terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

ANSELM GRÜN - AS OITO BEM-AVENTURANÇAS

ANSELM GRÜN (2010). As oito bem-aventuranças. Caminho para uma vida bem conseguida. Braga: Editorial A.O., 184 páginas.
       Anselm Grün é Monge beneditino, formado em economia e teologia, alemão. Através dos seus livros, conferências, procura testemunhar os tesouros da vida. É por muitos considerado um guia espiritual, reunindo grandes audiências. Já tivemos oportunidade de ler e de recomendar outros títulos, tais como: A sublime arte de envelhecer e tornar-se uma bênção para os outros; O Pai-Nosso. Uma ajuda para a vida autêntica; Que fiz eu para merecer isto? A incompreensível justiça de Deus.
       Este é mais uma belíssimo livro de bolso, que se lê com agrado sobre uma temática essencial da pregação e do proceder de Jesus. As Bem-aventuranças não garantem a vida eterna, mas são um caminho que nos levam a viver melhor e mais próximos do jeito de Jesus.
       O autor parte desde logo do significado de "Bem-aventurança", a procura da felicidade, comum a todos as pessoas, ainda que de maneiras distintas e caminhos diferentes.
       Jesus sobe ao MONTE com os discípulos. O monte aproxima-nos de Deus, da luz. Na cidade, a confusão, o barulho, a poluição. A montanha dissipa o nevoeiro e conduz-nos à calmaria, à natureza em que é possível ouvir os pássaros, o vento, ouvir a Deus. Tal como no Horeb ou Sinai, em que Deus dá a Lei ao Povo através de Moisés, agora Jesus, no monte, dá-nos uma leitura nova da Lei. As leis é para que vivamos harmoniosamente uns com os outros. "É possível uma boa convivência".
       Anselm Grün segue de perto a interpretação de São Gregório de Nisa, lembrando-nos que ele "vê a montanha como o lugar para onde seguimos Jesus, a fim de nos elevarmos para cima das nossas concepções baixas e limitadas «até à montanha espiritual da contemplação mais sublime» (Gregório, 153). O monte está envolvido pela luz de Deus".
       Seguindo o título dos capítulos, o autor faz-nos perceber que as bem-aventuranças são promessa de uma vida em plenitude, acentuando também que "a felicidade não é uma consequência do comportamento, mas é expressão desse comportamento... as oito atitudes das Bem-aventuranças são o lugar onde podemos fazer a experiência de Deus e onde, em Deus, podemos experimentar a nossa verdadeira felicidade... são o caminho para uma vida bem conseguida... aponta um caminho. E podemos ver, no próprio Jesus, como é que Ele percorreu o caminho".

1.ª Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino de Deus.
"Quem é pobre em espírito está aberto a Deus que habita nele... Não usa Deus, a fim de ter alguma coisa para si, a fim de conseguir a satisfação dos seus desejos, ou a fim de se sentir melhor ou mais seguro em Deus. A pobreza em espírito é desinteressada... Para São Gregório de Nisa, a pobreza em espírito é a condição para a pessoa se elevar até Deus, em liberdade... A primeira bem-aventurança é, pois, uma caminho de liberdade interior para a verdadeira felicidade". Por deles é o reino de Deus..."O Reino dos Céus é o lugar onde Deus reina em nós. Quem é pobre em espírito, renuncia a ter as rédeas de tudo e a tudo controlar em si. está aberto ao domínio de Deus. Onde Deus reina nele, encontra o acesso ao próprio eu... se alguém se liberta de toda a dependência das coisas deste mundo, nele reina Deus. E o reinado de Deus faz dele verdadeiramente livre".
2.ª Bem-aventurados os que choram porque serão consolados.
É necessário fazer o luto de tudo o que não podemos ser, para valorizarmos o que somos e o que podemos ser, com as circunstâncias que nos contextualizam com o mundo e com o tempo atual. "Aquele que sou, saúda, tristemente, aquele que eu poderia ser" (Kierkegaard). "Jesus proclama bem-aventurados aqueles que estão dispostos a chorar, os que enfrentam a dor da despedida das ilusões. Só eles continuarão sãos, interiormente... Jesus descreve o luto como uma caminho para a felicidade... o luto é um caminho para eu enfrentar a realidade e para me libertar das ilusões com que encubro a realidade. No luto não me esquivo à dor... Ninguém pode realizar todas as possibilidades da vida... Cada decisão me dá alguma coisa e me priva de algo. Compromete-me. E em cada decisão, excluo alguma coisa. E tenho de fazer luto por aquilo que excluo. Se falho o luto, então encho esse défice que fica em mim com uma qualquer sucedâneo... O luto chora e, desse modo, fecunda a alma. A tristeza, pelo contrário, é apenas chorosa... É Cristo quem nos consola. Sim, Ele mesmo é a consolação. Se pomos o olhar n'Ele, no meio do nosso luto, já experimentamos a consolação... e o luto transforma o seu coração..."
3.ª Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra.
"A agressividade está a transformar-se num problema... Tudo tem de ser protegido, para não ser destruído... No terror, pratica-se uma agressividade sem limite. Onde ela é praticada em nome de Deus, não conhece barreiras. O valor do ser humano já não conta. O único objetivo é propagar o medo... As palavras de Jesus sobre a doçura e a mansidão parecem ser, de facto, de um outro mundo". Em contrapartida, "a mansidão nãos e deixa arrastar pelos impulsos, pela ira, ou pelos ciúmes. Permanece arreigada no solo... Jesus não proclama felizes os insensíveis. «Ditosos são, portanto, aqueles que não cedem rapidamente aos movimentos passionais da alma, mas conservam a serenidade no seu íntimo graças à temperança» (São Gregório, 170)... As palavras de Jesus desafiam-me a transmitir, também para fora, a mansidão que experimento dentro de mim... Confio no poder da ternura. Ela é água que amolece a pedra dura... Trabalhamos em nós próprios mas renunciamos a ser perfeitos... A minha terra pertence-me. Expande-se. Herdo a terra, isto é, tenho chão suficiente debaixo dos pés. Deixo de ser dividido... só nos pertencemos a nós próprios se lidamos amistosamente com o que assoma em nós..."
4.ª Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
O autor contextualiza o tempo em que as Bem-aventuranças foram proclamadas por Jesus, o contexto das comunidades que acolheram a mensagem de Jesus, interpretações ao longo da história da Igreja, com pontes à filosofia grega e ocidental, ao ambiente semita, à religiosidade popular. Ponte importante com a atualidade. Começa por referir que "o rendimento médio nos vinte países mais ricos do mundo é 37 vezes superior ao dos vinte países mais pobres... nos últimos 40 anos duplicou a distância... entre as 100 maiores unidades económicas do mundo há 52 empresas mas apenas 48 estados... Não há justiça quanto à igualdade de oportunidades... A injustiça conduz, ultimamente, à guerra". Há, por outro lado, uma «judicialização» cada vez mais abrangente. Tudo está regulamentado. "Os juristas determinam casa vez mais a vida coletiva... já não valem a fidelidade e a confiança, mas unicamente a segurança legal". Anselm Grün constata que "as pessoas anseiam pela verdadeira justiça, por um mundo onde reine a justa distribuição dos bens e das oportunidades, no qual se faz justiça a todos, tanto aos pobres como aos ricos, tanto aos mais fortes como aos mais fracos... existe a convicção de que só onde reina a justiça pode florescer a paz... A fome e a sede de justiça referem-se a todos os homens, a uma ordem justa para todos, à vida em retidão que Deus pensou para todos... As virtudes da justiça, da prudência, da coragem e da temperança põem-nos em contacto com o nosso interior". Segundo São Gregório de Nisa, as virtudes enchem-nos "de doçura e de alegria, em todos os momentos da nossa vida". Com efeito, ainda citando São Gregório, "A bem-aventurança é uma convite a uma vida feliz. Que exercita a justiça não ficará saciado apenas no Além. Será feliz e viverá satisfeito já no meio da luta pela justiça".
5.ª Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
No Jubileu Extraordinário da Misericórdia que decorre (8 de dezembro de 2015 a 20 de novembro de 2016), esta Bem-aventurança coloca-nos em sintonia e em sinfonia com o desejo do Papa Francisco de refletir e viver as Obras de Misericórdia. O Coração misericordioso e compassivo de Deus, que Se faz peregrino connosco, mas que nos Seus gestos encontremos o desafio e o compromisso para vivermos como irmãos, acolhendo e integrando todos, sobretudo os que se encontram em situação mais frágil. Partindo da atualidade, o autor começa por mostrar como o "mercado é implacável. Só o mais forte consegue impor-se, Os outros ficam pelo caminho. O carácter implacável do mercado parece influenciar também a vida social... Quem sabe «vender-se» bem, «vale» alguma coisa... Aqui só contam os números e não a pessoa". Quanto à misericórdia, dela fazem parte a compaixão e o «sofrer com». Segundo alguns, a compaixão é fraqueza (por exemplo o Terceiro Reich). "A falta de misericórdia leva ao endurecimento e à violência na convivência mútua... Só o mais forte consegue impor-se. Os outros extinguem-se". Por conseguinte, "neste mundo frio, cresce a aspiração a um mundo misericordioso... [em que] sejamos respeitados na nossa dignidade humana... Jesus manteve-se fiel à misericórdia. E declarou bem-aventurados os que são misericordiosos. Porque alcançarão. Ele acreditou na vitória da misericórdia e da compaixão... Se somos misericordiosos também experimentamos a misericórdia... É misericordioso o que lida consigo e com os outros... Lido amorosamente com a esta criança em mim, necessitada de ajuda. Confio em que a minha criança interior vá amadurecendo, no meu colo materno e no colo materno de Deus, e que venha a ser o que deve ser a partir de Deus... A misericórdia brota do amor ao próximo... A misericórdia devolve-nos a vida... A compaixão pela nossa doença devolve-nos a saúde... A misericórdia de Deus permite-nos ser mais misericordiosos connosco próprios... Quem é misericordioso compreendeu quem é Deus. E participa de Deus. Está em Deus. A misericórdia é, para nós, os seres humanos, o caminho para o coração de Deus".
6.ª Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.
Olhando para o nosso tempo, o autor conclui que "a desconfiança está na moda". Não se aceitam as palavras sem reservas, crê-se que há sempre segundas intenções. No entanto, "aspiramos à clareza e à pureza de sentimentos, a pessoas que possuem um coração puro, que fazem, sem segundas intenções, o que reconheceram ser reto, e que dizem o que para elas brilha como verdade... aspiramos à pureza do coração... O coração puro é o coração simples, sincero, claro... Jesus exorta-nos a deixarmos que a luz irradie sobre o nosso corpo e expulse todas as trevas. Quando nos encontramos com uma pessoa cujos olhos brilham, sem segundas intenções, então também algo em nós se torna claro e límpido". Na Transfiguração, os discípulos "veem, de repente, claramente, quem é Jesus Cristo. E no espelho de Jesus reconhecem-se a si próprios... A meta do ser humano é ver a Deus, na visão passar a ser um com Deus... Se vemos a Deus esquecemo-nos de nós mesmos. Fazemo-nos um com Deus e, ao mesmo tempo, connosco próprios, Na unidade com Deus tomamos consciência de nós próprios, chegamos ao nosso esplendor original e não falseados... Sentimo-nos luz, iluminados pela luz de Deus. Isto é o ápice da Encarnação, o mais alto a que um ser humano pode aspirar". A pureza do coração faz bem à saúde, pois aquele que se encontrou consigo próprio, com a sua luz interior, "deixa de procurar no exterior a cura das suas feridas. Já não espera, vinda do afeto e da ajuda dos outros, a sua saúde. Encontra-a em si mesmo se, graças à pureza, se tornou inteiramente ele próprio".
7.ª Bem aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.
Olhando para o mundo atual, vemos como é frágil da paz. São disso exemplo as duas Guerras mundiais, mas igualmente tantas zonas de conflito bélico, em diferentes latitudes. No tempo de Jesus Cristo a paz é periclitante. O povo está sob o domínio romano e aquilo que se chama a paz romana (pax romana) não passava efetivamente de pacificação, de imposição da paz pela força, pelo domínio, pelo controlo apertado, aniquilando todos os focos de resistência e até povos inteiros. "Era uma paz violenta". A paz não é algo de passivo, de deixar correr, sem fazer nada, sem intervir, mesmo quando a violência o atinge. A paz é ativa, implica. "Criar paz significa a disponibilidade ativa para ir ao encontro das pessoas que estão em conflito e reconciliá-las entre si". Também em nós devemos fazer as pazes com os nossos inimigos: o nosso medo, a nossa depressão, a nossa susceptibilidade, a nossa falta de disciplina, e então os nossos inimigos convertem-se em amigos e "a nossa terra, de repente, torna-se maior do que nunca sucedeu antes. Em vez de dez mil soldados, temos à disposição trinta mil (cf. Lc 14, 31ss). Ficamos mais fortes... Só quem está em sintonia consigo próprio, ou pelo menos a caminho dessa meta, pode construir a paz entre as pessoas". Por outro lado, prossegue Anselm Grün, a construção da paz resultará do amor e do diálogo, superando o conflito interior para superar os conflitos exteriores, não pela violência mas pelo diálogo. "Se quero vencer os inimigos, não construirei a paz. O derrotado quer vir a ser, um dia, o vencedor. Assim voltará a levantar-se e a continuar a combater. Só quando se alcança um bom equilíbrio todos podem viver em paz... Construir a paz é um processo criativo... Quem cria paz, participa do poder criador de Deus, que fez tudo bem feito". Dando como exemplo Martin Luther King, o autor sublinha que "só o amor pode construir a paz. «O ódio não pode expulsar o ódio. Só o amor consegue. O ódio multiplica o ódio, a violência aumenta a violência, a dureza faz aumentar a dureza, uma espiral permanente de aniquilamento» (Feldmann, 702). O ódio não destrói apenas a convivência, prejudica também a pessoa".
8.ª Bem-aventurados os que sofrem perseguição, por causa da justiça, porque deles é o reino dos Céus.
"A injustiça no mundo clama ao céu. Mas não há quase ninguém que arrisque a pele pela justiça". No mundo atual parece que são felizes aqueles que estão do lado dos vencedores, dos lobos, daqueles que passam por cima dos outros. "A bem-aventurança desafia-nos, mas não sobrecarrega com coisas impossíveis. O que faz é fortalecer a nossa aspiração à coragem de nos empenharmos pela justiça, custe o que custar... A coragem é a expressão da liberdade interior... mantenho-me firma na justiça, mesmo que isso me cause desvantagens junto dos outros". O que me sucede de mal pode empurrar-se para a frente, para o bem. Seguindo de perto São Gregório de Nisa, o autor evoca a imagem das corridas. Os adversários que correm comigo levam-me a avançar, lutando. Os conflitos em que caio podem ajudar-me a ser mais forte.
"São Mateus compôs as oito Bem-aventuranças de tal modo que a primeira e a última contêm a promessa do Reino dos Céus. Os pobres em espírito são, como os perseguidos por causa da justiça, também pessoas interiormente livres, que não se deixam depender da opinião dos outros... porque encontraram em Deus a sua verdadeira essência. Deus reina nelas. E porque Deus reina nelas são por inteiro elas mesmas, livres do poder dos outros. Porque Deus é o seu centro, são elas próprias, no seu centro, estão em sintonia consigo mesmas".
As bem-aventuranças são um caminho para viver melhor e ser mais saudáveis.

Sem comentários:

Enviar um comentário