sábado, 21 de fevereiro de 2015

Domingo I da Quaresma - ano B - 22 . fevereiro . 2015

       1 – "O Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto. Jesus esteve no deserto quarenta dias e era tentado por Satanás. Vivia com os animais selvagens e os Anjos serviam-n’O. Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia e começou a pregar o Evangelho, dizendo: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».
       O primeiro Domingo da Quaresma traz-nos o episódio das Tentações de Jesus. As versões lucana (Lc 4, 1-13, ano C) e mateana (Mt 4, 1-11, ano A) desdobram-se em três tentações distintas: usar o milagre para se impor; utilizar o poder em benefício próprio; dobrar-se diante do poder para dominar o mundo. Facilidade, egoísmo, fama. As tentações a que Jesus está sujeito são as mesmas tentações do povo de Deus ao longo do deserto. O povo cedeu. Jesus ajuda a superar as tentações em entrega confiante a Deus.
       São Marcos, o evangelista da primeira hora, mais simples, mais direto, narra apenas as tentações sem especificar quais. Diz-nos, no entanto, o essencial acerca das mesmas, o contexto e o significado. Jesus, verdadeiro homem, é tentado como qualquer um de nós. As nossas tentações são visualizáveis em Jesus, porque em tudo Se identificou connosco. Os desertos da nossa existência podem tornar-se tempo de dúvida, de provação, de amadurecimento, de purificação dos nossos propósitos e compromissos. Quarenta anos: a Quaresma do povo da Primeira Aliança para entrar na Terra da Promessa. Jesus é a Promessa que se cumpre para nós. Quarenta dias em que Se prepara para Se dar totalmente a nós, sem reservas, sem medos e sem hesitação.
       O alimento de Jesus é a realização da vontade do Pai. Eu venho, Senhor, para fazer a Vossa vontade. Não quisestes sacrifícios, mas fizeste-me um corpo (cf. Heb 10, 1-10). A tentação acompanhá-l'O-á ao longo da vida, como a nós. Mas há em Jesus uma força maior: a presença de Deus. Com efeito, é o Espírito Santo que O conduz ao deserto. É o mesmo Espírito que Se manifesta no Batismo. O tentador é forte, mas Deus assiste Jesus com os Seus santos Anjos.
       2 – Deus assiste-nos do mesmo jeito que a Jesus: próximo, Pai, benevolente, respeitando as nossas opções, desafiando-nos a dar o melhor de nós e a acolher os outros como irmãos. É Deus Quem nos guia, assim o queiramos nós. É possível que as tentações nos acerquem. É possível seguir Jesus, fazer como Ele, deixar-se conduzir pelo Espírito de Deus.
       Se o Seu alimento – a vontade do Pai – o livra do mal e das manifestações diabólicas, também a nós nos dará a força e a caridade para, em cada dia, encontrarmos razões que nos atraiam para o bem e para a verdade, pois Ele é o nosso Caminho e a nossa Vida.
       Vale a pena reler algumas palavras do Papa Francisco na sua Mensagem para esta Quaresma, e das quais faz eco D. António Couto, Bispo de Lamego, ao dirigir-se à Diocese, convocando-nos a marcar a diferença num mundo em que a indiferença pelos outros se globaliza.
       Diz o Papa: "Dado que a indiferença para com o próximo e para com Deus é uma tentação real também para nós, cristãos, temos necessidade de ouvir, em cada Quaresma, o brado dos profetas que levantam a voz para nos despertar. A Deus não Lhe é indiferente o mundo, mas ama-o até ao ponto de entregar o seu Filho pela salvação de todo o homem. Na encarnação, na vida terrena, na morte e ressurreição do Filho de Deus, abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem, entre o Céu e a terra".
       E continua Francisco, avivando as condições para superarmos as tentações: "Se humildemente pedirmos a graça de Deus e aceitarmos os limites das nossas possibilidades, então confiaremos nas possibilidades infinitas que tem de reserva o amor de Deus. E poderemos resistir à tentação diabólica que nos leva a crer que podemos salvar-nos e salvar o mundo sozinhos. Para superar a indiferença e as nossas pretensões de omnipotência, gostaria de pedir a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração, a que nos convidava Bento XVI (Carta Encíclica Deus caritas est, 31)".
       3 – Outro Papa, o primeiro, São Pedro, recorda-nos o mistério de amor, de entrega, de oblação de Jesus em nosso favor: «Cristo morreu uma só vez pelos pecados – o Justo pelos injustos – para vos conduzir a Deus. Morreu segundo a carne, mas voltou à vida pelo Espírito».
       Com efeito, a vinda de Jesus marca um tempo novo, de graça e de salvação, em que a Aliança de Deus com o Seu povo é finalizada, levada à plenitude. Como nos diz São Pedro, já "nos dias de Noé, Deus esperava com paciência, enquanto se construía a arca, na qual poucas pessoas, oito apenas, se salvaram através da água". Agora, na água do Batismo, Deus nos "salva pela ressurreição de Jesus Cristo, que subiu ao Céu e está à direita de Deus, tendo sob o seu domínio os Anjos, as Dominações e as Potestades".
       Deus faz Aliança com o Seu Povo. É uma Aliança unilateral. Deus compromete-Se com a humanidade e não faz depender a Aliança da resposta que possamos dar-Lhe. Vislumbra-se a Sua paternidade. Ama-nos primeiro. Precede-nos. O Seu amor é gratuito, sem condições. Se acolhermos este amor primeiro tornarmo-nos com-criadores, instrumentos da salvação e de esperança para outros.
       Eis a Palavra de Deus dirigida a Noé: «Estabelecerei a minha aliança convosco, com a vossa descendência e com todos os seres vivos que vos acompanham: as aves, os animais domésticos, os animais selvagens que estão convosco, todos quantos saíram da arca e agora vivem na terra. Estabelecerei convosco a minha aliança: de hoje em diante nenhuma criatura será exterminada pelas águas do dilúvio e nunca mais um dilúvio devastará a terra».
       A água não mais servirá para o extermínio, mas, pelo Batismo, conduzir-nos-á ao Corpo de Cristo, que é a Igreja, a última Arca da Aliança, onde Jesus Se dá até à eternidade, na Palavra, proclamada, na vivência dos Sacramentos, especialmente na Eucaristia, e na prática do bem, construindo a família de Deus, solidários com todos os nossos irmãos, feridos pelo pecado, pelo sofrimento e/ou pela fragilidade. Podemos fazer a diferença, se não nos tornarmos insensíveis e indiferentes uns aos outros.

       4 – As tentações estarão sempre à espreita. As tentações acompanham Jesus até à Cruz. Mais forte que o tentador, a presença de Deus e a vontade de em tudo viver e transparecer os desígnios de Deus.
       Por conseguinte, peçamos ao Senhor que o Seu Espírito nos alerte constantemente e, com o salmista rezemos: «Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, / ensinai-me as vossas veredas. / Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me, / porque Vós sois Deus, meu Salvador».

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Gen 9, 8-15; Sl 24 (25); 1 Pedro 3, 18-22; Mc 1, 12-15.

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