sábado, 23 de janeiro de 2016

Domingo III do Tempo Comum - ano C - 24 de janeiro

       1 – São Lucas é o evangelista que mais de perto nos acompanhará nos Domingos e Solenidades deste Ano C. É considerado o Evangelho da Oração (do Senhor), do Envio, Evangelho Missionário, Evangelho da Misericórdia de Deus, e também o Evangelho dos Encontros. O Pai de Jesus Cristo, e nosso Pai, é um Deus misericordioso, clemente e compassivo. Algumas das parábolas que teremos oportunidade de escutar são uma marca luminosa da misericórdia de Deus: o Bom Samaritano; a Oração do Fariseu e do Publicano, a Parábola do Filho Pródigo e também da ovelha tresmalhada e da dracma perdida, do Juiz iníquo e da viúva insistente, do rico avarento e do pobre Lázaro ou mesmo do grande banquete. Da mesma forma os diversos encontros de Jesus: com Levi (Mateus), com Zaqueu, com a mulher apanhada em flagrante adultério, a refeição em casa do fariseu Simão e a pecadora arrependida, com a viúva de Naim, a quem ressuscita o filho único, com os 10 leprosos, com o bom ladrão.
       Logo no início do Evangelho, São Lucas apresenta o seu propósito: "Já que muitos empreenderam narrar os factos que se realizaram entre nós, como no-los transmitiram os que, desde o início, foram testemunhas oculares e ministros da palavra, também eu resolvi, depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens, escrevê-las para ti, ilustre Teófilo, para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado".
       O Evangelho é colocado por escrito para ser transmitido com mais segurança e rigor aos vindouros. É para nós que São Lucas escreve, para acolhermos as palavras e sobretudo a vida de Jesus. Teófilo – o amigo de Deus – somos nós, se nos dispomos acolher Deus com a Sua Palavra.
       2 – Durante a quadra de Natal, escutámos o Evangelho de Infância: anunciação, visitação, nascimento de Jesus, perda e encontro de Jesus no Templo. E claro as referências a São João Batista, anúncio a Zacarias que vai ser pai, nascimento de João Batista, e a pregação do Precursor. Entretanto, o texto lucano faz-nos avançar para a prisão de João Batista, seguindo-Se o batismo (inicial) de Jesus. Logo Jesus é impelido pelo Espírito Santo ao deserto (texto para escutar e refletir no primeiro domingo da Quaresma), onde é tentado pelo demónio. Volta para a Galileia e inicia-se (em definitivo) o ministério público, assumindo-Se como Enviado, Ungido do Senhor, o Filho bem-amado do Pai.
       Vai a Nazaré, onde se tinha criado. A sua fama já se espalhara por toda a região, pelo que também aqui se pressupõe que Jesus já pregava e realizava prodígios, ainda que para Lucas esta presença em Nazaré seja um dos primeiros "atos" públicos de Jesus.
       Era habitual Jesus ir à Sinagoga aos sábados, como todos os judeus crentes. Jesus integra-se no povo, na sua cultura e na sua religião. Estando na Sinagoga de Nazaré, chegado o momento, levanta-se para fazer a Leitura. Faz-nos lembrar a nossa liturgia, com as leituras e com a subsequente reflexão. Entregam-lhe o rolo (livro) de Isaías e encontra a seguinte passagem: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor».
       A liturgia desenrola-se, Jesus enrola o livro de Isaías e entrega-o ao ajudante. Senta-se. Como "mestre", senta-se para fazer a homilia e diz: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».
       Simples, direto, sucinto. HOJE cumpriu-se a Escritura. Vejamos: O Espírito do Senhor está em Jesus, ungiu-O para anunciar a boa nova aos pobres e a liberdade a todos os que vivem oprimidos pela doença, pela solidão, pelo medo. Veio trazer-nos a graça de Deus, cujo ano proclama. É um ANO de GRAÇA que HOJE nos é dado. Hoje, não ontem, não amanhã. Hoje.
       3 – Jesus surge no seguimento de outros Profetas, sendo Ele, não mais um, mas o último, o Profeta por excelência, o Ungido do Senhor. Os Patriarcas, os Juízes e os Profetas mantiveram Deus por perto, com as suas palavras inspiradas, a mensagem da Aliança, animando nos momentos históricos adversos, convocando para a fidelidade à Misericórdia de Deus para se manterem fiéis ao sonho, ao caminho, integrando outros e sendo bênção para todos os povos.
       Extraordinário e comovente relato nos é oferecido na primeira leitura. O Livro da Lei volta a estar disponível. Aqui o Livro sagrado visualiza a presença, o amor, a aliança de Deus com o Povo. O sacerdote Esdras traz o Livro da Lei, coloca-se diante da assembleia, de homens e de mulheres, isto é, todos os que eram capazes de compreender. E leu desde a aurora ao meio-dia.
       Relembremos também a nossa liturgia da Palavra. Esdras está de pé, num estrado de madeira, feito de propósito, elevado em relação à assembleia. Quando Esdras abriu o Livro todos se levantaram. Esdras bendisse a Deus, e o povo, erguendo as mãos, respondeu: «Ámen! Ámen!».
       Homens e mulheres prostram-se por terra para adorarem o Senhor. Os levitas leem, clara e distintamente, a Lei de Deus, explicando o seu sentido, para que todos possam compreender. Esdras e os Levitas ensinam todo o povo, que agradece, emocionado. É então que o governador Neemias, o sacerdote e escriba Esdras e os levitas dizem a todo o povo: «Hoje é um dia consagrado ao Senhor vosso Deus. Não vos entristeçais nem choreis». – Porque todo o povo chorava, ao escutar as palavras da Lei –. Depois Neemias acrescentou: «Ide para vossas casas, comei uma boa refeição, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que não têm nada preparado. Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza».
       É o dia consagrado ao Senhor, dedicado à escuta e reflexão da Palavra de Deus, à adoração, mas também à festa em família.
       Podemos perguntar-nos como nos predispomos a escutar, a viver, a testemunhar a Palavra de Deus. Aquele povo emociona-se, comove-se, pois a Palavra de Deus que lhes é dirigida garante-lhes a presença e a bênção de Deus. A sinagoga de Nazaré coloca-se em posição, com os olhos voltados para Jesus, para O escutarem. E nós?
       4 – Hoje somos nós que estamos naquela Sinagoga! HOJE temos os olhos fitos em Jesus, os olhos e os ouvidos. Hoje: a Lei do Senhor, mas muito mais, a Sua graça. É um Ano feliz, santo, benfazejo, porque Deus está no meio de nós, já não apenas em palavras e promessas, mas na Palavra, em Jesus Cristo, que vive no meio de nós e se esconde (especialmente) nos mais pequeninos que colocou na nossa vida, para amarmos e servimos e para aprendermos a ser irmãos.
"A lei do Senhor é perfeita, ela reconforta a alma; as ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples. / Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; os mandamentos do Senhor são claros e iluminam os olhos. / O temor do Senhor é puro e permanece eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros, / todos eles são retos. / Aceitai as palavras da minha boca e os pensamentos do meu coração estejam na vossa presença: Vós, Senhor, sois o meu amparo".
       Há leis que matam, que aprisionam, que nos encolhem, que assustam, leis que dividem em maiores e menores, pessoas de primeira e de segunda, leis que nos subjugam. A Lei do Senhor reconforta-nos, desafia-nos, provoca-nos para o melhor de nós mesmos, liberta-nos para o bem, para a justiça e para a verdade. A LEI do Senhor agora tem um ROSTO: Jesus, Rosto da Misericórdia do Pai. Deus não nos governa de fora, distante e indiferente aos nossos sofrimentos. Deus ama-nos a partir de nós, do interior. Em Cristo vem habitar-nos, vem morar connosco.

       5 – Belíssima também a página de São Paulo que temos a dita de hoje escutar. A Igreja é o Corpo de Cristo, do qual Ele é a Cabeça e nós os membros. O Apóstolo sublinha o lugar e a importância de todos os membros, diferentes mas necessários.
       "O corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de numerosos, constituem um só corpo". Também em Cristo acontece da mesma forma: todos nós - "judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito para constituirmos um só corpo e a todos nos foi dado a beber um só Espírito".
       No corpo todos os membros contam, todos são importantes. Muitas vezes os membros aparentemente mais frágeis são os que precisam de mais cuidados, pois a sua importância é crucial. E se um dos membros está em sofrimento, todos os membros padecem. Sabemos bem disso: se me doer um dente, é todo o corpo que fica em sofrimento, os ouvidos, a cabeça, o equilíbrio, a disposição, a vontade. É apenas um dente e afeta todo o meu dia.
       "Vós sois corpo de Cristo e seus membros, cada um por sua parte". O mesmo Deus, a mesma fé, o mesmo Batismo, Deus atua em todos. Os dons que Deus nos dá destinam-se ao bem de todos.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Ne 8, 2-4a. 5-6. 8-10; Sl 18 B (19); 1 Cor 12, 12-30; Lc 1, 1-4: 4, 14-21.

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