1 – Jesus fez-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza (cf. 2 Cor 8,9). O Papa Francisco, na Sua mensagem para a Quaresma, partiu deste contexto paulino, acentuando que Deus Se manifesta, não pelo poder, pelo luxo, pelo espetacular, mas Se comunica pelo amor, pela Cruz, pelo despojamento. A Encarnação de Deus, Jesus Cristo feito Homem, dá-nos esta certeza de que Deus nos assume por inteiro, na nossa humana fragilidade e finitude, não por imposição mas por comunhão, por amor.
Outro belíssimo texto é o da Carta de São Paulo aos Filipenses, que recolhe um hino sobre o abaixamento de Cristo, que sendo de condição divina não se vale de Sua igualdade com Deus, mas identifica-Se com o ser humano (cf. Fil 2, 6-11). Sendo inocente, faz-Se pecado, faz-Se homem (cf. 2 Cor 5, 21), assumindo-nos, salvando-nos, levando-nos aos ombros, como o Bom Pastor, carrega-nos e por nós e para nossa salvação carrega a CRUZ.
Neste primeiro domingo da QUARESMA, caminho aberto por Jesus para a eternidade de Deus, são-nos apresentadas as TENTAÇÕES do Mestre da Vida. De novo se visualiza o abaixamento (Kénose) de Jesus. Identifica-se connosco. Experimenta a dúvida, o cansaço da caminhada, o silêncio de Deus no meio das dificuldades. Chegam-nos aos ouvidos e ao coração aquelas palavras da Cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?»
A tentação do poder, do sucesso fácil, de um caminho macio. A tentação de usar o poder e a missão em benefício próprio. A tentação de usar Deus e a religião para escravizar os outros, libertando-se solitariamente. Mas Deus está lá no deserto, lugar da dúvida, de pobreza e de despojamento, lugar da tentação, encontro consigo próprio, mas também lugar para um silêncio construtivo. Lá, no meio do deserto e do silêncio, é mais fácil perscrutar a voz de Deus. Aliás, é o mesmo Espírito Santo que se manifesta no Batismo que ora O conduz ao deserto. Quarenta dias ou o tempo necessário para purificar ideias, para canalizar energias, para assumir que só Deus é Deus e só Ele há de ser servido e adorado, para que n’Ele nos predisponhamos a servir os irmãos.
2 – As tentações clarificam a proximidade de Jesus à nossa condição humana. Também Ele é provado na adversidade. Quantas vezes, no meio dos nossos desertos, interiores e exteriores, nos apetece gritar por Deus? Quantas vezes ficamos sem lágrimas e sem voz, sem palavras e sem forças? Quantas vezes quereríamos que Deus fosse a nossa testemunha contra aqueles que nos fazem mal? E os castigasse de imediato? E se Deus nos desse um sinal claro acerca da Sua vontade?
Mas fixemo-nos no Evangelho:
Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto... Jejuou quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-lhe: «Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’». Então o Diabo conduziu-O à cidade santa, levou-O ao pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo, pois está escrito: ‘Deus mandará aos seus Anjos que te recebam nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’». Respondeu-lhe Jesus: «Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’». De novo o Diabo O levou consigo a um monte muito alto, mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a sua glória, e disse-Lhe: «Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares». Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto’».Num primeiro registo, as tentações não aparentam nada de mal, e no entanto, desde logo, Jesus mostra-nos uma evidente opção por Deus, por nós, a certeza que a Sua vida e a Sua missão não serão uma imposição pela força, pelo milagre. Ele vai caminhar connosco. Não corta caminho. Segue as dificuldades que se colocam à nossa vida. Não usará a missão em benefício próprio. «Só o pobre se faz pão» (Carlos Antunes). Na identificação connosco, Jesus não transforma as pedras em pão, mas oferecer-se-á, a Si mesmo, como Pão da vida, como alimento que nos sacia até à eternidade.
3 – No início os nossos primeiros pais cederam à tentação diabólica (tudo o que gera divisão e discórdia). Retomando as palavras de D. António Couto, nosso Bispo, na análise a este texto, diríamos que o pecado de Adão e Eva, o nosso pecado, não está no desejo de querer saber mais, ou de comer o fruto da árvore. Este fruto, como os demais são DOM de Deus, a favor de todos. O pecado está na apropriação: o fruto é apenas para mim e quanto muito para os meus. E os outros? Acaso sou guarda do meu irmão? Que tenho a ver com eles e com a sua penúria?
E, simultaneamente, o aligeirar da responsabilidade. Não fui eu. Nunca sou eu. Não sabia. Não tinha condições para ajudar. Também isto é pecado.
«Abriram-se então os seus olhos e compreenderam que estavam despidos». Não apenas eles. Também a nós se nos abrem os olhos e o coração e quando nos apercebemos que vivemos apenas a partir de nós e para nós, sem os outros, contra os outros, de costas voltadas às necessidades dos irmãos, e sem contarmos, algum acontecimento nos faz cair na realidade, apercebemo-nos que a nossa vida se resume a pó, a nada, a vazio. Quando damos conta, estamos sós. Estivemo-lo na fartura insolidária, e agora quando precisávamos da companhia, da compreensão, do abraço, da presença afetiva, ficamos numa farta solidão.
O povo eleito, onde seguimos, por vezes deixa-se vencer pela tentação. O caminho do deserto é difícil, como é difícil partilhar a vida em momentos de carestia. Mais fácil é culpar Deus, mais fácil é obrigar Deus a intervir onde a nossa liberdade e criatividade deveriam agir, mais atraente parece o "salve-se quem puder". Vem Jesus, e de dentro do povo, ensina-nos que a tentação só pode ser vencida com amor, com serviço, com oração, com um coração cheio de DEUS. Só um coração expandido pelo amor de Deus nos permite acolher, amar e cuidar do próximo. Jesus sabe isso. Não Se salva a Si próprio. Do alto da Cruz, oferece-se pela humanidade inteira.
4 – Se por um homem veio o pecado, diz-nos São Paulo, na segunda leitura, por um homem há de vir a salvação. No primeiro venceu a tentação da apropriação indevida do dom. No segundo vence a Cruz, desapropriação do AMOR, dom, oferenda, até à última gota de sangue.
“Se a morte reinou pelo pecado de um só homem, com muito mais razão, aqueles que recebem com abundância a graça e o dom da justiça, reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo. Porque, assim como pelo pecado de um só, veio para todos os homens a condenação, assim também, pela obra de justiça de um só, virá para todos a justificação que dá a vida”.Ele que era RICO, fez-Se pobre, na obediência e no amor, para nos enRIQUECER com a Sua pobreza, com a Sua vida de entrega. Parafraseando o Papa Francisco, na Mensagem quaresmal, a verdadeira pobreza dói, exige trabalho, dedicação, sacrífico, exige uma elevada dose de amor. Inevitavelmente é o Caminho da Cruz, CAMINHO aberto por Jesus e no qual nos queremos para com Ele partilharmos a vida eterna.
5 – Em jeito de resposta à Palavra de Deus, rezemos juntos, com os lábios e com o coração, o salmo proposto para este primeiro Domingo de Quaresma:
Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade,
pela vossa grande misericórdia,
apagai os meus pecados.
Lavai-me de toda a iniquidade
e purificai-me de todas as faltas.
Porque eu reconheço os meus pecados
e tenho sempre diante de mim as minhas culpas.
Pequei contra Vós, só contra Vós,
e fiz o mal diante dos vossos olhos.
Criai em mim, ó Deus, um coração puro
e fazei nascer dentro de mim um espírito firme.
Não queirais repelir-me da vossa presença
e não retireis de mim o vosso espírito de santidade.
Dai-me de novo a alegria da vossa salvação
e sustentai-me com espírito generoso.
Abri, Senhor, os meus lábios
e a minha boca cantará o vosso louvor.
Textos para a Eucaristia (ano A): Gen 2, 7-9; 3, 1-7; Sl 50 (51); Rom 5, 12.17-19; Mt 4, 1-11.
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
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