1 – Depois do Batismo, Jesus, impelido pelo Espírito Santo, seguiu para o deserto, para orar. O deserto deixa a descoberto o essencial, com as suas forças e as suas fraquezas. Jesus deixa-Se preencher por Deus e pelo Seu Espírito de Amor, superando dessa forma as tentações do poder, do egoísmo, da facilidade, a tentação de renunciar a uma vida vivida em primeira pessoa e de caminhar enfrentando as dificuldades e os obstáculos, não os contornando, não os escondendo debaixo do tapete, mas vivendo comprometido, servindo, fazendo-Se Caminho connosco e para nós.
Agora sobe ao monte. O monte é também um lugar especial de encontro com o essencial, isto é, de encontro com Deus. Jesus leva-nos com Ele. "Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar. Enquanto orava, alterou-se o aspeto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente". A subida à montanha permite-nos respirar um ar mais puro, sem poluentes, onde se dissolve a nebulosidade. Como não lembrar aqueles dias em que o nevoeiro permanece sobre a vila, sobre a aldeia, e temos de ir à montanha para vermos o sol e a luminosidade.
Mas não apenas isso. Jesus vai à montanha com um propósito primeiro: orar ao Pai. O Evangelho de Lucas é particularmente o evangelho da oração de Jesus. Jesus reza, por ocasião do Batismo, e abrem-se os Céus. No alto do monte, Jesus reza e o Seu rosto altera-se, as suas vestes ficam de uma brancura refulgente. A oração faz perceber a presença do Pai. Na oração Jesus, deixa-Se ver tal como É, filho de Deus. É um vislumbre da eternidade de Deus e da ressurreição. O Caminho ainda será longo e de sofrimento, mas uma luz ao fundo do túnel sempre nos incentiva a prosseguir e nos aponta a direção para chegarmos à tona, para chegarmos à luz.
A oração permite-nos participar da vida de Deus. Jesus ensina-nos a fazê-lo, incentivando-nos: "sede misericordiosos como o Vosso Pai é misericordioso" (Lc 6, 36). É na oração que nos aproximamos do monte, que nos aproximamos de Deus. É na oração que Deus dilata o nosso coração para O acolhermos, para nos identificarmos com Ele. Não há outro caminho, ainda que possam existir alguns atalhos que nos aproximem de Deus.
2 – Estamos a meio do caminho. Jesus conduz-nos ao monte e, em oração, deixa-Se ver como Filho de Deus, do Seu rosto irradia a Luz da eternidade, o desenlace da Sua e da nossa história na Ressurreição. Mas ainda falta percorrer caminho. Da montanha é possível, estando mais perto dos Céus, olhar o mundo a partir de Deus e do Seu amor de ternura, é possível ver mais longe. Somos agora conduzidos por Jesus, e não pelo demónio, para contemplarmos o mundo não para o subjugar mas para o servir, cuidando de todos os que o habitam, sobretudo os mais frágeis.
Jesus tinha dito claramente aos seus discípulos que a hora das trevas se aproximava rápida e decididamente. Ecoa ainda a repreensão de Pedro: «Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não há de acontecer!». A reposta de Jesus é contundente: «Vai-te daqui, Satanás. Tu és para mim uma ocasião de escândalo, pois não tens em vista as coisas de Deus, mas dos homens» (Mt 16, 22-23).
Um balde de água fria nas aspirações e nas expectativas dos discípulos. Agora Jesus revela-lhes o que está para lá da paixão, da entrega, da cruz, do sofrimento. Não lhes esconde as dificuldades, mas aponta para a frente. A oração sincroniza-nos com a eternidade, podemos então ver Moisés e Elias, a Aliança que Deus estabelece com todas as nações através do Povo Eleito. A Aliança é refeita, plenizada e universalizada com a presença, a vida e a mensagem, a morte e a ressurreição de Jesus. A Palavra e a Aliança de Deus com o Seu povo tem agora um ROSTO humano, toda a criação desemboca em Jesus. Lucas ainda tem tempo para nos dizer que Moisés e Elias falavam da morte de Jesus a consumar-se em Jerusalém. Despertando, os discípulos veem a glória de Jesus. Atónito, Pedro, interpretando o sentir dos companheiros, diz a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
A nuvem de Deus guiou Moisés e o povo pelo deserto, agora envolve Jesus e os discípulos. Da nuvem Deus faz-Se ouvir: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O».
Quando os Céus se abriram por ocasião do batismo de Jesus no rio Jordão era-nos revelada a identidade de Jesus. Conhecer a Sua identidade é o início mas não é tudo. Não basta saber Quem é Jesus, há que segui-l’O. "Deus de infinita bondade, que nos mandais ouvir o vosso amado Filho, fortalecei-nos com o alimento interior da vossa palavra, de modo que, purificado o nosso olhar espiritual, possamos alegrar-nos um dia na visão da vossa glória" (oração de coleta).
3 – Jesus é o Rosto da Misericórdia do Pai. “Quem Me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9). O Filho vem iluminar o nosso caminho, aproximando-Se. Não fica ao longe, distante, alheado, como observador! Deus intervém na nossa história. Coloca-Se do nosso lado. Na Transfiguração, Jesus faz-nos vislumbrar a luminosidade de Deus, mostra Quem É, deixando-nos ver a Sua glória. Mais, o próprio Jesus exemplifica, vivendo, o caminho a seguir para entrarmos no Coração de Deus.
"Ouvi, Senhor, a voz da minha súplica, tende compaixão de mim e atendei-me. Diz-me o coração: «Procurai a sua face». A vossa face, Senhor, eu procuro. Não escondais de mim o vosso rosto, nem afasteis com ira o vosso servo. Não me rejeiteis nem me abandoneis, meu Deus e meu Salvador. Espero vir a contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos".
A esperança cristã não diz respeito apenas à eternidade, diz respeito à nossa vida atual. A Transfiguração de Jesus acontece a caminho da Cruz, antes, portanto, da ressurreição. Mas são dois acontecimentos entrelaçados. A paixão emerge como oferenda, como entrega, como identificação com os nossos sofrimentos. A ressurreição é a outra face da moeda. Nem tudo está perdido. Com Deus, nada está perdido. Mantemo-nos na corrida. Melhor, Deus mantém-nos na corrida. A Sua misericórdia clama por nós. Espreita-nos por entre as provações inevitáveis da nossa fragilidade humana. Desafia-nos. Escutai o Meu filho e vinde para que Eu reine em vós. Se Deus reina em nós, nada nos derrubará em definitivo. Daí, sublinhe-se uma vez mais, a importância da oração, para que em nós seja visível a presença e o amor de Deus, para que Ele possa transparecer a beleza da eternidade que se inicia connosco no tempo atual. Vamos ressuscitando com Ele. Somos chamados, seguindo Cristo, a ser luz para os outros, a transparecer em nós a Graça e a Bondade de Deus.
4 – Em Abraão, Deus encontra um interlocutor privilegiado com quem fará uma primeira Aliança. A promessa de uma terra e de uma descendência numerosa. Abraão é posto à prova. A idade avançada aponta para a infertilidade e, no concreto, para a "desonra". Mas Deus não desiste de nós e não Se dá por vencido para que também nós não desistamos. A oferenda de Abraão – «Toma uma vitela de três anos, uma cabra de três anos e um carneiro de três anos, uma rola e um pombinho» – é trespassada pelo fogo divino. Desta forma, Deus sela a Aliança com Abraão. Por sua vez, Abraão vislumbra a presença de Deus por aquele brasido fumegante, e segue adiante!
5 – "A nossa pátria está no Céu". Naquela montanha, Jesus dá aos seus discípulos um vislumbre da eternidade, como promessa, como desafio, como compromisso. O Céu está ao nosso alcance, ainda que haja um caminho a percorrer, o que implicará esforço, trabalho, sacrifício, com suor e lágrimas, luta, mas vai valer a pena, porque Deus é connosco, e Ele não nos vai deixar mal.
O Apóstolo São Paulo, nesta missiva aos Filipenses, apresenta-se como referência, não por sobranceria mas para nos incentivar a viver ao jeito de Jesus: "Sede meus imitadores e ponde os olhos naqueles que procedem segundo o modelo que tendes em nós. Porque há muitos, de quem tenho falado várias vezes e agora falo a chorar, que procedem como inimigos da cruz de Cristo".
São Paulo envolve-se totalmente no anúncio do Evangelho, preocupando-se a sério, prevenindo desvios, alertando para aqueles que semeiam a discórdia, a divisão, a dúvida: "O fim deles é a perdição: têm por deus o ventre, orgulham-se da sua vergonha e só apreciam as coisas terrenas".
Vivemos no mundo e não fora dele ou alheados da realidade. Deus veio habitar connosco. Fez-Se um de nós. Na Oração Sacerdotal, Jesus reza ao Pai não para que nos tire do mundo mas nos livre do mal, lembrando que nem Ele nem nós somos do mundo, mas da eternidade (cf. Jo 17, 11-16). O Apóstolo Paulo dá-nos um critério de fidelidade ao Evangelho: "A nossa pátria está nos Céus, donde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo miserável, para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso, pelo poder que Ele tem de sujeitar a Si todo o universo. Portanto, meus amados e queridos irmãos, minha alegria e minha coroa, permanecei firmes no Senhor".
Pe. Manuel Gonçalves
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