quinta-feira, 13 de novembro de 2014

XXXIII Domingo do Tempo Comum - ano A - 16 de novembro

       1 – Aí está uma das últimas páginas do Evangelho de São Mateus. A concluir o ano litúrgico – no próximo domingo – a narrativa do Juízo Final (cf. Mt 25, 31-46); porquanto Jesus diz-nos como nos preparamos para que o encontro definitivo com Deus nos seja favorável: fazer render os dons que Ele nos dá. A vida nunca será um mar de rosas, terá os seus espinhos e as suas contrariedades, nem tudo dependerá de nós, surgirão imprevistos, situações difíceis que abalam a nossa confiança e, por vezes, nos levam a querer desistir. Mas ninguém viverá a vida por nós. Nem no bem nem no mal. A vida é nossa. Nossa é a história. E ainda bem, se formos meros espectadores da nossa vida, então passaremos pela história como o ar dentro de um balão que se esvazia tão rapidamente que nem se dá por isso. Não darão por nós. É como se não tivéssemos existido!
       No final, seremos julgados pelo amor. O amor que nos aproximou dos outros e que nos levou a transparecer o amor de Deus. Quem vai para o mar prepara-se em terra. Jesus alerta-nos para nos prepararmos bem, investindo o nosso tempo, as nossas energias, os nossos talentos. Não adianta esconder-nos, adiar, deixar que outros resolvam, outros vivam. Há que apostar. Há que arriscar. Podemos errar. Podemos fracassar, esmurrar a cara, podemos cair. Mas importa arriscar, viver, sair, ir ao encontro dos outros, semear o bem e a justiça, cultivar a esperança e a alegria, plantar a misericórdia e o bem, deixar-se cativar pela generosidade e pelo perdão. Mesmo caindo!
       A parábola é extraordinariamente clarificadora. Um homem vai de viagem e confia os seus bens aos seus servos, conforme a capacidade de cada um. Confia neles e segue viagem.
       Assim Deus connosco. Confia em nós. Dá-nos os Seus dons. Não nos pede mais do que aquilo que seremos capazes de assumir, ou capacita-nos em ordem a cumprirmos a missão a que nos chama. Dá-nos o mundo inteiro para cuidarmos. Não nos controla como marionetas. Deixa que o trigo e o joio cresçam conjuntamente. E embora não cesse de nos envolver, de nos desafiar, de nos provocar, aguarda-nos no Seu banquete eterno.
       2 – O que recebeu cinco talentos duplicou os rendimentos. O que recebeu dois talentos também os duplicou. O que recebeu um talento, não fez mais. Cruzou os braços à espera do patrão. Se pobre era, pobre ficou. Lamentou-se pelo pouco que recebeu e nada fez para melhorar a sua situação. Não investiu. Em vez de valorizar o dom recebido, refugia-se no medo em relação ao seu senhor. Ah, como se assemelha à nossa vida cristã: em vez de vivermos em alegria acolhendo a misericórdia de Deus, por vezes, vivemos atemorizados pelo que Deus nos pode vir a fazer. Ora Deus é Pai. Infinitamente misericordioso, bom e justo. O Juízo de Deus depende de nós. A Sua benevolência agracia-nos para que façamos render a vida e os dons recebidos. Nem todos temos as mesmas qualidades, mas se partilharmos o que temos, o que somos, procurando sempre melhorar, estamos a valorizar a balança a nosso favor.
       Aquele homem recebeu um talento e outra coisa não fez que lamentar a sua sorte. A vida pode trazer-nos escolhos que não escolhemos. Pode acontecer que não mereçamos as partidas que a vida nos prega. Fazemos por merecer o melhor e tantas vezes nos deparamos com o pior! O lamento serve como desabafo, e podemos encontrar consolo em quem nos escuta, compreensão e incentivo, como forma de prosseguirmos, apesar de tudo. Porém, a vida não se altera se ficarmos apenas a lamentar-nos. Quantas vezes o copo meio cheio se nos afigura copo meio vazio?
«Senhor, eu sabia que és um homem severo, que colhes onde não semeaste e recolhes onde nada lançaste. Por isso, tive medo e escondi o teu talento na terra. Aqui tens o que te pertence». A resposta do seu senhor é inequívoca: «Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei e recolho onde nada lancei; devias, portanto, depositar no banco o meu dinheiro e eu teria, ao voltar, recebido com juro o que era meu».
       Devolve-se ou paga-se o que se deve, o que se pediu emprestado, agradecendo. Se entramos no sistema económico-financeiro, a devolução é com juros. Só que no caso presente, o banco somos nós. Deus confia-nos os Seus dons. Dá-nos a Sua própria vida, em Jesus Cristo. A Sua vida por inteiro. E que fazemos com este "depósito"? Pomo-lo a render? Investimos para o devolvermos rentabilizado? Ou deixamos tudo na mesma, escondendo-nos no medo?
       3 – Na segunda leitura, o Apóstolo São Paulo evoca as palavras do Senhor Jesus Cristo, dizendo aos cristãos que "sobre o tempo e a ocasião, não precisais que vos escreva, pois vós próprios sabeis perfeitamente que o dia do Senhor vem como um ladrão nocturno. E quando disserem: «Paz e segurança», é então que subitamente cairá sobre eles a ruína, como as dores da mulher que está para ser mãe, e não poderão escapar. Mas vós, irmãos, não andais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão, porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia: nós não somos da noite nem das trevas. Por isso, não durmamos como os outros, mas permaneçamos vigilantes e sóbrios".
       A preocupação pela hora em que seremos "devolvidos" à precedência, chamados à presença do Senhor, após a nossa morte, pode trazer-nos temor. Assusta-nos sempre, por maior que seja a nossa fé, falar da morte, melhor, falar da minha, da tua, da nossa morte. Quando morre alguém que nos é muito próximo, sentimos, em muitos casos, que a vida é madrasta. O Apóstolo alerta-nos para que não sejamos surpreendidos. Se somos filhos da luz, caminhemos como tal, de dia, pela prática das boas obras, da justiça, da retidão, da generosidade para com todos, especialmente para com os mais pequeninos.
       Certo dia, Jesus conta a história de um homem rico, que tendo tido uma grande colheita, manda construir celeiros maiores, dizendo para consigo: "Tens muitos bens em depósito para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te". E se o Senhor o chamar naquela noite, para quem serão aqueles bens? (cf. Lc 12, 16-21). Jesus termina dizendo para acumularmos tesouros que perdurem para lá do tempo e nos façam entrar em definitivo no Seu reino.
       A sensação de estarmos em segurança, não nos deve demover de lutarmos pelo melhor. Não durmamos. Mantenhamo-nos vigilantes e sóbrios, na certeza de que Deus não nos faltará, nem nesta nem na vida futura.

       4 – A referência a Deus, a abertura para o Transcendente, a certeza de uma Vida que não se desfaz com a morte, a esperança na ressurreição – ainda que em gestação sintamos as dores e agruras da gravidez e do parto –, permite-nos olhar para o futuro e acreditar que podemos amar, podemos ser amados, podemos transformar o mundo que habitamos (ou que nos habita.
       A primeira leitura e o salmo falam da felicidade daqueles que temem ao Senhor. É uma felicidade própria, mas também partilhável e assumida em comum:
       "...mulher que teme o Senhor é que será louvada. Dai-lhe o fruto das suas mãos e suas obras a louvem às portas da cidade" (1.ª Leitura). Feliz o marido que encontrou uma esposa que teme ao Senhor. Mas o mesmo se refere a cada um de nós: "Feliz de ti que temes o Senhor e andas nos seus caminhos. Comerás do trabalho das tuas mãos, serás feliz e tudo te correrá bem" (Salmo).
       Temer ao Senhor, não é fugir d'Ele com medo, mas aproximar-se d'Ele com esperança, na certeza do Seu amor por nós, tal como fazemos em relação àqueles de quem gostamos: tememos magoar, tememos desiludir, e, por conseguinte, podendo errar, tentamos dar o melhor de nós.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Prov 31, 10-13. 19-20. 30-31; Sl 127 (128); 1 Tes 5, 1-6; Mt 25, 14-30.

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