sábado, 12 de março de 2016

Domingo V da Quaresma - ano C - 13 de março

       1 – O ministério de Jesus é facilmente caracterizável pela delicadeza, proximidade e misericórdia, pelo acolhimento e amizade, pela ternura e pela bondade. Jesus não faz aceção de pessoas. A opção primeira, contudo, é para os que não têm lugar nos reinos deste mundo: pobres, publicanos, pecadores, mulheres, crianças, doentes, estrangeiros, portadores de deficiência. Não são os sãos que precisam de médico, mas os doentes. É para os pecadores que vem ao mundo, encarnando. Não para aqueles que se considerem a si mesmos perfeitos. Aquele que perdeu a capacidade de aprender, de mudar, de crescer, de corrigir algum aspeto na sua vida, e se sente e se coloca acima dos outros, não é deste mundo, não é humano. Seria deus e os deuses não são da terra.
       Ora, Jesus faz-Se humano, vivendo sujeito às coordenadas do tempo e do espaço. E por isso Se pode encontrar, tocar, Se pode perseguir, prender e até Se pode matar. Em definitivo, Jesus é o poeta da misericórdia de Deus. Não vem para condenar, mas para salvar, para redimir, para elevar todo aquele que se perdeu no caminho ou se desviou da felicidade. Vem para iluminar as trevas e levar à verdade os que vivem enrodilhados na mentira e na falsidade. Vem para reconciliar-nos connosco, com os outros, com o mundo. Traz à nossa vida uma Notícia Boa, Nova e Bela: Deus ama-nos com Amor de Mãe e tudo fará para nos reunir como filhos, em família.
       2 – Belíssima a página do Evangelho de São João que hoje nos é apresentada neste 5.º Domingo da Quaresma. A descrição joanina faz-nos ver Jesus e acompanhá-l'O em diferentes momentos. Retira-Se para o monte das Oliveiras, para pernoitar, para descansar, para rezar, alimentando-Se da presença do Pai. Com Ele vão os discípulos. Vamos no Seu encalço, não nos percamos no caminho, não fiquemos para trás. A oração faz-nos sintonizar com Jesus e com a Sua oração em nós.
       Manhã cedo e Jesus volta ao Templo. Senta-Se e começa a ensinar o povo que se aproximara d'Ele. Como em outras ocasiões, alguns fariseus e doutores da Lei também se aproximam mas para O testar. Apresentam uma mulher apanhada em flagrante adultério. Desde logo a discriminação, falta o homem que com ela cometeu adultério e para quem a Lei de Moisés exigia o mesmo tratamento. A prática já não correspondia aos ideais mosaicos. Colocam-na no meio dos presentes. Humilhação completa. Não bastava ter sido surpreendida em falta era agora exposta perante todos.
       «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres. Tu que dizes?». Armadilha bem orquestrada da qual não é fácil uma saída airosa. Se condenasse aquela mulher, Jesus não seria melhor que aqueles que lha apresentaram e cairia uma das facetas essenciais do Mestre da Sensibilidade, a Sua delicadeza, tolerância, acolhimento de pecadores e publicanos. Não condenando, estaria a ser conivente com o pecado e a contrariar a Lei de Moisés, que o povo judeu tem como referência imprescindível para a religião.
       Jesus usa da mesma argúcia e faz com que os fariseus, os doutores da Lei, os discípulos, e todo o povo, onde também nos incluímos, regressem à terra, ao chão. "Jesus inclinou-Se e começou a escrever com o dedo no chão". E é então que Jesus contrapõe: «Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra». E novamente Jesus nos faz olhar para o chão das nossas misérias. Para atirar a primeira pedra é preciso alguém impecável, que não tenha fraquezas, nem pecados, nem telhados de vidro. Não julgueis e não sereis julgados. Não condeneis e não sereis condenados. Porque olhas para o argueiro na vista do teu irmão sem tirar a trave da tua vista?
       3 – Um após outro, todos se retiraram, porque olhando para as suas vidas facilmente encontraram motivos de condenação, de censura, de arrependimento. Mal é quando desviamos a atenção para os outros para que não olhem para nós.
       No final, diz Santo Agostinho, "todos saíram da cena. Somente ficaram Ele e ela; ficou o Criador e a criatura; ficou a miséria e a misericórdia... Ficou ali apenas a pecadora e o Salvador. Ficou a enferma e o médico. Ficou a miserável com a misericórdia". Jesus levantou-Se e disse-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?». Ela respondeu: «Ninguém, Senhor». Disse então Jesus: «Nem Eu te condeno. Vai e não tornes a pecar».
       A miséria desta mulher é absorvida pela misericórdia de Deus que em Jesus a perdoa e a acaricia. Vai e não voltes à mesma vida. Tens agora uma nova oportunidade. Refaz o trajeto, refaz e vida. Vai e sê mulher, sê feliz. A misericórdia não passa ao lado do pecado, o pecado é perdoado por Deus, por Jesus; a misericórdia reabilita-a para uma vida nova. Jesus não desculpa o pecado, não desvaloriza ou disfarça o mal. Desculpabilizar não é perdoar, é contornar o problema, varrer para debaixo do tapete. Reconhecer o pecado, o mal feito, é levar a sério a pessoa, na sua liberdade, consciência e responsabilidade. Perdoar é aceitar a pessoa com as suas limitações e as suas falhas. Ela pecou, como o homem que estivera com ela também pecou. Jesus di-lo claramente: vai e não voltes a pecar. Não te condeno. Os teus pecados estão perdoados. Esta mulher é reabilitada como filha amada de Deus.
       O desafio é para ela, para fariseus e doutores da lei, e também para nós. Obriga-nos a olhar para nós para que não condenemos nem injusta nem levianamente. Perdoar as injúrias. Suportar com paciência as fraquezas do próximo. Perdoemos porque primeiro Deus nos perdoa!
       Onde abunda o nosso pecado superabunda a graça, a misericórdia, a benevolência de Deus.
       4 – O Senhor Deus é lento para a ira e pronto a usar de misericórdia até à milésima geração. Jesus é o Rosto e a plenitude da Misericórdia do Pai, encarnando-a na história e no tempo, na nossa vida e no nosso mundo. Porém, ao longo da história do Povo Eleito, Deus revela-Se na Sua infinita bondade, misericórdia, compaixão.
       O Povo de Deus faz a experiência da presença amorosa de Deus em diferentes momentos e circunstâncias. "O Senhor abriu outrora caminhos através do mar, veredas por entre as torrentes das águas". Mas como se isso não bastava, a promessa de Deus: «Vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes? Vou abrir um caminho no deserto, fazer brotar rios na terra árida. Os animais selvagens – chacais e avestruzes – proclamarão a minha glória, porque farei brotar água no deserto, rios na terra árida, para matar a sede ao meu povo escolhido, o povo que formei para Mim e que proclamará os meus louvores».
       Como a águia transporta a sua cria, assim Deus nos eleva e nos protege; como galinha que envolve os pintainhos, assim Deus, como Mãe, nos resguarda de todo o mal. E, ainda que nos transviemos, Deus não cessa de nos procurar e, se regressamos, faz festa, revestindo-nos com o traje da alegria.
       5 – Na morte e ressurreição de Jesus cumpre-se a Promessa de Deus a Israel e a todos os povos. Eis que faço novas todas as coisas! Jesus, oferecendo a Sua vida por nós, carregando os nossos sofrimentos e o nosso pecado, introduz-nos na vida divina, vida de graça e de amor. Pelo Batismo somos configurados ao mistério pascal. Morremos com Cristo para com Ele ressuscitarmos novas criaturas.
       Como à mulher apanhada em flagrante adultério, também a nós Jesus nos ergue com Ele e nos envia a levar a Boa Nova a todos: o Reino de Deus chegou, está entre nós, a redenção cumpriu-se com a Sua vida, morte e ressurreição.
       Paulo relembra-nos a nossa identificação a Jesus, desafiando-nos a sintonizar com Ele o nosso caminhar. O Apóstolos deixou-se alcançar por Cristo, renunciando as todas as coisas, para se configurar à Sua morte e, n'Ele, chegar à ressurreição. Mas não é o fim, pois «continuo a correr, para ver se a alcanço, uma vez que também fui alcançado por Cristo Jesus... Só penso numa coisa: esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta, em vista do prémio a que Deus, lá do alto, me chama em Cristo Jesus».
       Já fomos alcançados pela misericórdia de Cristo Jesus, mas o nosso trabalho, a nossa missão só termina quando chegar a hora de irmos para o Pai. A certeza de que fomos redimidos na morte e ressurreição de Jesus compromete-nos mais com o nosso tempo e com as pessoas com as quais temos de construir o Seu Reino de Deus de amor, de justiça e de paz.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): Is 43, 16-21; Sl 125 (126); Filip 3, 8-14; Jo 8, 1-11.

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