruelo.
       É considerada um dos maiores génios que a humanidade já produziu, possuía uma viva e arguta inteligência, num estilo vivo e atraente e com um profundo bom senso.
       Faleceu no dia 4 de outubro de 1582 e enterrada ao outro dia.
       Foi canonizada em 1622, com o Papa Gregório XV e em 1970, foi proclamada pelo Papa Paulo VI, com Santa Catarina de Sena, Doutora da Igreja, pelo Papa Paulo VI. As duas primeiras mulheres a receberem este título.
       Refira-se que Santa Teresa do Menino Jesus se inspirou em Santa Teresa de Jesus para viver uma vida de total entrega e aperfeiçoamento a Deus, em tudo, nas pequenas coisas do dia a dia, em todas as tarefas. Mais tarde, Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) inspirar-se-á nas duas Santas Teresa's, convertendo-se ao cristianismo e comprometendo-se na vida religiosa. E mais recentemente, também a popularmente aclamada Santa (Beata) Teresa de Calcutá adoptará o mesmo nome para viver uma vida de entrega total a Jesus Cristo.
       Este livrinho romanceia a vida de Santa Teresa de Jesus, no seu ambiente familiar, abordando as condições económicas e sociais dos primeiros tempos, e a "rebeldia" da infância e da adolescência, a entrada "forçada" num convento e os primeiros tempos de verdadeira "conversão", juntando outras irmãs religiosas e reformando a vida consagrada.
       Para quem não despende de tempo e/ou vontade para ler as Obras Completas de Santa Teresa, este livro é uma oportunidade para se deixar encantar pelo sonho de santa Teresa.

domingo, 11 de outubro de 2015

São JOÃO XXIII - Diário da Alma

JOÃO XXIII. Diário da Alma. Paulus Editora. Lisboa 2013. 2.ª edição. 408 páginas.
       Ângelo José Roncalli, nasceu em Sotto il Monte, perto de Bérgamo, Itália, a 25 de novembro de 1881, terceiro de 10 filhos. Morreu a 3 de junho de 1963, em grande e penosa agonia. Em 1965, o Papa Paulo VI deu início à causa de beatificação, concluída por João Paulo II no dia 3 de setembro de 2000.
       No próximo dia 27 de abril de 2014, conjuntamente com João Paulo II, o Papa Francisco canonizou o bom Papa João XXIII, num processo amplamente incentivado por Bento XVI. Que bela paisagem, com o envolvimento de vários Papas, cuja a vivência da fé é um testemunho luminoso.

       João Paulo II ainda está vivo memória, mas para muitos João XXIII é um ilustre desconhecido. Obviamente que a canonização, reconhecimento das suas virtudes, e do trabalho frutuoso que realizou na Igreja e na Sociedade, vai permitir falar-se dele, do seu pensamento, da sua intervenção como sacerdote, Bispo, Núncio Apostólico na Turquia, na Grécia, em França, Arcebispo de Veneza e Cardeal da Santa Igreja, Papa. Por outro lado, é possível que a associação do atual Papa, Francisco, a João XXIII terá já suscitado redobrado interesse em conhecer a história da Sua vida.
       Se as biografias e estudos sobre determinada pessoa são importantes, permitindo enquadrar vários ângulos, da vida, das intervenções, da influência, das consequência de determinadas palavras e/ou atos, para se conhecer bem o bom Papa João é indispensável a leitura do DIÁRIO DA ALMA que o próprio foi escrevendo ao longo de quase setenta anos, desde a entrada no Seminário, 14-15 anos, até às vésperas da sua morte. Anotações, reflexões, informações. Paciência. Oração. Deus. Amor. Caridade. Paciência. Humildade. Tudo para louvor e glória de Deus. Paciência. Humildade. Obediência. Pureza. Prudência. Poucas palavras e apenas para dizer bem. Sofrer com paciência.
       A leitura do diário permite visualizar um Papa simples, humilde, preocupada em tudo fazer para agradar a Deus. Autocensura-se por ser "lendo", o que permite não se precipitar. O próprio vai dizendo que o seu temperamento é o da pessoa calma, paciente, humilde, que não faz questão em ficar com razão. Perseverante. Afável. Bom.
       Aceita de bom grado tudo o que lhe é pedido. Neste diário, ocupa uma espaço muito grande o tempo dos retiros mensais, anuais, ou os retiros de preparação para a ordenação, sacerdotal, episcopal,... Grande devoção a São José, a Nossa Senhora, ao Sagrado Coração de Jesus, ao Nome de Jesus, ao Precioso Sangue de Cristo, a São Francisco de Sales, São Luís Gonzaga, São João Dechamps. Leituras: Bíblia, Breviário, Rosário, Imitação de Cristo. Eucaristia. Santíssimo Sacramento. Jaculatórias.
       É eleito Papa a 28 de outubro de 1958, no quarto dia de conclave, sucedendo a Pio XII. Pensava-se que seria um Papa de transição. No entanto, a sua inspiração contribuiu para uma grande transformação da Igreja, com a convocação e o início do Concílio Ecuménico Vaticano II, que virá a ser encerrado já com o Sucessor, Paulo VI. É uma marca indelével da Igreja, na abertura ao mundo, à sociedade, à cultura, entendo-se a ela mesma como Povo de Deus.
       Sublinhe-se também que João XXIII esteve em Portugal, em Peregrinação ao Santuário de Fátima, ainda como Patriarca de Veneza, em 1956, no 25.º Aniversário da Consagração de Portugal ao Coração Imaculado de Maria, representando o Papa Pio X. Em 13 de maio de 1961 há de promulgar a primeira Encíclica, Mater et Magistra (Mãe e Mestra), um dos documentos mais importantes sobre a Doutrina Social da Igreja (DSI).
       A obra inicia com uma breve resenha biográfica, mas o corpo fundamental são as páginas que se segue, permitindo entrar no pensamento e no coração do Bom Papa João.
       "Obediência e Paz" é o lema de vida de João XXIII que procura levar por diante. Nas mais diversas circunstâncias Ângelo Roncalli prefere o silêncio, a obediência, seguindo o princípio da indiferença, para não esperar nem honras nem títulos.
Algumas expressões sintomáticas:
"A Jesus por Maria" 
"A simplicidade é amor; a prudência, o pensamento. O amor ora, a inteligência vigia. Velai e orai, conciliação perfeita, O amor é como a pomba que geme; a inteligência ativa é como a serpente que nunca cai na terra, nem tropeça, porque vai apalpando com a sua cabeça todos os estorvos do caminho"
"Desapego de tudo e perfeita indiferença tanto às censuras como aos louvores... Diante do Senhor sou pecador e pó; vivo pela misericórdia do Senhor, à qual tudo devo e da qual tudo espero".
"Não falar dos outros senão para dizer bem deles"
"Nunca dizer aos outros algo que não me esforce imediatamente por pôr em prática"
Propósitos de retiro de 1952:
1. Dar graças...
2. Simplicidade de coração e de palavras...
3. Amabilidade, calma e paciência imperturbável...
4. Grande compreensão e respeito para com os franceses... (era Núncio Apostólico em França).
5. Maior rapidez nas práticas mais importantes...
6. Em todas as coisas tem presente o fim... A vontade de Deus é a nossa paz. Sempre na vida, mais ainda na morte.
7. Não me aborrece nem me preocupa o que me possa acontecer: honras, humilhações, negações ou o que quer que seja...
8. Só desejo que a minha vida acabe santamente...
9. Estarei atento a uma piedade religiosa mais intensa...
10. Parece-me que tenho a consciência em paz e confio em Jesus, na Sua e minha Mãe, gloriosa e amantíssima, em São José, o santo predileto do meu coração; em São João Batista, à volta de quem gosto de ver reunida a minha família... A cruz de Cristo, o coração de Jesus, a graça de Jesus; isso é tudo na Terra; é o começo da glória futura... 
"As palavras movem; os exemplos arrastam"