sábado, 31 de outubro de 2015

Solenidade de Todos os Santos - 1.novembro.2015

       1 – A santidade não passa de moda.
       A expressão de Bento XVI dá título a um livro da Editorial Franciscana que recolhe as suas reflexões: "A santidade não passa de moda, por isso, com o decorrer do tempo, resplandece de forma luminosa e manifesta a tensão perene do homem em relação a Deus".
       O Vaticano II relembra a vocação universal à santidade: "Todos os cristãos, de qualquer condição ou estado, são chamados pelo Senhor a procurarem, cada um por seu caminho, a perfeição daquela santidade pela qual o Pai celeste é perfeito" (LG 11).
       O mandato original é de Jesus Cristo: «sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está no céu» (Mt 5, 48). Jesus revela-nos a santidade de Deus, traduzindo-a na Sua vida como oferenda plena a favor da humanidade, com a expressão perfeita na Sua paixão redentora, mas visualizável na Sua conduta, na proximidade com os mais frágeis, doentes, pecadores, publicanos, mulheres de vida complicada, crianças, estrangeiros; sem excluir ninguém mas na opção preferencial pelos mais pobres.
       São João XXIII desafia-nos a traduzir a fé em obras, como o apóstolo São Tiago: "as palavras movem; os exemplos arrastam". O seu Sucessor, Beato Paulo VI, acentua a mesma necessidade: «O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas que os mestres ou então se escuta os mestres, é porque são testemunhas». Belíssima expressão de São João Paulo II: "Onde passam os santos, Deus passa com eles". E também a Beata Teresa de Calcutá: "A santidade não é qualquer coisa de extraordinário, não é um luxo para alguns eleitos. A santidade é para cada um de nós um simples dever".
       No dia 18 de outubro, o Papa Francisco canonizou os Pais de Santa Teresa do Menino Jesus, São Louis Martin (1823-1894) e Santa Zélie Guérin Martin, pondo em evidência que a santidade é para todos e em diferentes situações. Em 2001, João Paulo II tinha beatificado um casal italiano, Luís e Maria Quatrochi, pelo seu amor e serviço à família e à vida.
       2 – A solenidade de Todos os Santos sintoniza-nos com a eternidade de Deus, junto de Quem se encontram multidões de crentes. Na linguagem simbólica do Apocalipse, "cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel". É, com efeito "uma multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas".
       O número mil significa multidão! 144 mil são multidões de pessoas, originárias de todos os povos, línguas e nações. A santidade, como a salvação, não é um privilégio de uma elite, de uma qualquer classe, não é exclusivo de um grupo de puros. Está ao alcance de todos, em toda a parte, em todo o tempo. Só Deus é santo. É esta santidade que recebemos no batismo. A graça de Deus abre-nos as portas da eternidade. A morte de Jesus pleniza a Sua entrega a favor da humanidade; a Sua ressurreição mostra a validade do Seu projeto de amor, no tempo e na abertura à eternidade.
       É o amor de Deus que nos santifica, assumindo-nos como filhos no Filho: «Vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamar filhos de Deus. E somo-lo de facto. Somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos tal como Ele é. Todo aquele que tem n’Ele esta esperança purifica-se a si mesmo, para ser puro, como Ele é puro».
       3 – A multidão dos Anjos e dos Santos que estão diante do Cordeio de Deus são esperança e desafio. A nossa fé compromete-nos com a eternidade. Em Jesus Cristo, Deus vem morar comigo e contigo, faz em nós a Sua morada. Cristo mostra-nos o caminho da vida eterna.
        Não corremos às apalpadelas ou ziguezagues. Ele segue connosco. Fez-Se um de nós, assumindo-nos na inteireza da nossa carne, da nossa fragilidade e da nossa finitude. Quando o Seu tempo cronológico no meio de nós se esgotou, não nos abandonou à nossa sorte, confiou-nos a Palavra, os Sacramentos, assegurou a Sua presença, pelo Espírito Santo. Ficou também nos pobres, nos mais frágeis de entre nós, onde O podemos encontrar.
       O caminho para O encontrarmos, imitando-O, está contido nas Bem-aventuranças:
«Bem-aventurados os pobres em espírito... os humildes... os que choram... os que têm fome e sede de justiça... os misericordiosos... os puros de coração... os que promovem a paz... os que sofrem perseguição por amor da justiça... Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa».
       Diz-nos o Beato Óscar Romero: "A opção da Igreja é este texto de Cristo: as Bem-aventuranças... Que quero mais? Esta é a riqueza do coração daquele que é pobre e humilde e fundamenta a sua felicidade, não nas coisas transitórias, que acabam com a morte e o tempo leva embora, mas naquilo que é consistente, como é a sabedoria de Cristo, a Sua justiça, a Sua santificação, a Sua redenção". Os pobres são bem-aventurados porque põem a sua riqueza n'Aquele que sendo rico Se faz pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9).
       As Bem-aventuranças agrafam-nos ao Caminho de Jesus, estrada aberta para a eternidade. Deus santifica-nos para que transpiremos a santidade na nossa vida e a comuniquemos aos outros.
       4 – As circunstâncias foram mudando, como as pessoas, as estruturas, a modernização de vias de comunicações, a aproximação entre pessoas, entre povos, as descobertas que facilitaram muito a vida. Nunca como antes, as distâncias se encurtaram. Apesar de tantos ganhos científicos e tecnológicos, o anúncio do Evangelho, a vivência das Bem-aventuranças, a promoção dos valores da dignidade humana, da verdade e do bem, a vida humana como um dom de Deus e não como estorvo, são tarefa inadiável para todos os cristãos.
       Não há cristãos descomprometidos com a santidade. Nas primeiras comunidades, os seguidores de Jesus Cristo eram chamados santos ou eleitos. Posteriormente passaram a ser chamados de cristãos. Mas o conteúdo é o mesmo. O cristão é de Cristo, há de transparecer Cristo. Se Ele é santo e respira a santidade do Pai, o cristão há transparecê-l’O santamente.
       Somos mártires do Evangelho, da fé cristã. Talvez não tenhamos necessidade de dar a vida, mas também a damos na medida que praticamos a caridade, o cuidado para com os mais desfavorecidos. «Dar a vida não significa apenas sermos mortos; dar a vida, ter espírito de martírio, é dar no dever, no silêncio, na oração, no cumprimento honesto das obrigações; é dar a vida pouco a pouco, no silêncio da vida quotidiana, como a dá a mãe que, sem medo, com a simplicidade do martírio materno, dá à luz, faz crescer e acode com afeto o seu filho» (Beato Óscar Romero).

       5 – O livro do Apocalipse, diante das dificuldades e das perseguições à Igreja, preconiza a esperança no Deus de Jesus Cristo, que já venceu as trevas. Os que estão diante do trono aclamando a salvação de Deus «são os que vieram da grande tribulação, os que lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro».
       A perseguição à Igreja é uma constante. Os últimos anos têm sido terríveis. Milhares de cristãos são mortos. A mais recente carnificina tem um remetente bem conhecido: o estado islâmico. Ir à Missa, ter uma Bíblia em casa, apresentar-se como cristão é como colocar a cabeça debaixo da guilhotina.
       Mas também nos nossos meios precisamos de ser mártires. Não podemos simplesmente ir com as aragens do tempo e da moda que passa. A militância na vida cultural, política, social deve ser injetada com a alegria e a verdade do Evangelho. Cada lei contrária à vida é um atentado à fé, melhor, é um atentado à humanidade e à civilização do amor. Com facilidade se levantam vozes contra aqueles que defendem a vida. Com sentido de missão temos de testemunhar a vida. Não se trata de perseguir ou atacar pessoas ou organizações, mas de defender os mais frágeis e que, ontem como hoje, continuam a ser sacrificados no altar dos direitos e das liberdades pessoais e lobistas.

       6 – Tudo nos vem de Deus. Quando nos faltar o ânimo, a luz, a coragem, quando nos desviarmos do caminho e nos perdermos, quando o sofrimento nos toldar o olhar e a confiança, saibamos que Deus é Pai. Falemos com Ele: "Deus eterno e omnipotente, que nos concedeis a graça de honrar numa única solenidade os méritos de Todos os Santos, dignai-Vos derramar sobre nós, em atenção a tão numerosos intercessores, a desejada abundância da vossa misericórdia".

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Ap 7, 2-4. 9-14; Sl 23 (24); 1 Jo 3, 1-3; Mt 5, 1-12a.

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